INTRODUÇÃO
A necessidade e importância da recuperação ambiental de áreas mineiras já é uma temática bem conhecida na actualidade pelas empresas e entidades governamentais. De facto, as áreas mineiras em activo apresentam, desde o início da exploração, planos de gestão ambiental para a minimização dos riscos ambientais durante a operação bem como planeiam estratégias para o fecho dos depósitos e de recuperação ambiental do espaço. No entanto, a necessidade actual centra-se na busca de técnicas e tecnologias sustentáveis que promovam a recuperação ambiental, a valorização socioeconómica regional das áreas impactadas e tenham menor custo de manutenção no pós-fecho. O reaproveitamento de áreas recuperadas torna-se assim um potencial recurso para o desenvolvimento local.
A implementação de uma cobertura vegetal em solos e materiais de escombreira contaminados, cujo comportamento ecofisiológico se caracterize na limitação da translocação dos elementos potencialmente tóxicos (EPT) para a parte aérea independentemente da fracção disponível, é considerada uma das técnicas mais adequadas para a reabilitação ambiental (EPA & United States Environmental Protection Agency, 2000; Abreu & Magalhães, 2009). Contudo, o sucesso da germinação ou do transplante e posterior desenvolvimento das plantas directamente em alguns solos/escombreiras contaminadas, principalmente em condições de défice hídrico, é limitado ou mesmo impossível (Tordoff et al., 2000; Santos et al., 2013, 2016).
O uso de fungos micorrízicos arbusculares ou outros microrganismos do solo em processos de recuperação ambiental pode contribuir para aumentar a tolerância das plantas a diferentes factores de stresse abiótico, como a contaminação por metais/metalóides, limitação de água no solo, entre outros (Latef et al., 2016; Lounès-Hadj et al., 2022; Zhu et al., 2022).
Também estudos prévios (Monterroso et al., 1998; Asensio et al., 2013; Santos et al., 2016, 2019, 2022; Arán et al., 2020, 2022; Santos & Arán, 2021) têm demostrado que o uso de Tecnossolos desenhados ao problema ambiental melhora as características físico-químicas e biológicas de vários tipos de escombreiras, nomeadamente as ricas em sulfuretos, e solos contaminados. Além disso, estimula a germinação e o desenvolvimento de diferentes espécies de plantas em condições climáticas distintas (semiárido, alta montanha, húmido…), acelerando os processos edáficos e geoquímicos associados à recuperação ambiental. Assim, o presente estudo vem complementar estes estudos prévios com a avaliação, em condições controladas de estufa, da eficiência da aplicação de um bioinoculantes baseado num fungo micorrízico arbuscular (Rhizoglomus irregulare) e Trichoderma, juntamente com o uso de um Tecnossolo eutrófico-alcalino, no processo de recuperação ambiental de escombreiras com sulfuretos e uso futuro da área para a pastorícia.
MATERIAIS E MÉTODOS
Os materiais de escombreira foram colhidos num dos depósitos da área mineira de Aznallcóllar, uma mina em activo do sul da Espanha (província de Sevilha). Estes materiais são ricos em sulfuretos apresentando baixos valores de pH (≈2,7) e fertilidade (<2 g Corg/kg, 0,2 g N total/kg, 0,4 mg P disponível/kg) bem como, elevadas concentrações totais de EPT (g/kg - S: 60.1, Fe: 54,1, Cu: 0,16, Zn: 1.3, As: 0,63, Sb: 0,04, Pb: 4,1) (Santos et al., 2022).
O Tecnossolo elaborou-se, tendo em conta as necessidades/problemas ambientais da escombreira, a partir de diferentes resíduos industriais, nomeadamente da indústria da pasta do papel (ex. lamas biológicas, cinzas, nós de biomassa), que estão disponíveis em grandes quantidades e cuja gestão acarreta custos consideráveis. A taxa de aplicação do Tecnossolo à escombreira foi de 400 g/kg (Santos et al., 2022).
O estudo baseou-se num ensaio em mesocosmos com os seguintes tratamentos: Escombreira+Bioinoculante (E+B), Escombreira+Tecnossolo+Bioinoculante (E+T+B), e Escombreira+Tecnossolo (E+T). Cada vaso apresentava ~3 kg de escombreira ou escombreira+Tecnossolo, uma superfície disponível de 0,0292 m2 e profundidade de 0,14 m.
Após um mês de incubação dos materiais, todos os vasos foram semeados com uma pastagem comercial contendo gramíneas e leguminosas (~0.045 kg/m2 com uma taxa de germinação entre 18,9% e 22,6 %). O bioinoculante foi uma mistura comercial do fungo micorrízico Rhizoglomus irregulare e Trichoderma que se aplicou na água da rega sobre as sementes, de acordo com as indicações do fabricante (ATENS, Espanha). Ao longo do ensaio, os materiais foram mantidos a 70 % da capacidade de retenção de água e em condições controladas em estufa bem como, foram avaliando-se diferentes parâmetros de desenvolvimento vegetal (ex. grau de cobertura, biomassa produzida, sinais visíveis de fitotoxicidade ou deficiência nutricional).
No final do ensaio, após oito meses, colheram-se amostras dos substratos dos três tratamentos (E+B, E+T+B, E+T) para análise. A parte aérea das plantas colheu-se em dois períodos (T1: cinco meses após a sementeira; T2: três meses após T1), lavada com água da torneira, seguido pela água destilada, e depois seca a 45 ºC. A massa de cada amostra de material vegetal foi quantificada e depois moída finamente para a determinação, após digestão ácida em micro-ondas, de Ca, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Na, Zn por espectrofotometria de absorção atómica de chama e P por espectrofotometria de UV-VIS.
Cada amostra de Escombreira/Escombreira+Tecnossolo foi homogeneizada, seca a 45 ºC e crivada. A fração <2 mm utilizou-se para a determinação do pH, condutividade elétrica e potencial redox em água (proporção 1:2,5 m/V), capacidade de troca catiónica (Peech et al., 1947), C orgânico total (método de Sauerland), C inorgânico (método do calcímetro), N total (analisador LECO), P extraível (método Olsen) e concentração de nutrientes e EPT na fracção disponível. A fracção disponível foi extraída com água (Buján et al., 2010) e os elementos determinados ICP-OES.
Os dados foram analisados estatisticamente com o programa IBM SPSS Statistics version 20. Para comparação dos tratamentos usou-se a análise de One-way ANOVA e o Dunnett T3 post-hoc test. Para valores abaixo o limite de detecção do equipamento considerou-se o mesmo valor para a análise estatística.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A escombreira com bioinoculante continuou a apresentar, como a escombreira inicial, condições ácidas e oxidantes, baixa concentração de C orgânico e nutrientes, e elevada concentração de EPT disponíveis (Quadros 1 e 2), não ocorrendo germinação.
Quadro 1 Características físico-químicas dos materiais (E+B: Escombreira+Bioinoculante; E+T: Escombreira+Tecnossolo; E+T+B: Escombreira+Tecnossolo+Bioinoculante) colhidos no final do ensaio (Média ± Desvio padrão)
| E+B (n = 4) | E+T (n = 6) | E+T+B (n = 6) | |
|---|---|---|---|
| pH | 2.42 ± 0.04 | 8.28 ± 0.13* | 8.36 ± 0.08* |
| CE (dS/m) | 0.66 ± 0.21 | 5.93 ± 0.74* | 6.35 ± 2.18* |
| Eh (mV) | 506 ± 5.97 | 134 ± 5.27* | 130 ± 2.32* |
| C inorgânico (g/kg) | 4.09 ± 2.43 | 70.01 ± 19.79* | 70.92 ± 25.19* |
| C orgânico (g/kg) | < 2.00 | 24.60 ± 3.54* | 21.83 ± 3.50* |
| N total (g/kg) | 0.28 ± 0.08 | 0.96 ± 0.20* | 0.88 ± 0.19* |
| P disponível (mg/kg) | 0.03 ± 0.07 | 44.81 ± 5.59* | 44.38 ± 2.97* |
| CTC (cmolc/kg) | 182 ± 4.20 | 246 ± 7.20* | 242 ± 18.96* |
CE: condutividade eléctrica; CTC: Capacidade de troca catiónica. *Diferenças significativas com o tratamento E+B (p < 0.05). Não se verificaram diferenças significativas entre E+T e E+T+B
Quadro 2 Concentração elementar na fracção disponível dos materiais (E+B: Escombreira+Bioinoculante; E+T: Escombreira+Tecnossolo; E+T+B: Escombreira+Tecnossolo+Bioinoculante) colhidos no final do ensaio (Média ± Desvio padrão)
| mg/kg | E+B (n = 4) | E+T (n = 6) | E+T+B (n = 2) |
|---|---|---|---|
| Ca | 7950 ± 432 | 7683 ± 410 | 7650 ± 2123 |
| Mg | 430 ± 109 | 1043 ± 266* | 960 ± 453 |
| K | <20.00 | 3263 ± 597* | 3140 ± 1047* |
| Na | 11.43 ± 1.61 | 1263 ± 266* | 1316 ± 441 |
| Al | 680 ± 198 | 2.14 ± 0.34* | 2.86 ± 0.85* |
| As | 22.10 ± 12.14 | <2.00 | <2.00 |
| B | <2.00 | 2.03 ± 0.08 | 2.10 ± 0.14 |
| Pb | 15.65 ± 3.22 | 2.47 ± 1.14* | 4.50 ± 2.97* |
| Cu | 32.35 ± 6.62 | <2.00* | <2.00* |
| Fea | 4915 ± 1500 | 4.90 ± 4.90b* | 26.6 ± 3.39* |
| Mn | 41.85 ± 13.44 | 14.76 ± 4.93 | 16.39 ± 3.47 |
| Zn | 456 ± 40.54 | 2.03 ± 0.08* | 2.50 ± 0.71* |
*Diferenças significativas com o tratamento E+B (p < 0.05). aDiferença significativa obtida entre E+T e E+T+B para a concentração do Fe
Por contraste, nos dois tratamentos com Tecnossolo ocorreu germinação e o crescimento das plantas deu-se sem sinais de fitotoxicidade ou deficiências nutricionais. O Tecnossolo permitiu alcançar condições neutro-alcalina e subóxicas (Quadro 1) e uma diminuição drástica da concentração disponível de EPT (Quadro 2), que estão em solução em forma aniónica (As) ou catiónica, sugerindo a diminuição dos processos de oxidação dos sulfuretos da escombreira. A CTC aumentou significativamente bem como outros parâmetros associados à fertilidade (concentração de C orgânico e nutrientes na fracção disponível) (Quadros 1 e 2). As concentrações de C inorgânico bem como o pH dos materiais mostram a manutenção das propriedades alcalinas do Tecnossolo. O aumento da disponibilidade de nutrientes devido à aplicação de Tecnossolo contribuiu para valores mais altos de CE (Quadro 1) os quais podem justificar a baixa germinação de algumas espécies de herbáceas (ex. Trifolium) com maior sensibilidade.
Estas melhorias na qualidade química da escombreira e nos seus lixiviados, devido à acção do Tecnossolo, são conseguidas pela coexistência de diferentes constituintes e processos geoquímicos e edáficos (Macías, 2004) e já foram demostradas em estudos prévios com outros materiais com sulfuretos de diferentes minas em activo e passivos ambientais (Arán et al., 2019, 2020, 2022; Santos et al., 2020, 2021). Para além da melhoria ao nível da química do solo, verificou-se visualmente uma alteração positiva da agregação e estrutura da escombreira nos tratamentos com Tecnossolo, contribuindo para a distribuição uniforme das raízes das plantas por todo o volume de material.
De um modo geral, a aplicação do bioinoculante com o Tecnossolo não contribuiu para a diferenciação das características físico-químicas do substrato relativamente ao tratamento apenas com Tecnossolo (Quadros 1-2). A única excepção foi observada ao nível da concentração do Fe disponível em que o bioinoculante parece estar a limitar a imobilização do elemento.
Embora seja reportado que o uso de micorrizas contribua para o aumento da performance e desenvolvimento vegetativo (Latef et al., 2016), a produção média de matéria seca produzida nos tratamentos com Tecnossolo com bioinoculante não diferiu significativamente (Quadro 3). Isto pode associar-se a que o Tecnossolo melhorou as características da escombreira de tal modo que as plantas não estavam sujeitas a nenhum stresse em que fosse necessária a intervenção dos organismos do bioinoculante. De facto, verificou-se que a colonização do fungo micorrízico foi baixa (Quadro 3).
Quadro 3 Características das plantas da pastagem no final de cinco meses de crescimento (T1) e após três meses do corte realizado em T1 (T2) (Média ± Desvio padrão)
| E+T em T1 (n=6) | E+T+B em T1 (n=6) | E+T T2 (n=6) | E+T+B em T2 (n=6) | LMT | |||
|---|---|---|---|---|---|---|---|
| Biomassa (g) | 1.08 ± 0.98 | 0.75 ± 0.41 | 1.05 ± 0.49 | 1.01 ± 0.30 | - | ||
| Colonização de AMF | - | - | 0 | 12 ± 13 | - | ||
| Concentrações dos elementos (mg/kg) | |||||||
| P | 1129 ± 205 | 1262 ± 302 | 1508 ± 112 | 1769 ± 211* | 7000 | ||
| K | 36006 ± 2082 | 39562 ± 2482* | 39746 ± 2298 | 41084 ± 4660 | 20000 | ||
| Ca | 3988 ± 2140 | 2426 ± 2076 | 3309 ± 1520 | 3144 ± 1161 | 15000 | ||
| Mg | 8703 ± 1412 | 10338 ± 2022 | 4244 ± 235 | 4733 ± 504 | 6000 | ||
| Na | 8509 ± 2068 | 10309 ± 2820 | 5954 ± 2127 | 6657 ± 1002 | - | ||
| Mn | 432 ± 267 | 580 ± 239 | 351 ± 212 | 551 ± 298 | 2000 | ||
| Cu | 14.76 ± 9.3 | 16.81 ± 2.92 | 8.95 ± 1.74 | 12.50 ± 8.79 | 40 | ||
| Zn | 100 ± 25.7 | 103 ± 28.56 | 75.12 ± 17.46 | 97.72 ± 30.13 | 500 | ||
| Fe | 417 ± 288 | 560 ± 222 | 305 ± 136 | 378 ± 123 | 500 | ||
LMT: Limite máximo tolerável pelo gado (NRC, 2005); AMF: Fungo micorrízico arbuscular; *Diferenças significativas entre tratamentos com Tecnossolo (E+T: Escombreira+Tecnossolo; E+T+B: Escombreira+Tecnossolo+Bioinoculante) para o mesmo período de colheita (p < 0.05).
O uso do Tecnossolo permitiu uma produtividade de 370 kg/ha e 360 kg/ha, para o 1º e 2º corte respectivamente (T1 e T2), enquanto com a aplicação adicional do bioinoculante obteve-se 257 kg/ha e 346 kg/ha (T1 e T2). Estes valores foram abaixo dos rendimentos típicos de forragem agronómica em solos agrícolas não contaminados de Espanha (San Miguel et al., 2016) contudo, é de realçar que a diferença pode associar-se à baixa viabilidade germinativa dos lotes de sementes (18-22 % obtido no teste de germinação). Assim, para atingir os rendimentos típicos pensa-se que só seria necessário aumentar a quantidade de semente pois, a fertilidade da escombreira+Tecnossolo foi mantida ao longo do tempo continuando com valores adequados (Quadro 3).
Relativamente às concentrações dos elementos na parte aérea das plantas colhidas nos dois períodos de corte, observou-se que no tratamento com bioinoculante as concentrações de K na biomassa em T1 e a de P em T2 foram maiores (Quadro 3), embora a fracção disponível nos solos no final do ensaio fosse similar (Quadros 1 e 2). Estas variações podem ser um efeito do fungo Trichoderma durante o ensaio, o qual secreta ácidos orgânicos que podem solubilizar fosfatos ou outras fases sólidas (Anke et al., 1991).
Quando comparadas as concentrações dos elementos na biomassa produzida nos dois cortes e os níveis máximos toleráveis para as dietas de gado (Quadro 3), verifica-se que apenas o K ultrapassou os valores limite (NRC, 2005). Por isso, considera-se que a pastagem produzida é adequada para consumo directo em campo ou podem ser integradas em dietas para equilibrar nutrientes de outras fontes de alimentação de baixo teor de K.
CONCLUSÕES
Os resultados mostram a possibilidade de recuperação ambiental e valorização de depósitos com materiais de escombreira ricos em sulfuretos para a pastorícia, através da aplicação do Tecnossolo com propriedades eutrófico-alcalino. A simples aplicação do bioinoculante na escombreira não foi suficiente para obtenção de uma cobertura vegetal e melhoria das características da escombreira. Assim, para diminuição do risco de dispersão da contaminação e desenvolvimento de uma pastagem neste tipo de escombreira é imprescindível a aplicação do Tecnossolo. Nas condições em que o ensaio se realizou, o uso adicional do bioinoculante com o Tecnossolo não contribuiu para benefícios significativos na melhoria das características da escombreira e/ou estabelecimento e desenvolvimento da pastagem. Tendo em consideração as concentrações de elementos na pastagem, esta pode ser consumida sem risco pelo gado, sendo uma alternativa de uso futuro destes espaços recuperados.













