INTRODUÇÃO
As mudanças climáticas têm reduzido significativamente a disponibilidade de água no meio ambiente (Dias e Matos, 2023). Essa escassez limita a produtividade agrícola, pois inibe também a absorção de nutrientes (Zarei et al., 2020). Portanto, um dos grandes desafios da agricultura moderna consiste no desenvolvimento de sistemas de irrigação mais eficientes, que garantam melhor aproveitamento dos recursos hídricos. Nesse sentido, entre as medidas que têm sido implementadas e avaliadas, destaca-se a captação da água proveniente das chuvas (Taufikurahman et al., 2023).
A exemplo disso, a instalação de cisternas para o armazenamento da água da chuva potencializa a produtividade em diferentes métodos de irrigação (Tonezer et al., 2023). Neste contexto, estratégias de reposição hídrica de baixo custo, como o uso de potes de argila e a captação e reutilização de água da chuva, vem despertando o interesse de agricultores de base familiar (Martorano et al., 2018; Siqueira et al., 2018). Tradicionalmente existem registros da adoção de irrigação com potes de argila em áreas áridas (Mondal et al., 1992), que também passou a ser testado como uma alternativa em área onde a escassez hídrica afeta a produção agrícola (Gebru et al., 2018; Adhikary e Pal, 2020).
A técnica de irrigação com potes, por ser de baixo custo e apresentar alta economia de energia, tem apresentado resultados eficientes em pomares e horticultura (Mondal et al., 1992; Araya et al., 2014). Esta agrotecnologia tem mostrado resultados promissores no Brasil, como evidenciado em pesquisas no oeste do Pará (Martorano, 2020; Carlos et al., 2023) e foi certificada como Tecnologia Social pela Fundação Banco do Brasil no ano de 2024 .
Nesse contexto, os sistemas agroflorestais são ferramentas promissoras para recuperação de áreas degradadas; uma das espécies utilizadas como método para adubação verde é o feijão-guandu (Cajanus cajan (L.) Millsp.), por garantir cobertura do solo, fixação de nitrogênio e matéria orgânica (Ferreira et al., 2016). No entanto, embora haja a predisposição genética da espécie para promover diversos benefícios, o seu desempenho sofre forte influência de fatores ambientais como a qualidade do solo, incidência de radiação solar e a composição de espécies do plantio (Cruz et al., 2021). Entre tais fatores, a disponibilidade hídrica contribui fortemente para o desempenho do crescimento radicular desenvolvido nas camadas superficiais (> 60 cm) do solo (Santos et al., 1998).
Diante do contexto e reconhecendo o potencial da tecnologia de irrigação utilizando potes de argila, surgiram questões fundamentais que nortearam este estudo, tais como: a) a qualidade de sementes do feijão-guandu será afetada pela disponibilidade de água proveniente da irrigação com potes de argila; e b) o cultivo com e sem irrigação altera o poder germinativo destas sementes após diferentes períodos de armazenamento.
Nestes pressupostos, considerando a importância de discutir o impacto de diferentes formas de cultivo na qualidade de sementes, o presente estudo teve como objetivo avaliar a qualidade de sementes de feijão-guandu provenientes de cultivo agroflorestal com e sem irrigação.
MATERIAIS E MÉTODOS
Área de estudo
A implantação da unidade demonstrativa do sistema de irrigação, descrita nesta pesquisa, denominado “Projeto IrrigaPote” foi realizada na Fazenda Experimental da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), em Santarém/Pará, Brasil, localizada nas coordenadas -2.68856 S e -54.53170 W, onde são cultivados sistemas agroflorestais experimentais. A instauração dessa área demonstrativa é orientada pela pesquisa-ação com o intuito tanto de fomentar o desenvolvimento de pesquisas acadêmicas quanto a promoção da agrotecnologia como parte de atividades de extensão.
Os solos predominantes da região de estudo são classificados como Latossolo Amarelo (Brasil et al., 2020). Entretanto, o mapeamento realizado na Fazenda Experimental mostrou características típicas de Latossolo Amarelo Distrófico Argissólico (Almada et al., 2021). A vegetação predominante na região é caracterizada por formações florestais dominadas pela floresta equatorial subperenifólia de terra firme, com vegetação típica de Floresta Ombrófila Densa (EMBRAPA, 2001).
O clima predominante na região é caracterizado como quente e úmido, com chuvas concentradas no primeiro semestre do ano, enquanto a temperatura média anual se mantém entre 25º e 27ºC, com umidade média do ar de 86%, precipitação pluvial média anual de 1920 mm, oscilando em termos de quantidade mensais entre 170 mm e 60 mm (Alvares et al., 2013), com padrão climático enquadrado no subtipo Am3 (Martorano et al., 1993, 2021). Há duas estações no ano bem demarcadas pela concentração de chuvas entre dezembro e maio, e o período menos chuvoso que abrange de junho a novembro.
A área do projeto possui histórico de utilização do solo para pecuária bovina por aproximadamente duas décadas, com posterior pousio de 10 anos e estabelecimento de regeneração natural formando a vegetação secundária (Pauletto et al., 2022). No ano de 2017, a área foi submetida a retirada da vegetação pelo sistema de corte e queima, seguido de dois anos de novo pousio, culminando na completa eliminação da vegetação natural com implementos agrícolas em 2019. Nos anos subsequentes (2020 e 2021), a área passou a ser utilizada para o cultivo de leguminosas destinadas à adubação verde do solo como crotalária (Crotalaria juncea L.), feijão-de-porco (Canavalia ensiformis (L.) DC.) e mucuna-preta (Mucuna aterrima (L.) DC. syn. Stizolobium aterrimum L.).
Instalação do sistema de irrigação
O sistema de irrigação foi implantado numa área definida como agricultura irrigada, conforme definido pela Política Nacional de Irrigação (Brasil, 2013), assim configurado por empregar técnicas de irrigação em atividade econômica que explora culturas agrícolas, florestais, ornamentais e pastagens.
Para colocar em funcionamento o sistema de irrigação, realizou-se, em fevereiro de 2022, a instalação de um sistema de captação de água pluvial composto por duas calhas de zinco (cada uma com dimensões de 0,40 x 0,30 x 8,0 m) acopladas ao telhado da edificação de apoio para atividades de campo, totalizando 47,8 m2 de área de captação. Esse sistema foi conectado a duas caixas de água, com capacidade de armazenamento de 1000 L (500 L cada), suspensas a uma altura de 1,80 m do solo, por meio de estrutura de madeira. A completa operacionalização do sistema foi concluída em abril de 2022. A Figura 1 ilustra de maneira esquemática a distribuição da água para reposição nos potes de argila e a espacialização do mesmo em relação às plantas utilizadas no sistema agroflorestal.
O sistema de irrigação baseia-se no método subterrâneo ao qual a água é aplicada abaixo da superfície do solo, na região em que pode ser aproveitada pelas raízes das plantas (ANA, 2021). Este sistema foi implementado por meio da inserção no solo (Figuras 2a e 2b), até o limite superior, de 42 recipientes de cerâmica (potes de argila) com capacidade para 12 litros de água cada. A distribuição ocorre através de uma rede de tubos de policloreto de vinila (Figura 2c) e mangueiras que transportam a água, por força gravitacional, reabastecendo o estoque em cada pote de forma autônoma, controlado por boias instaladas nas tampas.
Os recipientes de argila foram posicionados em duas fileiras destinadas ao cultivo de bananeira (Musa sp.), açaí (Euterpe oleracea Mart.) e acerola (Malpighia emarginata DC.), plantadas em janeiro de 2022. Os potes foram posicionados a cada 3 metros mantendo o mesmo espaçamento adotado para as plantas. Nestas linhas também são eventualmente cultivadas espécies como milho-pipoca (Zea mays L.), macaxeira (Manihot esculenta Crantz). O arranjo também inclui o cultivo de cumaru (Dipteryx spp.), disposto em fileiras paralelas às espécies mencionadas anteriormente, com espaçamento de 6 metros entre si e com as plantas inseridas no experimento em fevereiro de 2021.
A leguminosa feijão-guandu (Cajanus cajan) foi cultivada em duas modalidades: a) inserida nas linhas com sistema de irrigação com potes de argila; e b) em linha de cultivo paralelo, com a mesma composição e arranjo, porém sem a disponibilidade do sistema de irrigação mencionado. Desta forma, as sementes recolhidas para esta pesquisa foram provenientes do cultivo sob dois regimes de tratamento: área irrigada pelo Projeto “IrrigaPote" e área não irrigada, constituindo-se nos tratamentos avaliados.
Análises realizadas em laboratório
No Laboratório de Sementes Florestais da UFOPA, as sementes passaram por um processo de beneficiamento, seguido de caracterização biométrica. Neste procedimento, foram aleatoriamente selecionadas 100 sementes de cada tratamento para análise amostral. As medições biométricas foram efetuadas utilizando paquímetro digital para aferir as dimensões de largura, comprimento e espessura. Utilizou-se balança analítica para determinação da massa fresca das sementes.
Para o armazenamento, as sementes foram embaladas em sacos de papel Kraft e acondicionadas em câmara com umidade relativa do ar (90%) e temperatura controlada (15°C) por um período de 270 dias. A umidade das sementes foi verificada antes do armazenamento por balança determinadora de umidade.
Após períodos específicos de armazenamento, sendo eles 30 e 180 dias, foi realizado teste germinativo para cada lote de sementes, adotando-se o delineamento experimental inteiramente casualizado com quatro repetições de 25 sementes cada.
Na preparação para o teste germinativo, as sementes foram submetidas a assepsia com hipoclorito de sódio a 1% por 10 minutos. Posteriormente, foram semeadas em papel germitest, colocadas em caixas gerbox e mantidas em germinador tipo Mangelsdorf com fotoperíodo de 12-h.
Foram analisadas as seguintes variáveis para o teste germinativo: percentual de germinação (G%), tempo médio de germinação (TMG), índice de velocidade de germinação (IVG), coeficiente de velocidade de germinação (CVG) e percentual de umidade. Os dados obtidos foram sistematizados em planilha eletrônica seguido pela aplicação da análise de variância (ANOVA) e o teste de Tukey a um nível de significância de 5%.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A caracterização biométrica das sementes, detalhada no Quadro 1, não revelou diferenças estatísticas significativas entre os tratamentos analisados. Essa constatação se alinha aos resultados de Santos et al. (2020), que, ao investigarem quatro variedades crioulas de feijão-guandu, observaram dimensões médias que variaram de 6,44 a 5,64 mm para comprimento; 6,30 a 6,04 mm para largura; e 4,96 a 4,50 mm para espessura. O estudo da biometria das sementes é fundamental não apenas para descrever as características particulares de cada indivíduo e a variabilidade presente dentro da espécie (Wadt et al., 2023), mas também desempenha um papel crucial na classificação das sementes segundo o tamanho, facilitando assim a seleção por peneiras e o ajuste preciso das semeadoras (Oliveira et al., 2022).
Tratamento | Largura (mm) | Comprimento (mm) | Espessura (mm) | Massa (g) | Umidade (%) | Massa de mil sementes (g) |
Sem Irrigação | 5,76 | 5,76 | 4,26 | 0,098 | 11,08 | 90,60 |
Com Irrigação | 5,76 | 5,66 | 4,19 | 0,096 | 11,09 | 88,81 |
Valor de P | 0,7776 | 0,0516 | 0,1872 | 0,3629 | 0,1223 |
Neste contexto, a análise da massa de mil sementes se insere como um complemento importante à caracterização biométrica, atuando como um indicador adicional para a avaliação da qualidade dos lotes e a estimativa de rendimento em cultivos de diversas espécies. Os valores encontrados para esta variável, sendo 90,60 g para as sementes da área sem irrigação e 88,81 g para aquela com irrigação (via projeto IrrigaPote), não demonstraram diferença estatística relevante, sugerindo uma homogeneidade na massa das sementes independentemente da disponibilidade de água no solo.
Além disso, outro fator a ser considerado na qualidade das sementes é a questão do teor de água, sendo ideal que as sementes armazenadas exibam baixos níveis de umidade para garantir sua conservação adequada (Bakhtavar et al., 2023). Isso contribui para a diminuição da taxa respiratória, evita a degradação das reservas energéticas e reduz o risco de ataques por insetos e a proliferação de fungos e bactérias (Lopes e Lima, 2015). Os resultados obtidos para o teor de umidade das sementes não mostraram diferenças significativas e estão alinhados com os valores indicados por Taiz et al. (2017), que sugerem que o conteúdo de água de sementes secas e maduras varia entre 5% e 15%. Diante disto, a resposta fisiológica da semente em relação ao tempo de armazenamento e teor de umidade influenciará diretamente seu potencial germinativo.
Aferiu-se que em relação ao efeito dos métodos (Quadro 2), os resultados do teste germinativo diferiram entre si. Demonstrou-se que as sementes provenientes da área irrigada apresentaram um maior percentual germinativo, um menor tempo para a estabilização da germinação e valores superiores tanto para o Índice de Velocidade de Germinação (IVG), quanto para o Coeficiente de Velocidade de Germinação (CVG). Tais indicadores não apenas refletem a maior capacidade germinativa dessas sementes, mas também sugerem um vigor germinativo mais acentuado, o que é crucial para a sobrevivência das plântulas em condições adversas após a semeadura (Oki et al., 2020).
Método | Tempo de armazenamento | G | TMG | IVG | CVG |
---|---|---|---|---|---|
Sem Irrigação Com Irrigação | 30 dias 270 dias | 61 37 | 5,32 5,47 | 2,95 1,73 | 18,86 18,35 |
30 dias 270 dias | 70 43 | 4,91 4,83 | 3,83 2,43 | 20,38 20,73 | |
Efeito método | * | * | * | * | |
Sem Irrigação Com Irrigação | 49 b 56,5 a | 5,4 a 4,87 b | 2,34 b 3,13 a | 18,60 b 20,55 a | |
Efeito tempo | * | ns | * | ns | |
30 dias 270 dias | 65,5 a 40 b | 5,12 a 5,15 a | 3,39 a 2,08 b | 19,62 a 19,54 a | |
Interação Método x Tempo | ns | ns | ns | ns |
G: taxa de germinação (%); TMG: tempo médio de germinação (dias); IVG: índice de velocidade de germinação e CVG: coeficiente de velocidade de germinação (%). *Significativo à 95% de confiança. nsNão significativo à 95% de confiança. Letras diferentes nas colunas indicam diferença significativa entre as médias de acordo com o teste de Tukey à 95% de confiança.
Na análise dos resultados relacionados ao efeito do tempo de armazenamento, verificaram-se diferenças significativas entre os intervalos de tempo avaliados, evidenciando a perda progressiva da viabilidade das sementes de feijão-guandu se acentuando com o prolongamento do tempo de armazenamento. Silva et al. (2018), analisando germinação e vigor em sementes de feijão-mungo-verde, verificaram que os diferentes períodos de armazenamentos influenciaram a qualidade fisiológica das sementes. Este fenômeno pode ser atribuído à deterioração natural das estruturas celulares e à redução dos recursos energéticos internos, que comprometem o vigor germinativo das sementes (Krzyzanowski et al., 2022).
Constatou-se ainda, que a análise da interação entre o método e o tempo de armazenamento indicou que não há diferenças significativas, sugerindo que, independentemente do método utilizado, a perda de viabilidade e de vigor germinativo segue um padrão semelhante ao longo do tempo. Isto porque o processo de deterioração das sementes armazenadas é inevitável (Silva et al., 2014); desta forma, otimizar as condições de armazenamento pode minimizar a perda de vigor e maximizar a preservação da viabilidade das sementes, no entanto não podem evitar a perda do vigor germinativo.
CONCLUSÕES
Este estudo evidenciou que, embora a caracterização biométrica e a massa de mil sementes não tenham demonstrado variações significativas em função dos tratamentos aplicados, importantes diferenças foram observadas no vigor e na capacidade germinativa das sementes, influenciadas pelo método de irrigação no cultivo e pelo tempo de armazenamento. A constatação de que a irrigação subterrânea, via capilaridade por potes de argila, influencia o potencial germinativo e que o tempo de armazenamento afeta negativamente a viabilidade das sementes sublinha a necessidade de práticas agrícolas otimizadas e estratégias de conservação que prolonguem a vida útil das sementes, garantindo a sustentabilidade e eficiência da produção.