INTRODUÇÃO
A agricultura de regadio tem um papel fundamental em Portugal, onde as condições agro-ecológicas são caraterizadas por verões quentes e secos, com taxas de evapotranspiração elevadas. Estas condições podem ainda agravar-se se as alterações climáticas projetadas para a região se concretizarem. Associado a um aumento das necessidades de rega, o risco salinização do solo é assim um dos processos que mais deve ser tido em conta.
A acumulação de sais de rega no perfil de solo conduz à salinização secundária, sendo um dos principais processos de degradação do solo. O excesso de sais na zona das raízes conduz à diminuição da capacidade de extração de água pelas plantas, da sua taxa de transpiração e consequente redução da produção. Para minimizar este risco de degradação do solo, mantendo o rendimento das culturas, é necessária uma monitorização rigorosa da salinidade do solo e a adoção de práticas agrícolas adequadas a cada caso.
Neste estudo, avaliou-se a evolução da salinidade do solo em diferentes tipos de solo e culturas do perímetro de rega do Roxo. Escolheu-se aquela área devido à existência de solos sódicos (solos com elevado teor de sódio no complexo de troca e baixo teor total de sais solúveis) e dos estudos prévios que mostravam os registos históricos de qualidade de água da albufeira do Roxo, em termos de salinidade e sodicidade, mais elevados em Portugal. Monitorizações em julho de 2003 e julho de 2004 indicaram que a água de rega apresentava valores de condutividade elétrica (ECágua) entre 1 e 1,27 dS/m (Martins et al., 2005). Mais recentemente, monitorizações de julho de 2014 a novembro de 2015 e de junho de 2016 a janeiro de 2017, indicavam uma redução da ECágua de 0,99 para 0,76 dS/m respetivamente (Alexandre et al., 2018). A barragem do Roxo passou a receber água da barragem de Alqueva em junho de 2016, o que pode justificar a melhoria da qualidade da água.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram selecionados dez locais experimentais para monitorização da salinidade do solo (Quadro 1), com diferentes solos e culturas regadas (rega gota-a-gota). Os solos foram classificados segundo a WRB (2014).
Local | Cultura | Variedade | Solos |
1 | Amendoal | Monterey | AL-cr |
2 | Amendoal | Monterey | LV-cr |
3 | Olival intensivo | Arbequina | AL-ap.cr |
4 | Olival intensivo | Cobrançosa | AL-cr |
5 | Olival intensivo | Picual | RG-ca |
6 | Laranjas | Fukumoto | LV-ap.cr |
7 | Clementinas | Oronules | LV-ap.st |
8 | Tangerinas | Setubalense | RG-st.son |
9 | Romã | Wonderful | PL-lv |
10 | Olival superintensivo | Arbequina | VR-son.cr |
Legenda abreviada da classificação dos solos (WRB, 2014):
AL-cr Chromic Alisol
LV-cr Chromic Luvisol
AL-ap.cr Chromic Abruptic Alisol
AL-cr Chromic Alisol
RG-ca Calcaric Regosol
LV-ap.cr Chromic Abruptic Luvisol
LV-ap.st Stagnic Abruptic Luvisol
RG-st.son Endosodic Stagnic Regosol
PL-lv Luvic Planosol
VR-son.cr Chromic Endosodic Vertisol
A salinidade do solo foi avaliada através do valor da condutividade elétrica do extrato de saturação do solo (ECe), que é considerado o principal indicador daquela ameaça.
As culturas estudadas apresentavam tolerâncias diferentes à salinidade do solo (Ayers e Westcot, 1985; Maas, 1990). Segundo esta classificação, as culturas dos Locais 1, 2, 4, 6, 7, e 8 (Quadro 2) são consideradas sensíveis, S, (ECe<1,5 dS/m), enquanto as dos Locais 3, 5, 9 e 10 são moderadamente tolerantes, MT, (3<ECe<6 dS/m). A tolerância dependente ainda da variedade em causa, como é o caso do Local 4, onde a variedade Cobrançosa é considerada sensível à salinidade (Tabatabaei, 2007).
As campanhas de monitorização decorreram de maio de 2019 a maio de 2021. Colheram-se amostras de solo de 20 em 20 cm, até a espessura efetiva do solo o permitir, num máximo até 80 cm de profundidade. Em cada amostra procedeu-se à determinação da ECe.
A ECágua média foi de 0,72 e de 0,66 dS/m em 2019/2020 e em 2021, respetivamente. Estes valores estão de acordo com a legislação portuguesa para águas de rega, em que ECágua < 1 dS/m (DL 236_1998). A precipitação ocorrida, que é muito importante pela contribuição para a lavagem dos sais acumulados no solo, foi de 326, 496 e 454 mm em 2019, 2020 e 2021, respectivamente.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No Quadro 2 apresentam-se os valores máximos, mínimos e médios da ECe (dS/m) obtidos em todas as profundidades amostradas nos dez locais de maio de 2019 a maio de 2021. Indicam-se ainda o número de medições efetuadas em cada local.
ECe (dS/m) | Máximo | Mínimo | Médio | N.º obs. |
Local 1 | 3,62 | 0,45 | 1,26 | 11 |
Local 2 | 1,69 | 0,25 | 0,95 | 11 |
Local 3 | 3,86 | 0,15 | 1,30 | 27 |
Local 4 | 1,54 | 0,32 | 0,75 | 10 |
Local 5 | 3,96 | 0,20 | 0,93 | 54 |
Local 6 | 3,52 | 0,33 | 0,88 | 44 |
Local 7 | 4,44 | 0,34 | 1,05 | 44 |
Local 8 | 3,48 | 0,26 | 1,07 | 41 |
Local 9 | 6,07 | 0,13 | 1,89 | 52 |
Local 10 | 2,52 | 0,54 | 1,11 | 48 |
Nas Figuras 1 a 7 apresentam-se as séries temporais da ECe em alguns locais experimentais. Indicam-se ainda os limites da tolerância à salinidade das culturas indicados em (Ayers e Westcot, 1985) e Maas (1990). Nos locais 2, 4 e 10 os valores de ECe mantiveram-se sempre abaixo do limite de tolerância. Esses gráficos não são apresentados.
De um modo geral verificou-se uma variação da salinidade ao longo do tempo, mas sem atingir valores preocupantes para as culturas em todos os locais. Verificou-se ainda que no final dos ensaios, o solo apresentava valores de ECe muito próximos, ou mesmo inferiores, aos valores iniciais. No Quadro 2 verifica-se que são atingidos valores máximos superiores aos limites de tolerância, em algumas profundidades, nos locais 1, 6, 7, 8 e 9. Observando a evolução da salinidade, nas respectivas figuras, verifica-se que são situações pontuais e certamente sem grande relevância.
CONCLUSÕES
Verificou-se uma variação da salinidade ao longo do tempo, mas sem atingir valores preocupantes para as culturas. Nas culturas sensíveis, no que respeita à tolerância à salinidade (amendoal e citrinos), verificaram-se situações pontuais em que ECe apresentava valores superiores ao limite de tolerância em certas profundidades, mas nunca em toda a espessura monitorizada.
Verificou-se ainda que no final do período de monitorização, o solo apresentava valores de ECe muito próximos, ou mesmo inferiores, aos valores iniciais. Além da qualidade da água do Roxo indicar uma melhoria em relação a estudos prévios, a precipitação ocorrida nos anos de 2019 a 2021 também deve ter contribuído para a remoção de sais eventualmente acumulados na zona das raízes.