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Arquivos de Medicina
versão On-line ISSN 2183-2447
Arq Med vol.24 no.5 Porto out. 2010
CASOS CLÍNICOS/ SÉRIE DE CASOS
Citomegalovírus: transmissão vertical e doença realidade de uma unidade
Cytomegalovirus: Vertical Transmission and Disease.
Maria José Cálix*, Andreia Teles*, Anabela João**
* Serviços de Pediatria, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho
** Serviços de Neonatologia, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho
RESUMO
Introdução: O Citomegalovírus (CMV) é um dos principais agentes de infecção congénita, ocorrendo em 1 a 4% das grávidas, sendo o risco de transmissão particularmente elevado na primo-infecção. A incidência de infecção intra-uterina varia entre 0,2 a 2,4%. A maioria dos recém-nascidos é assintomática. O rastreio materno pré-natal não é feito de rotina no nosso país, persistindo a dúvida da necessidade da sua implementação. No entanto, o tratamento do CMV está actualmente em desenvolvimento, parecendo ser promissor.
Objectivos: O objectivo deste trabalho foi aprofundar o conhecimento da realidade da transmissão materno-fetal e evolução da infecção congénita por CMV no nosso Hospital.
Material e Métodos: Baseamo-nos na análise retrospectiva dos processos de todos os recém-nascidos com suspeita de infecção congénita, de 01-01-2001 a 31-12-2006, sendo o diagnóstico feito na urina por cultura pelo método de Shell-Vial ou Polimerase Chain Reaction.
Os parâmetros avaliados foram: motivo do pedido, idade materna, altura de detecção, idade gestacional, somatometria. Nos recém-nascidos infectados foi ainda analisada a clínica, feito rastreio auditivo e oftalmológico, ecografia transfontanelar e avaliado o crescimento/desenvolvimento.
Resultados: Foram revistos 60 processos, sendo a maioria dos motivos de pedido devidos a seroconversão materna durante a gestação. A taxa de transmissão foi de 23%. Verificou-se que 40% das crianças com infecção congénita são filhos de mães jovens. Ao nascimento 71% eram assintomáticos.
Os achados clínicos incluíram doença de inclusão citomegálica(14%), restrição de crescimento intra-uterino (14%), baixo peso (21%) e microcefalia (21%). Durante o follow-up, 14% apresentaram atraso do desenvolvimento psicomotor e 7% surdez neurossensorial.
Discussão: Dado o tamanho reduzido da amostra não se pode inferir conclusões, no entanto, o conhecimento da realidade de cada centro poderá contribuir para avaliar a pertinência do diagnóstico perinatal.
Palavras-chave: citomegalovírus; infecção congénita; doença de inclusão citomegálica; transmissão vertical
SUMMARY
Introduction: Cytomegalovirus (CMV) is one of the most common causes of congenital infection, occurring during pregnancy in 1 to 4%, with a particularly high transmission risk in mothers with primary infection. The incidence of intrauterine infection varies between 0.2 and 2.4%. Most of the newborns are asymptomatic. Routine prenatal screening is not routinely done our country, persisting doubt about the need of this implementation. Therefore, in nowadays treatment of CMV infection has been developed, appearing to be promising.
Objective: The aim of this study was to improve the knowledge of the reality of mother-to-child transmission and evolution of congenital CMV infection in our Hospital.
Material and Methods: We based on retrospective analysis of the clinical records of newborns with suspected congenital CMV infection, from January 2001 to December 2006. Cytomegalovirus diagnosis was made by isolating the virus from urine samples by culture methods (Shell-Vial assay) or by Polymerase Chain Reaction.
We evaluated the motive of demand, maternal age, timing of seroconversion, gestacional age and somatometry. In the newborns with infection we also analyse clinical manifestations, hearing and ophthalmologic screening, cranial ultrasonography and evaluation of the growth and development.
Results: Sixty patients were reviewed, being the most of the motive of demand the maternal seroconversion. The transmission rate was 23%. It was observed that 40% of the newborns with infection were born from young mothers. At birth, 71% of the cases were asymptomatic. The clinical manifestations include cytomegalic inclusion disease (14%), intrauterine growth retardation (14%), low-birthweight (21%) and microcephaly (21%). During follow-up, 14% of the cases had development delay and 7% sensorineural hearing loss.
Discussion: As the sample was small we can not take conclusions. So, the knowledge of the reality of each medical centre may help evaluating the importance perinatal screening.
Key-words: cytomegalovirus; congenital infection; cytomegalic inclusion disease; vertical transmission
Introdução
A infecção Citomegalovírus (CMV) é uma das causas mais comuns de infecção vírica congénita nos países desenvolvidos, sendo a principal causa infecciosa de surdez neurossensorial na criança (1,2). Esta infecção ocorre em 1 a 4% das grávidas (3). O risco de transmissão é particularmente elevado no caso de primoinfecção, com uma taxa de transmissão fetal de cerca de 40% (2,4,5). A incidência de infecção intra-uterina varia entre 0,2 a 2,4% (3), sendo a maioria dos recém-nascidos (RN) assintomáticos (6). As manifestações clínicas estão presentes em apenas 10% dos casos (6,7), contudo 10 a 15% das crianças assintomáticas ao nascimento podem vir a desenvolver mais tarde manifestações clínicas nomeadamente surdez neurossensorial, défices neurológicos, corio-retinite, atraso do desenvolvimento psicomotor entre outras (2,5-9). O rastreio materno pré-natal não é feito de rotina no nosso país, persistindo a dúvida da necessidade da sua implementação (5,7,10).
No entanto, sabemos que existem hoje em dia novas terapêuticas nomeadamente o ganciclovir e o valganciclovir que poderão limitar as sequelas a longo prazo e que está em desenvolvimento uma vacina imunogénica (2,6,10-13).
Objectivos
Os objectivos deste estudo foram detectar a taxa de transmissão materno-fetal e avaliar as eventuais repercussões da infecção congénita por Citomegalovírus até àidade escolar nas crianças do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho.
Material e métodos
Baseamo-nos na análise retrospectiva dos processos de todos os recém-nascidos com suspeita de infecção congénitapor CMV, que nasceram no nosso hospital no período de 1 de Janeiro de 2001 a 31 de Dezembro de 2006.
Dado que o rastreio materno pré-natal de infecção por citomegalovírus não é feito por rotina no nosso país, consideramos como nossa amostra os recém-nascidos com suspeita desta infecção, ou seja, aqueles em que ocorreu seroconversão materna durante a gestação ou, nos casos em que, após o nascimento, o recém-nascido apresentou algum tipo de manifestação clínica ou ecográfica sugestivadesta infecção congénita.
O estudo do estado de imunização materno baseou-se no doseamento das IgG e IgM maternas, com determinação da avidez da IgG em todos os casos de IgM positiva (3,5,10,14). Tal com o descrito na literatura, consideramos avidez elevada como indicativo de infecção antiga, ou seja ocorrida há mais de 20 semanas, e avidez baixa indicativo de infecção recente, ou seja ocorrida nas últimas 20 semanas (3,6,14), podendo deste modo obter uma orientação relativa ao momento de ocorrência da seroconversão (1º, 2º ou 3º trimestre). Em todos os casos foi registado o motivo do pedido de pesquisa de CMV na urina do recém-nascido.
Todos os RN foram submetidos a avaliação clínica ao nascimento e o diagnóstico foi feito, de forma sistemática, por cultura do CMV pelo método de Shell-Vial ou detecção de DNA de CMV por Polimerase Chain Reaction (PCR), em amostra de urina colhida até às 3 semanas de vida (2,6,7,10,15,16).
Na amostra populacional obtida foi avaliado a idade materna no momento do parto, idade gestacional, somatometria do RN ao nascimento e sua relação com os percentis para idade e sexo.
Nos casos de infecção por Citomegalovírus confirmada foram ainda analisadas as manifestações clínicas apresentadas ao nascimento ou sequelas tardias que foram surgindo durante o período de follow-up.
Considerou-se como clínica todas as manifestações compatíveis com infecção por CMV (7).
Todos os RN com infecção foram submetidos a avaliação da sua repercussão sobre os órgãos e sistemas com realização de hemograma, provas de função hepática e estudos imagiológicos, nomeadamente ecografia abdominal, ecografia transfontanelar e tomografia computorizada ou ressonância magnética crânio-encefálica (6).
Foi também realizado rastreio oftalmológico e auditivo no intuito de detectar atempadamente défices nestas áreas, tal como preconizado por outros autores (6,7,17). O rastreio oftalmológico foi realizado através da observação do fundo ocular periodicamente de 2 em 2 anos, considerando o diagnóstico de corio-retinite quando estavam presentes alterações do fundo ocular sugestivas, definidas por um oftalmologista com experiência. Em todos os casos foi também realizado rastreio auditivo periódico nomeadamente com execução de potenciais evocados auditivos inicialmente de 6 em 6 meses até aos 2 anos e depois anualmente.
Em todos os casos seguidos no nosso hospital procedeuse à regularmente à avaliação do crescimento e desenvolvimento psicomotor com o intuito de detectar alterações precocemente.
Resultados
No período em análise nasceram, no nosso hospital, um total de 13.646 crianças. Destas foram revistos 60 processos, correspondentes aos recém-nascidos que foram submetidos a rastreio através da pesquisa de CMV na urina. Dos 60 casos, o motivo de pesquisa de CMV foi a seroconversão materna durante a gestação em 53 casos, o que corresponde a 88% da nossa amostra. Os restantes 7 casos dizem respeito a recém-nascidos que apresentaram, ao nascimento, clínica sugestiva desta infecção.
No que se refere ao meio de diagnóstico, utilizou-se o método de Shell-Vial em 51 casos (85%), sendo que o resultado foi positivo em 12 (23,5%) e negativo em 39 casos (76,5%). Nos últimos 9 casos com suspeita de infecção o diagnóstico foi feito pela pesquisa de CMV na urina por PCR, sendo que destes 2 casos (22%) foram positivos e 7negativos (78%).
No total dos 60 casos incluídos no estudo tivemos, portanto, infecção congénita por CMV confirmada em 14 casos (Tabela 1) o que representa uma taxa de transmissão na nossa amostra de 23%.
Passando à análise dos casos com infecção confirmada, verificamos que a idade materna variou entre os 16 e os 39 anos, sendo que 43% dos RN são filhos de mães jovens, com idade igual ou inferior a 21 anos.
Dos 14 casos de RN com infecção congénita por CMV,a sua pesquisa foi motivada pela clínica apresentada pelo RN em 3 casos (21%) e pela seroconversão materna em 11 casos (79%). Destes, verificamos que a maioria (6 casos) ocorreu no 3º trimestre (43%), ocorrendo apenas 3 casos no 2º trimestre e 2 no 1ºtrimestre.
Tendo em conta a idade gestacional tivemos 2 recémnascidos prematuros, com 32 e 34 semanas, sendo os restantes 12 recém-nascidos de termo (86%). Assim, na nossa amostra, ao nascimento 64% RN eram assintomáticos. Os achados clínicos encontrados incluíram doença de inclusão citomegálica (14%), restrição de crescimento intra-uterino (14%), baixo peso (21%) e microcefalia (21%) (Tabela 1).
Na nossa amostra todos os casos diagnosticados por seroconversão materna (79%) trataram-se de primo-infecções por citomegalovírus. Em 21% dos casos desconhecemos se se tratava de uma primo-infecção ou de uma reactivação de infecção latente, assim como desconhecemos o momento de ocorrência da seroconversão materna, dado que a suspeita de diagnóstico se colocou no período pós-parto pela presença de manifestações clínicas, não dispondo das serologias maternas.
Todas as crianças excepto uma, cuja vigilância foi realizada no hospital da área de residência, foram, após a alta, orientadas para a consulta de infecciologia do nosso hospital mantendo-se em vigilância.
Das 13 crianças com infecção congénita por CMV, 11 apresentam até à data, crescimento e desenvolvimento adequados, mantendo em vigilância regular na consulta.
Os restantes 2 casos (14%) apresentaram sequelas nomeadamente atraso do desenvolvimento psicomotor, uma dos quais com surdez neurossensorial. Do ponto de vista oftalmológico, até à data, todas as crianças apresentam exame sem alterações.
A Tabela 2 analisa mais pormenorizadamente os dois casos que apresentaram doença de inclusão citomegálica, não só no âmbito de diagnóstico clínico, serológico e imagiológico, como também em termos de evolução.
Discussão
Na nossa amostra, a prevalência de infecção congénita por CMV foi de 23,3%. Esta frequência tão elevada deve-se ao facto de tratar-se de uma população em que a grande maioria das mulheres são seropositivas para CMV ou em que a clínica do RN foi extremamente sugestiva desta infecção.
Tal como descrito na literatura verificamos uma alta incidência de infecção em RN filhos de mães jovens (1,2).
No que se refere às manifestações clínicas, ao nascimento e tardias, são variáveis em função do estado imunitário materno e do momento de ocorrência da transmissão, sendo potencialmente mais graves no 1º trimestre. Na nossa casuística 11 dos 14 RN apresentaram crescimento e desenvolvimento adequado para a idade, sendo que, os 2 casos que apresentaram sequelas foram os que tiveram doença de Inclusão Citomegálica, o que nos faz questionar a real necessidade do rastreio seriado. Contudo, serão necessários outros estudos com casuísticas mais alargadas para se poder inferir da efectividade da implementação de um rastreio universal.
Dado o tamanho reduzido da amostra não se pode inferir conclusões, no entanto, o conhecimento da realidade de cada centro poderia contribuir para avaliar a pertinência do diagnóstico perinatal.
Referências
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Dr.ª Maria José Cálix
Serviço de Pediatria Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho. Rua Dr. Francisco Sá Carneiro, 4430-502 Vila Nova de Gaia. E-mail: mariajosecalix@gmail.com