INTRODUÇÃO
A figueira (Ficus carica L.) tem a sua origem na Ásia Ocidental e pode ter sido a primeira árvore domesticada pelo homem, precedendo a dos cereais em cerca de mil anos (Kislev et al., 2006). Foi introduzida na Região Mediterrânica onde tem sido cultivada ao longo de milhares de anos e os seus frutos são muitos apreciados pelas suas características organoléticas e nutricionais benéficas para a saúde, como a riqueza em fibra, potássio, cálcio e ferro (Morton, 1987; INSA, 2010).
Algumas cultivares de figueira, nomeadamente do grupo São Pedro, produzem uma primeira colheita de figos no final da primavera que se designa por figos lampos. Estes crescem na parte terminal dos ramos do ano anterior e são sempre partenocárpicos (não precisam de polinização). Iniciam o seu desenvolvimento em setembro/outubro e param o seu crescimento, quando os dias começam a ser mais curtos e as temperaturas mais baixas. Quando os dias começam a ser mais compridos e as temperaturas mais altas (início de março), reiniciam o seu desenvolvimento até à maturação. Geralmente são maiores, têm mais água e menos açúcares que os figos vindimos, sendo por isso preferencialmente, consumidos em fresco (Sousa, 2021).
De modo geral, sendo a primeira colheita numa época do ano em que há pouca oferta de figos no mercado, os figos lampos alcançam bons preços, podendo gerar maior rendimento aos produtores (Crisosto et al., 2011). Em Portugal, há várias regiões excelentes para produção de figos lampos, onde não ocorrem geadas tardias e cujas condições climáticas induzem precocidade à produção. De tal modo que o nosso país tem uma vantagem competitiva face a outros países, nomeadamente a Turquia, onde apenas se produzem figos vindimos, essencialmente para consumo em seco (Aksoy et al., 2003).
Um dos principais problemas para resolver é a escolha da cultivar para novas plantações de forma a satisfazer os requerimentos agronómicos e comerciais. Essa escolha depende de cultivares produtivas, produtoras de figos de qualidade e adaptadas às nossas condições de cultura (Ferrara & Papa, 2003; Sousa, 2021). Nesse sentido, foi objetivo deste trabalho avaliar as características qualitativas de sete cultivares de figueira produtoras de figos lampos para consumo em fresco.
MATERIAL E MÉTODOS
Material vegetal e condições de crescimento
O estudo foi realizado em 2021 na Estação Nacional de Fruticultura Vieira Natividade (INIAV) em Alcobaça e os figos foram colhidos na coleção de cultivares de figueira no Campo Experimental dos Ganilhos (latitude: 39°54’87’’N, longitude: 8°95’28’’ W). Esta coleção foi estabelecida em 1992 e conta atualmente com 83 cultivares. Cada uma das cultivares da coleção é representada por 3 plantas, distanciadas na linha 3m e na entrelinha 6m, conduzidas maioritariamente em vaso baixo, em sequeiro e a uma altitude de 83 metros. Para este estudo foram consideradas as seguintes cultivares: ‘Nazareth’, ‘Montes’, ‘CN250’, ‘Dauphine’, ‘Tibério’, ‘Lampa Preta’ e ‘Maia’ (Figura 1).
Avaliação qualitativa
Foram selecionados 12 frutos por cultivar e cada figo foi avaliado quanto aos parâmetros biométricos (peso, diâmetro, altura e comprimento do pedúnculo), físico-químicos (dureza e teor de sólidos solúveis totais (TSS)), e colorimétricos (L*, a*, b* e °hue). O peso foi medido através de uma balança de bancada e expresso em gramas (g); o diâmetro, altura e comprimento do pedúnculo foram avaliados através de um paquímetro e expressos em milímetros (mm); a dureza foi medida através do equipamento Durofel e expressa em unidades durofel (UD); o TSS foi medido num refratómetro de bancada e expresso em °Brix. Os parâmetros colorimétricos foram determinados num colorímetro e são compostos por: L* (luminosidade), a* (coordenada verde/vermelho), b* (coordenada amarelo/azul) e °hue.
Análises estatísticas
Os dados obtidos foram processados através do software AgroEstat, utilizando a análise de variância seguida pelas comparações múltiplas das médias por meio do teste de Tukey, para um nível de significância de 5%.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Análises biométricas
As sete cultivares em estudo mostraram uma grande variabilidade nos parâmetros de qualidade dos frutos, como o tamanho e peso, à semelhança do que constataram Pereira et al. (2017) em cultivares produtoras de figos lampos e vindimos. Os frutos com um elevado tamanho são mais facilmente colhidos diminuindo os custos de colheita. São também os indicadores de qualidade dos figos, dos quais depende o valor do fruto (preço). O peso variou de 38,9 a 98,2 g e o diâmetro variou de 42,3 a 61,7 mm. De forma geral estes valores são mais elevados do que os descritos por Crisosto et al. (2010) em diferentes cultivares produzidas na Califórnia. A cultivar ‘CN250’ demonstrou ser uma cultivar muito interessante em relação aos parâmetros de tamanho do fruto e foi a que apresentou frutos maiores, com 98,2 g de peso e 61,7 mm de diâmetro (Quadro 1). Estes resultados são semelhares aos obtidos por Regato et al. (2014) para a mesma cultivar. Esta cultivar é uma seleção da cultivar italiana ‘Petreli’ e segundo Crisosto et al. (2011), tem um fruto grande, verde, sendo das primeiras cultivares a produzir figos na região mediterrânica e alcançando bons preços no mercado, comparando com as outras cultivares.
A cultivar francesa ‘Dauphine’ é a segunda variedade com os frutos maiores e mais pesados, com um valor médio de peso e diâmetro de 77,1 g e 54,9 mm respetivamente. A cultivar ‘Montes’ é a que apresenta um peso menor, com um valor médio de apenas 38,9 g (Quadro 1).
A altura variou de 61,5 a 78,1 mm, sendo os figos das cultivares ‘Lampa Preta’, ‘Tibério’ e ‘Nazareth’ os mais compridos. No outro extremo, estão as cultivares ‘Maia’ e ‘Montes’ cuja altura é cerca de 62 mm (Quadro 1). Estes valores de altura são mais elevados do que aqueles obtidos por Çalişkan & Polat (2008) em diferentes cultivares produzidas na Turquia.
Todas as cultivares apresentaram uma relação altura-diâmetro superior a 1, tendo os frutos uma forma alongada. Em particular, os figos mais alongados são os da ‘Lampa Preta’, seguindo-se as cultivares ‘Nazareth’ e ‘Tibério’ com cerca de 1,58, e as restantes cultivares menos alongadas, entre 1,14 e 1,30 (Quadro 1).
Em relação ao comprimento do pedúnculo, é importante indicar que os figos com pedúnculo comprido são mais facilmente colhidos e a presença deste diminui os riscos de danos fisiológicos. O comprimento do pedúnculo variou de 2,5 a 4,3, valores bastante inferiores aos obtidos por Pereira et al. (2015) em diferentes cultivares produzidas em Espanha. No entanto, não se observaram diferenças significativas entre as diferentes cultivares quanto a este parâmetro (Quadro 1).
Quadro 1 Parâmetros biométricos de cultivares produtoras de figos lampos. Letras diferentes na mesma coluna indicam diferenças significativas entre modalidades, para um nível significância de 5%
Cultivar | Peso (g) | Diâmetro - D (mm) | Altura - A (mm) | A/D | Comprimento do Pedunculo (mm) |
Nazareth | 60,38 ± 3,89 bc | 48,80 ± 1,01 c | 76,23 ± 1,79 a | 1,57 ± 0,04 b | 3,37 ± 0,79 a |
Montes | 38,90 ± 1,38 d | 47,18 ± 1,14 cd | 61,47 ± 1,38 c | 1,31 ± 0,04 c | 4,30 ± 0,30 a |
CN250 | 98,20 ± 3,40 a | 61,69 ± 0,70 a | 70,46 ± 1,90 abc | 1,14 ± 0,03 c | 3,49 ± 0,61 a |
Dauphine | 77,08 ± 5,32 b | 54,92 ± 1,53 b | 72, 12 ± 2,86 ab | 1,31 ± 0,04 c | 3,93 ± 0,49 a |
Tibério | 58,68 ± 6,08 c | 49,35 ± 1,58 bc | 78,06 ± 2,63 a | 1,59 ± 0,04 b | 4,14 ± 0,51 a |
Lampa Preta | 42,86 ± 3,46 cd | 42,33 ± 1,59 d | 78,13 ± 3,02 a | 1,86 ± 0,07 a | 3,97 ± 0,42 a |
Maia | 48,80 ± 4,10 cd | 48,66 ± 1,44 c | 63,04 ± 1,83 bc | 1,30 ± 0,04 c | 2,52 ± 0,56 a |
Análises físico-químicas
Tratando-se de um fruto muito perecível, outro importante indicador de qualidade dos figos é a sua consistência ou dureza. Sánchez et al. (2021) reportou valores de firmeza entre 11 e 19 UD para a cultivar ‘Preto de Torres Novas’. Os valores de consistência ou dureza dos frutos deste estudo são mais elevados e variaram entre 27 e 48 UD, tendo a cultivar ‘CN250’ os frutos mais firmes, apresentando um valor médio de 47,6 UD. As cultivares ‘Nazareth’ e ‘Lampa Preta’ foram as que apresentaram menor dureza, 28,2 e 27,3 UD, respetivamente. Estes resultados (Quadro 2) são importantes não só para a determinação da qualidade dos figos, mas também para a avaliação da suscetibilidade dos frutos aos danos mecânicos decorrentes do acondicionamento e transporte dos frutos.
É importante ressaltar que, independentemente das cultivares, a firmeza dos figos diminui durante o processo de amadurecimento e do tempo de armazenamento, sendo altamente influenciada por fatores climáticos, como a temperatura e a humidade. Por estas razões, o transporte dos figos desde a colheita à comercialização deve ser realizado num curto período de tempo e com as condições adequadas de armazenamento em fresco (Velardo-Micharet et al., 2019).
Segundo Sánchez et al. (2021), os consumidores geralmente preferem figos saborosos, qualidade que está diretamente relacionada com um alto conteúdo em açúcares. Por isso mesmo, um dos importantes critérios a considerar aquando da avaliação da qualidade, é o teor em sólidos solúveis totais (TSS). Os níveis de TSS apresentaram variação em todas as cultivares, variando de 13,0 a 14,3 °Brix. No entanto, pela variabilidade apresentada, não se encontraram diferenças significativas entre as cultivares (Quadro 2). Estes valores de TSS foram menores que o observado para outras cultivares produtoras de figos lampos produzidas noutras regiões edafo-climáticas (Pereira et al., 2015, 2017).
Quadro 2 Parâmetros físico-químicos de cultivares produtoras de figos lampos. Letras diferentes na mesma coluna indicam diferenças significativas entre modalidades, para um nível significância de 5%
Cultivar | Dureza (UD) | TSS (°Brix) |
Nazareth | 28,21 ± 3,86 c | 13,00 ± 0,48 a |
Montes | 29,21 ± 3,05 bc | 13,25 ± 0,38 a |
CN250 | 47,63 ± 1,84 a | 13,97 ± 0,25 a |
Dauphine | 43,17 ± 3,65 ab | 13,93 ± 0,75 a |
Tibério | 38,33 ± 3,05 abc | 13,69 ± 0,37 a |
Lampa Preta | 27,33 ± 3,96 c | 13,43 ± 0,48 a |
Maia | 34,08 ± 3,75 abc | 14,26 ± 0,50 a |
Análises colorimétricas
No que respeita aos parâmetros colorimétricos, observaram-se diferenças significativas entre as sete cultivares analisadas. Crisosto et al. (2010) reportou quatro cultivares de figo fresco com valores de luminosidade (L) a variar entre 34,1 e 68,9. Neste estudo a cultivar ‘Maia’ apresentou a luminosidade (L) mais elevada com 50,7 e os figos da cultivar ‘Montes’ evidenciaram a luminosidade mais baixa com um valor de 40,0 (Quadro 3).
As cultivares ‘Montes’, ‘Tibério’ e ‘Lampa Preta’ são as que apresentaram um maior valor do parâmetro a* (coordenada verde/vermelho) que variou entre -3,5 e -5,8. No outro extremo, as cultivares ‘Nazareth’, ‘CN250’ e ‘Maia’apresentaram um menor valor de parâmetro a* que variou entre -15,5 e -17,5 (Quadro 3). A cultivar ‘Maia’ é a que tem um valor médio do parâmetro b* (coordenada amarelo/azul) mais elevado, com 42,2. No outro extremo, a cultivar ‘Montes’ é a que apresenta um menor valor do parâmetro b* com apenas 24,7 (Quadro 3). Os valores dos parâmetros a* e b* foram menores aos observados para variedades cultivadas na Turquia (Yemis et al., 2012).
Crisosto et al. (2010) descreveu quatro variedades de figo fresco em estado de maturação comercial com valores do parâmetro °hue a variar entre 30,12 e 165,97. Neste estudo as cultivares ‘Lampa Preta’, ‘Montes’ e ‘Tibério’ manifestaram uma coloração verde/amarela com o parâmetro °hue a variar entre 94 e 99. Por outro lado, as cultivares ‘Nazareth’, ‘CN250’, ‘Dauphine’ e ‘Maia’ mostraram uma coloração verde com o valor de °hue a variar entre 107 e 116 (Quadro 3).
Quadro 3 Parâmetros colorimétricos de cultivares produtoras de figos lampos. Letras diferentes na mesma coluna indicam diferenças significativas entre modalidades, para um nível significância de 5%
Cultivar | L* | a* | b* | °Hue |
Nazareth | 45,21 ± 0,68 bc | -15,46 ± 0,40 c | 33,09 ± 0,86 bc | 115,14 ± 0,54 a |
Montes | 40,02 ± 1,45 d | -3,88 ±1,09 a | 24,66 ± 1,92 d | 95,58 ± 2,69 b |
CN250 | 48,49 ± 0,63 ab | -17,54 ±0,56 c | 37,45 ± 0,78 ab | 114,98 ± 0,41 a |
Dauphine | 41,53 ± 1,04 cd | -10,05 ±1,30 b | 28,00 ± 1,52 cd | 107,60 ± 1,95 a |
Tibério | 42,45 ± 1,13 cd | -5,82 ±1,24 a | 28,51 ± 1,58 cd | 98,81 ± 2,85 b |
Lampa Preta | 42,48 ± 1,28 cd | -3,47 ±1,17 a | 28,38 ± 1,92 cd | 94,54 ± 2,22 b |
Maia | 50,67 ± 1,12 a | -17,51 ±0,55 c | 42,22 ± 1,36 a | 112,77 ± 0,74 a |
CONCLUSÕES
Os resultados apresentados demonstram que entre as características de qualidade avaliadas, o tamanho do fruto, peso, dureza e a coloração dos figos mostraram um proeminente papel na escolha de cultivares a considerar no delineamento da produção de figos. O comprimento do pedúnculo e o TSS não são fatores tão decisivos, uma vez que não se observaram diferenças significativas entre as cultivares.
A qualidade dos figos das sete cultivares expressa neste estudo é naturalmente influenciada pelas condições edafo-climáticas a que as figueiras foram sujeitas. É necessário avaliar a adaptabilidade destas cultivares a regiões com climas mais quentes e secos e a diferentes condições de cultura, mais especificamente rega e diferentes sistemas de condução. A produtividade e qualidades dos frutos será certamente diferenciada, nomeadamente frutos maiores, mais pesados e com maior teor de açúcares.