INTRODUÇÃO
Os fogos florestais são um problema na época estival das regiões com clima mediterrânico. Num contexto de alterações climáticas, prevê-se que o regime de fogo mudará para episódios mais frequentes e de maior área e intensidade (Ruffault et al., 2020). Os fogos florestais provocam alterações na vegetação e no solo, função da sua severidade e frequência (Vallejo e Alloza, 2004; Rego et al., 2021). As consequências do fogo revelam-se num extenso hiato temporal (González et al., 2016), sendo escassos os estudos que avaliam os efeitos do fogo a longo prazo (Rego et al., 2021).
A Serra do Caldeirão, na transição do Baixo Alentejo para o Algarve, é uma Zona Especial de Conservação da Rede Natura 2000, onde se pode verificar baixa fertilidade dos solos e irregularidade climática inter e intra anual, bem como elevado risco de incêndio associado à vegetação existente. Acresce que a cortiça que provém dos sobreirais existentes nesta área é considerada de excelente qualidade (Palmeiro, 2004; Nunes, 2012). No entanto, estes sobreirais estão em acentuado declínio desde 1980, devido à intensidade dos incêndios de 2004 e 2012 (Nunes, 2012), anos sucessivos de seca, doenças como a Phytophthora sp. (Leal Oliveira, 1986; Palmeiro, 2004) e gestão humana (Acácio et al. 2009, 2010).
A gestão pós-fogo (ex. descortiçamento da cortiça queimada, favorecimento da regeneração natural, regeneração artificial, podas, relvamento) é frequentemente aplicada para reduzir os riscos de degradação do solo, promover o desenvolvimento da vegetação, bem como promover a recuperação do ecossistema (Buma & Wessman, 2011). De um modo geral, a recuperação pós-fogo a curto prazo dos sistemas florestais mediterrânicos tem sido bem estudada (ex., Granged et al., 2011) mas, o mesmo não acontece ao nível do sistema solo-planta a médio-longo prazo (Leverkus et al., 2018) e, principalmente, em áreas de sobreiral. O efeito combinado dos incêndios florestais e das operações de gestão pós-fogo pode originar mudanças duradouras, nomeadamente ao nível do solo, e afetar a resiliência dos ecossistemas florestais ardidos a médio-longo prazo (Buma & Wessman, 2011; Leverkus et al., 2018; Kleinman et al., 2019; Bowd et al., 2019, 2021).
O sobreiral é um ecossistema florestal muito importante em termos ambientais e socioeconómicos, em particular no Algarve, possivelmente por ser uma das reduzidas regiões de proveniência genética (Varela, 2000; Monteiro Alves et al., 2019) e por dar uma cortiça de boa qualidade. O sobreiral da Serra do Caldeirão apresenta outras espécies como o medronheiro (Arbutus unedo L.), azinheira (Quercus rotundifolia Lam.), carrasco (Q. coccifera L.) e pinheiro-bravo (Pinus pinaster Ait). A cobertura arbustiva é dominada por diferentes espécies das famílias Cistaceae e Ericaceae e dos géneros Genista e Ulex.
O presente estudo teve como objetivo avaliar o efeito da gestão florestal na diversidade da vegetação pós-incêndio no sobreiral da Serra do Caldeirão (Algarve, Sul de Portugal).
MATERIAIS E MÉTODOS
A área de estudo situa-se na Serra do Caldeirão, no Sul de Portugal. Esta área teve um incêndio extremo em 2004, que consumiu cerca de metade da sua área, e outro incêndio em 2012 com impactos também significativos. Anteriormente, de 1890 a 1960, a Serra do Caldeirão foi alvo de cultura cerealífera intensiva, o que promoveu a erosão e a perda de matéria orgânica do solo (Leal Oliveira, 1955; Almeida Alves, 1961).
De uma maneira geral as operações de gestão convencional tem-se mantido nas últimas décadas consistindo no controlo arbustivo superficial (essencialmente gradagens, com profundidade média de 5 cm). Estas têm o intuito de facilitar o descortiçamento e minimizar o risco de incêndio (Leal Oliveira, 1986). Os sobrantes/resíduos são normalmente deixados no terreno sem qualquer ação adicional.
O clima da região é mediterrânico (Csa), caracterizado por invernos chuvosos e verões muito quentes e secos (Köpen, 1936) com elevada irregularidade intra e interanual. Os solos, desenvolvidos sobre xistos e grauvaques da formação de Mira (Oliveira, 1982), são classificados maioritariamente como Leptossolos (IUSS Working Group WRB, 2015).
Para caracterizar a diversidade da vegetação pós-fogo na área de estudo, selecionaram-se três tipos de parcelas de sobreiral de baixa a muito baixa densidade arbórea: não ardidas com gestão pós-fogo (A), ou seja descortiçamento da cortiça queimada e podas sanitárias; ardidas (em 2004 ou 2012) com gestão pós-fogo (B); e ardidas (em 2004) sem gestão pós-fogo (C). As parcelas geridas (A e B) foram sujeitas a descortiçamento e corte periódico de subcoberto com uma periodicidade de uma vez a cada década. Efetuaram-se inventários florísticos em 15 transeptos por tipologia, cada um com 10 m de comprimento, para determinação da abundância e diversidade de espécies (Pickford & Stewart, 1935). Estimou-se os índices de diversidade da série de Hill para os indivíduos inventariados (Rego et al., 2019). Esta série é composta por: Índice de Diversidade de Shannon (SHDI), número médio de espécies das parcelas do grupo (S), Índice de Simpson modificado (IS) e o Índice de Abundância (IA) (Quadro 1).
S o número de espécies; pi a proporção de indivíduos de espécies encontradas (n) dividido pelo número total de indivíduos encontrados (N); ln o natural log; Σ o somatório das parcelas de cálculo; n transectos o número de transectos por grupo (n transectos =15).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As parcelas C apresentaram maiores valores de diversidade em todos os índices da Série de Hill (Quadro 2). As parcelas A apresentaram maior diversidade em comparação às B. Embora as parcelas não ardidas (A) tenham menor número de espécies (S), estas possuem maior heterogeneidade, com maiores valores de SHDI e IS em relação às parcelas ardidas com gestão (B) mas sem valores tão elevados às parcelas ardidas e não geridas (C).
Tipologia de parcelas | |||
Não ardidas (A) | Ardidas com gestão (B) | Ardidas sem gestão (C) | |
S | 31 | 33 | 38 |
SHDI | 16.32 | 14.00 | 18.05 |
IS | 10.44 | 9.18 | 12.06 |
IA | 4.35 | 5.24 | 5.88 |
A espécie L. stoechas ssp. luisieri (rosmaninho) foi a espécie dominante nos 3 grupos (A e C: 19%; B: 17%). Nas parcelas ardidas (B+C), a espécie C. ladanifer apresentou 14% de representatividade independentemente da gestão. Ulex argenteus representou 17% dos indivíduos nas parcelas A, ou seja, co-domina com o rosmaninho. É ainda de salientar a maior presença de espécies pirófitas nas parcelas ardidas com ou sem gestão, como por exemplo espécies do género Cistus e Ulex, também observados nos trabalhos de Vallejo e Alloza (2004). Braun-Blanquet et al. (1956) também identificaram, em condições edafo-climáticas e ecológicas semelhantes, o domínio das espécies C. ladanifer, Helichrysum stoechas L. e L.stoechas ssp. luisieri. Assim, verificou-se que o fogo favoreceu a diversidade de espécies, mas não o aumento da resistência das mesmas a novos incêndios. Para isso, o controlo do crescimento do subcoberto nas parcelas ardidas parece influenciar positivamente a composição e diversidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fogo parece ter contribuído para o aumento da diversidade de espécies arbustivas e herbáceas do sobreiral da Serra do Caldeirão. Esta diversidade é mais evidente para as parcelas ardidas sem gestão (C), onde os valores em todos os índices da Série de Hill foram maiores. Dada a vulnerabilidade às alterações globais, é importante associar o estudo da herbologia e vegetação com outras áreas, como as ciências do solo e silvicultura. Assim, prevê-se o estudo e monitorização da composição florística ao longo do tempo para apoiar estratégias de gestão a adotar em cada povoamento. O envolvimento de equipas multidisciplinares, proprietários e de associações locais serão bases importantes para a definição destas estratégias de modo a planear a longo prazo uma silvicultura preventiva para a Serra do Caldeirão, tal como na definição do ordenamento florestal, a criação de modelos de auxílio à gestão, otimização dos domínios da sustentabilidade e maior resiliência desta área face aos desafios futuros.