INTRODUÇÃO
Os modelos de simulação concebidos para a escala territorial da bacia hidrográfica, conjugados com Sistemas de Informação Geográfica (SIG), simplificam o processo de compatibilização das condições daquela unidade territorial, e apresentam-se como ferramentas indispensáveis para a simulação dos processos distribuídos geograficamente, tal como o processo de erosão hídrica, já que permitem configurar e comparar soluções alternativas de uso e ocupação do solo tendentes ao seu uso sustentável (Duarte et al., 2021). O uso dos modelos hidrológicos contempla normalmente uma primeira fase de configuração topográfica da bacia, tendo por base o Modelo Digital de Terreno (MDT) com uma determinada resolução vertical, que estará relacionada com a área de estudo. Um dos parâmetros frequentemente usado na aferição desta configuração é a rede de drenagem gerada, que deverá ser o mais semelhante possível à observada na área de estudo (Bingner & Theurer, 2001).
O modelo AnnAGNPS (Annualized Agricultural Nonpoint Source) integrado em ambiente SIG (Cronshey & Theurer, 1998), é um dos modelos existentes que simula os processos de poluição difusa em zonas agrícolas, bem como a erosão hídrica do solo, fornecendo resultados diários de escoamento, produção e arrastamento de sedimentos e outros contaminantes (Abdelwahab et al., 2018). Este modelo comporta um módulo (FlowNet Generator) que, com base no DEM, estabelece os limites da bacia hidrográfica e hierarquiza a rede de drenagem. Dos parâmetros gerados, são considerados como mais importantes os limites das sub-bacias, e dentro destas os das células, a rede de drenagem natural e os factores topográfico (LS) da RUSLE (Revised Universal Soil Loss Equation) para cada uma das células (Bingner & Theurer, 2001). A resolução vertical do DEM tem influência na divisão da bacia hidrográfica em sub-bacias, e, portanto, nos parâmetros que as caracterizam, tendo por consequência interferência na simulação do escoamento gerado e dos sedimentos e outros contaminantes arrastados (Bingner et al., 1997).
Entendendo que uma adequada metodologia para se testar aquela influência é a comparação entre a rede de drenagem natural observada na bacia hidrográfica de estudo, e a que é gerada pelo módulo FlowNet Generator do modelo AnnAGNPS, este trabalho tem como objectivo principal aferir a influência da resolução vertical do DEM na configuração topográfica de uma bacia hidrográfica de pequenas dimensões, e a sua influência na simulação do processo de rosão hídrica do solo.
MATERIAIS E MÉTODOS
Caracterização da bacia hidrográfica de estudo
A bacia hidrográfica em estudo localiza-se no concelho de Idanha-a-Nova. Apresenta uma forma alongada com orientação norte-sul (Figura 1), e uma área de cerca de 190 ha. O relevo é ondulado, com cotas que variam entre 210 e 248 m (Figura 1c), e declives até 10%, sendo os mais representativos entre 2 e 4%. É drenada por um conjunto de linhas de água tributárias de uma principal de 3ª ordem, que por sua vez é afluente sequencialmente do ribeiro de Vale de Gamo, ribeira do Aravil e rio Tejo (Duarte & Mateos, 2022). É uma área maioritariamente agrícola incluída no Aproveitamento Hidroagrícola da Campina da Idanha, em que as culturas praticadas são, ao tempo deste estudo, aveia, milho, sorgo, pastagem e tabaco, mas também ocupada por floresta jovem de carvalhos e sobreiros (Figura 1b). Sendo relativamente próximo do rio Tejo, os solos presentes nesta bacia hidrográfica são sobretudo Cambisolos e Luvissolos, sendo em boa parte depósitos de planalto da bacia daquele rio, que em algumas áreas evidenciam alterações mais ou menos acentuadas (Figura 1a).

Figura 1 Categorias de solos presentes na bacia (a), usos agroflorestais no ano do estudo (b), e Modelo Digital do Terreno com limite da bacia e rede de drenagem natural (c).
Os dados para o cálculo dos factores K, C e P do modelo RUSLE para simulação da erosão do solo, foram obtidos pelo reconhecimento e abertura de perfis dos solos presentes na bacia hidrográfica de estudo, e respectivas propriedades, para o cálculo do factor K, pela observação no campo dos usos agro-florestais e práticas culturais tendentes à conservação do solo, respectivamente para cálculo do factor C, e P. O cálculo dos factores referidos anteriormente, foi estabelecido de acordo com as metodologias descritas por Renard et al. (1997).
Modelos Digitais do Terreno e rede de drenagem natural
Para o cumprimento dos objectivos definidos neste estudo, foram elaborados dois MDTs com resoluções verticais de 1 m e 5 m com base em informação cartográfica existente. Os dados de base para a elaboração dos DEM’s foram as cartas topográficas na escala de 1:2500 (Folhas 6I e 7I), levantadas e desenhadas pela ex-Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola em 1947 para o concelho e freguesia de Idanha-a-Nova, aquando do projecto da obra do Aproveitamento Hidroagrícola da Campina da Idanha. Os MDTs foram obtidos por digitalização das curvas de nível com espaçamento vertical de 1 m e 5 m, com a resolução horizontal (dimensão da quadrícula) assumida por defeito pelo software SIG usado, e georeferenciados com o sistema de coordenadas UTM (Duarte, 2006). Para que fosse elaborado um tema em ambiente SIG das linhas de água existentes na bacia hidrográfica, foi necessário percorrer toda a rede de drenagem até onde esta se podia identificar no terreno, registando-se as coordenadas com o auxílio de um aparelho GPS (Global Position System; GeoExplorer3 da TRIMBLE), à medida que se avançava ao longo das linhas de água. O equipamento GPS foi usado no campo com a recepção de sinais e triangulação de pelo menos cinco satélites, tendo sido os registos do aparelho corrigidos posteriormente (correção diferencial) com dados captados pela estação fixa da ESA/IPCB (Escola Superior Agrária/Instituto Politécnico de Castelo Branco), com o auxílio de software próprio (GPS Pathfinder Office). Este permitiu também exportar os dados, corrigidos e validados, para o formato shapefile, por forma a serem utilizados em ambiente SIG e serem compatibilizados com outros dados gerados no mesmo ambiente.
Módulo FlowNet Generator do modelo AnnAGNPS
O módulo FlowNet Generator, que por sua vez é constituído pelos programas operacionais TopAGNPS (Topographic AGNPS), AgFlow (Agricultural watershed Flownet) e por um programa que funciona como uma interface gráfica VbFloNet (Visual Basic Network). O programa TopAGNPS usa a mesma abordagem que o programa TOPAZ (Topographic ParameteriZation), com algumas modificações para funcionar integrado no modelo AnnAGNPS (Garbrecht & Martz, 1995). O primeiro a ser executado, conforme é explicitado na Figura 2, é o programa TopAGNPS, que, obtendo do MDT as cotas do terreno, permite definir os limites da bacia hidrográfica, obter a rede de drenagem e a divisão em sub-bacias, que por sua vez são divididas em células que coletam o escoamento para uma linha de água. Os subprogramas Dednm, Raspro, Rasfor do programa TopAGNPS, e o programa AgFlow, comportam ficheiros de controlo, que podem ser alterados pelo utilizador em função do mais adequado à simulação em causa.


Figura 2 Sequência da execução dos vários programas do módulo FlowNet Generator, e forma como este módulo divide uma bacia hidrográfica em sub-bacias e células, aplicada à bacia hidrográfica de estudo, tendo por base um MDT com uma resolução vertical de 5m.
O ficheiro Dednm.inp, que controla o sub-programa Dednm.exe, permite a introdução do par de valores CSA (Critical Source Area) e MSCL (Minimum Source Channel Length), que são respectivamente a área e longitude mínimas necessárias para que se forme uma linha de água em que o escoamento é suficientemente concentrado e de modo a permitir a sua identificação no campo. Como facilmente se deduz, o par de valores CSA/MSCL determina a hierarquização da rede de drenagem e o nível de divisão da bacia hidrográfica em sub-bacias. Na sequência de várias simulações com combinações diferentes do par de valores CSA/MSCL, e comparação com a rede de drenagem observada na bacia, os valores que conduziu a melhores resultados foi, CSA igual 3.0 ha e MSCL igual a 80.0 m, para ambos os MDTs com resoluções verticais diferentes (1m e 5m). Os resultados do programa TopAGNPS são transferidos para o programa AgFlow (Figura 2), sendo reordenados em quadrículas tipo canal (linha de água) e tipo encosta. O programa AgFlow calcula adicionalmente o factor LS da equação RUSLE, e o comprimento e declive para o escoamento laminar (primeiros 50 m da linha de escoamento), em sulcos (50 m seguintes à linha de escoamento) e concentrado (parte restante da linha do escoamento) (Theurer & Cronshey, 1998). O programa VbFloNet é uma interface gráfica em linguagem Visual Basic, que é executado opcionalmente desde que o modelo AnnAGNPS está integrado em ambiente SIG.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Configuração topográfica da bacia de estudo
A análise conjunta das Figuras 3a e 3b permite inferir que, relativamente à linha de água de 3ª ordem, não ocorrem diferenças evidentes entre a rede de drenagem observada no campo e simulada para os MDTs com resoluções diferentes. Já em relação à restante parte da rede de drenagem constatam-se diferenças no MDT com resolução vertical de 5 m (Figura 3b), que se traduz por traçados diferentes das linhas de água, bem como pela não consideração de algumas pequenas linhas de água de cabeceira, resultados que foram verificados por outros autores (Bingner et al., 1997). No que concerne à figura que tem por base o DEM com resolução vertical de 1m (3a), a rede de drenagem gerada pelo módulo FlowNet Generator sobrepõe-se quase na perfeição à rede de linhas de água observadas no terreno. Outra forma de analisar a diferente configuração da bacia hidrográfica que resulta da utilização de MDTs com resoluções diferentes, é através da observação das Figuras 3c e 3d, referentes à divisão da bacia em sub-bacias, respectivamente MDT 1m e MDT 5m. Esta divisão em sub-bacias bastante diferente sobretudo na zona de jusante da bacia hidrográfica, onde as sub-bacias geradas são de menor dimensão. Esta diferença está relacionada com terem sido ou não geradas algumas pequenas linhas de água de 1ª ordem, o que, em correspondência, implica também um número diferente de sub-bacias.


Figura 3 Linhas de água observadas na bacia e simuladas pelo módulo FlowNet Generator - 3a) MDT 1 m, 3b) MDT 5 m, e simulação da divisão da bacia hidrográfica de estudo em sub-bacias pelo mesmo módulo do modelo AnnAGNPS - 3c) MDT 1 m, 3d) MDT 5 m, para valores de CSA=3.0 ha e MSCL=80.0 m.
Simulação da erosão hídrica do solo
A simulação do processo de erosão hídrica do solo foi estabelecida com as aproximações metodológicas do modelo RUSLE (Renard et al., 1997). Na sequência da configuração topográfica da bacia de estudo, e da sua divisão em sub-bacias, e estas em células, os atributos das variáveis da equação RUSLE em cada célula, foi o valor de cada variável mais representativo em cada célula. Pelo facto da área da bacia ser relativamente pequena, considerou-se que o valor do factor erosividade da precipitação seria o mesmo para toda a bacia, e igual a 1279 MJ.mm/ha.h.ano. Pela análise da Figura 4, complementada com a informação do Quadro 1, podemos constatar que a variável relativa à topografia (factor LS) é a que apresenta maior diferença na sua distribuição espacial, entre os dois MDTs (Zhanna et al., 2023).
Quadro 1 Valores médios do declive e comprimento do declive do escoamento laminar, em sulcos e concentrado, para cada célula dos MDTs de 1 m e 5 m de resolução vertical, e média do factor LS.
| DEM | Escoamento laminar | Escoamento em sulcos | Escoamento concentrado | Factor LS | |||
| Declive (m/m) | Comprimento do declive (m) | Declive (m/m) | Comprimento do declive (m) | Declive (m/m) | Comprimento do declive (m) | ||
| DEM 1 m | 0,038 | 49,4 | 0,060 | 45,2 | 0,038 | 129,0 | 0,861 |
| DEM 5 m | 0,028 | 49,4 | 0,048 | 48,1 | 0,030 | 211,4 | 0,611 |
Constata-se ainda que o factor do coberto vegetal assume valores mais elevados nas células em que o uso predominante é a aveia, que se refletirá em valores elevados de perda de solo naquelas células (Figura 5).

Figura 4 Distribuição espacial dos factores K, LS, C e P do modelo RUSLE, por sub-bacias geradas pelo módulo FlowNet Generator para os MDTs de resolução vertical de 1m e 5m.
Pelos resultados das perdas de solo, com o uso de diferente resolução vertical dos MDTs, e por consequência com diferentes configurações topográficas, é evidente a sua influência na simulação do processo de erosão hídrica do solo, traduzido nos valores de 5.85 e 4.17 ton/ha.ano, respectivamente para o MDT com 1 m e 5 m de resolução vertical. Considerando a média das variáveis do modelo RUSLE de todas as células que resultaram da configuração topográfica dos dois MDTs, que foram para o MDT 1 m, 0.861, 0.034, 0.208 e 0.888, respectivamente para as variáveis LS, K, C e P, e para o MDT 5 m, 0.611, 0.034, 0.214 e 0.868, respectivamente para as mesmas variáveis, é notório que a maior influência na diferença das perdas de solo simuladas baseadas nos dois MDTs, se traduz nos valores do factor LS (Bingner & Theurer, 2001).
CONCLUSÕES
Da realização deste estudo, e considerando os objectivos definidos, testar a influência da resolução vertical do MDT na configuração topográfica de uma pequena bacia hidrográfica e a sua interferência na simulação da erosão hídrica do solo, é possível apurar algumas conclusões, que se registam a seguir.
Nos estudos em que os aspectos hidrológicos de superfície assumem papel relevante, torna-se importante a existência de informação topográfica detalhada, que deve estar relacionada com a área da unidade territorial de estudo. Assim, ficou demonstrado a interferência significativa que pode ter o uso de um MDT com resolução vertical não adequada à extensão da bacia hidrográfica, na divisão da mesma em sub-bacias e nos parâmetros topográficos e hidrológicos relacionados, e por extensão na simulação dos processos de poluição difusa. A influência da diferente configuração topográfica da bacia de estudo na simulação do processo de erosão hídrica do solo, traduziu-se numa diferença significativa considerando os valores de 5.85 e 4.17 ton/ha.ano, respectivamente para o MDT com 1 m e 5 m de resolução vertical.













