INTRODUÇÃO
Muitas pressões são colocadas nos solos, a população mundial não pára de aumentar, as cidades expandem-se, ocorrem mudanças climáticas, os regimes alimentares alteram-se, há insegurança alimentar, existe pobreza, perda de biodiversidade, poluição, migração, pandemias, enquanto os solos agrícolas progressivamente se degradam (FAO-ITPS, 2020). A gestão sustentável dos solos é essencial para atenuar muitas das pressões que o solo enfrenta. Recentemente, foi elaborado um protocolo (FAO-ITPS, 2020) para avaliar se num determinado solo as práticas de gestão estão alinhadas com as práticas definidas nas Diretrizes para a Gestão Sustentável do Solo (FAO-ITPS, 2015). Este protocolo refere um conjunto de indicadores-chave e ferramentas para avaliar as funções do solo com base nas suas propriedades físicas, químicas e biológicas.
Atualmente, os solos estão no topo da agenda política da União Europeia (UE) com a missão na área da saúde do solo e alimentação (Mission Soil Health and Food), a estratégia temática do solo da UE e com o lançamento do Observatório Europeu dos Solos (EUSO). O Programa Conjunto Europeu EJP SOIL (https://ejpsoil.eu/) pretende criar uma comunidade europeia de investigação sobre o solo agrícola e alinhar as prioridades de investigação nacionais com as ambições da Comissão Europeia (CE). Trata-se de uma parceria público-pública de cofinanciamento de investigação. Criou-se um consórcio com 26 institutos de investigação e universidades de 24 países europeus (o INIAV é o responsável em Portugal). Estes países aliaram-se com o objetivo de aumentar a contribuição dos solos agrícolas para alguns dos principais desafios da sociedade, tais como: a adaptação e mitigação das alterações climáticas, a produção agrícola sustentável, a prestação de serviços dos ecossistemas e a prevenção e mitigação da degradação do solo. Para criar sintonia entre todos os administradores do recurso solo, as atividades do EJP SOIL ocorrem em interação com os utilizadores finais, estados-membros, a Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural da CE (DG AGRI) e os stakeholders. A nível europeu, foram consultados stakeholders com o objetivo de caracterizar o atual estado do conhecimento sobre solos agrícolas na UE. Considerou-se que o conhecimento pode ser estruturado em quatro fases (adaptado de Dalkir, 2005): i) desenvolvimento ii) harmonização, organização e armazenamento, iii) partilha e transferência e iv) aplicação. O objetivo deste estudo é apresentar os resultados desta consulta aos stakeholders portugueses. São identificadas e priorizadas barreiras e oportunidades para a melhoria do conhecimento do solo agrícola em Portugal.
MATERIAL E MÉTODOS
As consultas participativas aos stakeholders ocorreram entre junho e setembro de 2020. No total, cerca de 329 stakeholders nos vários países europeus deram o seu contributo. Em Portugal, foi consultado o National Hub, um grupo de 20 stakeholders constituído no âmbito do EJP SOIL. A consulta foi feita através de preenchimento de um questionário online.
Obtiveram-se contributos de 19 stakeholders distribuídos por várias classes (Figura 1).
Verificou-se equidade de género, 17 stakeholders têm idades entre 40 e 69 anos e todos possuem formação superior. As questões formuladas foram iguais para todos os países do EJP SOIL e o questionário foi organizado em duas seções: 1) priorização dos desafios de gestão do solo agrícola para cada país participante, e 2) identificar, de uma lista pré-definida, quais as barreiras que afetam atualmente o conhecimento do solo, mas também identificar oportunidades para o melhorar. As barreiras e oportunidades encontram-se organizadas em quatro fases do conhecimento do solo. Assim, obtêm-se informações sobre a contribuição do conhecimento do solo para superar os desafios do solo agrícola.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os stakeholders portugueses priorizaram os desafios de gestão do solo agrícola de entre os onze considerados no âmbito do EJP SOIL, conforme mostra a Figura 2. O desafio considerado mais relevante em Portugal foi “Manter/aumentar a matéria orgânica” do solo, o que pode ser explicado pelo fato de em geral, os solos do país não serem muito ricos em matéria orgânica. “Evitar a erosão do solo” foi o segundo desafio mais referido. Em terceiro lugar estão os desafios “Aumentar a capacidade de retenção de água pelo solo” e “Melhorar a estrutura do solo”. No nosso país, em que mais de metade da produção agrícola é dependente de regadio, os desafios relacionados com a redução da erosão e com a retenção da água no solo seriam esperados.
A maioria dos stakeholders entrevistados concordam que é deficiente a coordenação do uso e da produção do conhecimento em solos (Figura 3). O acesso dos agricultores à informação relevante e a articulação entre as atividades de investigação e as entidades legisladoras, é considerada deficiente e a precisar de melhorias. Nas opiniões recolhidas, o acesso à informação é dependente de serviços e informações veiculados por empresas e agentes comerciais (por exemplo maquinaria, agroquímicos, sistemas de rega). A utilização da comunicação social e da imprensa escrita na transferência de conhecimento é ainda considerada fraca. É referido por alguns stakeholders que existe alguma desinformação na comunicação social, informação dispersa e até contraditória, e que as medidas políticas desconsideram as especificidades das regiões. De modo geral, é considerada fraca a eficácia do atual sistema em comunicar conhecimentos aos agricultores.
Na segunda fase da consulta, pediu-se para identificar quais as barreiras que afetam atualmente o conhecimento do solo, e quais as oportunidades para superar essas barreiras. Na Figura 4 estão as três barreiras mais referidas. Na fase de aplicação do conhecimento é identificada a falta de uma estrutura de comunicação que facilite a divulgação do conhecimento em solos. Alguns stakeholders também referem que os grupos com mais capacidade para fazer esta divulgação são os grupos de interesse do agricultor, os serviços de aconselhamento e extensão rural e as associações de produtores. As três oportunidades mais referidas pelos stakeholders para as fases do conhecimento encontram-se na Figura 5. Continua a ser necessária mais e melhor comunicação entre todos os setores para que haja partilha de conhecimento e até aumentar a consciência do solo para a sociedade. Valorizar e financiar estudos de longo prazo é identificada como uma oportunidade para desenvolver conhecimento em solos agrícolas. Identifica-se a necessidade de criar um repositório de informações acessível e infraestruturas nacionais de dados de solo interativas.
CONCLUSÕES
Os resultados deste estudo indicam que a maioria das barreiras (33%) e oportunidades (30%) para superar os desafios do solo agrícola em Portugal, foram identificadas na fase de desenvolvimento de novo conhecimento em solos. A maioria das barreiras identificadas são de natureza técnica, networking e de comunicação. As oportunidades mais identificadas são de natureza técnica, capacitação e política. De modo geral, não são considerados suficientes os recursos disponíveis para disseminar conhecimento sobre gestão sustentável do solo em Portugal. O aumento do financiamento para a investigação, o estabelecimento de estudos experimentais de longo prazo, juntamente com a criação de redes de conhecimento e infraestruturas nacionais ligadas às que operam a nível europeu, e o desenvolvimento de estratégias regionais de gestão do solo, são identificadas como ações-chave a serem executadas o mais rápido possível, contribuindo para ecossistemas de solo mais saudáveis.