INTRODUÇÃO
Atualmente, existe a consciência da necessidade de aumentar o consumo de vegetais em detrimento do consumo de carne para obter uma dieta saudável e diminuir o impacto ambiental (Muller et al., 2017; Godfray et al., 2018). A produção de carne consome aproximadamente 1/3 da água usada na agricultura com um impacto elevado nos recursos hídricos. Além disso, a produção de carne conduz a uma elevada libertação de metano que contribui para o aumento do efeito de estufa. A produção total de alface em Portugal entre 2019 e 2021 aumentou de 50762 t para 74851 t (INE, 2021). A área de produção de alface com aproximadamente 2700 ha (INE, 2021) envolve a aplicação de uma quantidade significativa de fertilizantes minerais azotados que contribuem para diminuir a biodiversidade do solo (Wall et al., 2015), aumentar o risco de contaminação dos lençóis freáticos (Sylvestre et al., 2019) e promover a acumulação de nitratos nas folhas da alface (Pavlou et al., 2007). Em acréscimo, a aplicação de fertilizantes químicos de síntese contribui para a libertação de 27% do total de óxido nitroso (N2O) em solos agrícolas (NIR, 2022). Pelo contrário, o uso de fertilizantes orgânicos contribui para aumentar o sequestro de carbono (Fabrizio et al., 2009), enquanto a libertação lenta de N através do processo de mineralização diminui os riscos de perdas de N e evita a acumulação excessiva de nitratos nas folhas da alface (Hernandez et al., 2016). Por outro lado, as elevadas temperaturas obtidas durante o processo de compostagem permitem obter um produto estabilizado e higienizado isento de sementes de infestantes viáveis e microrganismos patogénicos. A mineralização de N do compostado através dos microrganismos do solo depende das caraterísticas do compostado e das condições edafoclimáticas. Durante o período de inverno, as temperaturas baixam, a mineralização de N diminui (Wang et al., 2006) e consequentemente, a disponibilidade de N durante o período de crescimento da alface é menor. O objetivo deste trabalho foi avaliar o potencial de compostados de bagaço e engaço de uva com outros materiais para fertilizar a alface sob coberto, durante o período de inverno nas condições climáticas do Entre-Douro e Minho.
MATERIAIS E MÉTODOS
O ensaio de vasos foi realizado com alface (Lactuca sativa L. cv. Madie) sob coberto na Escola Superior Agrária de Ponte de Lima (ESAPL) (41º 47’ 30’’ N e 8º 32’ 24’’ W). Os três compostados resultaram da compostagem de bagaço (peliculas e grainhas) e engaço de uva branca misturados (50%:50%, v:v) com estrume de bovino (BB), estilha da poda da vinha (BV) ou palha de milho destroçada (BM), respetivamente, em pilhas com a dimensão aproximada de 3 m3 durante 112 dias, com revolvimentos aos 28, 56 e 84 dias após o início da compostagem (Quadro 1). Os compostados estavam maturados pois as temperaturas estavam próximas da temperatura ambiente e a razão N-NH4 +/N-NO3 - (entre 0,1 e 0,3) era inferior a 0,5 (Buchanan et al., 2001). O delineamento experimental com 4 blocos casualizados, incluiu em cada bloco 12 tratamentos: (i) os compostados BB, BV e BM nas doses de 5, 10 e 20 t ha-1 (MS) (BB5, BB10, BB20, BV5, BV10, BV20, BM5, BM10 e BM20); (ii) um adubo azotado (20,5% N) nas doses de 30 e 70 kg ha-1 (AA30, AA70); e (iii) um tratamento controle sem aplicação de fertilizantes (C).
Quadro 1 Caraterísticas químicas do solo inicial
| pH | CE | MO* | P2O5 ** | K2O** |
| (dS m-1) | (g kg-1) | (mg kg-1) | (mg kg-1) | |
| 6,0±0,1 | 0,02±0,00 | 43±5 | 121±13 | 263±18 |
*Método Tinsley; **Método Egner-Riehm
A transplantação da alface realizou-se no dia 6 de janeiro 2023, para vasos com 8 kg de solo (Quadro 1) recolhido entre 0 e 20 cm de profundidade e misturado com os vários fertilizantes (Quadro 2). A colheita foi realizada 58 dias após a transplantação. Durante o período de crescimento, a rega foi realizada de modo a impedir que a água fosse um fator limitante e as infestantes foram retiradas de modo a evitar a competição com as alfaces. O N orgânico mineralizado dos compostados foi estimado pela diferença entre o N acumulado nas folhas da alface com e sem compostado, após subtração do N mineral do compostado. A taxa de mineralização foi calculada pelo quociente entre o N orgânico mineralizado e o N orgânico do compostado. A temperatura ambiente foi registada hora a hora num Data Logger DL2 do Delta Devices com um sensor colocado por baixo de uma placa refletora. Teor de matéria seca (MS), pH e condutividade elétrica (CE) dos compostados foram determinados de acordo com as normas europeias (CEN, 1999). O teor de MO foi determinado por incineração (CEN, 1999) e o N total pelo método Kjeldahl modificado (CEN, 2001). O teor de P foi determinado num espectrofotómetro de UV após digestão com ácido sulfúrico e o teor de K com um espectrofotómetro de absorção atómica após digestão nitro-perclórica (Temminghoff and Houba, 2004). O teor de N mineral do compostado foi extraído de amostras frescas com uma solução de 1 M KCl 1:5 e determinado por absorção molecular (Houba et al., 1989). A comparação entre as médias realizou-se pela análise de variância e do cálculo da menor diferença significativa (P < 0,05) usando o programa SPSS v. 27.0.
Quadro 2 Teor de humidade (H) e caraterísticas químicas dos compostados de engaço e bagaço de uva com (50%, v:v) estrume de bovino (BB), estilha da poda de videira (BV) e palha de milho (BM)
| BB | BV | BM | ||
| H | (%) | 74±1 | 68±1 | 76±1 |
| pH | 8,1±0,4 | 8,6±0,0 | 8,7±0,1 | |
| CE | (dS m-1) | 2,4±0,2 | 0,8±0,1 | 1,7±0,4 |
| MO | (g kg-1) | 720±9 | 776±10 | 812±6 |
| N | (g kg-1) | 26,5±2,3 | 16,9±0,4 | 20,6±0,1 |
| C/N | 15±1 | 26±1 | 22±0 | |
| N-NH4 + | (mg kg-1) | 20±4 | 26±0 | 28±15 |
| N-NO3 - | (mg kg-1) | 186±108 | 83±5 | 102±23 |
| P | (g kg-1) | 5,6±0,1 | 2,2±0,2 | 2,7±0,5 |
| K | (g kg-1) | 32,5±3,8 | 32,0±2,1 | 39,0±2,2 |
Os teores de nutrientes são referentes à MS.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O peso fresco da alface aumentou com a aplicação dos compostados BB, BV e BM em comparação com o tratamento controle (Figura 1), com a aplicação do compostado BB em comparação com os compostados BV e BM para a média das doses de compostado (Figura 2a), e com a aplicação de 20 t ha-1 (MS) em comparação com a aplicação de 5 t ha-1 (MS) para a média dos 3 compostados (Figura 2b). Assim, a produção mais elevada de alface foi obtida com a aplicação de 20 t ha-1 (MS) de compostado BB (Figura 1). Este aumento de produção de alface pode ser explicado pela mineralização da MO dos compostados que promoveu a libertação de nutrientes, como foi reportado em estudos publicados anteriormente sobre o efeito de compostados no crescimento da alface (Brito et al., 2014; Pinto et al., 2021).

Figura 1 ‒ Peso fresco da alface sem aplicação de fertilizantes (C), com aplicação de adubo azotado nas doses de 30 e 70 kg ha-1 (AA30 e AA70) e com aplicação de compostados de engaço e bagaço de uva com estrume de bovino (BB), estilha da poda (BV) ou palha de milho (BM), nas doses de 5, 10 e 20 t ha-1 (MS).

Figura 2 ‒ Peso fresco da alface com aplicação dos compostados de engaço e bagaço de uva com estrume de bovino (BB), estilha da poda (BV) ou palha de milho (BM): (a) para a média das doses de compostado; e (b) para a média dos três compostados nas doses de 5, 10 e 20 t ha-1 (MS).
A produção de alface também foi superior com a aplicação dos três compostados (com exceção dos tratamentos BV5, BV10 e BM5) em comparação com os tratamentos fertilizados com adubo mineral azotado, apesar de nestes tratamentos (AA30 e AA70) o N mineral disponível (300 e 700 mg planta-1, respetivamente) ser muito superior ao N mineral disponível nos compostados adicionado ao N orgânico mineralizado durante o período de crescimento da alface (entre 25 e 208 mg planta-1) (Figura 3). O maior crescimento da alface nos tratamentos com compostados está provavelmente relacionado com a melhoria das caraterísticas físicas do solo. Por exemplo, após 2 culturas de alface sucessivas com a aplicação de compostado de lamas de ETAR com serradura, a formação de agregados no solo triplicou e a capacidade de retenção de água aumentou aproximadamente 30% (Hernandez et al., 2016). A aplicação de compostado promoveu a formação de agregados onde existem macro e micro poros que retêm a água e o ar e permitem um maior desenvolvimento do sistema radicular (Mamman et al., 2007). O desenvolvimento do sistema radicular permitiu aumentar o volume da rizosfera e, por isso, o transporte de água e nutrientes da solução do solo para a rizosfera foi mais eficaz com a aplicação do compostado do que com o fertilizante mineral azotado (Moritsuka et al., 2012). Em acréscimo, a aplicação de N mineral azotado pode diminuir a atividade microbiana do solo (Ramirez et al., 2010) e aumentar a salinidade do solo, enquanto, a adição de compostado (pH entre 8,1 e 8,7) pode aumentar o valor do pH do solo (Neina, 2019; Ho et al., 2022) e consequentemente, aumentar a mineralização da MO e a disponibilidade de nutrientes (Curtin et al., 1997).

Figura 3 ‒ N mineral do compostado disponível no início do ensaio e N orgânico mineralizado durante o ensaio.
A fertilização da alface com a aplicação de compostados diminuiu os riscos de perdas de N porque o N mineral disponível no início da experiência era inferior à diferença entre o N acumulado pela alface com e sem compostado (Figura 3; Quadro 3). Pelo contrário, nos tratamentos AA30 e AA70 o N mineral disponível era muito superior à diferença entre o N acumulado nas folhas da alface com e sem aplicação de adubo azotado (7 e 35 mg planta-1, respetivamente) aumentando os riscos de perdas de N por lixiviação (Sylvestre et al., 2019). O teor de N mais elevado nas alfaces foi registado com a aplicação da maior dose de adubo azotado AA70 (22,9 g kg-1) porque o N estava facilmente disponível. Em contrapartida, a libertação gradual de N do compostado evita uma absorção em excesso de N (Hernandez et al., 2016).
Quadro 3 Teores de matéria seca (MS) e de azoto (N) e N acumulado nas folhas da alface (média ± desvio padrão)
| MS | N total | N acumulado | |
| (%) | (g kg-1) | (mg planta-1) | |
| C | 14,8±0,6 | 14,2±1,1 | 24±5 |
| AA30 | 16,7±0,8 | 15,4±1,7 | 31±3 |
| AA70 | 13,1±0,9 | 22,9±1,1 | 59±9 |
| BB5 | 8,0±0,1 | 17,6±0,1 | 112±23 |
| BB10 | 7,3±0,3 | 17,6±1,5 | 128±18 |
| BB20 | 7,0±0,3 | 19,2±1,5 | 232±43 |
| BV5 | 9,7±0,7 | 15,0±0,6 | 49±2 |
| BV10 | 9,6±0,3 | 15,2±0,5 | 56±4 |
| BV20 | 9,1±0,4 | 14,6±0,4 | 62±4 |
| BM5 | 9,6±0,3 | 17,7±0,7 | 53±11 |
| BM10 | 8,8±0,5 | 16,6±1,2 | 79±10 |
| BM20 | 7,5±0,3 | 16,5±1,1 | 135±16 |
| LSD (p <0,05) | 0,8 | 1,6 | 23 |
Os teores de nutrientes são referentes à matéria seca
O teor de N do compostado BB (26,5 g kg-1), mais elevado em comparação com os compostados BV e BM (16,9 e 20,6 g kg-1, respetivamente), e o valor da razão C/N do compostado BB (15) inferior em comparação com os compostados BV e BM (26 e 22, respetivamente) favoreceram a mineralização de N do compostado BB, promovendo o crescimento da alface (Chadwick et al., 2000; Brito et al., 2014). Estes resultados estão de acordo com Ribeiro et al. (2010) que refere que a produção de alface com a aplicação de estrume de aviário (C/N = 10 e total N = 39 g kg-1) foi superior em comparação com a aplicação de compostado de estrume de bovinos (C/N = 17 e total N = 11 g kg-1). Neste ensaio realizado durante o período de inverno (Quadro 4), em que as temperaturas baixas limitam a mineralização de N é preferível a incorporação do compostado BB com uma razão C/N baixa e teor de N elevado para promover a mineralização de N e incrementar o crescimento da alface (Wang et al., 2006). A taxa de mineralização média dos três tratamentos com aplicação do compostado BB (4,1%) aumentou em comparação com as taxas de mineralização dos compostados BV (1,4%) e BM (2,2%). Em acréscimo, o N mineral disponível no início do ensaio com o compostado BB no tratamento com 20 t ha-1 (40 mg planta-1) também aumentou em comparação com os outros tratamentos com compostado (entre 5 mg planta-1 no tratamento BV5 e 25 mg planta-1 no tratamento BM20). Assim se justifica que a máxima produção de alface tenha sido obtida com a aplicação da dose mais elevada (20 t ha-1 MS) do compostado BB.
CONCLUSÕES
A produção de alface com a aplicação do compostado realizado com bagaço e engaço de uva misturado com outros materiais aumentou sempre em comparação com o tratamento controle. No entanto, o aumento de produção foi superior com o compostado com estrume de bovino em comparação com os compostados produzidos com a mistura com estilha da poda da vinha ou palha de milho destroçada, devido à diminuição da razão C/N e aumento do teor de N no compostado com estrume de bovino. Conclui-se que o compostado produzido com bagaço (peliculas e grainhas) e engaço de uva com estrume de bovino (C/N = 15 e N = 26,5 g kg-1) tem maior potencial para fertilizar a cultura da alface sob coberto no período de inverno na região do Entre Douro e Minho, mas que os outros compostados também contribuíram para aumentos de produção significativos em comparação com o solo não fertilizado, e até em comparação com a fertilização mineral, sem riscos de ocorrer lixiviação de N ou absorção de quantidades excessivas de N pelas plantas.













