INTRODUÇÃO
A nogueira, Juglans regia L., cultivada há longa data em diferentes países do mundo, tem vindo a adquirir uma importância crescente a nível nacional e internacional, devido às características organoléticas do fruto, considerado um alimento saudável, e pela grande diversidade de utilização, desde o consumo em natura até ao uso agroindustrial e na confeitaria (Lannamico, 2015). A espécie encontra-se praticamente por todos os continentes, com maior incidência no hemisfério norte, nas latitudes que variam entre os paralelos 10 e 50. A China é o maior produtor mundial de noz, com um volume anual de cerca de 484 mil toneladas, o que representa aproximadamente 46% da produção mundial, seguido dos Estados Unidos da América, com cerca de 29% da produção mundial (INE, 2021). Em Portugal, a nogueira tem despertado interesse crescente, com a área de cultura e a produção a duplicar na última década, com 5610 hectares e uma produção de 13340 toneladas de noz em casca, em 2021 (INE, 2021). A maior área da cultura está concentrada no Alentejo, onde se encontra cerca de 43% da área cultivada de nogueira e 57% da produção portuguesa. A segunda região com maior área é o Norte, com 29% da área, e um pouco menos da produção. A terceira maior área é o Centro, com 26% do total nacional, e o segundo maior produtor em termos absolutos (INE, 2021). As variedades mais utilizadas são as americanas Hartley, Serr, Amigo e Chandler, no Alentejo e Ribatejo, as francesas Franquette e Fernor, a americana Lara e as portuguesas Rego e Arco, no norte do país.
O bichado, Cydia pomonella L., é uma praga polífaga que tem como principais hospedeiros a maçã, a noz, a pera e a ameixa, entre outras espécies de Prunus (Barnes, 1991; De Liñan, 1998; Wearing et al., 2001). No caso das pomóideas (macieira e pereira) e da nogueira, o bichado é considerado uma praga-chave, dados os elevados prejuízos que causa (Kovaleski, 2004). O bichado pode desenvolver de uma a três gerações anuais, dependendo das condições climáticas da região (Pasqualini, 2015). Em Portugal, geralmente/por norma apresenta duas gerações, porém, em algumas regiões, pode desenvolver uma terceira geração (Coutinho, 2011). A primeira geração ocorre entre meados de abril e início de junho. Após o acasalamento, as fêmeas efetuam a postura, depositando os ovos nas folhas situadas próximas dos jovens frutos. Após a eclosão, a lagarta apresenta grande mobilidade facilitando-lhe a procura de um local para se alimentar, sendo em regra o fruto. Uma vez em contato com ele, a lagarta abre uma galeria até atingir as sementes, as quais representam uma fonte de proteínas e gorduras, fundamentais para completar o seu desenvolvimento (Moreda, 2013). Caso não sejam tomadas medidas de proteção, os prejuízos podem atingir 20% a 80% da produção (Assunção, 1998; Pasqualini, 2015).
Os meios de luta utilizados contra a praga são a luta química seletiva, afetando o menos possível o ambiente de modo que permita a redução das pragas a níveis aceitáveis, a luta biológica e a luta biotécnica. O combate à praga através da confusão sexual surge como uma alternativa viável de controlo. Este método de luta biotécnica reduz gradualmente a população da praga, não deixa quaisquer resíduos sobre os frutos, não origina fenómenos de resistência e não perturba a fauna auxiliar, facilitando a proteção da cultura contra pragas secundárias como os ácaros (Thomson et al., 1997). Trata-se de um meio eficaz, seletivo, não tóxico, de custo acessível e de fácil realização (Cardé & Minks, 1995; Gut & Brunner, 1996), sendo um pouco mais difícil na nogueira atendendo ao tamanho das árvores.
No contexto mencionado, com o presente trabalho pretende-se estudar a biologia de C. pomonella em Trás-os-Montes, na cultura da nogueira, e avaliar as possibilidades da confusão sexual como meio de luta contra a praga.
MATERIAL E MÉTODOS
Caracterização do Pomar
O trabalho decorreu num pomar de nogueira situado no concelho de Vinhais, na Freguesia de Quintela 41°51'41.5"N 6°56'18.3"W, em 2019. O pomar com aproximadamente 2,5 hectares é constituído pelas variedades Franquette e Fernor e está localizado a 700 metros de altitude. As plantas são conduzidas em eixo central e estão dispostas num compasso de plantação de 8×5 metros. As práticas culturais consistiram numa poda ligeira de inverno e em verde, o controlo da vegetação espontânea da linha e entrelinha foi realizado através da utilização de um destroçador, duas vezes no início e fim da primavera. No que respeita ao controle contra os inimigos da cultura, apenas foi realizado um tratamento com oxicloreto de cobre, antes do abrolhamento em todo o pomar. O pomar foi dividido em duas parcelas (Figura 1), a primeira parcela (1,25 ha), utilizada como testemunha e a segunda parcela (1,25 ha) destinada ao método da confusão sexual.
Monitorização do voo do bichado, Cydia pomonella
Para a monitorização do voo dos adultos de C. pomonella, foram instaladas três armadilhas do tipo delta, com feromona sexual, utilizando-se bases com cola entomológica para a captura de adultos. As armadilhas foram colocadas a mais de 4 metros de altura e separadas entre sim em mais de 50 metros. As feromonas e bases com cola entomológica foram substituídas mensalmente, conforme a indicação do fornecedor e a contagem dos adultos feita semanalmente, entre os meses de junho e outubro.
Controlo do bichado, Cydia pomonella através de confusão sexual
No dia 8 de julho de 2019, no final do voo dos adultos da 1ª geração, procedeu-se à colocação dos difusores para a confusão sexual. Os difusores de feromona utilizados no combate ao bichado foram o ISOMATE CTT, aplicando-se 500 difusores. Cada difusor contém 375 mg da seguinte composição de feromona de C. pomonella: 60% de (E8,E10)-dodec-8,10-dien-1-ol; 32,5% de dodecan-1-ol; e 7,5% de tetradecan-1-ol. Os difusores foram colocados no terço superior da copa das árvores, 3 a 4 por árvore, com recurso de uma retroescavadora. Na bordadura, junto à testemunha, reforçou-se a dose em 10%. O cálculo da taxa de captura semanais de machos por armadilha de monitoramento antes e depois do tratamento foi realizado através da formúla:
% de desorientação masculina = (c-m)/(c+m)x100
Avaliação da intensidade de ataque
A avaliação da eficácia da técnica de confusão sexual efetuou-se através das capturas em armadilhas e amostragem de frutos. No primeiro caso, foram instaladas nesta parcela igualmente 3 armadilhas do tipo delta, com feromona sexual, para a captura de adultos. As contagens dos adultos foram feitas semanalmente entre os meses de junho e outubro. No caso da intensidade do ataque nos frutos, efetuou-se uma amostragem de frutos na parcela testemunha e parcela “confusão sexual” e observação de amostras de frutos para avaliação dos estragos provocados pela praga. Na altura da colheita da noz fez-se uma amostra de 600 frutos em cada parcela (60 frutos/ árvore x 10 árvores). As duas amostras de nozes foram levadas para o Laboratório de Agrobiotecnologia no Instituto Politécnico de Bragança, fazendo-se contagem e registo dos frutos com sintomas de perfurações do bichado. Os frutos com sintomas de estarem bichados foram selecionados e escolhidos de forma aleatória, até perfazer 100 frutos, de cada parcela. Seguidamente, os frutos foram abertos para confirmar o ataque no miolo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Monitorização do voo do bichado, Cydia pomonella
Os primeiros adultos de C. pomonella foram capturados logo na semana seguinte à instalação das armadilhas, no dia 05 de junho, decorrendo as capturas até 7 de outubro de 2019.
Os resultados obtidos mostram a existência de dois períodos de capturas mais elevados, o primeiro no início de julho com 11±3,09 indivíduos em média por armadilha e o segundo a meados de setembro com 6,33±0,72 indivíduos em média por armadilha (Figura 2).
Os períodos de maiores capturas terão correspondido a duas gerações de C. pomonella, a primeira iniciada provavelmente em meados de maio e decorrendo até meados de julho, e a segunda geração indentificada correspondendo ao voo de adultos entre meados de julho e o final de setembro. Os resultados obtidos vão ao encontro dos valores apresentados por Coutinho (2011), em Portugal (Beira Interior), segundo o qual é comum a ocorrência de duas gerações anuais em pomoídeas, sendo a primeira correspondente ao voo dos adultos entre abril e junho, e a segunda entre julho e setembro. O período de ocorrência das atividades de voo de ambas as gerações em pomoídeas coincide ainda com o referido por Alston (2006) nos Estados Unidos, Miletić et al. (2011) na Sérvia e Sumedrea et al. (2015) na Roménia.
Eficácia da confusão sexual
O número médio de capturas registrado na parcela testemunha e parcela em confusão sexual foi semelhante até à colocação dos difusores da confusão sexual, sendo praticamente nulo na parcela em confusão sexual, a partir dessa data (Figura 3). A parcela em confusão sexual apresentou apenas um pico de capturas, com um número médio de 7,33±4,23 insetos capturados, enquanto na parcela testemunha observamos dois picos de capturas com 11±3,09 e 6,33±0,72 insetos, respetivamente a 3 de julho e 11 de setembro. Após a instalação dos difusores da confusão sexual, no dia 8 de julho de 2019, ocorreu uma redução notável de capturas nesta parcela, tendo a presença dos difusores da confusão sexual provocado desorientação dos machos e estes não conseguiram encontrar as armadilhas.
A taxa de desorientação dos machos de C. pomonella foi quase de 100% durante todo o período que se seguiu à colocação dos difusores (Figura 3). Charmillot (1992) demonstra em ensaios de campo realizados em vinhedos em Itália, que o método da confusão sexual inibiu fortemente os machos de Lobesia botrana. Angeli et al. (2007) citam que durante a atividade de pico de voo de C. pomonella, as armadilhas na área de confusão sexual capturaram 1,0 ± 1,4 machos/armadilha, enquanto as armadilhas na área da testemunha capturavam 13,8 ± 8,5 machos. Judd et al. (2004) retratam que a recaptura de C. pomonella, libertada ao mesmo tempo em dois pomares, tendo sido completamente inibida no pomar tratado (0%) em relação à recaptura no pomar não tratado (23%). De acordo com Patanita et al. (2008), a evidência que o método da confusão sexual está a funcionar é a ausência de capturas em armadilhas sexuais. Caso as capturas sejam praticamente nulas é um sinal de que provavelmente o método está a funcionar de forma satisfatória.
Sciarretta e Trematerra (2011) referem que, quando na presença de baixas populações da praga, a estratégia de confusão sexual, em pequenos pomares, pode reduzir o número de tratamentos convencionais com inseticidas por ano. No entanto, em níveis populacionais elevados de C. pomonella, o tratamento com confusão sexual pode resultar, desde que combinado tratamentos com inseticidas (Benvenuto e Totis 2009; Vreysen et al., 2010). Frescata et al. (1999) salientam que é necessário seguir alguns requisitos, utilizando reforço de difusores nas bordaduras de risco e fazer o uso de inseticida, quando o ataque tiver sido elevado no ano anterior à aplicação do método.
No que respeita à percentagem de frutos atacados, através da observação dos sintomas exteriores das nozes, observamos valores muito baixos de ataque nas duas parcelas, 1% e 2%, respetivamente na parcela de confusão sexual e testemunha. Estes dados confirmam os observados nas capturas em armadilhas (Figura 4). Salienta-se que o voo da primeira geração da praga termina pouco após o vingamento dos frutos das variedades em causa (variedades de floração tardia), ou seja, a primeira geração desenvolve-se em hospedeiros alternativos.
Constata-se que a parcela com maior percentagem de frutos atacados foi a testemunha (2% de frutos atacados), ultrapassando o nível económico de ataque que é de 1% (Gonçalvez e Cavaco, 1997), embora sem diferenças significativas entre os tratamentos.
Os resultados do ataque ao miolo da noz (Figura 5) mostram que a parcela em confusão sexual teve um menor número de frutos infestados (7%) quando comparada com a parcela testemunha (11%), assim como demonstra os resultados obtidos na Figura 4, não se observou a presença de lagartas em frutos que não apresentaram sintomas.
Patanita et al. (2008) obtiveram resultados semelhantes com o uso da confusão sexual em pomares de maçãs, não tendo observado diferenças significativas, justificando que o resultado pode estar relacionado com os baixos níveis populacionais da praga. Angeli et al. (2007) obtiveram resultados parecidos, em que a percentagem de frutos de maçãs atacados na parcela com utilização da confusão sexual foi menor, mas não significativamente diferente. Em Itália, Sciarretta e Trematerra (2011) demonstraram resultados positivos na parcela tratada em pomar de macieira, mantendo os frutos abaixo do nível económico ataque (1%).
De acordo com Pfeiffer et al. (1993), na presença de populações altas de C. pomonella, pomares abandonados que possam ser hospedeiros da praga ou outras fontes de contaminação que estiverem por perto, aumenta a probabilidade que ocorra estragos elevados, especialmente nas margens dos pomares, podendo ocorrer a imigração de fêmeas acasaladas para os pomares tratados, aumentando a probabilidade da ocorrência de danos, principalmente na margem do pomar.
Para que a técnica da confusão sexual seja eficaz contra C. pomonella, deve ser combinado com inseticidas químicos ou biológicos, sendo de vital importância o controle da primeira geração do inseto (Pollini, 2008). Se o controlo for efetivo, os segundos tratamentos podem ser significativamente reduzidos ou até mesmo evitados, com a praga a causar um nível de estragos próximo de 0% e, consequentemente, uma redução de custos (Benvenuto e Totis, 2009).
CONCLUSÕES
A realização deste trabalho permitiu um melhor conhecimento do período voo de C. pomonella em Trás-os-Montes, nomeadamente a definição do início da emergência dos adultos de cada uma das gerações, os períodos de maior número de capturas, bem como o final de cada uma das gerações. A estimativa do risco, através das capturas em armadilhas, ajuda a prever o risco de ataque e a definir a data dos tratamentos com oportunidade de forma a manter a praga em níveis que não causem prejuízos ao agricultor.
A técnica da confusão sexual demonstrou uma grande eficácia na interrupção da comunicação entre machos e fêmeas de C. pomonella. Durante os meses de ensaio, as capturas de machos foram significativamente inferiores na parcela tratada em relação à testemunha, e a taxa de desorientação foi quase 100% no decorrer do estudo. A percentagem de frutos atacados na parcela com confusão sexual foi mais reduzida, porém, sem diferenças significativas, provavelmente devido ao facto de os níveis populacionais serem baixos e as variedades do pomar serem tardias.