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Arquivos de Medicina
versão On-line ISSN 2183-2447
Arq Med vol.26 no.2 Porto mar. 2012
Intoxicação Alcoólica Aguda num Serviço de Urgência Pediátrico: revisão de 3 anos
Acute Alcohol Intoxication in a Paediatric Emergency Department: a 3-year review
António Vinhas da Silva, Ana Luísa Leite, Raquel Guedes, Hugo B Tavares
Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia / Espinho, EPE
Endereço para Correspondência
RESUMO
Introdução: O consumo excessivo de álcool é muito prevalente na nossa sociedade, sendo um problema emergente nos adolescentes. Este trabalho pretende caracterizar o perfil e as circunstâncias dos adolescentes observados por Intoxicação Alcoólica Aguda (IAA) num serviço de urgência pediátrico (SUP).
Métodos: Estudo retrospectivo dos adolescentes observados por IAA no período de Janeiro de 2007 a Dezembro de 2009.
Resultados: Observados 60 casos de IAA (2007 12; 2008 20; 2009 28. A mediana da idade foi de 15,0 anos (P25-75: 14,0-16,0), com predomínio do sexo feminino nas idades mais precoces (? - 15,0; P25-75: 14,0-15,0 vs ? - 15,5; P25-75: 15,0-16,0; p=0,003). A maioria ocorreu durante a noite (65,0%) e nas épocas festivas/fim-de-semana (58,3%). As bebidas alcoólicas mais ingeridas foram as bebidas de alta graduação (30 casos). Foi detectado o consumo concomitante de cannabis em 3 casos. Foram detectados 5 casos de hipotermia e 2 casos de hipotensão grave. Foram internados, no Internamento de Curta Duração, 42 adolescentes. A maioria dos adolescentes foi orientada para o Médico Assistente (66%). Desde 2009, com a criação da Consulta de Medicina do Adolescente, tem-se procedido a uma reavaliação a este nível.
Conclusões: A maioria dos casos de IAA ocorreu durante o período nocturno e ao fim-de-semana, sendo as bebidas de alta graduação as mais consumidas. Apesar da raridade das complicações agudas graves, verificou-se um aumento preocupante do número de episódios de IAA. É fundamental o conhecimento das características dos adolescentes com IAA para uma actuação mais uniforme e eficiente ao nível do SU.
Palavras-chave: Intoxicação Alcoólica Aguda; Adolescentes.
ABSTRACT
Introduction: Alcohol intoxication is common in our society, being an emergent problem between teenagers.The aim of this study is to determine the profile of the patients admitted in the paediatric emergency department following acute ethanol intoxication.
Methods: Retrospective study of patients admitted to the the emergency department with acute ethanol intoxication over a 3 year period (2007 2009).
Results: A total of 60 teenagers were included (2007 12; 2008 20; 2009 28). Median age of 15,0 years (P25-75: 14,0-16,0), with a mild predominance of girls in early ages (? - 15,0; P25-75: 14,0-15,0 vs ? - 15,5; P25-75: 15,0-16,0; p=0,003). The majority occurred during the night (65,0%) and on holiday days (58,3%). The drinks of high graduation were the most ingested. Concomitant cannabis use was detected in 3 patients. Hypothermia was detected in five cases and two developed severe hypotension. Forty two patients needed hospital admission. Since 2009, the majority has been evaluated in an Adolescent Outpatient Clinic on discharge.
Conclusions: The profile of the patient who arrives to emergency department with acute ethanol intoxication is a teenager who is seen on holidays nights, after a consumption of high graduation alcoholic drinks. Despite of the rarity of serious acute complications, an increase in the number of acute ethanol intoxication episodes in paediatric age is notorious and worrying.
Keywords: Acute alcohol intoxication; teenager
INTRODUÇÃO
O consumo excessivo de álcool é um problema importante na nossa sociedade, em especial entre os adolescentes. A adolescência é um período caracterizado pela adopção de comportamentos de experimentação e de grande susceptibilidade aos grupos de pares, potenciando o consumo de substâncias tóxicas, nomeadamente o álcool. O consumo excessivo de álcool associa-se a comportamentos de risco e anti-sociais pelo que deve ser considerado um problema grave de saúde pública1-4.
O etanol é responsável por 5% do total de intoxicações em Pediatria, principalmente a partir dos 13 anos5. Nos adolescentes, a intoxicação alcoólica aguda (IAA) é geralmente voluntária, com fins recreativos, associada a consumos esporádicos e intensos, fora de casa e com os pares, durante o fim-de-semana6. O consumo de álcool pode associar-se ao de outros tóxicos legais ou ilegais6. A apresentação clínica de uma IAA é muito variável, podendo manifestar-se como sintomatologia ligeira (disartria e labilidade emocional) ou grave (coma, hipotensão) 1,3,6. As manifestações clínicas nos casos de IAA são dose dependente, podendo as taxas de alcoolemia superiores a 5g/L estar associadas a morte4.
Apesar das observações urgentes por IAA em idade pediátrica serem cada vez mais frequentes, não foi possível identificar nenhum estudo de admissões por IAA em SUP em Portugal. É fundamental o conhecimento das características dos adolescentes observados por IAA por parte dos Pediatras para uma actuação mais uniforme e eficiente ao nível do serviço de urgência. O objectivo deste trabalho é caracterizar o perfil e as circunstâncias dos adolescentes observados por IAA num serviço de urgência pediátrico.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo observacional (retrospectivo) dos adolescentes observados por IAA no período de 1 de Janeiro de 2007 a 31 de Dezembro de 2009 (3 anos) num serviço de urgência pediátrico num Hospital de um centro urbano. Definiu-se IAA como a presença de um ou mais dos seguintes sintomas ou sinais: hálito etílico, disartria, verborreia, ataxia, coma, em contexto de consumo alcoólico agudo. Foram excluídos os casos de intoxicação acidental. As variáveis analisadas foram: idade, sexo, mês, dia laborais/dia festivo, horário de admissão, tipo de bebidas, internamento, complicações (hipoglicemia- glicemia capilar <60mg/dL, hipotermia temperatura corporal <35ºC, hipotensão tensão arterial sistólica <90mmHg e diastólica<60mmHg), exames complementares de diagnóstico (nível de alcoolemia, pesquisa de drogas de abuso na urina), tratamento e destino após alta.
Os dados foram analisados com o programa estatístico SPSS 17.0. A normalidade da distribuição das variáveis foi testada com o teste de Kolmogorov-Smirnov. Foram utilizados, quando apropriado, testes não paramétricos: teste de correlação de Spearman e Qui-quadrado. Os valores de p<0,05 foram considerados significativos.
RESULTADOS
Foram observados 60 casos de IAA durante os 3 anos do estudo (2007 -12 casos, 2008 20 casos e 2009 28 casos), sem variação das idades de admissão ao longo do tempo. Dois adolescentes foram observados duas vezes por IAA durante o período do estudo. A distribuição do número de casos ao longo dos meses e dos anos está representada na figura 1, evidenciando picos em Março, Dezembro e nos meses de Verão.
A mediana da idade foi de 15,0 anos (P25-75: 14,0-16,0), com um ligeiro predomínio do sexo masculino (53,4%). Nas idades mais precoces (? - 15,0; P25-75: 14,0-15,0 vs ? - 15,5; P25-75: 15,0-16,0; p=0,003), a IAA foi significativamente mais prevalente nas raparigas. A figura 2 mostra a distribuição dos casos de IAA segundo o sexo e a idade.
Trinta e cinco casos (58,3%) ocorreram em dias festivos e 25 casos em dias laborais. Trinta e nove (65%) das admissões ocorreram no período nocturno (entre as 21h e as 8h). A figura 3 mostra a distribuição dos casos de acordo com o dia e a hora de admissão.
O tipo de bebidas ingeridas foi identificado em 41 casos (68,3%), sendo as bebidas de alta graduação (whisky, vodka, shots) as mais frequentemente consumidas (73,2%).
À admissão no SU, a mediana da pontuação da Escala de Coma de Glasgow foi de 14 (mínimo 7; P25-75: 11-15anos). O internamento na Unidade de Internamento de Curta Duração foi efectuado em 42 casos (70%), com uma duração sempre inferior a 24 horas. A mediana da pontuação da Escala de Coma de Glasgow nos adolescentes internados (15,0; P25-75: 15,0-15,0) foi significativamente inferior aos não internados (13,0; P25-75: 10,25-15,0; p=0.005).
Verificaram-se 5 casos (8,3%) de hipotermia. Em 2 casos, verificou-se hipotensão. Não se identificaram casos de hipoglicemia.
A pesquisa de níveis de etanol no sangue foi realizada em 3 adolescentes, todos com valores superiores a 1,5g/L.
A pesquisa de drogas de abuso na urina foi realizada em 37 casos (61,7%), sendo positiva em três para cannabis.
Nos 42 casos internados foi efectuada fluidoterapia endovenosa. Em 2 casos de hipotensão grave foi necessária terapêutica de suporte com aminas. Nas situações de hipotermia foi efectuado aquecimento físico com cobertores aquecidos.
Após a alta, a orientação mais frequente foi para o Médico Assistente (60,3%), seguida da Consulta de Medicina do Adolescente (25,8%) e Consulta de Pedopsiquiatria (5,2%). Em 5 casos, desconhece-se a orientação após a alta.
DISCUSSÃO
O estudo documentou o consumo excessivo de álcool entre os adolescentes como um problema emergente da sociedade actual, traduzido pelo aumento da prevalência da IAA e em idades cada vez mais precoces.
Quando analisado o número de casos por sexo, não foi verificada diferença estatisticamente significativa. No entanto, quando estratificados os casos pela idade, constatou-se um franco predomínio do sexo feminino nas idades mais precoces, ao contrário da maioria dos estudos1-3. Este facto pode ser justificado pelo desenvolvimento mais precoce das raparigas e, consequentemente, saídas mais precoces com os pares, associado à imaturidade do metabolismo hepático.
Observou-se, também, um predomínio de admissões nos dias festivos e no período nocturno, coincidindo com o maior números de saídas dos adolescentes para bares e discotecas, onde é mais fácil o acesso às bebidas alcoólicas1,2,7. Como é demonstrado na figura 3, verificou-se uma relação evidente entre as admissões diurnas e os dias laborais, provavelmente relacionado com o consumo de álcool em meio escolar / à saída da escola.
Nos casos em que foi possível a sua identificação, as bebidas mais frequentemente consumidas foram as de alta graduação, tal como previamente demonstrado1,8. Atendendo à legislação actualmente em vigor no nosso país que proíbe a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, é preocupante a facilidade com que os adolescentes têm acesso a estas bebidas.
No nosso hospital, a maioria dos adolescentes foi internada na Unidade de Internamento de Curta Duração para vigilância de possíveis complicações e recuperação completa do estado de consciência. De notar, apesar do número reduzido de adolescentes que não foram internados, uma relação estatisticamente significativa entre a gravidade (definida pela pontuação na Escala de Coma de Glasgow) e o internamento.
As complicações agudas da IAA foram relativamente raras, não sendo descrito nenhum caso de hipoglicemia e apenas 5 casos de hipotermia. A inexistência de qualquer caso de hipoglicemia pode ser explicada pelo facto de estes serem consumos esporádicos e esta ser uma complicação mais frequente no alcoolismo crónico. De salientar 2 casos de hipotensão grave com necessidade de fluidoterapia e suporte aminérgico.
Neste estudo, a pesquisa de níveis de etanol no sangue foi realizada numa amostra reduzida devido às limitações técnicas do serviço, não sendo possível retirar conclusões com significado estatístico. O consumo concomitante de outras drogas de abuso é uma situação frequente e descrita em vários outros estudos6,9. Foram apenas identificados três casos de consumo concomitante de cannabis na amostra estudada.
A orientação dos adolescentes admitidos no SU por IAA após a alta é um aspecto fundamental da actuação com o objectivo de evitar a reincidência do consumo, as readmissões e contextualizar o consumo na avaliação global do adolescente. Apesar de, no nosso estudo, os adolescentes terem sido maioritariamente orientados para o Médico Assistente, desde a criação da Consulta de Medicina do Adolescente em 2009, a maioria dos adolescentes passou a ser orientada para esta consulta, o que permitiu uma reavaliação posterior, em meio hospitalar, com o despiste de problemas médicos e sociais associados assim como de outros factores/comportamentos de risco.
A principal limitação deste estudo é devida ao desenho retrospectivo do mesmo. O carácter retrospectivo do estudo limita a qualidade da informação, nomeadamente a inexistência de critérios uniformes entre os elementos da equipa médica que atendem os adolescentes, bem como a falta de algumas informações / imprecisões relativamente aos dados analisados. Outra limitação deste trabalho está relacionada com a população alvo (adolescentes alcoolizados), o que dificulta a anamnese.
CONCLUSÕES
As observações urgentes por IAA em idade pediátrica estão a tornar-se cada vez mais frequentes na sociedade actual, pelo que é fundamental os Pediatras conhecerem as características dos adolescentes com IAA para uma actuação mais uniforme e eficiente ao nível do serviço de urgência. O perfil do indivíduo que recorre ao SU por IAA é um adolescente admitido maioritariamente no período nocturno e em dias festivos, com consumo de bebida de elevada graduação e cujas complicações são relativamente raras.
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Endereço para Correspondência
António Augusto Vinhas da Silva
Serviço de Pediatria
Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia / Espinho, EPE
Rua Dr. Francisco Sá carneiro 4400 V. N. de Gaia
Tel.: 223795051/ Fax: 2237996060
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