INTRODUÇÃO
O Montado é um ecossistema mediterrânico com particular resiliência, rico em biodiversidade e de grande relevância para a conservação da natureza. Nas últimas décadas, as mudanças ambientais, culturais, económicas e sociais têm provocado um desequilíbrio no ecossistema Montado levando muitas vezes ao seu declínio. Particularmente, as alterações climáticas, devido ao aumento de temperaturas extremas e redução das chuvas, têm provocado o aumento dos locais com mortalidade das árvores, causado pelo aumento de pragas e doenças, como o oomicota Phytophthora sp. A simbiose entre as leguminosas e as bactérias (rizóbios), a qual permite a fixação biológica do azoto, constitui um trunfo essencial para a manutenção e melhoria da fertilidade dos solos pela introdução de quantidades apreciáveis de azoto no solo, de uma forma ambientalmente não poluente. Por outro lado, estas simbioses contribuem também diretamente, para o crescimento das plantas do sob-coberto, como as pastagens naturais ou introduzidas à base de leguminosas. Desta forma, estas simbioses proporcionam um enriquecimento nutricional de solos empobrecidos, reequilibrando a sua produtividade e sustentabilidade (Videira e Castro et al., 2019). Por isso, um dos objetivos deste estudo foi avaliar a dimensão e a eficácia na fixação de azoto, da população rizobiana natural em solos associados ao Montado. Estes resultados irão fornecer informações valiosas sobre a importância do estabelecimento ou manutenção do sob-coberto (pastagens) nestes locais. Neste trabalho fez-se ainda o isolamento das bactérias dos nódulos radiculares de leguminosas (trevo subterrâneo) para avaliar outras importantes atividades in vitro como a solubilização do fósforo, atividade de celulase e antagonismo contra Phytophthora.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado num dos locais de demonstração do projeto LIFE-MONTADO-ADAPT, no Alentejo. Foram avaliados vários parâmetros em contexto de declínio, como a presença de Phytophthora e aplicadas classes de desfoliação da copa das árvores a amostrar, de modo a estudarmos casos distintos, em declínio versus boas condições fitossanitárias: C0 - sem desfoliação, C1 - desfoliação ligeira ≤ 25%, C2 - desfoliação moderada 26-60% e C3 - desfoliação severa > 60% (Cadahia et al., 1991). Em cada local escolhido fizeram-se colheitas de amostras de solo, sendo cada amostra composta por 4 subamostras da camada superficial do solo, colhidas nos quatro pontos cardeais e a 1-2 m de distância de cada árvore (até 20 cm de profundidade). A presença/ausência de Phytophthora em cada amostra de solo foi detetada pelo método de armadilha vegetal, seguido de isolamento em cultura pura e identificação com base em características morfológicas (Jung et al., 1996) e métodos moleculares (White et al., 1990). A população rizobiana natural foi estimada por contagem indireta, através da infeção de plantas, pelo método do número mais provável (NMP) utilizando-se Trifolium subterraneum como hospedeiro-armadilha. No início as sementes de trevo pré-germinadas foram inoculadas com diferentes diluições de solo e mantidas em câmara fitoclimática durante 8 semanas. Foram também incluídos controlos: TN (plantas inoculadas com KNO3, como fonte química de azoto) e T0 (plantas sem adição de N, nem de diluição de solo). No final, as plantas foram caracterizadas quanto à presença ou ausência de nódulos radiculares e o número de bactérias g-1 de solo calculado em função de tabelas de acordo com Somasegaran & Hoben (1994). A parte aérea das plantas das primeiras diluições, e com nódulos, bem como as plantas/controlo TN e T0 foram secas em estufa a 80°C durante 2 dias e os respetivos pesos secos utilizados para calcular o índice de eficácia simbiótica (Es) da população rizobiana: Es ( % ) = ( Xs - XT0 ) / ( XTN − XT0 ) x 100, sendo Xs - peso seco médio das plantas inoculadas com solo, XTN e XT0 - peso seco médio de plantas do controlo de azoto e das não inoculadas, respetivamente (Ferreira & Marques, 1992). Em seguida, os nódulos foram removidos para isolamento das bactérias com recurso a meios específicos (Agar de Manitol Levedura - AML). Os isolados obtidos foram testados in vitro quanto à solubilização de fosfato mineral, atividade de celulase e antagonismo contra Phytophthora cinnamomi. Os testes in vitro para avaliação da solubilização de fosfato foram efetuados com base na metodologia descrita em Peix et al. (2001). Para a atividade de celulase seguiu-se o método descrito em Verma et al. (2001). Nos testes para avaliação da atividade antagonista foram usados 2 meios de cultura: Potato Dextrose Agar (PDA) e AML. O inóculo de Phytophthora foi colocado no centro das placas de Petri e após 2 dias de incubação a 27°C aplicaram-se 3 μl de cada cultura bacteriana (4/placa), previamente crescidas durante 48 h em meio líquido de Triptona (TY). As placas foram incubadas durante 10 dias a 27°C. A caracterização molecular de alguns dos isolados foi efetuada com base na análise de sequência do gene 16S rRNA (Weisburg et al., 1991).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nos locais sem desfoliação (classe 0) verificou-se que a população rizobiana natural foi muito elevada, variando entre 1,47x104 e 9,33x104 bactérias g-1 de solo. Estes valores (acima de 104 bactérias g-1 de solo) podem ser considerados como suficientes para que a simbiose entre as leguminosas, como Trifolium sp., e as bactérias/rizóbios, se estabeleça e seja eficiente na fixação de azoto. A eficácia simbiótica desta população atingiu 147,4%, podendo ser considerada uma população natural altamente eficaz na fixação de azoto. Por outro lado, verificou-se que a dimensão da população rizobiana foi bastante mais baixa nos locais com árvores com maiores classes de desfoliação (classe 3), variando entre 1,47x102 e 9,18x102 bactérias g-1 de solo. Nestes solos, a eficácia simbiótica atingiu também valores elevados variando entre 68,5 e 106,6% (Quadro 1).
Classes | Nºde bactérias g-1 solo | Eficácia (%) |
---|---|---|
0 | 1,47x103 - 9,33x104 | 98,5 - 147,4 |
1 | 1,47x104- 4,27x104 | 72,9 - 104,9 |
2 | 4,24x102 - 4,27x104 | 75,8 - 80,4 |
3 | 1,47x102 - 9,18x102 | 68,5 - 106,6 |
Obtiveram-se 120 isolados de bactérias dos nódulos radiculares de T. subterraneum. Os resultados obtidos nos vários testes in vitro efetuados mostraram que apenas um pequeno número de isolados possuía pelo menos uma das atividades testadas distribuídas do seguinte modo: solubilização de fosfato (6%), de antagonismo à Phytophthora (4%) e de celulase (17%) (Figura 1).
Apesar do pequeno número de bactérias que mostraram atividade de solubilização do fósforo, estas podem ser consideradas de grande importância em solos pobres e degradados, pela sua capacidade para mobilizar o fósforo indisponível tornando-o acessível às plantas e reduzindo assim as necessidades de fertilização fosfatada. A capacidade de degradar a celulose foi verificada em 17% dos isolados, sendo a sua maioria provenientes de solos recolhidos junto a árvores pertencentes à classe 2 de desfoliação. Sendo a celulose um componente essencial da parede celular da Phytophthora, estas bactérias podem também ajudar no seu combate. Por outro lado, as bactérias que mostraram possuir atividade antagonista contra Phytophthora, foram isoladas dos nódulos radiculares das plantas de trevo subterrâneo inoculadas com os solos recolhidos junto a árvores com classes de desfoliação 0 e 3. Porém, nestes locais não foi detetada a presença de Phytophthora. Estas bactérias com atividade antagonista foram identificadas molecularmente como Bacillus subtilis, Pseudomonas moraviensis, Streptomyces umbrinus e Rhizobium sp. e apresentaram simultaneamente atividade de celulase e solubilização de fósforo, incluíndo a fixação de azoto, para o caso do Rhizobium sp.. Estas espécies estão descritas como bactérias promotoras de crescimento de plantas (PGPR). Por exemplo, a espécie Bacillus subtilis é muito comum no solo e desempenha um papel fundamental ao conferir tolerância ao stress biótico e abiótico nas plantas (Mahapatra et al., 2022). Embora estas bactérias tenham sido isoladas dos nódulos radiculares das plantas de trevo nos ensaios das camaras bioclimáticas, estariam também presentes nos solos avaliados, tendo compartilhado o nódulo juntamente com bactérias Rhizobium sp. responsáveis pelo processo de nodulação nestas leguminosas e poderão por isso também desempenhar um papel importante conferindo tolerância a agentes fitopatogénicos.
CONCLUSÕES
Os microrganismos do solo, designadamente as bactérias fixadoras de azoto (rizóbios) têm um papel importante em solos degradados, como alguns que existem em áreas de Montado, ao contribuírem para a entrada de azoto nestes solos através das simbioses que estabelecem com as leguminosas. Nos locais examinados correspondentes a classes de desfoliação elevada a população rizobiana encontrada foi baixa não se estabelecendo, por isso, simbioses eficientes. Nestes casos o recurso a biofertilizantes, com bactérias fixadoras de azoto será indispensável. Igualmente, a utilização de bactérias que mostraram ser antagonistas de Phytophthora e com atividade de celulase são promissores para o biocontrolo desta doença. Desta forma, este trabalho permitiu a obtenção de bactérias altamente eficientes na fixação de azoto que para além de terem diversas funções benéficas para o solo e para o seu equilíbrio, poderão ser usadas em futuros bioinoculantes para a recuperação do montado face às alterações climáticas e no controlo de doenças radiculares.