INTRODUÇÃO
O processo de vinificação em Portugal produz uma quantidade significativa de resíduos (> 1 milhão de Mg) provenientes da prensagem das uvas, incluindo bagaço constituído por películas e grainhas, ou engaço, os quais podem ser reutilizados (Pinto et al., 2023). O bagaço é rico em matéria orgânica (MO) e nutrientes, mas apresenta um pH muito ácido e compostos fitotóxicos tais como o etanol e polifenóis. A acidez do bagaço pode dificultar a sua decomposição impedindo que se alcancem temperaturas termófilas durante a compostagem (Paradelo et al., 2013). No entanto, a mistura do bagaço com outros materiais pode ajudar a corrigir a acidez e a melhorar a estrutura das pilhas de compostagem (Muhlack et al., 2018). Por isso, a compostagem do bagaço com outros materiais tem sido investigada (Ferrer et al., 2001; Bustamante et al., 2008; Fernández et al., 2008). Por exemplo, com material grosseiro para aumentar a porosidade da pilha e obter uma estrutura mais adequada à decomposição aeróbia (Fernández et al., 2008) ou estrume de bovino ou de aves para aumentar o teor de nutrientes obtendo-se compostados com elevado valor agronómico (Ferrer et al., 2001). O objetivo deste trabalho consistiu na monitorização do processo de compostagem do bagaço e engaço de uva branca com a adição de diferentes agentes estruturantes, em condições de elevada precipitação, e na avaliação da qualidade dos compostados produzidos com os diferentes materiais.
MATERIAIS E MÉTODOS
O ensaio de compostagem foi realizado na Escola Superior Agrária de Ponte de Lima (ESAPL) com engaço e bagaço de uva (peliculas e grainhas), recolhidos no mesmo contentor antes do processo de vinificação do vinho verde branco, e misturados com estrume de bovino (BB), estilha da poda da vinha (BV) ou palha de milho destroçada (BM) em proporção 1:1 (v:v), com o auxílio de uma escavadeira hidráulica de braço oscilante (Quadro 1). A compostagem processou-se em pilhas com a dimensão aproximada de 3 m3 durante 112 dias, sendo estas revolvidas aos 28, 56 e 84 dias após o início da compostagem. As temperaturas foram avaliadas com sensores de temperatura colocados em 3 pontos diferentes no interior de cada pilha. A pluviosidade foi registada numa estação meteorológica instalada na ESAPL. O teor de humidade (EN 13040) foi determinado de acordo com as normas europeias (CEN, 2007), os valores do pH (EN 13037) e da condutividade elétrica (CE) (EN 13038) foram determinados de acordo com as normas europeias (CEN, 1999). O teor de MO foi determinado por incineração e o azoto pelo método Kjeldahl modificado. O teor de P foi determinado pelo método de digestão com ácido sulfúrico e medição com um espectrofotómetro de UV (UV-Vis espectro, Thermo Scientific) e o teor de K foi determinado pelo método de digestão nitroperclórica e medição com um espectrofotómetro de absorção atómica (Analyst 200, Perkin Elmer).
Quadro 1 ‒ Teor de humidade (H) e caraterísticas químicas dos materiais utilizados nas pilhas de compostagem
| Engaço e bagaço | Estrume de bovino | Estilha da poda | Palha de milho | ||
| H | (%) | 66±1 | 63±8 | 50±2 | 70±1 |
| pH | 3,9±0,0 | 8,9±0,2 | 6,4±0,2 | 5,6±0,2 | |
| CE | (dS m-1) | 2,9±0,4 | 4,5±0,9 | 0,3±0,0 | 2,1±0,3 |
| MO | (g kg-1) | 889±6 | 796±39 | 845±25 | 946±3 |
| C/N | 40±3 | 22±2 | 42±3 | 65±4 | |
| N | (g kg-1) | 12,1±0,8 | 21,8±1,7 | 11,0±0,7 | 8,1±0,4 |
| P | (g kg-1) | 2,1±0,2 | 4,1±0,9 | 1,1±0,1 | 0,7±0,1 |
| K | (g kg-1) | 36,3±5,1 | 30,7±5,9 | 12,0±0,5 | 27,4±1,9 |
Os teores de MO e nutrientes NPK são referentes à MS
As perdas de MO e a redução de massa foram determinadas de acordo com as equações 1 (Paredes et al., 2000) e 2 (Tang et al., 2007), respetivamente, e a mineralização da MO foi determinada pelas perdas de MO e expressa pela equação 3 (Paredes et al., 2000):
Perdas de MO (g kg-1) = 1000 - 1000 [x1(1000 - x2)] / [x2(1000 - x1)] [1]
Redução de massa (g kg-1) (1 - x1/x2) × 1000 [2]
em que x1 e x2 representam o peso das cinzas (g kg-1), respetivamente no início e no fim da compostagem.
MOm = MO0 (1 - e-kt) [3]
em que MOm representa a MO (g kg-1) mineralizada no tempo t (dias), MO0 representa a MO potencialmente mineralizável (g kg-1) e k a taxa de mineralização (dia-1).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As pilhas de compostagem alcançaram temperaturas termófilas (> 50 °C) 2 dias após o início da compostagem. As temperaturas máximas nas pilhas realizadas com estrume de bovino (62 °C), estilha da poda (59 °C) ou palha de milho destroçada (60 °C) registaram-se aos 3, 8 e 10 dias, respetivamente, permanecendo aproximadamente durante 3 semanas a temperaturas termófilas, o que indica a possibilidade de higienizar as pilhas realizadas com estes materiais (Decreto-lei 103/2015).
O teor de humidade nas pilhas diminuiu de valores entre 60 e 67% no início da compostagem para valores entre 39 e 53% após 3 semanas de compostagem devido à ausência de pluviosidade (Figura 1). No entanto, entre a 3ª e a 4ª semana, o teor de humidade nas pilhas aumentou devido ao valor de água acumulada, mantendo-se até ao fim da compostagem entre 63 e 78%, superior ao máximo recomendado de 50-60% (Bernal et al., 2009). Na pilha BV o teor de humidade (entre 63 e 71%) foi inferior ao teor de humidade das pilhas BB e BM (entre 72 e 78%) porque a estilha da poda contribuiu para o aumento de porosidade que favoreceu o arejamento e a secagem desta pilha em comparação com as pilhas BB e BM. Os revolvimentos aos 28, 56 e 84 dias provavelmente contribuíram também para a diminuição do teor de humidade na pilha BV devido ao aumento das perdas de água por evaporação (Ma et al., 2022).

Figura 1 ‒ Teor de humidade nas pilhas e precipitação atmosférica acumulada. As setas representam o revolvimento das pilhas 28, 56 e 84 dias após o início da compostagem.
O teor de MO diminuiu rapidamente durante a fase termófila da compostagem devido à mineralização da MO e posteriormente estabilizou (Figura 2). A taxa de mineralização aumentou na pilha BV (k = 0,1268) em comparação com as pilhas BB (k = 0,0450) e BM (k = 0,0365). O material da pilha BV mineralizou mais rapidamente possivelmente porque a estilha da poda tem uma estrutura que permitiu aumentar o arejamento e melhorar a estrutura da pilha em comparação com o estrume de bovino ou a palha de milho. O mesmo foi reportado para a compostagem da mistura da fração sólida do chorume de bovino com tojo, em comparação com a mistura com palha, devido à maior dimensão das partículas do tojo que permitiram um maior arejamento (Brito et al., 2010). Posteriormente, a mineralização foi muito lenta devido à natureza recalcitrante e à dimensão das partículas de estilha da poda (entre 5 e 15 mm de espessura).



Figura 2 ‒ Perdas de matéria orgânica durante a compostagem de engaço e bagaço de uva com (1:1, v:v) estrume de bovino (BB), estilha da poda de videira (BV) e palha de milho (BM).
A falta de arejamento terá sido, também, responsável por a MO potencialmente mineralizável (MO0) ser inferior na pilha BB (495 g kg-1) em comparação com as pilhas BV (549 g kg-1) e BM (577 g kg-1), apesar do teor de N mais elevado do estrume da pilha BB (21,8 g kg-1) facilitar a mineralização da MO (Bustamante et al., 2008). Possivelmente, o teor de humidade elevado a partir da 4ª semana associado a uma estrutura inadequada devido às porções compactas de estrume contribuiu para diminuir a MO0 na pilha BB. O mesmo foi constatado durante a compostagem de uma mistura de estrume de bovino com bagaço de uva, em que a massa compacta de estrume inibiu a atividade dos microrganismos por falta de arejamento (Fernández et al., 2008). Em contrapartida, a adição de palha de milho destroçada na pilha BM permitiu aumentar a MO0 para o valor de 577 g kg-1 apesar de o teor de N (8,1 g kg-1) ser inferior e o valor da razão C/N (65) superior (quadro 1) em comparação com as pilhas BB e BV. Este aumento da MO0 pode ser explicado pela maior dimensão das partículas e aumento da porosidade da pilha BM que permitiram a degradação da MO facilmente disponível durante o período da compostagem, mesmo em condições de humidade excessiva, em comparação com o estrume, onde as fezes contribuem para a presença de partículas de muito reduzida dimensão, que dificultam o seu arejamento. Em virtude da adição de estilha da poda da videira e palha de milho destroçada que permitiram o aumento do arejamento das pilhas de compostagem BV e BM, respetivamente, a MO mineralizada (OMm) após 112 dias de compostagem aumentou nas pilhas BV (549 g kg-1) e BM (567 g kg-1) em comparação com a pilha BB (492 g kg-1). Consequentemente, a redução de massa foi superior nas pilhas de compostagem BV (489 g kg-1) e BM (513 g kg-1) em comparação com a pilha BB (410 g kg-1).
A diminuição da razão C/N de valores entre 30 e 45 para valores entre 16 e 25 (Figura 3) é um bom indicador do processo de degradação da MO lábil. A razão (C/N final) / (C/N inicial) nos três compostados inferior a 0,6 indica um elevado grau de maturação (Jiménez & Garcia, 1989). O aumento do teor de N nos três compostados de valores iniciais entre 11,1 e 15,5 g kg-1 para valores finais entre 16,8 e 24,9 g kg-1 (Figura 3), associado a elevados teores de MO > 700 g kg-1, valores de CE < 3 dS m-1 (Soumaré et al., 2002) e de pH entre 7 e 9 dentro dos limites estabelecidos no decreto lei 103/2015, bem como, teores de metais pesados inferiores aos limites máximos admissíveis (Cu: entre 53 e 64 mg kg-1; Zn: entre 32 e 94 mg kg-1; Ni: entre 1,6 e 2,7 mg kg-1; Cd: entre 0,02 e 0,07 mg kg-1; Pb: entre 1,8 e 4,2 mg kg-1; Cr: entre 5,1 e 8,7 mg kg-1; Hg: entre 1,9 e 3,1 µg kg-1) indicam que os compostados são adequados para aplicação ao solo.
CONCLUSÕES
A estabilidade e as caraterísticas químicas dos compostados de bagaço e engaço (peliculas e grainhas) com estrume de bovino, estilha de poda da vinha ou palha de milho indicam que estes compostados são adequados para melhorar a fertilidade do solo. O estrume de bovino permite diminuir a razão C/N e aumentar o teor de N (N = 25 g kg-1 e C/N < 20) de modo a promover o valor agronómico do compostado e reduzir a aplicação de fertilizantes minerais de síntese. Por outro lado, principalmente a estilha da poda, mas também, a palha de milho destroçada, aumentam o arejamento contribuindo para aumentar o teor de matéria seca no interior da pilha sendo, por isso, recomendáveis em condições climáticas que promovam o excesso de humidade no interior das pilhas de compostagem.














