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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.46 no.1 Lisboa mar. 2023  Epub 07-Nov-2022

https://doi.org/10.19084/rca.28437 

Artigo

Estratégias de comercialização da agricultura familiar durante a pandemia: visão de agricultores e consumidores da feira livre de Dom Pedrito-RS

Marketing strategies of family farming during the pandemic: vision of farmers and consumers of the free market of Dom Pedrito-RS

Joélio Farias Maia¹ 

Shirley Grazieli da Silva Nascimento¹ 

Daniel Hanke¹ 

Mariana Rockenbach de Ávila² 

Cláudio Becker³ 

¹ Universidade Federal do Pampa, campus Dom Pedrito, Rio Grande do Sul, Brasil

² Pesquisadora no setor privado / Estância Massaroca, propriedade rural, Rio Grande do Sul, Brasil

³ Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, campus Santana do Livramento, Rio Grande do Sul, Brasil


RESUMO

A pandemia provocada pela COVID-19 acarretou diversos impactos na sociedade, com destaque para questões sanitárias, econômicas e de acesso à alimentação. Neste sentido, cabe a categoria agricultura familiar um importante papel na produção de alimentos, além de sua contribuição socioeconômica. O estudo tem como objetivo identificar as estratégias de comercialização da agricultura familiar durante o período de pandemia no município de Dom Pedrito/RS. Metodologicamente, o estudo trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa e caráter descritivo, realizado através de entrevistas com agricultores familiares e consumidores do município. Para analisar os dados coletados, utilizou-se a análise de conteúdo. Os principais resultados obtidos no estudo dizem respeito à mudança no comportamento de compras por parte dos consumidores, que passaram a buscar seus alimentos em feiras nas propriedades rurais, onde formas de contato direto facilitam a comercialização e o uso de tecnologias serve para subsidiar a comercialização de alimentos, tais como: ligações telefônicas, utilização de redes sociais e aplicativos de mensagens, combinados ao processo de entrega de compras a domicílios e ainda a necessidade de políticas públicas atuando para mitigar os efeitos da pandemia.

Palavras-chaves: COVID-19; Feiras; Produção de alimentos

ABSTRACT

The pandemic caused by COVID-19 had several impacts on society, especially on health, economic and access to food issues. In this sense, family farming plays an important role in food production, in addition to its socioeconomic contribution. The study aims to identify the marketing strategies of family farming during the pandemic period in the municipality of Dom Pedrito/RS. Methodologically, the study is a qualitative and descriptive research, carried out through interviews with family farmers and consumers in the municipality. To analyze the data collected, content analysis was used. The main results obtained in the study relate to the change in purchasing behavior on the part of consumers, who started to search for their food in fairs in rural properties, where forms of direct contact facilitate the commercialization and the use of technologies serves to subsidize the marketing of food, such as: phone calls, use of social networks and messaging applications, combined with the process of home delivery of purchases and also the need for public policies acting to mitigate the effects of the pandemic.

Keywords: COVID-19; Fairs; Food production

INTRODUÇÃO

O ano de 2020 foi marcado pela Pandemia da COVID-19 que mudou completamente as relações sociais da vida humana em todo planeta. Os setores econômicos são atingidos por transformações e entram num cenário de instabilidade e incertezas para os próximos períodos. A crise causada pelo COVID-19, assumiu dimensões globais que afetaram a agricultura e a produção de alimentos, ocasionando mudanças no comportamento de compra e de acesso aos alimentos (Lopes et al., 2020).

Desta forma, tornam-se necessárias, ações e medidas para garantir que as cadeias de produção de alimentos continuem suas atividades, como forma de mitigar grandes problemas e consequências, principalmente em questões alimentares, em especial às populações com maior vulnerabilidade social. Na agricultura familiar não é diferente, estima-se mudanças nas relações de produção, comércio e interrelações com os outros elos que compõem sua cadeia produtiva (Schneider et al., 2020).

Tendo em vista a importância da agricultura familiar para alcançar o desenvolvimento sustentável, cabe ainda destacar a importância socioeconômica da agricultura familiar brasileira, representada por sua capacidade de produção que compõe mais de 70% da alimentação básica da população brasileira, além de seu papel gerador de renda aos agricultores familiares (ABAF, 2019) empregando mais de 10 milhões de pessoas ou 67% do total de trabalhadores do campo (IBGE, 2019a). Além do mais, a agricultura familiar possui uma dinâmica amplamente distribuída geograficamente, possibilitando o abastecimento de mercados locais, produzindo alimentos de forma diversificada, possibilitando o acesso por parte dos consumidores (Oliveira et al., 2020).

A atividade agrícola familiar ocupa fundamental papel no que tange a garantia do abastecimento de alimentos aos grandes centros e precisa ser fortalecida e respaldada neste momento, principalmente através de políticas públicas, pois além de produzir alimentos, a agricultura familiar tem seu âmbito de atividades, associações à conservação do meio ambiente e modelos sustentáveis de produção (Valadares et al., 2020). Oliveira et al. (2020) complementam sobre o papel da agricultura familiar, mas argumentam que é indispensável a utilização de medidas de mitigação juntos aos efeitos da pandemia, na alimentação e na saúde das populações.

No atual cenário de pandemia, vivenciado desde o final de 2019 até o presente, surge uma necessidade intensa de inovar em todos os setores econômicos e produtivos a nível mundial (Rossi & Chia, 2020). Schneider et al. (2020) ao relacionar os efeitos da pandemia do coronavírus com a produção de alimentos, estimam que haverá diversas maneiras de repercussão e intensidade sobre a produção, distribuição e oferta.

Ficam evidenciadas as inúmeras mudanças neste cenário pandêmico, o que inclui diversas restrições, como por exemplo, o distanciamento social. Toda via, sistemas alternativos de compras de alimentos são importantes estratégias para promover o acesso aos produtos (Lopes et al., 2020). Estes fatores trazem à tona uma série de discussões sobre quais alternativas usar para garantir a acesso aos alimentos, bem como as questões de segurança alimentar.

Em uma pesquisa publicada pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), tendo em vista os efeitos da pandemia, foi constatado um aumento de 79% em relação as compras online de alimentos e bebidas. No entanto, a compra de alimentos in natura ou minimamente processados, não está na mesma curva de crescimento (Da Costa, 2020). Embora esta mudança possa ser um fator positivo para agricultura familiar, tem-se a necessidade de adaptação e adequação por parte dos agricultores ao uso dessas tecnologias.

Todavia, é necessário observar que “os efeitos da pandemia da Covid-19 sobre a agricultura familiar e o abastecimento dos mercados locais foi mais forte no início da pandemia quando houve restrições ao comércio e a circulação de produtos” (Schneider et al., 2020, p. 187). Os autores comentam sobre a ineficácia das políticas públicas e quanto ao papel do Estado em meio à situação de crise, o que evidência a necessidade de reconduzir o sistema de produção de alimentos de forma a torná-lo mais resiliente e sustentável.

Uma estratégia para enfrentamentos dos efeitos pandêmicos na alimentação, são as feiras e mercados de rua, que são grandes canais de comercialização da produção agrícola familiar, consolidando-se como a segunda opção para comprar alimentos, entre os brasileiros, e em sua maioria, permanecem abertas durante a atual pandemia (Preiss, 2020). Entretanto, dentre um grande universo de estratégias para mitigar os efeitos da pandemia, principalmente na manutenção de renda aos agricultores familiares, bem como o acesso aos alimentos por parte dos consumidores, estão as feiras online. Desta forma, surge um novo canal de comercialização, sem grande fluxo de pessoas e aglomerações (Da Costa, 2020).

Cabe salientar que é necessária experiência e conhecimento aos agricultores para operar estes novos tipos de canais de comercialização de forma digital, e que a falta de um programa ou plataforma deste tipo se torna um obstáculo ao crescimento deste novo segmento de mercado (Preiss, 2020). Torna-se necessário ainda, considerar as particularidades de cada agricultor, tais como nível de instrução, acesso à internet, entre outras limitações.

Futemma et al. (2021) comentam que além da comercialização de forma online, outras modalidades ganham força na agricultura familiar, possibilitando o escoamento da produção, ainda que em pequena escala. É o caso das entregas em domicílio, direto na propriedade, nos comércios ou até mesmo intermediadores. Tais ações podem se consolidar em soluções viáveis no que diz respeito à minimização dos efeitos da pandemia e crise no setor de alimentos, principalmente nos grandes centros urbanos, entretanto, é necessário observar questões socioeconômicas brasileiras em relação ao acesso às tecnologias, ciente de que tais recursos podem não estarem acessíveis a toda população (Oliveira et al., 2020). Ainda sobre entregas à domicílio, dentre as diversas formas de comercialização utilizadas, as que mais se destacam são vendas por telefone e aplicativo de mensagem (Futemma et al., 2021).

Outro fator importante destacado por Da Costa (2020), trata sobre a facilidade de acesso aos alimentos, de forma segura pela população. Cabe destacar, o favorecimento das dinâmicas de socio economia local, produzindo renda e disponibilizando alimentos (frutas, legumes, verduras e outros), principalmente oriundos da agricultura familiar. Entretanto, deve-se destacar a necessidade de uma organização por parte dos agricultores para que a seja assegurada a diversificação produtiva e regularidade de disponibilização de alimentos ao consumidor (Da Costa, 2020). Para Da Costa (2020) uma transformação nos hábitos de consumo está ocorrendo e será maior no cenário pós-pandemia e que o mercado de alimentos de forma online tende a se consolidar. Bom para agricultores (geração de renda) e bom para consumidores (acesso a alimentos saudáveis a um preço justo).

Destarte, diante do contexto apresentado sobre a agricultura familiar e a situação de pandemia vivenciada, o presente estudo teve por objetivo identificar as estratégias de comercialização da agricultura familiar durante o período de pandemia no município de Dom Pedrito, bem como elencar as estratégias adotadas pelos agricultores familiares/feirantes para manter o comércio de produtos da categoria, analisar a percepção sobre o comportamento dos consumidores.

METODOLOGIA

Este estudo foi realizado no município de Dom Pedrito/Rio Grande do Sul (RS) (Figura 1), localizado na Região da Campanha Gaúcha, que tem seus aspectos socioeconômicos ligados diretamente a produção agropecuária, principal setor da econômica local (Maia et al., 2019). A representatividade da categoria agricultura familiar no município de Dom Pedrito, é contemplada no espaço-tempo atual, ganhando esta categoria força e se consolidando através de iniciativas e políticas públicas como a Feira Livre de Dom Pedrito (FLDP), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) A agricultura familiar em 2006, ocupava no município mais de 700 estabelecimentos agropecuários, empregando aproximadamente 1.600 pessoas na atividade (Maia et al., 2019).

Figura 1 Mapa ilustrativo indicando a localização de Dom Pedrito/RS. Fonte: Os Autores, 2021. Elaborado a partir dos softwares Earth e Maps @Google

A Figura 1, destaca a localização de Dom Pedrito: situada nas coordenadas geográficas latitude 30º 58' 58" S, longitude 54º 40' 23" W, altitude 141 m, no estado do Rio Grande do Sul na fronteira com o Uruguai. Com uma área de 5.194, 051 km², o município regista uma população total de 38.461 habitantes (IBGE, 2019).

O estudo é caracterizado em uma pesquisa de abordagem qualitativa, com caráter descritivo. A coleta de dados se deu através de entrevista em profundidade. Para tal utilizou-se um roteiro com questões abertas e fechadas (Gil, 2008). A pesquisa contou com dois públicos distintos: i) Consumidores de alimentos in natura ou semiprocessados residentes no município de Dom Pedrito, com um número total de 94 participantes, representados pela letra “C”; e ii) Agricultores Familiares do município de Dom Pedrito que participam da FLDP, com um total de 11 participantes, representados pela sigla “AF”. A coleta de dados se deu em duas etapas: 1) Consumidores: oito questões, organizadas em quatro questões de identificação e quatro questões em relação ao consumo de alimentos durante a pandemia; 2) Agricultores Familiares: dez questões, organizadas em cinco questões fechadas e cinco questões abertas.

Como forma de acessar os consumidores durante a pandemia utilizou-se um roteiro de questões através da plataforma Google Forms, aplicado de forma online via redes sociais e aplicativos de mensagens, durante os meses de junho, julho e agosto de 2020. Teve-se a interrupção na obtenção de participantes deste estudo, ao ser identificada uma saturação das respostas, conforme previstas por Minayo (2017).

O acesso aos 11 (onze) agricultores familiares participantes da FLDP (AF) foram entrevistados, utilizando como técnica de coleta de dados a entrevista estruturada, a partir de um roteiro de questões, impresso e entregue aos participantes na terceira semana do mês de julho de 2020. Na semana seguinte, fez-se a coleta do material já preenchido com as informações dos respectivos participantes. Cabe destacar, que os 11 (onze) indivíduos que participaram desta etapa da pesquisa, indicam o total de agricultores familiares que exerciam a comercialização de alimentos nas datas mencionadas, ou seja, representam o total do público-alvo desta etapa. O Quadro 1 apresenta os roteiros de pesquisa utilizados.

Quadro 1 Resumo dos roteiros de pesquisa aplicados no presente estudo 

Questão Agricultores Familiares (AF) Consumidores de alimentos (C)
1 Venda de alimentos antes da pandemia Compra de alimentos antes da pandemia
2 Pandemia afetou a venda de alimentos Pandemia afetou a compra de alimentos
3 Venda de alimentos durante a pandemia Compra de alimentos durante a pandemia
4 Contato direto com clientes facilita a venda Contato direto com AF facilita a compra
5 Opção mais importante para vendas durante a pandemia (uso de tecnologias) Opção mais importante para compras durante a pandemia (uso de tecnologias)
6 Quais estratégias foram implantadas para manter a venda de alimentos Quais estratégias foram percebidas para manter a compra de alimentos
7 Interesse em aumentar as vendas durante a pandemia Interesse em aumentar a compra de alimentos durante a pandemia
8 Percepção sobre políticas mitigatórias em ação Percepção sobre políticas mitigatórias em ação
9 Principais alimentos produzidos e comercializados -

Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

Ainda sobre os roteiros de questões (Quadro 1), destaca-se a aplicação de 15 (quinze) pré-testes com o público-alvo do estudo. Segundo Gil (2008), os pré-testes servem para identificar e corrigir prováveis problemas ou falhas na construção de um roteiro, bem como uma melhor apresentação do tema e da investigação em andamento.

Como técnica de análise de dados, utilizou-se a análise qualitativa descritiva e análise de conteúdo prevista nas etapas de pré-análise, exploração do material, tratamento e interpretação dos dados (Bardin, 2010). Desta forma, os resultados foram analisados a luz da análise de conteúdo, partindo da desconstrução e unitarização do corpus, seguindo da leitura e significação do material, para finalizar com a categorização dos dados, descrição e interpretação do conteúdo. Fazendo uso ainda da inferência e ancoragem, foi possível obter uma ampla análise e compreensão dos dados coletados e direcionando esta investigação aos reais objetivos e pressupostos do estudo, possibilitando assim a inferência de conhecimentos relacionados com as condições de produção e/ou recepção de tais mensagens (Bardin, 2010). A próxima seção apresenta e discute os resultados do estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Estratégias de reprodução dos agricultores familiares em tempos de pandemia no município de Dom Pedrito

Nesta seção são apresentadas as estratégias utilizadas para reprodução da agricultura familiar, com agricultores vinculados a FLDP, no atual momento e contexto de pandemia. Quando questionado sobre onde tradicionalmente era disponibilizada (antes da pandemia) para vendas sua produção para alimentos in natura, como por exemplo: verduras, frutas, legumes, hortaliças, ovos, leite, cereais, embutidos e outros, os 11 feirantes forneceram a mesma resposta, a principal opção para comercialização de seus produtos era a FLDP. Essa unanimidade em relação à escolha da feira como principal canal de comercialização de seus produtos vai ao encontro do exposto por Preiss (2020), que diz que as feiras são grandes canais de comercialização de produtos da agricultura familiar, muito buscada pela população brasileira e que contínua em funcionamento, mesmo no atual cenário de pandemia.

Neste momento, já abordando questões sobre o contexto de pandemia, foi perguntado se o atual cenário provocado pela COVID-19 afetou de alguma forma sua disponibilização de alimentos in natura para venda, principalmente em questões econômicas. A opção “parcialmente” foi a mais escolhida pelos feirantes com seis respostas, seguida pela opção “não” atingiu com três respostas e pela opção “sim” com apenas duas respostas. Diante disso, pode-se verificar que o cenário de pandemia afetou de forma parcial aos participantes deste estudo, principalmente no que tange às questões econômicas e de geração de renda. Lopes et al. (2020) comentam sobre as mudanças no atual momento, que incluí dificuldades e restrições como distanciamento social, por exemplo, fatores estes que podem ser os motivos que conduziram os feirantes a comunicar sobre os problemas causados pela pandemia e como estes problemas afetam sua atividade, além da necessidade de inovação na atividade para contornar as dificuldades, conforme expõem Rossi & Chia (2020).

Ao serem questionados sobre como é feitoa venda dos alimentos in natura nesse período de pandemia causada pela COVID-19, os onze participantes forneceram respostas variadas. A totalidade dos feirantes segue comercializando seus produtos na feira, como umas das principais opções para tal finalidade. Diversos autores consideram as feiras como uma excelente alternativa para garantir o acesso aos alimentos, bem como as questões de segurança alimentar que estão inclusas nos preceitos da agricultura familiar, mesmo em se tratando de um período de muitas dificuldades causadas pela pandemia (Lopes et al., 2020; Rossi & Chia, 2020).

Entretanto, algumas estratégias alternativas foram destacadas, como por exemplo: o escoamento de parte da produção no comércio local, mudança para produtos embalados visando questões de cuidados com higiene e sanidade das mercadorias, vendas diretas feitas na propriedade dos agricultores ou na casa dos feirantes, estratégias de divulgação em redes sociais, vendas com a utilização de plataformas de comunicação via internet e a adoção de vendas diretas aos clientes com entregas a domicílio. Tais estratégias são de suma importância para manter a comercialização de alimentos e geração de rendas aos feirantes, destacando: uso de ferramentas digitais (Preiss, 2020; Da Costa, 2020), entregas a domicílio (Futemma et al., 2020; Oliveira et al., 2020) e vendas na propriedade (Futemma et al., 2020). Estratégias que vão ao encontro das utilizadas pelos agricultores familiares e feirantes participantes deste estudo, evidenciando o papel da agricultura familiar na sociedade em questões de abastecimentos de alimentos, geração de empregos e renda, conservação de ambiente, produção sustentável e atendimento às questões sobre segurança alimentar (Valadares et al., 2020).

Já ao serem questionados se o contato direto com seus clientes traz alguma facilidade para a venda de seus produtos diante do atual momento de pandemia, os participantes relataram em sua grande maioria (nove respostas) que sim, o contato direto com os consumidores, seja de forma física ou utilizando tecnologias de comunicação, facilita a venda e a comercialização dos produtos, principalmente em se tratando do contexto pandêmico, diante de fatores como distanciamento social e menor circulação de pessoas na feira, o que acarreta em diminuição do público, consequentemente, um menor volume de vendas na feira.

Essa percepção vai ao encontro do exposto por Lopes et al. (2020), Preiss (2020) e Futemma et al., (2020), no que diz respeito à uma tendência as compras efetuadas de forma direta juntos aos agricultores, seja esta venda em propriedades rurais, feiras ou utilizando ferramentas tecnológicas. Todas estas opções citadas são possíveis ao obter este contato direto entre agricultores e consumidores, formando uma relação de confiança. Entretanto, um dos feirantes não percebe facilidades no contato direto com agricultores, citando como justificativa o isolamento social, o que contradiz o exposto por autores Lopes et al. (2020), Preiss (2020), e Futemma et al., (2020). Ainda, um dos agricultores preferiu não se manifestar sobre o assunto.

Tendo em vista a utilização de tecnologias como estratégia para reprodução da agricultura familiar diante do contexto de pandemia, auxiliando na comercialização de produtos e na facilitação da comunicação entre feirantes e consumidores, questionou-se sobre qual opção é mais importante para facilitar as suas vendas, neste momento de pandemia. Os participantes forneceram respostas variadas, mas que demonstram sim, a utilização de ferramentas tecnológicas como recursos para atuar na comercialização de produtos da agricultura familiar junto a FLDP, o que, conforme Da Costa (2020), são estratégias de grande relevância para a categoria. Dentre as respostas, destacam-se: ligações via telefone e utilização de redes sociais, ambas com quatro respostas cada, além da utilização de aplicativos (uma resposta) e outras opções (duas respostas). Futemma et al. (2020) apontam o uso de ligação telefônica e mensagens de aplicativos ou redes sociais como as mais utilizadas pelos consumidores, demonstrando uma tendência à esta forma de aquisição de alimentos, assim como as opções escolhidas pelos agricultores participantes deste estudo.

Diante da importância já destacada da adoção de estratégias diferenciadas para manter a reprodução da atividade no contexto de pandemia, questionou-se sobre a possibilidade de implantar algumas estratégias de venda e distribuição para vender os produtos, observando as restrições ao comércio e circulação de pessoas em determinados locais. A utilização de redes sociais foi a principal estratégia destacada pelos agricultores, que já utilizam ou preveem a utilização destas ferramentas para auxiliar na comercialização de seus produtos. Cabe destacar ainda outras estratégias adotadas, como: entregas diretas aos consumidores, utilização de tele-entrega, aplicativos, ligações telefônicas. Estas estratégias foram indicadas como alternativas de suma importância para manter a atividade produtiva e comercialização de produtos oriundos da agricultura familiar, conforme relatam Lopes et al. (2020), Rossi & Chia (2020), Futemma et al. (2020) e Oliveira et al. (2020).

Entretanto, um feirante relatou que o uso destas estratégias se deve às questões políticas que criaram dificuldades para o setor, forçando-o a procurar alternativas para manter seu comércio e captação de renda. Fatores de políticas públicas foram apontados por Valadares et al. (2020) como fundamentais para manter a atividade e que neste caso, diante do exposto pelo participante, necessitam serem mais bem organizadas. Outro participante respondeu que não adotou (e nem pretende) nenhuma estratégia para comercializar seus produtos, mesmo no contexto de pandemia, tendo em vista todas as dificuldades que estão apresentadas à esta categoria. O que contradiz os autores citados neste estudo, pois há a necessidade de inovação na agricultura e uso de novas estratégias adaptadas ao atual contexto (Rossi & Chia, 2020; Da Costa, 2020).

Quando questionados sobre o interesse de comercialização tendo em vista a possibilidade de uma maior facilidade para comercialização de produtos produzidos pela agricultura familiar como hortaliças, legumes, frutas, pães, bolachas, sucos, vinhos, doces, cucas, geleias, embutidos, etc., os participantes deste estudo, mesmo com todas as peculiaridades e dificuldades enfrentadas pelos agricultores familiares/feirantes no atual cenário trazido pela COVID-19, a totalidade dos participantes (11) responderam que sim, gostariam de ter uma maior comercialização de seus produtos, onde alguns já dispõem de produção para isso e outros pretendem aumentar a produção, demonstrando o desejo de expansão ou ainda permanecer na atividade.

Na sequência foi questionado sobre os produtos comercializados na feira e que ajudam a gerar renda ao agricultor e alimentação aos consumidores, agindo na mitigação dos efeitos causados pela pandemia. Os produtos mais comercializados na FLDP são as hortaliças e legumes, presentes em 54,4% das bancas. Produtos panificados como pães, biscoitos, bolos, cucas, bolachas, entre outros, ocupam a segunda posição entre os alimentos mais comercializados na FLDP, presente em 45,5% das bancas. Frutas diversas e laticínios (leite, doces, queijos e outros) aparecem na sequência presentes em 36,4% e 27,3% (respectivamente) das bancas e ainda os produtos cárneos (linguiças, salames, charques, etc.) comercializados em apenas uma das onze bancas participantes deste estudo. Cabe ressaltar que nesta questão, os feirantes poderiam escolher até três opções de produtos comercializados em suas bancas, pois a diversidade produtiva de um único agricultor é grande e não poderia ser resumida em apenas uma alternativa. Desta forma, cada percentual se refere ao total de bancas e não dividindo ou separando por categorias de produtos.

Visão dos consumidores em tempos de pandemia no município de Dom Pedrito

A pandemia provoca uma grande crise humanitária, em vários desdobramentos: sanitário, econômico, segurança, alimentos e nutrição, entre outros. Neste sentido, apresenta-se o cenário antes deste acontecimento (pandemia) em relação à aquisição de alimento in natura, analisando a questão de origem desses alimentos da agricultura familiar perante consumidores do município de Dom Pedrito.

Em cenário anterior a pandemia causada pelo COVID-19, os locais de compras mais utilizados pelos consumidores participantes da amostra foram fruteiras/hortifrutis (32 respostas) e supermercados (32 respostas). Na sequência os locais de compras mais procurados foram as feiras (21 respostas), direto nas propriedades dos agricultores familiares (6 respostas) e, em minimercados e pequenos comércios (3 respostas). Esses dados apontam que no período anterior a pandemia, o comportamento do consumidor era comprar em supermercados e fruteiras ou hortifrutis, preferencialmente.

Entretanto, essas preferências dos consumidores podem apresentar alguma alteração de comportamento tendo em vista fatores sentidos na atual pandemia de COVID-19, como apontam Lopes et al. (2020). Para 41 consumidores (44% da amostra) participantes da amostra, a pandemia não afetou a aquisição de alimentos, principalmente em questões de renda. Para outros 32 consumidores (34% da amostra), a aquisição foi parcialmente afetada e já para 21 consumidores (22% da amostra), a pandemia afetou a aquisição de alimentos, principalmente em questões financeiras.

O fato de a pandemia afetar de alguma forma a aquisição de alimentos, resulta em mudanças no comportamento de compra e isso é sentido ao analisar o local de compra no cenário pandêmico. Durante a pandemia, os locais de compras mais utilizados pelos consumidores participantes desta amostra são as feiras (27 respostas) e supermercados (27 respostas). Na sequência os locais de compras mais procurados foram às fruteiras/hortifrutis (25 respostas), direto nas propriedades dos agricultores familiares (12 respostas) e, em minimercados e pequenos comércios (três respostas).

Esses dados apontam que no período de vivência da pandemia, o comportamento do consumidor mudou comparado ao período sem pandemia, confirmando as constatações de Lopes et al. (2020). No período de pandemia, as feiras passaram a ser o principal local de compra por parte dos consumidores (de 21 para 27 respostas), juntamente com os supermercados (de 32 para 27 respostas), que, por sua vez, mantiveram seu lugar na preferência dos consumidores, mesmo apresentando queda no número de respostas. As fruteiras/hortifrutis apresentaram a maior queda juntos aos consumidores (de 32 para 25 respostas).

O aumento da procura de alimentos diretamente nas feiras vai ao encontro do exposto por Preiss (2020), que comenta que as feiras são a segunda opção para aquisição de alimentos pelos brasileiros, demonstrando a importância desta categoria no que tange às questões alimentares. Cabe destacar a escolha de local de compra que mais obteve crescimento entre os consumidores neste período, a compra efetuada diretamente nas propriedades rurais dos agricultores familiares (de 6 para 12 respostas) dobrou em comparação ao período sem pandemia. Esse comportamento de compra direto nas propriedades rurais é relatado por Futemma et al. (2010) como uma excelente alternativa para aquisição de alimentos por parte dos consumidores. A compra realizada em minimercados e pequenos comércios não apresentou variação (três respostas).

Na sequência, foi perguntado se o consumidor possuia contato direto com agricultores familiares e se esse fato traz facilidades para aquisição de alimentos in natura, nesse momento? Foi constatado que 41 consumidores possuem contato, enquanto 53 consumidores não possuem contato com agricultores familiares. Conforme os consumidores participantes deste estudo é possível notar alguns benefícios em ter contato direto com agricultores familiares e que este fato tende a causar facilidades para aquisição de alimentos. Isso pode explicar o aumento da compra de alimentos nas feiras e diretamente nas propriedades rurais dos agricultores familiares, ressaltando a questão da compra via pedidos e entregas nas residências.

Os dados referentes ao local de compra de alimentos, durante este período de pandemia, demonstram uma tendência ao aumento da aquisição destes produtos de forma direta, seja através das feiras ou pela compra diretamente nas propriedades rurais, confirmando o exposto por Lopes et al. (2020); Preiss (2020); e Futemma et al. (2020).

Outro importante ponto a ser observado, é a inclusão de tecnologias para aquisição de alimentos. Neste ponto inclui-se pedidos via ligação telefônica, vendas via rede social que dispõem inclusive de publicidade, vendas via aplicativo de mensagens, além de outras formas, conforme expõe Da Costa (2020). Foi possível perceber que a opção mais importante para os consumidores em se tratando de aquisição de alimentos, é a ligação telefônica (38 respostas). Na sequência, as redes sociais (23 respostas) e aplicativos (20 respostas), demonstrando fatores de utilização da tecnologia via plataformas de internet como melhor opção para compra alimentos durante a pandemia. Outros fatores de menor impacto ainda foram citados (13 respostas). Esses dados vão ao encontro do exposto por Futemma et al. (2020), que apontam o uso de ligação telefônica e mensagens de aplicativos ou redes sociais.

Diante dessas estratégias ressaltadas e apresentadas acima, cabe destacar uma importante informação encontrada: 74% dos consumidores teriam interesse em consumir mais alimentos oriundos da agricultura familiar, desde que houvesse maior facilidade para essa aquisição. Este número representa – do total dos indivíduos participantes deste estudo (69 respostas), mostrando a dimensão dos resultados aqui obtidos, principalmente quando se trata de estratégias e ações que possam ajudar a desenvolver estas relações de comércio, mais além, de trocas. Cabe destacar ainda, que outros 21% dos consumidores demonstraram interesse em comprar esses produtos, mesmo que de forma parcial. Apenas 5% dos participantes não têm interesse em consumir produtos agrícolas familiares, o que demonstra o potencial que a categoria carrega em suas atividades em relação a questões de alimentação.

Porém, cabe ressaltar algumas possíveis dificuldades que poderão ser encontradas: acesso à internet, equipamentos de informática ou telefonia, falta de treinamento ou capacitação para tal uso de tecnologia por parte dos agricultores, dificuldades estas também relatadas por Preiss (2020) e também por parte dos consumidores como relataram Oliveira et al. (2020), sobre a dificuldade em relação ao acesso por parte de consumidores (população) em relação às tecnologias. Desta forma, apenas afirmar que a tecnologia ajudaria a minimizar efeitos da crise pandêmica, é errado. Deve-se observar o todo, as particularidades de cada agricultor e principalmente oferecer capacitação e ferramental para subsidiar tal mudança, que diante do contexto vivenciado veio para ficar e seguirá presente no dia a dia dos consumidores e agricultores familiares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve como objetivo identificar as estratégias de comercialização da agricultura familiar durante o período de pandemia no município de Dom Pedrito, bem como elencar as estratégias adotadas pelos agricultores familiares / feirantes para manter a comercialização de produtos da categoria e analisar a percepção sobre o comportamento dos consumidores, observando o contexto de pandemia provocada pelo COVID-19. As principais considerações do estudo dizem respeito a uma mudança no comportamento de compra por parte dos consumidores, que revelou uma tendência ao aumento da procura de alimentos diretamente com os agricultores familiares, em feiras ou ainda, nas propriedades rurais do município.

Como estratégias para manter o funcionamento do mercado de alimentos, as seguintes tecnologias representam alternativas aos agricultores familiar/feirantes: telefone (ligações), redes sociais, aplicativos de mensagens e entregas à domicílio. Essas estratégias foram apresentadas na literatura presente neste estudo, confirmando-se como alternativas viáveis e necessárias para manter a reprodução da atividade agrícola familiar, bem como a oferta de alimentos aos consumidores, representadas no estudo como estratégias ideais para os consumidores acessarem aos alimentos.

Foi possível ainda, verificar relações entre agricultores e consumidores no que diz respeito ao local de compra/venda de produtos, o contato direto facilita a aquisição ou fornecimento de alimentos; uso de tecnologias como telefone e redes sociais como facilitadores do processo de comercialização de alimentos; maior interesse em comprar/vender alimentos; interferência de políticas públicas na mitigação dos efeitos da pandemia. Por fim, destaca-se a necessidade de estudos mais amplos sobre a temática, que poderão contribuir para mitigar os efeitos causados pela pandemia do COVID-19, bem como ajudar no momento de retomada pós-pandemia ou novo normal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido: 31 de Outubro de 2022; Aceito: 07 de Novembro de 2022

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