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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.46 no.2 Lisboa jun. 2023  Epub 01-Jun-2023

https://doi.org/10.19084/rca.31322 

Artigo

Estudo sobre a origem do enrugamento do miolo da noz

Physiological parameters that contribute to Kernel Shrivel in walnuts

Daniela Farinha1 

Maria Mendes1 

João Mota Barroso2 

Augusto Peixe2 

António Dias3 

Ana Elisa Rato2  * 

1 MED - Mediterranean Institute for Agriculture, Environment and Development & CHANGE - Global Change and Sustainability Institute, Instituto de Investigação e Formação Avançada, Universidade de Évora, Pólo da Mitra, Ap. 94, 7006-554 Évora, Portugal

2 MED - Mediterranean Institute for Agriculture, Environment and Development & CHANGE - Global Change and Sustainability Institute, Departamento de Fitotecnia, Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora, Pólo da Mitra, Ap. 94, 7006-554 Évora, Portugal

3 MED - Mediterranean Institute for Agriculture, Environment and Development & CHANGE - Global Change and Sustainability Institute, Departamento de Engenharia Rural, Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora, Pólo da Mitra, Ap. 94, 7006-554 Évora, Portugal


Resumo

A Nogueira (Juglans regia L.) é uma das espécies de frutos secos mais consumidas que tem vindo a ganhar importância com a implantação de novos pomares de Norte a Sul do país. A formação incompleta da semente, com o enrugamento do miolo associado, é um dos problemas que deprecia a qualidade e para o qual não existe um controle eficaz por se desconhecer a sua origem. A acumulação das reservas ao nível da semente depende de vários fatores associados à fisiologia da árvore. De forma a perceber a origem desta anomalia fisiológica da noz, foram avaliados vários parâmetros: teor de nutrientes, fibra, gordura e amido. Verificou-se que o amido presente no súber dos ramos, parece ser o parâmetro mais correlacionado com o enrugamento do miolo, observando-se nas variedades menos vigorosas (Lara e Howard) maior teor de amido e aparentemente uma menor predisposição para a ocorrência deste dano. Sendo estas, as variedades que apresentam uma menor percentagem de miolo enrugado, e sendo menos vigorosas parece haver uma correlação entre o nível de radiação intercetado e o desenvolvimento da semente. Assim o maior nível de radiação captado por árvores menos vigorosas parece contribuir para uma menor ocorrência de miolo enrugado.

Palavras-chave: Nogueira; hidratos de carbono; nutrição; miolo

Abstract

The Walnut tree (Juglans regia L.) is one of the most consumed nut species that has been gaining importance with the implementation of new orchards from north to south of the country. The incomplete formation of the seed (Kernel Shrivel) is one of the problems that most depreciates the quality and for which there isn’t an effective control due to its unknown origin. The accumulation of seed reserves that result in the development of the seed tissues, depends on several factors associated with the tree's physiology. To understand the origin of this physiological anomaly in the walnuts, several parameters were evaluated: nutrient, fiber, fat and starch content in the branches. It was found that starch content in the branches seems to be the parameter that is most correlated with Kernel shrivel, with the less vigorous varieties (Lara and Howard) having a higher starch content and apparently a lower predisposition to the occurrence of this disorder. As these varieties have a lower percentage of shriveled kernels and are also less vigorous, there seems to be a correlation between the level of radiation received and the development of the seed. Thus, the higher level of radiation absorbed by these trees, may contribute to the lower predisposition of Kernel Shrivel.

Keywords: walnut; carbohydrates; nutrition; kernel shrivel

INTRODUÇÃO

A Nogueira (Juglans regia L.) é das espécies de frutos secos mais consumidas. Esta espécie, embora conhecida há muito tempo no território nacional, tem vindo a ganhar importância observando-se a implantação de novos pomares de Norte a Sul do país. Particularmente no Alentejo, com a utilização dos novos perímetros de rega, esta espécie tem ganho, recentemente, uma importância crescente (Marketing Agrícola, 2017).

O interesse em aumentar a produção de nozes torna imprescindível a necessidade de um conhecimento aprofundado acerca da fisiologia desta espécie de forma a evitar alguns problemas que afetam a qualidade final do produto.

A presença de nozes vazias ou com um incompleto desenvolvimento do miolo, é um problema fisiológico que pode, em determinados anos, ocorrer nas nozes com graus de intensidade variável e que se designa vulgarmente por enrugamento do miolo (Kernel Shrivel). De um modo geral, este problema é mais acentuado na variedade Chandler, em comparação com as outras variedades, embora ainda não tenham sido identificados os aspetos relevantes para a maior suscetibilidade desta variedade (Ramos, 1998).

Dos vários problemas associados à qualidade da noz, o incompleto enchimento do miolo é um dos que tem mais impacto principalmente na comercialização da noz com casca (Adem, 2010). O deficiente enchimento do miolo leva a nozes de peso inferior, em que o interior não se encontra totalmente preenchido, podendo em casos mais severos o miolo estar reduzido apenas ao pericarpo da semente. O mau desenvolvimento da semente para além de levar a perdas de produção, obriga antes do processo de calibração, à seleção e separação de todas estas nozes vazias ou de fraca qualidade. A indústria habitualmente recorre a sopradores para fazer esta separação (United Nations Economic Commission for Europe, 2017). Se a presença desta desordem for um problema muito extenso dentro da noz, esta apresentará um peso muito inferior, existindo a possibilidade de ser bem descartada pela ação do soprador. No entanto, este problema pode estender-se apenas a uma pequena região da semente o que dificulta a sua seleção através da ação do soprador. Para uma separação eficaz e para fazer cumprir as especificações das normas de qualidade, a presença de nozes com incompleto desenvolvimento do miolo, exige ajustes diferentes nos sopradores de acordo com a extensão dos danos presentes na semente. A presença deste dano desvaloriza a produção diminuindo o retorno para o produtor, bem como dificulta toda a logística final do processamento e embalamento da noz.

Sendo a semente a estrutura que dá origem a um novo indivíduo, os tecidos internos da semente são compostos por substâncias de reserva e proteínas (Wu et al., 2009). A acumulação das reservas nos tecidos internos da noz que resultam no desenvolvimento dos tecidos de reserva do embrião, depende de vários fatores associados à fisiologia da árvore. A produção de fotoassimilados pela árvore, com a posterior distribuição e acumulação em maior ou menor quantidade no tronco e nos ramos, parece ser um fator que contribui para este problema (Pavel & DeJong, 1993). A distribuição da luz ao nível da copa e a maior ou menor exposição das zonas da copa parece ser outro dos fatores que contribui para a formação incompleta da semente.

Com o objetivo de avaliar a contribuição do local e da variedade na ocorrência do enrugamento do miolo, foram analisadas neste trabalho, durante o período de crescimento do fruto duas frações do fruto, o endocarpo e a semente, aqui designada por miolo, bem como folhas e súber de ramos com um ano. Os parâmetros quantificados no material vegetal foram: teor de nutrientes, fibra, gordura e amido, de forma a perceber a sua relação com a ocorrência desta anomalia fisiológica.

MATERIAIS E MÉTODOS

Recolha do material vegetal

Este estudo foi realizado em dois pomares de nogueiras em dois locais distintos, de forma a perceber a influência da localização nos parâmetros em estudo. O pomar do produtor 1 é constituído por nogueiras das variedades Chandler, Lara Howard e Tulare, com um compasso 5 x 8 m. O pomar do produtor 2 é constituído apenas por nogueiras da variedade Chandler, com um compasso 5 x 8 m.

De forma a perceber a influência do local de produção na ocorrência desta anomalia fisiológica, marcaram-se 7 árvores da variedade Chandler no produtor 1 e no produtor 2. Para comparar as 4 variedade entre si, selecionaram-se 3 árvores de cada uma das variedades, apenas no produtor 1. Das árvores marcadas recolheu-se o folíolo terminal, de nove folhas recolhidas à volta da copa, para a determinação do N. Das árvores marcadas recolheu-se também súber de ramos com 1 ano, recolhidos à volta da copa, para a determinação do N e amido. Todo este material foi retirado das mesmas árvores formando amostras compósitas. As amostras foram recolhidas durante o período de desenvolvimento dos frutos em 4 datas de colheita: 23/06/21, 23/07/2021, 12/08/2021 e 30/09/202. Após a colheita do material vegetal procedeu-se à liofilização e à determinação do peso seco de cada amostra. Após a liofilização as amostras foram moídas e crivadas com um crivo de 0,1 mm.

Recolha das nozes

Para determinar nas 4 variedades a percentagem de miolo enrugado, foram recolhidas 10 amostras de 100 frutos cada, de ambos os produtores. As nozes foram partidas uma a uma e contabilizadas o número de nozes que apresentavam miolo enrugado, mesmo que este enrugamento se limitasse a uma pequena zona do miolo. É de referir que as nozes avaliadas já tinham sido sujeitas a todo o processamento pós-colheita que inclui entre várias operações a secagem dos frutos. Foram também selecionados 2 lotes (com e sem dano) da variedade Chandler do produtor 1 que apresenta maior incidência desta anomalia fisiológica. Selecionaram-se 60 frutos de cada lote e em cada lote foram separados 6 subconjuntos de 10 frutos cada e de cada conjunto separou-se o endocarpo e a semente. Na semente foram avaliados os teores de gordura e azoto. Para determinar o teor de gordura foi utilizado um aparelho de extração automática (Soxtherm-Gerhardt) (AOAC, 1990). Este é um método puramente gravimétrico e baseia-se na perda de peso do material submetido à extração com éter de petróleo. Para a determinação do teor de N recorreu-se ao método de Dumas num equipamento Leco FP-528, tendo-se pesado aproximadamente 0,12g de miolo de noz.

No endocarpo foram avaliados os teores de cálcio (Ca), fósforo (P), potássio (K), magnésio (Mg). Para tal recorreu-se a uma digestão ácida após incineração a 600°C, tendo-se pesado inicialmente 0,1g de material vegetal para a obtenção das cinzas. A quantificação dos catiões realizou-se por espectrofotometria de absorção atómica Absorption Spectrometer (PinAAcle 900T).

Análise e Delineamento Estatístico

Para a avaliação da influência da variedade na presença desta anomalia fisiológica, foi efetuada, nas nozes recolhidas no produtor 1, uma comparação de médias da percentagem de miolo enrugado nas 4 variedades. Para a avaliação da influência do local na ocorrência desta anomalia realizou-se uma comparação de médias dos teores de Ca, P, K, Mg e fibra, do endocarpo apenas na variedade Chandler, em nozes com e sem dano. Nos tecidos da semente, destas amostras, recorremos a uma comparação de médias do teor de gordura e azoto, entre frutos com e sem dano.

No material vegetal recolhido as variáveis em estudo foram: nas folhas o teor de azoto e no súber dos ramos os teores de azoto e amido. Para avaliar a influencia da variedade na ocorrência do enrugamento do miolo, recorreu-se a uma comparação de médias entre as 4 variedades em estudo no pomar do produtor 1. Para tal recorreu-se a um fatorial com 2 fatores (tempo e variedade) com uma estratificação de 4 x 4com 3 repetições (árvores). Para a avaliação da contribuição do local (produtor 1 e produtor 2) na ocorrência do enrugamento do miolo da variedade Chandler recorreu-se a um delineamento fatorial com 2 fatores (tempo e local) com uma estratificação de 4 x 2 com 7 repetições (árvores).

Para a comparação das médias recorreu-se a uma ANOVA e para determinar as diferenças significativas aplicou-se o teste de Tukey com um nível de significância de 0,05.

Para o tratamento estatístico foi utilizado o software Statistica versão 7.0 (StatSoft, Inc.).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise dos parâmetros de qualidade na noz

A percentagem de miolo enrugado é um indicador real da qualidade relativamente à presença desta anomalia fisiológica e é um dos parâmetros avaliados por rotina no controlo de qualidade.

Como podemos observar através da Figura 1, a percentagem de miolo enrugado foi significativamente mais elevada na variedade Chandler em comparação com as outras três variedades, de seguida, a Tulare é a segunda variedade que apresenta maior percentagem de miolo enrugado, tal como foi referido por McGranahan et al. (1991) e Ramos (1998), Em Portugal e noutros países da Europa, este problema tem um impacto importante na qualidade na medida em que as nozes são comercializadas com casca no entanto em países em que as nozes se apresentam sem casca, como nos EUA, este problema é relativamente fácil de contornar.

Figura 1 Percentagem de miolo enrugado entre variedades e produtores (Percentagem e desvios padrão seguidas por diferentes letras, diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p<0,05)). 

Também é observado na Figura 1 que para a variedade Chandler, houve diferenças ao nível do local de produção, apresentando o produtor 1 valores significativamente elevados da ordem dos 26,75% de miolo enrugado enquanto o produtor 2 apresentou 15,45% de frutos com a presença desta anomalia.

Nas restantes variedades e em ambos os produtores não se observaram diferenças significativas ao nível da presença desta anomalia. Apesar de não serem significativamente diferentes, parece haver uma tendência menor para o aparecimento de enrugamento do miolo na variedade Lara e Howard em comparação com a Tulare. Com efeito, a Lara sendo uma variedade menos vigorosa é aquela que na prática se reconhece ter uma menor percentagem de miolo enrugado.

Não foram observadas diferenças significativas na composição do miolo relativamente ao teor de N e ao teor de gordura. Pela análise dos resultados relativamente aos teores de Ca, N, K, P no endocarpo, verifica-se que as diferenças dos teores de Ca e Mg não são significativas, no entanto o teor de K (Figura 2) apresenta valores no limite das diferenças significativas (p= 0,05587). Tal como refere Faust (1989), o K é um elemento que não está presente em compostos metabólicos, atuando ao nível celular mais como ativador enzimático ou participando na regulação osmótica. O teor de K inferior no miolo das nozes com dano poderá ser explicado pela menor intensidade metabólica que provavelmente existirá nas sementes com uma menor acumulação de substâncias de reserva. Relativamente ao teor de P (Figura 3), este apresenta valores significativamente superiores no endocarpo de nozes com a presença de enrugamento do miolo.

Relativamente ao teor de P nas nozes com e sem dano, observou-se um valor significativamente superior em nozes com enrugamento do miolo. De igual modo , Office of Experiment Station United States (1929) verificou que o P apresentava valores superiores em nozes com a presença deste dano fisiológico ao contrário de Haas et al. (1928) que não observaram diferenças nos teores de P da semente comparando nozes com e sem a presença de enrugamento. A presença de maiores teores de P no endocarpo das nozes em frutos com miolo enrugado poderá indicar um menor consumo de compostos energéticos em nozes com menor nível de enchimento do miolo. As reações de acumulação de compostos de reserva na semente requerem consumo de energia e em situações em que este tipo de mecanismo é menos intenso parece ocorrer acumulação de P que deixa e ser consumido.

Figura 2 Média do teor de K avaliado no endocarpo da noz (casca). (Médias e desvios padrão seguidas por diferentes letras, diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p<0,05)). 

Figura 3 Média do teor de P avaliado no endocarpo da noz (casca). (Médias e desvios padrão seguidas por diferentes letras, diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p<0,05)). 

Composição das folhas e ramos

O azoto é, de entre os nutrientes, aquele que mais interfere com o crescimento das plantas já que faz parte da molécula de clorofila (Faust, 1989). Quando em excesso, o azoto, leva a desequilíbrios nas plantas que se caracterizam por acentuados crescimentos vegetativos em detrimento da qualidade da produção. Na Figura 4, observa-se a comparação entre produtores relativamente ao teor de amido dos ramos apenas da variedade ‘Chandler’. Verifica-se que o teor de N nas folhas é decrescente, sendo este decréscimo explicado pelo facto de a nogueira ter uma maior necessidade de N durante a época de crescimento ativo (Germain et al., 1999).

Figura 4 Média do teor de N avaliado nas folhas da variedade Chandler dos 2 produtores para as diferentes datas de colheita. (Médias e desvios padrão seguidas por diferentes letras, diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p<0,05)). 

Segundo Boyd (2020), as necessidades de N das nogueiras, 1 mês antes da colheita, são praticamente nulas, logo nas últimas duas datas é normal ambos os produtores apresentarem um teor de N nas folhas abaixo do recomendado, uma vez que as folhas se encontram em senescência e remobilizam o N para outros órgãos. A remobilização de N das folhas senescentes para outras zonas da planta, nomeadamente, o tronco e rebentos, no final da estação foi também observada em pereira por Wu et al. (2021).

Na Figura 4 observa-se também que os teores de N nas folhas do produtor 2 estão dentro dos valores recomendados para esta cultura, entre 2,30% e 2,70% N, o que também foi observado por Jarvis-Shean (2018). Já o produtor 1 só na primeira data é que apresenta valores de azoto dentro dos valores recomendados, com 2,35% de N tendo-se observado nas restantes datas teores de N inferiores aos valores recomendados para esta cultura.

Para a determinação do teor de N presente no súber dos ramos recolheram-se ramos com um ano de idade onde se destacou a região que corresponde ao floema secundário. Com efeito o floema secundário é um tecido complexo formado por diferentes tipos de células e que é responsável pelo transporte das folhas para as raízes com crescimento secundário, de diversas substâncias incluindo compostos fotoassimilados. O floema localiza-se externamente ao xilema e resulta da atividade de um tecido meristemático, o câmbio vascular, que durante o crescimento secundário, produz xilema para a zona interior dos ramos e floema para a zona mais exterior dos ramos, ficando o floema localizado ao redor dos ramos. O súber ou casca dos ramos é a estrutura que inclui a periderme, o câmbio cortical e o floema nos ramos das plantas lenhosas com crescimento secundário. Nos ramos com um ano de idade a casca ao ser destacada dos ramos vai incluir o floema bem como outras estruturas até à periderme (Oliveira, 2011).

O teor de N no súber dos ramos, observado na Figura 5, permite observar a remobilização do N das folhas para as raízes das plantas, já que parte do azoto que é absorvido pelas plantas na forma de NO3 - vai ter de ser reduzido ao nível das folhas num processo metabólico com consumo de energia (Santos, 1996). A quantificação do N no súber dos ramos com um ano corresponde ao N que circula no floema (Tixier et al., 2017). Na tentativa de perceber que existiam diferenças entre produtores ao nível da redistribuição do N entre a parte aérea e as raízes foi quantificar-se o teor de N no súber de ramos com um ano. Assim, plantas com maiores necessidades de N na parte aérea quer pela presença de frutos quer pelas maiores taxas de crescimento disponibilizarão menores quantidades de N para as raízes.

A grande diferença do teor de N no súber dos ramos verifica-se na segunda data (Figura 5), no final do mês de julho, onde se observa um valor menor que nas restantes datas.

Figura 5 Médias e desvios padrão dos dois produtores do teor de N avaliado no súber dos ramos consoante as datas de colheita. (Médias e desvios padrão seguidos por diferentes letras, diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p<0,05)). 

Este facto pode ser justificado por ser nesta altura que se dá o endurecimento do endocarpo, altura em que os frutos necessitam de uma maior quantidade de N, translocando menores quantidades de N para outras zonas.

De igual modo, o facto de as folhas entrarem em senescência e canalizarem os seus nutrientes, tais como o N para outros órgãos, como os ramos e raízes, vem reforçar o que observamos na figura abaixo que é o aumento do teor de N no súber dos ramos nas últimas duas datas. Esta situação parece indicar uma maior translocação do N das folhas senescentes para as raízes, tal como Muhammad et al. (2020) indicaram que, sendo o N móvel dentro da planta, este era remobilizado das folhas senescentes para o tecido lenhoso, como ramos, caule ou raiz.

As reservas energéticas são igualmente importantes nas reações metabólicas que implicam consumo energético tal como a formação dos tecidos de reserva da semente. O amido quantificado no súber dos ramos constitui uma importante reserva energética que as árvores possuem (Faust, 1989). Esta reserva é muito importante nas espécies que apresentam dormência invernal, possibilitando que no início do seu ciclo anual decorra normalmente principalmente antes de apresentarem uma copa funcional (Oliveira, 2011).

Na Figura 6 observa-se que nas duas primeiras datas o teor de amido no súber dos ramos tem uma diferença significativa entre produtores, onde o produtor 2 apresenta maior teor de amido no súber dos ramos.

Figura 6 Média do teor de amido avaliado no súber dos ramos dos 2 produtores (Médias e desvios padrão seguidas por diferentes letras, diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p<0,05)). 

Esta diferença significativa pode estar relacionada com o facto de haver diferenças notórias no aspeto dos pomares, em que as árvores do pomar do produtor 1, em comparação com as do produtor 2, são muito mais vigorosas, levando por este motivo a maiores ensombramentos. Verifica-se também que o pomar do produtor 1 investe muito mais no crescimento vegetativo, enquanto as nogueiras do produtor 2 são mais baixas e apresentam maior produtividade, o que parece estar de acordo com o facto do produtor 2 apresentar um teor de amido mais elevado.

Segundo Jarvis-Shean & Zwieniecki (2021), os hidratos de carbono não estruturais, (HCN) são essenciais tanto para o crescimento vegetativo, como para o crescimento dos frutos. Por esta razão pode-se dizer que as nogueiras do produtor 2 canalizam os HCN para o crescimento dos frutos, enquanto as nogueiras do produtor 1 para o crescimento vegetativo e não para a produção, uma vez que a percentagem de miolo enrugado é maior.

Na Figura 7 pode observar-se a contribuição do efeito da variedade para a ocorrência de miolo enrugado apenas avaliada no pomar do produtor 1 nas variedades Chandler, Howard, Lara e Tulare. Os teores de N nas folhas entre variedades, não têm diferenças muito significativas, consegue-se observar (Figura 7) que apenas a variedade Tulare apresenta um teor mais elevado. Com efeito as variedades Chandler e Tulare são as variedades mais vigorosas, logo é esperado que apresentem maior teor de N nas folhas, contudo comparando estas duas variedades, a Chandler acaba por ter uma percentagem de miolo enrugado maior. Só a variedade Tulare é que se encontra com o teor de N nas folhas dentro dos valores ideais (Jarvis-Shean, 2018) enquanto as restantes variedades se encontram um pouco abaixo, com valores dentro da ordem dos 2,05% a 2,22% de N, sendo estes valores um pouco inferiores ao ideal.

Figura 7 Média do teor de N avaliado nas folhas para as 4 variedades do produtor 1. (Médias de cada variedade incluem as 4 datas de colheita; desvios padrões seguidos por diferentes letras, diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p<0,05)). 

Esta situação parece indicar que o produtor 1 aplica N em quantidades inferiores ao recomendado, no entanto o elevado vigor das plantas deve contribuir para esta contenção nas doses de azoto aplicado

Relativamente ao teor de N no súber dos ramos do pomar do produtor 1, não foram encontradas diferenças significativas entre variedades e datas analisadas, o que pode indicar que todas as variedades estão em igualdade de circunstância relativamente a este parâmetro, não havendo uma variedade com maior ou menor capacidade para remobilizar N das folhas para as raízes em qualquer uma das datas. Também o teor de amido presente no súber dos ramos no pomar do produtor 1 (Figura 8), só se observaram diferenças significativas na última data, onde este valor é mais elevado, contudo também é visível que existe um decréscimo no teor de amido no súber entre a primeira e segunda data, apesar de não ser significativo. Confirmando assim o que foi mencionado por Jarvis-Shean & Zwieniecki (2021), que o teor de HCN diminui após a rebentação, atingindo os níveis mais baixos durante a estação de crescimento e, de seguida, os níveis aumentam no final do verão para atingir níveis máximos durante a fase invernal. Estes autores observaram em amêndoas, pistachos e nozes, pouco antes da rebentação, um aumento do teor de amido e uma queda na concentração de açúcares solúveis. As plantas regulam as concentrações de açúcar para manter o metabolismo desejável e a dinâmica osmótica dentro dos seus tecidos. Quando a temperatura aumenta na primavera, a síntese de amido inicia-se, resultando num decréscimo do teor de açúcares solúveis. Essa queda no teor de açúcares e o aumento do amido podem vir a ser a ser analisados como indicadores preditivos da qualidade da rebentação de primavera.

Figura 8 Médias do produtor 1 relativamente ao teor de amido avaliado no súber dos ramos consoante as datas de colheita (Médias de cada data incluem as 4 variedades em estudo; desvios padrões seguidos por diferentes letras, diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p<0,05)). 

Na Figura 9, observa-se a mesma tendência da figura 8, entre datas. Já entre variedades é de sublinhar que a Chandler é a variedade que tem sempre um teor de amido menor, comparando com as outras variedades, o que poderá estar relacionado com a maior percentagem de miolo enrugado que esta variedade apresenta já que o amido é um constituinte da semente e faz parte do tecido de reserva.

As variedades Lara e Howard apresentam diferenças significativas quanto ao teor de amido na casca dos ramos na última data, apresentando este um valor mais elevado nestas duas variedades em comparação com as variedades Chandler e Tulare. Estes resultados são coerentes com o facto da Lara e Howard serem duas variedades menos vigorosas em comparação à Chandler e Tulare. As variedades menos vigorosas, investem menos em crescimentos vegetativos, logo acumulam mais reservas até ao período de dormência e o novo ciclo cultural inicia-se com maior disponibilidade de reservas. Durante o decorrer do ciclo as variedades menos vigorosas canalizam as reservas, disponíveis em maior quantidade para investirem nos frutos. O mesmo foi observado por Choi et al. (2020) em diospiro Fuyu submetido a incisão anelar em que se observou, entre outros efeitos, uma melhoria na qualidade dos frutos, por uma maior disponibilidade de fotoassimilados na parte aérea da planta.

Figura 9 Média do teor de amido avaliado no súber dos ramos das 4 variedades consoante as datas de colheita no produtor 1. (Médias e desvios padrão seguidas por diferentes letras, diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey (p<0,05)).  

CONCLUSÕES

A percentagem de miolo enrugado em ambos os produtores, demonstrou que a variedade Chandler apresenta maior percentagem, em comparação com as restantes variedades. E que o produtor 1 foi aquele que apresentou uma percentagem mais elevada de miolo enrugado nesta variedade. Com efeito, o vigor acentuado das plantas no produtor 1, o que justifica a opção deste produtor pela aplicação de azoto no limite inferior do nível satisfatório, poderá ser um dos motivos para a maior percentagem de nozes com miolo enrugado. No pomar do produtor 2, as árvores apresentam um porte mais baixo e teores superiores de N nas folhas e na casca, aparentando uma maior disponibilidade deste nutriente. Não se estabeleceu uma relação direta entre os teores de N no súber dos ramos e o aparecimento de enrugamento do miolo já que entre produtores não houve diferenças quanto a este parâmetro.

O amido, de entre todos os resultados obtidos e analisados nesta dissertação, parece ter um papel fundamental na predisposição para o enrugamento do miolo da noz, uma vez que se obteve resultados muito significativos no teor de amido no súber dos ramos, no sentido em que as variedades menos vigorosas (Lara e Howard) apresentam maior teor de amido e também uma menor predisposição para a ocorrência deste dano. Sendo estas, as variedades que apresentam uma menor percentagem de miolo enrugado, e sendo menos vigorosas, não investem tanto em crescimento vegetativo, ficando com mais reservas de amido. Desta forma terão também mais reservas no início do ciclo produtivo no ano seguinte. A presença de árvores mais altas no produtor 1 comparativamente ao produtor 2, com menor quantidade de reservas nos ramos parece indicar um estiolamento das plantas, por estarem sujeitas a maior nível de ensombramento, e um investimento excessivo em crescimento vegetativo o que poderá contribuir para uma maior presença de frutos com enrugamentos do miolo.

Relativamente à comparação da composição de nozes com e sem danos da variedade Chandler, pode-se afirmar que não houve diferenças significativas em qualquer nutriente avaliado com exceção do P presente no endocarpo. Este nutriente apresentou valores superiores no endocarpo das nozes com enrugamento do miolo. Este dano condicionou a composição química da casca das nozes, o que permite perspetivar a aplicação com sucesso da espectroscopia NIR para a separação das nozes com casca de acordo com a presença de danos internos no miolo.

Independentemente de o amido aparentar ter um papel fundamental nesta problemática, não é o único fator a considerar. Apesar de não terem sido estudada, neste trabalho, é importante referir que a exposição da copa à radiação solar também é um dos fatores importantes e que irá condicionar o aparecimento deste dano. O pomar do produtor 2 apresenta árvores mais compactas e baixas, conseguindo formar uma copa maior, comparativamente ao pomar do produtor 1, onde as nogueiras são mais altas e com maior nível de ensombramento.

Financiamento:

Projecto QualFastNut (ALT20-03-0246- FEDER-000064) - Utilização da espectroscopia NIR para a análise rápida da qualidade em frutos secos - Co-financiadopelo FEDER através do programa operacional A2020.

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