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versão On-line ISSN 2183-2447
Arq Med vol.27 no.6 Porto dez. 2013
ARTIGO DE REVISÃO
Cirurgia laparoscópica de incisão única: passado, presente e futuro
Laparoendoscopic single-site surgery: past, present and future
Luís Azevedo1
1 Faculdade de Medicina Universidade do Porto
RESUMO
Introdução: A laparoendoscopia de incisão única (LESS) é uma técnica cirúrgica que consiste numa incisão umbilical com inserção de todos os instrumentos através dela, prometendo melhores resultados cosméticos, menor dor no pós-operatório e tempo de recobro. Apesar de já existir desde os anos 70, só recentemente se começaram a desenvolver instrumentos capazes de ultrapassar os obstáculos encontrados inicialmente, como a dificuldade de triangulação e o clashing dos instrumentos.
Objectivo: fazer uma revisão da literatura existente sobre o LESS, estabelecer a sua segurança e eficácia comparando-a com a laparoscopia convencional, apontar as dificuldades encontradas e fazer uma avaliação das possíveis aplicações desta técnica no futuro.
Métodos: foram inicialmente utilizadas no pubmed as keywords single-incision, single-port e single-site, sendo alguns artigos utilizados para a introdução, para apontar problemas e soluções e estruturar a restante revisão; foram depois adicionadas as keywords robotic, cholecystectomy, appendectomy, appendicectomy, colorectal, colonic, colectomy, ginecology, hysterectomy, urology e nephrectomy, sendo dada preferência a revisões sistemáticas, meta-análises e ensaios clínicos radomizados posteriores a 2010.
Conclusão: esta técnica encontra-se ainda na sua infância, no entanto existem já milhares de casos na literatura que demonstram ser tão segura como as técnicas convencionais e comprovam os benefícios prometidos. Deve-se ter em conta que resultados negativos podem não ter sido ainda publicados, e que os casos descritos na literatura foram realizados por laparoscopistas com muita experiência e motivação. São necessários mais ensaios clínicos randomizados para definir o papel desta técnica no futuro, sendo actualmente usada em contexto investigacional.
Palavras-chave: Laparoendoscopia de incisão única, laparoscopia convencional, revisão da literatura
ABSTRACT
Introduction: laparoendoscopic single-site surgery (LESS) is a surgical technique that consists of an umbilical incision with insertion of all instruments through it, promising better cosmetic results, less post-operative pain and recovery time. Despite existing since the 70s, only recently instruments capable of overcoming the obstacles encountered initially, such as triangulation difficulties and instrument clashing, started being developed. Aim: to make a review of the literature available on LESS, establish its safety and efficacy comparing it with conventional laparoscopy, point out the difficulties found and make an evaluation of the possible applications of this technique in the future. Methods: pubmed was initially searched for the keywords single-incision, single-port and single-site and some articles were used for the introduction, pointing out problems and solutions and to structurize the rest of the review; then the keywords robotic, cholecystectomy, appendectomy, appendicectomy, colorectal, colonic, colectomy, gynecology, hysterectomy, urology and nephrectomy were added and preference was given to systematic reviews, meta-analysis and randomized clinical trials published after 2010. conclusion: this technique is still in its infancy, yet there are millions of cases in the literature already that show it to be as safe as the conventional techniques, and prove the promised benefits. one should take into account that negative results may not yet have been published, and that the described cases in the literature were performed by very experienced and motivated laparoscopists. More randomized clinical trials are needed to define the role of this technique in the future, now being used in investigational context.
Key-words: Laparoendoscopic single-site surgery, conventional laparoscopy, literature review
INTRODUÇÃO
A laparoscopia tornou-se no métodode eleição para vários tipos de cirurgia desde o grande período de desenvolvimento desta área no fim dos anos 80. As razões são várias: melhores resultados cosméticos, menor trauma provocado ao paciente, e consequente redução de dor no pós-operatório, necessidade de medicação, período de hospitalização, regresso ao trabalho, menor risco de infecções e de hérnias. Assim que a segurança, custo aceitável e facilidade de execução deste procedimento foram assegurados, este rapidamente suplantou a laparotomia, principalmente nas cirurgias de acesso abdominal.1 com o intuito de evidenciar ainda mais estas vantagens, foram desenvolvidas duas novas técnicas cirúrgicas: o NOTES (natural orifice transluminal endoscopic surgery) e o SILS (single-incision laparoscopic surgery), cujo nome mais recentemente foi alterado para LESS (laparoendoscopic single-site surgery).2
Com resultados cirúrgicos comparáveis à laparoscopia convencional, baixa taxa de complicações e facilidade de execução, o que tem levado a um marcado desenvolvimento tecnológico (novos ports, instrumentos que permitem alguma triangulação e plataformas robóticas) e aumento do número de procedimentos nos últimos 4 anos. Esta técnica já foi realizada para grande parte dos procedimentos que podem ser realizados através de laparoscopia: colecistectomias, apendicectomias, hernioplastias, esplenectomias, colectomias, nefrectomias, prostatectomias, adrenalectomias, ooforectomias, histerectomias e miomectomias.
Esta monografia tem como objectivo fazer uma revisão da bibliografia existente sobre o LESS, estabelecer a sua segurança e eficácia comparando-a com a laparoscopia convencional, apontar as dificuldades encontradas e dar um parecer sobre as mais prováveis aplicações futuras desta técnica.
PROBLEMAS E SOLUÇÕES
As principais dificuldades destes métodos prendem-se com a dificuldade de acesso, instrumentos não adequados que chocam entre si ou com a câmara (clashing), a dificuldade de fazer uma triangulação dos instrumentos devido à proximidade dos pontos de entrada, não permitindo a tracção necessária para a dissecção e o tempo operatório aumentado, com a necessidade de treino específico por parte dos cirurgiões.4-6
O notES tem como obstáculos a dificuldade de orientação depois da perfuração visceral, especialmente quando o alvo cirúrgico se encontra na direcção oposta à da entrada do endoscópio nestas vísceras, a falta de instrumentos para fechar adequadamente estas vísceras e a quantidade insuficiente de luz para iluminar grandes espaços como a cavidade peritoneal. Em certas situações, recorrese a duas cavidades naturais em simultâneo para resolver o problema da triangulação (Rendezvous notES) e noutras a um port secundário (hybrid notES). A via de acesso do notES utilizada com mais sucesso foi a transvaginal, devido à facilidade da sua sutura e da sua elasticidade. O maior problema prende-se mesmo com os riscos desconhecidos da perfuração visceral e do trauma prolongado provocado pelos instrumentos nas mesmas.4
Os ginecologistas resolveram o problema da triangulação no LESS com o recurso à manipulação do útero através da cavidade vaginal. O LESS pode ser realizado através de vários trocartes colocados na incisão umbilical, ou de um único port que permite o acesso de 3 ou 4 instrumentos. A primeira recorre a 3 ou 4 incisões ao nível do umbigo, a 2-3cms entre si, numa configuração que se assemelha com a cabeça doMickeyMouse,sendo-lhe atribuída o nome desta personagem. Isto permite a inserção de um instrumento óptico e de 2 instrumentos cirúrgicos, com a possibilidade de adicionar um quarto para retracção. A vantagem desta técnica seria a maior mobilidade dos instrumentos, bem como a prevenção de trocas gasosas, sendo o problema a dificuldade de fechar sem sequelas as incisões realizadas. A outra técnica recorre a um dispositivo, com trocartes de dimensões reduzidas, que é inserido numa incisão única no umbigo, através do qual passam 3 ou 4 instrumentos.
O primeiro dispositivo utilizado foi o r-port que consistia numa película de gel que podia ser depois perfurada conforme as necessidades. no entanto, esta foi substituída por ports multivalvulares (triportTM e QuadportTM) devido à deterioração do gel que deixava os buracos alargarem e permitia trocas gasosas. Uma alternativa mais económica é utilizar uma luva cirúrgica enrolada à volta de um instrumento (Balaphas et al. usaram um retractor Alexis) e posteriormente utilizar os dedos da luva para inserir os instrumentos cirúrgicos, e fixar tudo com elásticos, o que permite a utilização de até 5 instrumentos com um custo bastante reduzido e boa manutenção do pneumoperitoneu.4,6
Ao longo dos anos foram sido desenvolvidos novos ports, bem como instrumentos articulados (cruzados, semelhantes aos braços do robô Davinci) e pré-dobrados que são usados em conjunto com os novos ports, o que permitiu alguma triangulação, tesouras (EndoShears), porta-agulhas, instrumentos com ponta rotativa e também um aplicador de clips de 10mm com 5 mm de espessura adaptados a esta técnica. no campo dos telescópios, o cabo da luz, perpendicular ao maior eixo, bem como a cabeça da câmara de grandes dimensões, levava a choque com os outros instrumentos, o que resultou na criação de um telescópio com um cabo de eixo único, com uma ponta deflexível. Outras soluções seriam usar um telescópio longo que afastaria a cabeça da câmara dos outros instrumentos, ou então o assistente sentar-se, movendo o telescópio num plano diferente dos instrumentos do cirurgião. Encontra-se também em desenvolvimento uma câmara que recorre à utilização de campos magnéticos e ímanes para a sua mobilização, não necessitando de trocarte, que já conta com algumas cirurgias realizadas com sucesso. Esta tecnologia pode ainda vir a ser usada em retractores e instrumentos de dissecção, resolvendo o problema da falta de triangulação.4,7,8
Para resolver o problema da tracção de órgãos durante cirurgias de excisão, foi usada a técnica Puppetry, que recorre a suturas intra ou extra corporais prendendo o órgão à parede abdominal, bem como o recurso a um novo gancho, o Endograb. Uma técnica para inserir agulhas através de trocartes de 5mm consiste em endireitar as agulhas e depois de entrar na cavidade abdominal, voltar a encurvá-las com uma pinça.4,9,10
Esta técnica tem boa aceitação devido aos bons resultados iniciais, e devido à facilidade de conversão para uma laparoscopia convencional com a simples adição de alguns trocartes ou agulhas, o que assegura a segurança do paciente enquanto os cirurgiões vão ganhando experiência. Foram analisados volumes de sangramento, tempos operatórios, incidência de hérnias incisionais, lesões iatrogénicas e tempo de internamento hospitalar, constatando-se valores iguais ou inferiores na maior parte dos estudos. Como benefício adicional, os pacientes foram bastante receptivos à ideia de uma cirurgia com menos incisões.
CIRURGIA ROBÓTICA
A cirurgia robótica teve a sua origem nos anos 80, quando o exército americano procurava alternativas para a presença do cirurgião, um indivíduo altamente especializado, nos campos de batalha. Foram então desenvolvidas plataformas robóticas controladas através de consolas remotas que permitiam o manuseio de instrumentos cirúrgicos. Estas começaram a ser usadas na neurocirurgia devido à maior precisão de movimentos e à eliminação dos tremores humanos, e mais tarde nas laparoscopias, cujos instrumentos, dentro do corpo do doente, são muito sensíveis a movimentos no exterior, exagerando os tremores, e possuem menos liberdade de movimentos que uma mão.11
A plataforma Davinci, criada em 1999, permite uma visualização 3D do campo operatório com alta resolução, aumenta a precisão dos movimentos e elimina os tremores, tornando a dissecção e as suturas mais fáceis, diminui o cansaço do cirurgião e permite o cruzamento dos instrumentos (chopstick) que faz com que as extremidades exteriores fiquem mais afastadas, evitando assim o clashing, e ao mesmo tempo obter alguma triangulação dos instrumentos para melhor dissecção. Quando instrumentos convencionais são cruzados, gera-se alguma confusão na cabeça do cirurgião, que é forçado a ver na câmara movimentos inversos aos que está a realizar com as mãos. Alguns cirurgiões operam mesmo com as mãos cruzadas para eliminar este efeito. No entanto, com o uso desta tecnologia e com a configuração inversa dos manípulos na consola, torna-se possível a simplificação da técnica, utilizando o cirurgião o manípulo para movimentar o instrumento do lado correspondente. Foram inclusivamente desenvolvidos instrumentos para esta plataforma específicos para LESS, com cânulas semi-flexíveis, que permitem uma curvatura dos instrumentos para uma triangulação mais adequada. os defeitos apontados foram a necessidade de ajustar o comprimento das cânulas para alterar a profundidade da área de operação, a pouca liberdade de movimentos devido aos instrumentos não possuirem na ponta uma tecnologia giratória e a perda da sensibilidade ao toque.4,6,11,12
Esta plataforma foi utilizada em várias r-LESS (robotic LESS), com resultados comparáveis aos do LESS em todas as variáveis operatórias e pós-operatórias. Como diferenças principais, verificou-se o custo aumentado, uma redução no tempo de aprendizagem da técnica cirúrgica, com uma progressão mais rápida da redução do tempo necessário para realizar as intervenções, um tempo operatório mediano inferior, menor necessidade de medicação no pós-operatório e um tempo de internamento inferior. Em aspectos técnicos, verificou-se que 2cm é a distância mínima ideal entre as incisões por onde entram os braços mecânicos para evitar colisões e que a utilização dos gelport permite maior flexibilidade dos instrumentos e angulações extremas com a cavidade abdominal.6
No futuro, esperam-se instrumentos com liberdade de movimentos semelhante a uma mão (wristtechnology), com um único braço externo, que se vai abrir em vários a nível intra-abdominal, mantendo a triangulação, e plataformas com dimensões mais reduzidas, tornando-se mais práticas de utilizar em cirurgias com um campo de acesso tão reduzido como é o caso das LESS, tecnologias hápticas que permitam recuperar a sensibilidade ao toque, obtendo-se na cirurgia virtual o maior grau de realismo possível e, talvez um dia, partir para o recurso à inteligência artificial.6,12
COLECISTECTOMIAS
Existem 3 técnicas descritas para a realização de LESSC (laparoendoscopic single-site cholecystectomy): recurso a ports e instrumentos específicos de LESS, recurso a 3 trocartes (Mickey-mouse) e recurso a 2 trocartes e à técnica de puppeteering. As indicações são cólica biliar, colecistite crónica, pancreatite biliar ou icterícia obstrutiva devido a cálculos, portanto as mesmas que para uma laparoscopia convencional. Durante o período de aprendizagem, devem-se evitar indivíduos muito obesos, com antecedentes de cirurgia abdominal superior prévia, colecistites agudas e vesículas de volume diminuído na ecografia, devido ao maior risco de complicações e de necessidade de conversão.Como no caso de uma cLc (conventional laparoscopic cholecystectomy), estão também contra-indicadas a insuficiência cardio-respiratória e intolerância a pneumoperitoneu. É necessário avisar o doente sobre a possibilidade de conversão para uma CLC ou laparotomia.13
Podem-se utilizar instrumentos convencionais para obter custos comparáveis à laparoscopia convencional, devendo-se investir sempre numa câmara com alta resolução e com iluminação forte, resolvendo-se o problema do clashing com um telescópio comprido.
Uma forma de realizar esta técnica é: eversão do umbigo; incisão de 1,5-2cm; criação de pneumoperitoneu; colocação de um trocarte de 10mm para o endoscópio e de um de 5mm para os instrumentos cirúrgicos; dissecção da vesícula biliar; elevação do fundo da vesícula através de fio inserido em espaço intercostal; utilização de outro fio que passa na bolsa de Hartmann e permite rotação da vesícula com o puxar das pontas (em alternativa à técnica puppetry, podem ser usadas pinças ou retractores na vesícula, plataformas robóticas como o SPIDER, que têm elevado custo ou instrumentos arqueados); o resto processa-se como uma laparoscopia convencional. A curva de aprendizagem é curta, e a técnica é economicamente acessível e reprodutível.
Para comparar a eficácia da LESSc com a cLc, foram analisadas várias revisões sistemáticas. Doentes com altos índices de massa corporal, bem como colecistites agudas foram excluídos destes estudos, sendo que a sua inclusão levava a aumento do tempo operatório.
Na revisão por Antoniou et al. com 1166 LESSc documentadas, houve taxa de insucesso de 9,3%, com conversão para laparotomia em 0,4%, devido a dificuldades de visualização do triângulo de calot, de retracção da vesícula e de manutenção do pneumoperitoneu. A taxa de complicações foi de 2,7%, sendo as mais comuns: a nível operatório -perfuração vesicular com hemorragia e derrame de bile; pós operatório -hematoma, derrame biliar e coledocolitíase. Houve maior taxa de complicações da cicatriz em relação à cLc. É necessário um maior período de follow-up para determinar se o risco de hérnia umbilical, devido às duas incisões fasciais (Swiss cheese configuration), é maior. A colecistite aguda foi usada como critério de inclusão em alguns estudos, e nestes verificou-se que a taxa de sucesso era inferior (59.9% vs 93%), bem como um maior tempo operatório (78.1min vs 70.6min). A suspensão com suturas da vesícula reduziu as taxas de complicações comparada com o uso de instrumentos (3.3% vs 13.3%).14
Num estudo de Prasad et al. que comparou 100 LESSc com 100 cLc, verificou-se semelhante score de dor no pós operatório nos primeiros 50 doentes (2.84 vs 2.78), no entanto, nos últimos 50, verificouse um menor score no LESSc (2.58 vs 2.78), o que demonstra que após o período de aprendizagem e de um maior domínio da técnica por parte dos cirurgiões, a dor no pós-operatório tende a diminuir, sendo mais baixa que na cLc, ainda que a diferença não seja estatisticamente significativa.15
Num estudo de Spinoglio et al., que comparou 25 SSrc (single site robotic cholecystectomy) com 25 LESSc, que recorreu à plataforma robótica Davinci, verificou-se que o tempo operatório era menor para o SSrc (62.7min vs 83.2min), uma ligeira diminuição do internamento hospitalar (1.1 dias vs 1.2 dias) e uma menor taxa de adesões (48% vs 80%). verificou-se também que os tempos operatórios desta técnica se mantiveram constantes, o que parece demonstrar que esta não precisa de tempo de aprendizagem.16
Numa meta-análise por Pisanu et al., que comparou 465 LESSc com 427 cLc, verificou-se que o tempo operatório foi maior no LESSc (63min vs 45.8min) e um maior nível de satisfação pelos pacientes avaliado através de um inquérito aos mesmos numa escala de 0 a 10 (8.2 vs 7.2) como diferenças estatisticamente significativas. As taxas de conversão para laparotomia foram semelhantes (0.004vs0.007), a dor 6 horas após a operaçãonuma escala de 0 a 10 foi 2.9 vs 2.7 e 24 horas após foi 2.2 vs 2.5, o internamento no hospital foi 2 vs 2.2 dias, a taxa geral de morbilidade foi 0.13 vs 0.09, sangramento 1% vs 0.9%, prevalência de infecções 4% vs 1.6% e a prevalência de hérnia de incisão 1.3% vs 0.2%, diferenças não estatisticamente significativas. As maiores taxas de infecção e de hérnias no LESSc foram atribuídas a isquemia local e enfraquecimento da fáscia devido ao tamanho do port ou ao uso de vários ports no umbigo. A taxa de hérnias pode ainda vir a aumentar e reduzir o grau de satisfação cosmético dos doentes, visto que o período de follow-up presente nesta meta-análise não ultrapassa os 2 anos. Apesar de a colecistite aguda ser considerada no passado uma contra-indicação para LESSc (revisão de Antoniou et al), em dois estudos desta revisão que incluíram doentes com colecistite aguda verificaram-se resultados idênticos ao cLc.17
Numa revisão por Sajid et al., que comparou 448 LESSc com 410 cLc, verificou-se que o tempo operatório era maior com o LESSc com uma diferença estatisticamente significativa, dor ou complicações no pós-operatório idênticas, internamento hospitalar e período de retorno ao trabalho, taxas de conversão semelhantese uma necessidade maior de recorrer a ports adicionais no LESSc. Os scores cosméticos foram sempre superiores no LESSc, no entanto, devido a grande heterogeneidade entre os estudos, após uma análise seguindo um modelo de efeitos aleatórios não se conseguiu comprovar a associação dos resultados à técnica. três dos estudos analisavam scores de dor após 10 dias, uma semana e um mês da invervenção, respectivamente; verificaram-se scores mais baixos no LESSc, contudo não foi possível fazer uma análise combinada dos dados que fosse estatisticamente significativa.18
Uma meta-análise por Garg et al., que comparou 349 LESSc com 310 cLc, grande parte deles incluídos nas revisões por Sajid et al. e por Pisanu et al., reportou resultados bastante semelhantes a estes, com a diferença de classificarem a heterogeneidade dos estudos no score cosmético não significativa segundo o valor de Cochran, o que permitiu afirmar que o LESSc está associado a melhores resultados cosméticos. A incidência de complicações foi 16% vs 12.3%, complicações da cicatriz 4.6% vs 2.6% e ocorrência de hérnias 1.43% vs 0.32%, diferenças não estatisticamente significativas. Foi proposta uma explicação para o facto da dor no pós-operatório ser semelhante nas duas técnicas, que consistia no facto da dor ser consequência da tensão total numa incisão, que aumentava conforme o tamanho desta, e defendia que várias incisões pequenas com um determinado tamanho total causavam menos dor que uma incisão única com esse tamanho. Após cálculos verificou-se que a dor correspondente a 1 incisão de 2,5cm seria igual à de 4 incisões no cLc com cerca de 3cm totais.19
Um ensaio clínico randomizado por Bucher et al., que comparou 75 LESSc com 75 cLc, demonstrou tempos operatórios, taxas de conversão e complicações semelhantes, melhores perfis de dor e menor necessidade de analgesia, scores de qualidade de vida e cosméticos superiores, com tempo até ao retorno laboral diminuído.20
Numa meta-análise de ensaios clínicos randomizados por Trastulli et al., com um total de 923 cirurgias, verificou-se haver maior taxa de insucesso, tempo operatório mais longo e maiores perdas hemáticas, no entanto a experiência destes cirurgiões com LESS era mínima ou nenhuma. Não houve diferenças significativas em taxas de conversão, tempo de internamento hospitalar, dor no pós-operatório, efeitos adversos, infecções e hérnias. Verificaram-se melhores resultados cosméticos.21
Apesar de o tempo operatório do LESSc ser geralmente maior, espera-se que com o aumento de experiência por parte dos cirurgiões e com o desenvolvimento de novas técnicas e instrumentos e a sua estandardização, este vá diminuir. No geral, esta técnica revela-se segura devido à taxa de lesões biliares equiparável
APENDICECTOMIAS
A apendicectomia é outro tipo de cirurgia muito frequentemente realizada através de LESS, sendo o primeiro caso descrito de 1992.22
Existem 3 técnicas preferenciais para realizar este tipo de cirurgia:
•a não assistida, que consiste na inserção dos trocartes a nível umbilical, normalmente 2 instrumentos e uma câmara, para a qual estão descritos 584 casos
•a assistida, que recorre à utilização de suturas percutâneas ou fios metálicos adicionais
•a híbrida, que recorre a laparoscopia para exteriorizar o apêndice, sendo este só depois excisionado23
A divisão do apêndice pode ser intra ou extra-corporal, estando a segunda contra-indicada em casos de perfuração do apêndice. para a divisão intra-corporal, pode-se recorrer a suturas percutâneas ou a fios de cobre para fixar o apêndice, o que elimina a necessidade de utilizar uma pinça extra. para clampar o apêndice, pode-se usar uma sutura reabsorvível ou um agrafo, sendo o segundo preferível quando há sinais de inflamação, procedendo-se depois à divisão.24
Dificuldades atribuídas a esta técnica relacionamse com o risco de perfuração quando se manipulam apêndices friáveis, que resulta em contaminação abdominal, e na contaminação da ferida umbilical, porque o apêndice quando sai vai contactar com esta se não estiver dentro de um saco.
A vantagem mais vísivel é a ausência de cicatrizes. As taxas de complicações intra-operatórias parecem ser semelhantes às de laparoscopia convencional, sendo mais frequentes na metodologia não assistida.
De acordo com uma revisão por ostlie, foi feita uma comparação entre 92 LESS e 86 cL que reportou um tempo operatório superior, sem diferenças no período de hospitalização e na dor no pós-operatório. Em 31 casos de apendicite perfurada, houve necessidade de conversão em 10 casos (32,2%), que é uma taxa muito mais elevada que para as não perfuradas. Numa comparação de 180 LESS com exteriorização do apêndice, com 180 cL, verificouse que a maior taxa de infecções não era estatisticamente significativa (3.3%vs.1.7%), o que é um achado relevante visto haver exteriorização do apêndice, um tempo operatório 5.4min superior, um tempo de internamento hospitalar semelhante e custos superiores (17.600$ vs. 16.500$).24
CIRURGIA COLORECTAL
O uso de LESS em cirurgia colorectal foi descrito pela primeira vez em 2008 por Ramzi et al.25
Numa revisão sistemática por Maggiori et al., que comparou 494 LESS com 581 cL, não houve diferenças significativas em taxas de conversão, morbilidade ou tempo operatório, o tamanho incisional total foi 0.52 mm menor e o internamento hospitalar 0.75 dias menor. Em casos de malignidade, fez-se ressecção com margens r0 sem complicações, com remoção de número de nódulos linfáticos equiparável a cL, no entanto falta saber os resultados do follow-up destes doentes.26
Numa revisão sistemática por Fung et al. que comparou 565 LESS com 3526 cL, o tempo operatório e o tempo até ao primeiro movimento intestinal foram equivalentes; a taxa de ressecção de nódulos linfáticos em casos de malignidade foi aceitável; não se encontraram diferenças no internamento hospitalar; a diferença da dor no pós-operatório não foi estatisticamente significativa; foi visível uma aparente redução de complicações, no entanto pensa-se que esta estará enviesada por heterogeneidade dosestudos.27
Numa meta-análise por Zhou et al., que comparou 521 LESS com 634 cL, verificou-se não haver diferenças em taxas de conversão, tempo operatório e efeitos adversos do pós-operatório (22.1% vs. 23.4%), não havendo diferenças da dor no pósoperatório também; no entanto, conseguiu-se demonstrar menor incidência de infecções (4.5% vs 5.7%) e de hérnias incisionais (0% vs. 1.8%), menores perdas hemáticas (-33.71ml), menor necessidade de transfusões sanguíneas, menor tempo até haver trânsito intestinal (-0.58 dias), menor internamento hospitalar (-0.32 dias), incisões menores (-0.84 mm) e menor utilização de narcóticos parentéricos (-1.17 infusões). Em relação aos resultados oncológicos, o tamanho dos espécimes extraídos, o número de nódulos linfáticos e as margens proximais e distais foram comparáveis entre os 2 grupos.28
Numa meta-análise por Yanget al., que comparou 467 LESS com 539 cL, verificou-se menor internamento hospitalar (-0.68 dias), incisão total (-1.37 mm), perdas hemáticas (-20.25 ml), mais nódulos linfáticos ressecados (+1.75), semelhante taxa de complicações pós-operatórias (18.8vs.19.1%) e tempo operatório (+5.06 minutos).29
GINECOLOGIA
O LESS já foi utilizado em ginecologia para ooforectomias, salpingectomias, histerectomias parciais e totais, laqueação tubar, miomectomias, cistectomias ováricas e tratamento de gravidezes ectópicas [30], sendo os primeiros casos descritos de laqueacões tubares já em 1973,31 partindo-se para uma histerectomia que foi realizada com bastantes dificuldades em 199132 e só em 2008, com a introdução dos novos ports e instrumentos, foram descritas na literatura as primeiras cirurgias com recurso a técnicas especificamente de LESS.33,34
Num estudo por Li et al., que comparou 52 histerectomias vaginais assistidas por LESS com 56 por cL, verificou-se não haver diferenças de perdas hemáticas, taxas de conversão, tempo até iniciar trânsito intestinal, analgesia pós-operatória, hérnia incisional, duração de internamento hospitalar ou febre no pós-operatório. o tempo de imobilização foi menor (14.61h vs. 15.71h), a taxa de infecções incisionais menor (1.92% vs. 8.93%), o score de satisfação dos doentes superior (93.85% vs. 89.46%) e a duração da cirurgia superior (130.06min vs. 111.69min). Não houve complicações no follow-up. no LESS, a duração da cirurgia foi menor nos últimos 27 casos comparados com os primeiros 25 (117.96minvs.131.27min),e o score de satisfação superior (97.46% vs. 91.75%).30
Num estudo por Lee et al., que comparou 80 histerectomias vaginais assistidas por LESS com 162 por cL, verificou-se não haver diferença no tempo operatório, hemoglobina no pós-operatório, peso do útero excisionado, retorno do trânsito intestinal, internamento hospitalar, taxas de complicações e de conversão.35
Num estudo por Kim et al., que comparou 43 histerectomias vaginais assistidas por LESS com 43 por cL, verificou-se não haver diferença no tempo operatório, perdas hemáticas, descida de hemoglobina e internamento hospitalar. no entanto, houve uma diminuição no score de dor no pós-operatório 24h (2.5 vs. 3.5) e 36h (1.7 vs. 2.9).36
Num estudo por Kim et al., que comparou 94 LESS com 94 cL em casos de doença benigna anexial, verificou-se menor score de dor no pós-operatório 24h (2 vs. 3), menor uso de analgésicos (1 ampola de cetoprofeno 100mg vs. 2 ampolas) e menor internamento hospitalar, com maior percentagem de altas no dia 1 (35.1% vs. 19.1%). não houve diferenças no tempo operatório, nas perdas hemáticas e na hemoglobina no pós-operatório.37
Num estudo por Yim et al. que comparou 52 histerectomias por LESS com 101 por cL, verificou-se menores perdas hemáticas, internamento hospitalar, scores de dor e tempo até iniciar dieta.38
Num estudo por roh et al. testou-se o LESS com assistência manual (HA-LESS) para excisão de tumores anexiais, que permite a manipulação extra-corporal dos tumores e posterior aspiração do seu conteúdo antes da excisão. Foram comparados 43 HA-LESS com 96 LESS e verificou-se menor prevalência de derrames císticos (10.3% vs. 31.3%), o que representa um risco de derrames que estão associados a disseminação de células tumorais e outras complicações peritoneais 4.43 vezes inferior, uma maior frequência de cirurgia conservadora dos anexos (76.7% vs. 43.8%), menores perdas hemáticas (50ml vs. 105ml) o que resultou numa menor descida da hemoglobina (0.85mg/dl vs 1.30mg/dl) e menor número de casos a necessitarem de transfusões (0 vs. 8). não houve diferenças significativas no tempo operatório e nas complicações peri-operatórias.39
UROLOGIA
A utilização do LESS em urologia começou com a primeira nefrectomia bem sucedida em 2007.40 A partir daí várias nefrectomias, pieloplastias, prostatectomias, crioablações, ureterolitotomias, ureteroneocistostomias, varicocelectomias, orquidectomias e sacrocopolpexias foram descritas através desta técnica com sucesso, em pacientes não obesos e sem risco aumentado decomplicaçõescirúrgicas.9 As cirurgias de excisão ou ablação são executadas muito mais frequentemente, porque as reconstrutivas são mais exigentes em termos técnicos, sendo portanto preferíveis abordagens com mais liberdade de visualização e movimentos. No entanto são realizadas às vezes, com alguma dificuldade, havendo casos de ureteropieloplastias descritos.41 Numa revisão realizada por Kaouk et al., com 1076 pessoas no total submetidasa vários procedimentos LESS, incluindo os acima citados e outros, verificou-se:
• num ensaio prospectivo realizado por tugcu et al. que comparava nefrectomias LESS com convencionais um retorno à vida activa mais rápido; noutro realizado por Kurien et al., que fazia as mesmas comparações, um alívio da dor mais precoce com menor internamento hospitalar42,43
• em casos de nefrectomia parcial, a utilização de LESS pode dificultar a realização do procedimento, e portanto, quando necessário, devem-se utilizar outras vias de acesso
• pode-se usar um acesso transperitoneal ou retroperitoneal, no entanto, a abordagem retroperitoneal normalmente dificulta o procedimento, por falta de referências anatómicas e criação do espaço de trabalho. Apesar disso, muitos autores utilizam a via retroperitoneal, principalmente em casos de nefrectomia parcial em lesões posteriores.
• o tempo operatório é maior em nefrectomias e ureterolitotomias, sendo isto especialmente grave em nefrectomias para transplante
• a taxa de conversão para laparoscopia convencional ou laparatomia foi de 20.8%, devendo-se principalmente a dificuldades na progressão da dissecção ou das suturas (25%) ou então complicações intra-operatórias cuja resolução se achou seria mais segura assim (21%); a taxa de complicações intraoperatórias foi 3.3% e a de pós-operatórias foi 9.5%, o que é comparável a laparoscopias convencionais, e espera-se que com a experiência futura, estes números diminuam.41
Numa revisão sistemática realizada por Fan et al., com 1094 nefrectomias no total (487 LESS e 607 cL), verificou-se um tempo operatório 9.87 minutos superior e uma maior taxa de conversão (6% vs. 0.3%) para laparotomia. Como benefícios foram observados menores scores de dor (-0.48 pontos), doses de analgésicos utilizados inferiores (-4.78mg equivalentes a morfina), scores de satisfação cosmética superiores (+1.07 pontos), início de alimentação oral precoce (-0.09 dias), menor tempo de internamento no hospital (-0.32 dias) e tempo de convalescença menor (-5.08 dias). não houve diferenças significativas em dificuldades peri-operatórias (14.5% vs. 15.1%) e perdas hemáticas (-3.99ml).44
CONCLUSÃO
O LESS é uma técnica que se encontra ainda na sua infância, mas que apresenta resultados promissores. Existem já milhares de casos descritos com taxas de complicações comparáveis ao método convencional nas mais variadas áreas em que já se faz cirurgia laparoscópica, e o benefício cosmético parece ser evidente em todos, no entanto, é necessário um maior período de follow-up para avaliar a ocorrência de hérnias a longo prazo.
Os benefícios teóricos de uma menor agressão cirúrgica, como a redução da dor com consequente redução de utilização de analgésicos, redução do período de internamento hospitalar, de perdas hemáticas e do período de convalescença são difíceis de comprovar, encontrando-se os resultados dos estudos divididos entre benefício no LESS e a ausência de diferenças nas variáveis analisadas.
Deve-se também ter em conta os viés de publicação que levam a que resultados negativos não sejam tão precocemente publicados, e que os resultados publicados são de laparoscopistas com muitos anos de experiência e altamente motivados.23 Contudo espera-se que com o aumento da experiência dos cirurgiões nesta técnica e com a estandardização dos métodos e instrumentos ideais para cada caso, os resultados obtidos se tornem mais positivos.
O que se pode afirmar com certeza é que são necessários mais ensaios clínicos randomizados, os quais já se encontram a ser realizados e cujos resultados deverão estar disponíveis em breve, para poder afirmar com segurança se esta técnica apresenta resultados superiores concretos à laparoscopia convencional e em que casos deverá ser aplicada, sendo neste momento usada em contexto investigacional como uma alternativa para doentes que procurem uma cirurgia com ausência de cicatrizes, com um perfil de baixa adiposidade e sem grandes riscos de ocorrência de complicações intra-operatórias, como a ausência de cirurgias abdominais prévias como a ausência de cirurgias abdominais prévias e de factores inflamatórios, virado para cirurgiões que se sintam confiantes para realizar a cirurgia através deste método, e no qual os vários instrumentos específicos para esta técnica que se encontram actualmente em desenvolvimento e a cirurgia robótica poderão ainda vir a desempenhar um papel importante, especialmente se o seu preço descer.
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Luís Azevedo
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Al. Prof. Hernâni Monteiro 4200-319 Porto
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