INTRODUÇÃO
A figueira (Ficus carica) é cultivada no mundo desde os primórdios da agricultura e na região mediterrânea desde tempos imemoriais. Os figos são consumidos em fresco entre junho e setembro e podem ser consumidos em seco durante todo o ano (Sousa, 2021a). Oferecem uma elevada riqueza nutricional em fibra, em hidratos de carbono, dos quais se destacam os açúcares, e em minerais como o cálcio e o potássio, benéficos para a saúde (Aljane et al., 2007).
Hoje em dia, é estimado que a produção nacional de figo seja de 4410 toneladas numa extensão de 3810 hectares. No entanto, apesar das boas condições de produção e do aumento da procura a nível mundial, a cultura da figueira ainda não tem uma relevante importância agrícola e económica em Portugal e o nosso país apenas representa 3,4% da produção europeia (FAOSTAT, 2022).
À semelhança da generalidade das culturas, o desenvolvimento das figueiras pode ser afetado por fatores genéticos, ambientais e agronómicos. A nível agronómico, a fertilização dos pomares quando não efetuada corretamente pode comprometer o crescimento dos figos (Costa, 2019). O crescimento dos figos em termos de diâmetro ocorre em 3 fases distintas e é representado por uma dupla curva sigmoide. Na primeira fase (período I), o crescimento é rápido, acompanhado por uma intensa divisão e diferenciação celular. A segunda fase (período II) é caracterizada por um longo período onde a atividade mitótica cessa, e os frutos permanecem no mesmo tamanho, cor e firmeza. Na terceira fase (período III), ocorre o amadurecimento com uma segunda fase de rápido crescimento dos frutos, principalmente pela expansão das células e produção de etileno (Marei & Crane, 1971; Owino et al., 2006; Flaishman et al., 2008; Crisosto et al., 2011; Freiman et al., 2012).
Algumas fruteiras como as macieiras e as pereiras, no hemisfério norte, têm um período de queda de frutos imaturos durante a fase de aumento do volume celular e que é conhecido como a "queda de junho" ou “June Drop” (Dal Cin et al., 2009). Da mesma forma, as figueiras produtoras de figos vindimos parecem passar por este período de queda natural dos frutos imaturos em meados de junho, processo que pode ser afetado por uma fertilização desajustada, sendo uma perda de produção potencial e um desafio para os produtores.
As cultivares utilizadas neste estudo são duas cultivares regionais portuguesas com grande representatividade na região de Torres Novas. A cultivar ‘Pingo de Mel’ é uma cultivar bífera, do grupo de figueiras Cachopo, interessante para a produção de figos vindimos devido à dupla aptidão (frescos e passados), pela elevada produção e pela resistência à manipulação e transporte. Os figos lampos são escassos e de qualidade inferior, sem interesse económico. A maturação dos figos vindimos é escalonada, iniciando-se em Agosto e podendo ir até finais de Setembro. Os figos são de calibre médio, a epiderme é verde amarelada e a polpa é âmbar, fundente e sumarenta. É também descrita como uma cultivar de porte ereto e vigor alto e as suas folhas predominantes apresentam coloração verde-escura, são macias, trilobadas com lóbulos pouco marcados (Sousa, 1988; Sousa & Vieira, 2021a). Por sua vez, a cultivar ‘Preto de Torres Novas’ é também uma variedade bífera, do grupo de figueiras Cachopo, interessante para a produção de figos vindimos devido à época de maturação, no entanto com pouco interesse cultural para consumo em fresco dado que os frutos são muito pequenos, pouco resistentes ao transporte e perecíveis. A produção de figos lampos é pequena na maioria dos anos. A maturação dos figos vindimos dá-se no início de Agosto. Os frutos são de pequeno calibre, arredondados, a epiderme é violácea e a polpa é âmbar, fundente e sumarenta. Os frutos apresentam um elevado teor em açúcar e são atualmente comercializados e muito apreciados em seco ou “passa”. É também descrita como uma cultivar de porte aberto e vigor médio e as suas folhas predominantes apresentam coloração verde-escura, são ásperas, quinquelobadas com lóbulos marcados. (Sousa, 1988; Sousa & Vieira, 2021b).
A região de Torres Novas é historicamente associada à produção de figos. O clima quente e seco e os solos calcários característicos desta região fazem com que os figos não só amadureçam mais cedo como também apresentem maiores teores de açúcar (Sousa, 1988). Apesar das excelentes condições de produção, a fertilização das figueiras é uma técnica cultural realizada por muitos produtores de forma não fundamentada tecnicamente refletindo-se em baixas produções e baixa qualidade dos frutos. Atendendo a este problema, foi objetivo deste estudo avaliar a produtividade das figueiras, o crescimento e a queda natural dos figos vindimos comparando a fertilização que é realizada com base na intuição do agricultor (tradicional) com a fertilização que é baseada na produção esperada, na análise de solos e de folhas do ano anterior e nos valores de referência (racional) (Lourenço, 2021; Sousa, 2021b).
MATERIAIS E MÉTODOS
Material vegetal e condições de crescimento
O estudo foi realizado no campo experimental do projeto GoFigoProdução em Dordia da Aroeira (Torres Novas) (latitude: 39°31’24’’N, longitude 8°34’03’’ W). Os pomares de sequeiro foram plantados em 1981, a uma altitude 80 m acima do nível do mar com um espaçamento entre árvores de 7 m x 6 m no caso da cultivar ‘Preto de Torres Novas’ e 6 m x 6 m no caso da cultivar ‘Pingo de Mel’. O ensaio foi realizado em 2020 e 2021 (Figura 1).
Delineamento
Neste estudo para comparar a fertilização tradicional com a fertilização racional recorreu-se a um delineamento fatorial composto por 2fatores (cultivar x tipo de fertilização) com uma estratificação de 2x2 com 5 repetições (5 árvores). Este estudo foi efetuado em dois anos consecutivos (2020, 2021). A fertilização tradicional foi definida com base no conhecimento empírico do produtor, que dependendo do tamanho da árvore fertilizava cada figueira com mais ou menos adubo ternário 8:12:18. A fertilização racional baseou-se na produção esperada, recorrendo à análise de solos e à análise foliar e aos valores de referência publicados no Manual de Fertilização das Culturas publicado pelo Laboratório Químico Agrícola Rebelo da Silva em 2006 (Sousa, 2021b) (Figura 1). As unidades de fertilização azotada, fosfatada e potássica que foram aplicadas em cada uma das modalidades das cultivares ‘Preto de Torres Novas’ e ‘Pingo de Mel’ constam no Quadro 1 e 2, respetivamente.
Cultivar | Modalidade | Ano | N | P2O5 | K2O | |||||||
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Preto de Torres Novas | Fertilização Tradicional | 2020 | 6 | 8 | 8 | |||||||
2021 | 13 | 20 | 20 | Fertilização Racional | 2020 | 40 | 40 | 40 | 2021 | 60 | 40 | 40 |
Cultivar | Modalidade | Ano | N | P2O5 | K2O | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Pingo de Mel | Fertilização Tradicional | 2020 | 6 | 8 | 8 | |||||||
2021 | 15,5 | 23 | 23 | Fertilização Racional | 2020 | 40 | 40 | 40 | 2021 | 60 | 40 | 40 |
Variáveis em estudo
Para avaliar a evolução do diâmetro, o número de figos por ramo, e a percentagem de queda dos frutos, foram marcados em cada árvore 4 ramos (um ramo por cada quadrante - Norte, Este, Sul, Oeste). Em cada ramo foram contabilizados semanalmente todos os figos e mediu-se o diâmetro de um fruto (em mm) previamente selecionado por cada ramo, de forma a construir as curvas de crescimento. Este trabalho iniciou-se aquando do surgimento dos figos vindimos até à sua maturação e a recolha da informação das variáveis em estudo decorreu com uma periodicidade quinzenal (Figura 1). A colheita dos figos foi realizada pelo produtor nas 20 árvores deste estudo. À colheita registou-se a produção de cada uma das árvores contabilizando quer o número de frutos colhidos quer o peso desses frutos. A partir destes parâmetros e da área seccional do tronco (AST) em cm2, de cada uma das árvores foi possível calcular o número de frutos/cm de AST e o índice de produtividade em fresco expresso em g/cm²de AST (Westwood, 1982).
Análise estatística dos dados experimentais
A análise estatística foi efetuada com recurso ao programa ‘AgroEstat’, através da análise de variância. Para cada variável analisada foram calculados o valor médio e o respetivo erro padrão médio. As diferenças significativas entre grupos foram calculadas recorrendo ao teste de Tukey com um nível de significância de 0,05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Evolução do diâmetro dos figos
Tem sido reportado que a aplicação de diferentes valores de uma fertilização NPK influenciam o diâmetro dos frutos (Wang et al., 2018; Sotiropoulos et al., 2020; Guo et al., 2022). Nas figuras onde se observa a evolução do diâmetro nas cultivares ‘Preto de Torres Novas’ e ‘Pingo de Mel’, independentemente do tipo de fertilização e do ano, diferenciam-se as 3 fases distintas do crescimento dos frutos tal como foi descrito por vários autores (Marei & Crane, 1971; Owino et al., 2006; Flaishman et al., 2008; Crisosto et al., 2011; Freiman et al., 2012).
A aplicação de uma fertilização racional potenciou o crescimento em diâmetro dos figos da cultivar ‘Preto de Torres Novas’ desde a primeira fase de crescimento (período I) que se acentuou na última fase de crescimento (período III), resultando em figos de calibre médio mais elevado (27,7±2,2 e 33,0±0,8 mm em 2020 e 2021, respetivamente) relativamente aos figos da fertilização tradicional (17,7±2,1 e 28,2±2,5 mm em 2020 e 2021, respetivamente) (Figuras 2 e 3). Por sua vez, na cultivar ‘Pingo de Mel’, em ambos os anos, não se verificaram diferenças significativas entre as modalidades desde o início de formação dos figos vindimos até à maturação e as curvas de crescimento do diâmetro dos figos foram semelhantes entre as duas modalidades (Figuras 4 e 5).
Número de figos/ramo
Ateyyeh & Sadder (2006) avaliaram o número de figos/ramo de 6 cultivares de figueiras na Jordânia, no entanto, não se encontram estudos que avaliem o efeito da fertilização no número de figos/ramo. No nosso estudo, comparando os dois tipos de fertilização quanto à evolução do número de figos /ramo verificou-se que a cultivar ‘Preto de Torres Novas’, apresentou em todas as datas de 2020 um número de figos/ramo significativamente mais elevado, no entanto, em 2021 apenas se observaram diferenças significativas a partir de 4 de Junho. A fertilização racional teve uma influência significativa no incremento do número de figos por ramo na cultivar ‘Preto de Torres Novas’ desde o início da formação dos figos vindimos até à sua maturação (4,4±0,3 e 4,0±0,3 figos/ramo em 2020 e 2021, respetivamente) relativamente à fertilização tradicional resultou em 3,6±0,3 e 3,2±0,3 figos/ramo em 2020 e 2021, respetivamente. (Figuras 6 e 7).
Da mesma forma, a fertilização racional manifestou um aumento do número de figos por ramo na cultivar ‘Pingo de Mel’ desde o início da formação dos figos vindimos até à sua maturação (10±0,5 figos/ramo) comparando com a fertilização tradicional (8,5±0,5 figos/ramo) em 2020 (Figura 8). No entanto, não se verificaram diferenças significativas entre os dois tipos de fertilização em 2021 (Figura 9).
Percentagem de queda dos frutos
Há estudos que relatam a influência da fertilização na queda natural dos frutos para outras árvores de fruto (Kumar et al., 2008; Ullah Khan et al., 2022).
Na cultivar ‘Preto de Torres Novas’, a abscisão dos figos foi mais elevada nas figueiras em que foi aplicada uma fertilização tradicional (32,0% e 23,9% em 2020 e 2021, respetivamente) do que nas figueiras onde foi aplicada uma fertilização racional (17,2% e 16,1% em 2020 e 2021, respetivamente) (Figura 10).
De igual forma, a cultivar ‘Pingo de Mel’, teve uma abscisão dos figos mais elevada nas figueiras em que foi aplicada uma fertilização tradicional (4,0% e 8,0% em 2020 e 2021, respetivamente) relativamente às figueiras onde foi aplicada uma fertilização racional (2,0% e 5,8% em 2020 e 2021, respetivamente) (Figura 11).
Produtividade
Sotiropoulos et al. (2020) reportou que uma aplicação de diferentes valores de adubação NPK tiveram influência na produtividade das figueiras em condições mediterrânicas, na Grécia. O tratamento mais benéfico e que levou a maiores produtividades foi aplicar 1 kg de azoto/árvore, 1,2 kg de fósforo/árvore e 0,6 kg de potássio/árvore. Os resultados obtidos por este autor relatam que o azoto apresenta um grande impacto no rendimento da produção, verificando-se resultados nítidos de que à medida que se aumentou a concentração de azoto, os valores do rendimento também aumentaram. Estes resultados foram ao encontro do que Irget et al. (2008) tinham constatado.
No nosso estudo, a fertilização racional proporcionou um incremento do número de frutos/cm2de AST, significativamente superior nas figueiras da cultivar ‘Preto de Torres Novas’ com valores de 1,2 ± 0,15 e 1,1 ± 0,14 em 2020 e 2021, respetivamente. Relativamente à fertilização tradicional os valores foram de (0,4 ± 0,08 e 0,4 ± 0,17 número de frutos/cm² de AST em 2020 e 2021, respetivamente) (Quadro 3). Este tipo de fertilização também induziu a uma produtividade em fresco significativamente superior (32,7 ± 4,48 e 25,2 ± 3,95 g/ cm² de AST em 2020 e 2021, respetivamente) comparando com a fertilização tradicional (10,0 ± 2,07 e 8,3 ± 3,47 g/cm² de AST em 2020 e 2021, respetivamente) (Quadro 4).
Contrariamente ao que foi observado no ‘Preto de Torres Novas’, na cultivar ‘Pingo de Mel’, não se verificaram diferenças significativas entre as duas modalidades de fertilização quanto aos frutos por área seccional do tronco (número de frutos/ cm² de AST) e índice de produtividade em fresco (g/ cm² de AST) nos dois anos em que decorreu este estudo (Quadro 3 e 4).
Quando se comparam as produções totais (kg/ha) anuais de cada uma das cultivares é possível destacar o acréscimo de 3828,4 e 2975,8 kg/ha em 2020 e 2021, respetivamente, na cultivar ‘Preto de Torres Novas’ e de 222,8 e 821,0 kg/há em 2020 e 2021, respetivamente, na cultivar ‘Pingo de Mel’, acréscimos que resultaram num benefício de rendimento no final da campanha. Acresce que a fertilização efetuada nestes anos terá melhorado as reservas nutritivas destas árvores, tendo repercussões também nos anos subsequentes.
Cultivar | Modalidade | 2020 | 2021 | ||
NF/AST cm² | NF/ha | NF/AST cm² | NF/ha | ||
Preto de Torres Novas | Fertilização Tradicional | 0,39 ± 0,08 b | 77117,2 ± 20686,9 b | 0,36 ± 0,17 b | 68554,8 ± 33934,5 b |
Fertilização Racional | 1,21 ± 0,15 a | 213726,4 ± 13999,3 a | 1,09 ± 0,14 a | 196156,8 ± 22537,3 a | |
Pingo de Mel | Fertilização Tradicional | 0,64 ± 0,07 a | 132105,6 ± 16111,6 a | 0,39 ± 0,07 a | 80064,0 ± 15213,5 a |
Fertilização Racional | 0,84 ± 0,24 a | 137610 ± 46902,3 a | 0,66 ± 0,11 a | 105973,6 ± 25181,2 a |
Cultivar | Modalidade | 2020 | 2021 | ||
g/AST cm² | kg/ha | g/AST cm² | kg/ha | ||
Preto de Torres Novas | Fertilização Tradicional | 9,95 ± 2,07 b | 1947,3 ± 513,3 b | 8,25 ± 3,47 b | 1524,1 ± 714,3 b |
Fertilização Racional | 32,65 ± 4,48 a | 5775,656 ± 462,0 a | 25,18 ± 3,95 a | 4499,9 ± 653,0 a | |
Pingo de Mel | Fertilização Tradicional | 23,15 ± 3,24 a | 4811,1 ± 727,0 a | 18,93 ± 4,38 a | 3897,6 ± 927,5 a |
Fertilização Racional | 30,36 ± 9,64 a | 5033,9 ± 1867,3 a | 28,95 ± 6,91 a | 4718,6 ± 1400,0 a |
CONCLUSÕES
Na cultivar ‘Preto de Torres Novas’, a fertilização baseada na produção esperada, na análise de solos e de folhas do ano anterior e nos valores de referência (fertilização racional) teve uma influência positiva no diâmetro dos figos produzidos e na produtividade resultante, não só maior formação de figos, como também da diminuição da queda de figos.
Na cultivar ‘Pingo de Mel’, o tipo de fertilização não influenciou a produtividade e o diâmetro dos frutos em ambos os anos. Não foi possível detetar diferenças significativas entre as duas modalidades na evolução do número de figos vindimos/ramo em 2021. Verificou-se, no entanto, uma diminuição da queda dos figos em ambos os anos nas figueiras que foram sujeitas a uma fertilização racional.
Comparativamente com a fertilização tradicional, os resultados obtidos indicam que a cultivar ‘Preto de Torres Novas’ respondeu muito bem à fertilização racional, provavelmente por ser uma cultivar mais rústica, menos vigorosa e muito bem-adaptada aos solos daquela região. Todavia, comparativamente, a cultivar ‘Pingo de Mel’, mais vigorosa, não respondeu tão bem à fertilização racional aplicada e talvez necessite de uma fertilização diferenciada ou não responda à fertilização adicional por dela não necessitar.
O nosso país tem excelentes condições para a produção de figos e esta cultura poderá vir a ter uma importância económica relevante, fazendo face ao aumento da procura a nível internacional. A produção nacional deverá evoluir tecnicamente, de forma a tornar-se mais sustentável e competitiva. O uso de técnicas culturais mais racionais e o fim de práticas culturais realizadas com base na intuição dos agricultores serão úteis para aumentar a produtividade, potenciar a qualidade dos figos e reduzir as perdas de produção.