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Arquivos de Medicina

versão On-line ISSN 2183-2447

Arq Med vol.28 no.1 Porto fev. 2014

 

ARTIGO DE REVISÃO

Lúpus eritematoso sistémico e gravidez: implicações terapêuticas

Systemic Lupus erythematosus and pregnancy: therapeutic implications

Ana Lisboa1, Iva Brito1,2

 

1Departamento de Medicina, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

2Departamento de Medicina, Centro Hospitalar de São João, Porto

 

Correspondência

 

RESUMO

O Lúpus Eritematoso Sistémico (LES) é uma doença autoimune multissistémica que atinge predominantemente mulheres em idade reprodutiva. Para uma gravidez bem-sucedida, a conceção deve ocorrer, idealmente, num período de remissão da doença, sob um planeamento adequado e monitorização apertada por parte de uma equipa multidisciplinar. Um dos pontos críticos no tratamento de grávidas com LES é a escolha adequada de fármacos que controlem convenientemente a doença materna sem prejudicar a gestação. Os fármacos mais utilizados no LES durante a gravidez são os corticosteroides, os anti-inflamatórios não esteroides e a hidroxicloroquina. Imunomoduladores como a azatioprina, a ciclosporina e o tacrolimus também podem ser usados, bem como a imunoglobulina intravenosa. Fármacos potencialmente teratogénicos estão contraindicados, incluindo a ciclofosfamida, o metotrexato e o micofenolato mofetil. O presente trabalho pretende rever as principais recomendações terapêuticas no LES durante a gravidez e a amamentação.

Palavras-chave: Lúpus eritematoso sistémico, gravidez, tratamento

 

ABSTRACT

Systemic lupus erythematosus (SLE) is a multissystemic autoimmune disease predominantly affecting women in reproductive age. In order to reach a successful pregnancy, conception ideally should occur when the disease is in remission, with an adequate planning and close monitoring by a multidisciplinary team. One of the critical issues in managing pregnant women with SLE is choosing the right medication to treat the mother without harming the gestation. The most used drugs in SLE during pregnancy are corticosteroids, non-steroidal anti-inflammatory drugs and hydroxychloroquine. Immunomodulator medications like azathioprine, cyclosporine and tacrolimus can also be used, as well as intravenous immunoglobulin. Potentially teratogenic drugs are contraindicated, including cyclophosphamide, methotrexate and mycophenolate mofetil. The purpose of the present article is to review the main recommendations in SLE therapy during pregnancy and breastfeeding.

Key-words: Lupus erythematosus systemic, pregnancy, therapeutics

 

Introdução

O Lúpus Eritematoso Sistémico (LES) é uma doença autoimune multissistémica que atinge predominantemente mulheres em idade reprodutiva e que apresentam, na sua maioria, fertilidade sobreponível às mulheres saudáveis.1

A gravidez em doentes com LES associa-se, de forma variável, a um maior risco de consequências adversas maternofetais, pelo que no passado eram aconselhadas a não engravidar.1,2 No entanto, a maior acuidade diagnóstica, monitorização e recursos terapêuticos melhoraram drasticamente nas últimas décadas, sendo hoje a gravidez exequível para estas doentes. Deste modo, tem sido progressivamente crescente o número de gravidezes em doentes com esta patologia.3 Ainda assim, são consideradas gestações de alto risco e requerem equipas multidisciplinares que assegurem uma adequada vigilância da atividade da doença e desenvolvimento da gestação.4,5

Apesar da evolução prognóstica mais favorável, as mulheres com LES continuam a apresentar famílias mais pequenas e menor número de nascimentos, comparativamente à população geral.6,7

A vigilância destas gestações mantém-se, no entanto, um desafio na prática clínica, uma vez que o LES pode afetar a gravidez, e o inverso também pode ocorrer.8 Um dos pontos cruciais e sensíveis é a escolha adequada de fármacos que controlem convenientemente a doença materna sem prejudicar a gestação.5

As grávidas são geralmente excluídas dos ensaios clínicos, pelo que a maioria das informações disponíveis acerca da segurança dos fármacos na gravidez provém de estudos em animais, de exposições inadvertidas durante a gravidez ou de relatos de casos.9

Este artigo pretende realizar uma revisão da literatura neste âmbito, com o principal objetivo de identificar os fármacos mais seguros no controlo do LES durante a gravidez e a amamentação, bem como eventuais riscos materno fetais de determinados gestos terapêuticos, sugerindo linhas de orientação para o tratamento das mulheres com LES durante a gravidez.

 

Material e métodos

Para realizar esta revisão foram pesquisados artigos científicos escritos em português ou inglês, em revistas de elevado fator de impacto, obtidos na base de dados da Pubmed, e publicados entre 2002 e 2012, utilizando as seguintes palavras-chave: “systemic lupus erythematosus”, “pregnancy”, “therapeutics”, “treatment” e “management”. Entre os 178 artigos encontrados foram selecionados aqueles com maior relevância para o tema proposto. Foram também consideradas outras publicações de interesse encontradas nas listas de referências dos artigos selecionados.

 

Lúpus eritematoso sistémico e gravidez

O LES pode apresentar-se através de um variado espetro de sinais e sintomas, por vezes pouco específicos, podendo mimetizar variadas doenças sistémicas, o que dificulta o diagnóstico. A sua evolução caracteriza-se por períodos de remissão intercalados com períodos de maior atividade.(8, 10) O diagnóstico definitivo é estabelecido na presença, simultânea ou sucessiva, de pelo menos 4 dos 11 critérios do colégio americano de reumatologia (ACR) (Tabela 1).11,12

 

 

As alterações das concentrações de estrogénio, progesterona, glicocorticoides e prolactina provocadas pela gravidez, influenciam a produção de citocinas, promovendo geralmente uma resposta imunológica materna com predominância de linfócitos t helper tipo 2 (Th2).9 Nas grávidas com LES, esta resposta fisiológica encontra-se alterada, sendo menos evidente esse predomínio Th2.13 Por outro lado, os níveis de estrogénio aumentados durante o período gestacional têm sido indicados como possível explicação para o aumento do risco de agudizações lúpicas durante essa fase, dado que os estrogénios podem aumentar a reatividade imunológica.2

Assim, a gravidez pode implicar o aumento da atividade da doença lúpica e causar agudizações, na sua maioria de gravidade ligeira a moderada, que se apresentam essencialmente por manifestações cutâneas, articulares, hematológicas e renais.2,8,14,15 Os períodos de maior atividade de doença podem surgir em qualquer trimestre da gravidez, bem como no período pós-parto.10 Para minimizar o risco de agudização durante a gravidez, a doença deve estar inativa pelo menos nos 6 meses prévios à conceção.16 Contudo, a gravidez pode mesmo estar formalmente contraindicada em algumas situações (Tabela 2).5

 

 

A gravidez em mulheres com LES apresenta 2 a 4 vezes mais complicações obstétricas do que em grávidas sem esta patologia e associa-se a um aumento do risco de cerca de 20 vezes na mortalidade materna.3 Mulheres com nefrite lúpica e anticorpos antifosfolipídicos têm maior risco de complicações hipertensivas e de pré-eclâmpsia e devem ser monitorizadas com maior regularidade.8 A nível fetal, existe aumento do risco de abortamento espontâneo, morte neonatal, parto prematuro, restrição do crescimento fetal e lúpus neonatal (na presença de anticorpos anti-RO/SS-A e/ou anti-La/SS-B maternos), que se pode manifestar por rash, bloqueio cardíaco congénito e anomalias hematológicas ou hepáticas.8,9,17

É ainda de ressalvar que o diagnóstico de uma agudização durante a gravidez pode ser difícil, pois alguns dos achados habituais ou complicações da gravidezpodem mimetizar sinais e sintomas sugestivos de aumento da atividade da doença lúpica.2

 

Abordagem farmacológica durante a gravidez

Os fármacos carateristicamente mais usados no tratamento do LES, utilizados de forma variável atendendo às manifestações clínicas e órgãos major envolvidos, são: corticosteroides, anti-inflamatórios não esteroides (AINE’s), hidroxicloroquina, azatioprina, ciclosporina, tacrolimus, ciclofosfamida, metotrexato e micofenolato mofetil.

Apesar do controlo da doença ser indispensável ao sucesso da gravidez, o uso destes fármacos deve ser criterioso para minimizar os riscos inerentes, sobretudo fetais.18 Assim, deve ser reconhecida a segurança de cada fármaco na gestação ou amamentação, para que possam ser ponderados os riscos e benefícios da sua utilização.

Corticosteroides

Com exceção dos compostos fluorados (dexametasona e betametasona), os corticosteroides são maioritariamente inativados pelas hidroxilases placentárias.1 Assim, após administração materna de prednisona ou prednisolona, apenas cerca de 10% do fármaco ativo atinge a circulação fetal.1 Contudo, é prudente usar a dose mais baixa possível, preferencialmente <20 mg/dia.9

Apesar da prednisona não apresentar um risco teratogénico major em humanos, parece existir um aumento do risco de fendas orais com o uso de corticoterapia sistémica durante o primeiro trimestre de gestação.19,20 Os principais efeitos adversos dos corticosteroides na gravidez incluem: hipertensão, osteopenia, osteonecrose, maior suscetibilidade à infeção, maior risco de diabetes gestacional e rotura prematura de membranas.2,21

Por atravessarem facilmente a placenta, a dexametasona e a betametasona devem ser evitadas, exceto se houver necessidade de indução da maturação pulmonar antes de parto pré-termo.2 Podem também ser utilizadas no lúpus neonatal, na tentativa de tratar bloqueios cardíacos congénitos em fases precoces, embora a sua eficácia não esteja estabelecida e seja uma opção discutível.22,23

A amamentação é considerada segura durante a corticoterapia, mas se a dose for superior a 20mg/dia, o seu intervalo deve ser de pelo menos 4 horas até à próximamamada.24,25

Anti-inflamatórios não esteroides (AINE’s)

Embora os AINE’s atravessem a placenta, não são teratogénicos e o seu uso é considerado seguro.24 Contudo, com exceção do ácido acetilsalicílico em baixa dose, devem ser evitados a partir das 32 semanas de gestação, devido ao risco de poderem causar encerramento prematuro do canal arterial.9,21,24 Além disso, o seu uso contínuo até ao momento do parto parece aumentar o risco de hemorragia neonatal.24

Não há consenso de quando suspender as baixas doses de ácido acetilsalicílico antes do parto: alguns autores recomendam a cessação uma semana antes de parto eletivo, outros não suspendem otratamento em mulheres com síndrome antifosfolipídico, considerando que o benefício supera o baixo risco de hematoma associado à analgesia epidural.21

Alguns estudos têm demonstrado um aumento do risco de abortamentos espontâneos associado ao uso de AINE’s durante a gravidez.26,27 As interferências deste grupo de fármacos ao nível da implantação e da circulação placentária são sugeridas como possíveis explicações para esses achados.21

Apesar de existirem poucos dados disponíveis em relação aos inibidores da cicloxigenase-2 (COX-2), estes podem ter um efeito negativo no desenvolvimento fetal cardiovascular e renal, pelo que devem ser evitados.21,28

Durante a amamentação, os AINE’s são considerados seguros, mas não existem igualmente dados suficientes acerca dos inibidores da COX-2.24 Amamentar imediatamente antes das tomas pode ajudar a minimizar a exposição ao fármaco.21

Hidroxicloroquina

Fármacos antimaláricos, como a hidroxicloroquina, exibem propriedades anti-inflamatórias, antitrombóticas e imunomoduladoras, e são amplamente utilizados no tratamento do LES.29

A hidroxicloroquina é segura durante a gravidez e recomenda-se a continuação do seu uso, particularmente se já era usada previamente à conceção.30-32 A descontinuação da hidroxicloroquina durante a gravidez pode precipitar uma agudização do LES, corroborando o seu papel protetor.33 Além disso, como apresenta longa semivida, o feto continuaria a estar exposto durante semanas após suspensão.1,34

Estudos recentes sugerem que a exposição a hidroxicloroquina durante a gravidez em mulheres com anticorpos anti-RO/SS-A e/ou anti-La/SS-B pode diminuir o risco de manifestações cardíacas no lúpus neonatal.35,36

A quantidade de hidroxicloroquina presente no leite materno é muito baixa, sendo segura e recomendável a continuidade do tratamento durante a amamentação.25,37

Azatioprina

A azatioprina é um pró-fármaco que, após absorvido, é transformado no seu metabolito ativo, a 6-mercaptopurina.21 O fígado fetal não possui a enzima que realiza esta conversão, pelo que, teoricamente, o feto se encontra protegido da azatioprina que atravessa a placenta.21,38

Embora potencialmente lesiva, a azatioprina pode ser usada durante a gravidez, em doses que não excedam 2 mg/kg/dia, quando indicada no controlo da atividade do LES.21,38,39

Não há consenso no que diz respeito à amamentação, contudo alguns autores não recomendam a sua utilização pelo risco potencial de imunossupressão, carcinogénese e restrição do crescimento.21

Ciclosporina e tacrolimus

Os inibidores da calcineurina são uma alternativa em mulheres com persistência da atividade da doença e podem ser usados durante a gravidez, pois, apesar de atravessarem a placenta, não aumentam o risco de mal formações congénitas.40 Ambos devem ser mantidos na dose mais baixa possível.21

O tacrolimus tem-se demonstrado uma opção segura e eficaz no tratamento da nefrite lúpica durante a gravidez.41

Ainda que não haja consenso, a amamentação durante tratamento com ciclosporina tem sido desaconselhada, apesar de existirem relatos de aleitamentos sem complicações.21,25 Por outro lado, o tacrolimusé provavelmente compatível comaamamentação, pois apenas uma quantidade mínima é transmitida ao lactente.21,42

Ciclofosfamida

A ciclofosfamida é teratogénica nos humanos, pelo que não deve ser utilizada na gravidez ou amamentação.24,43 Além disso, produz também efeitos tóxicos nas gónadas de ambos os sexos, prejudicando a fertilidade.21 A administração de um agonista da hormona de libertação da gonadotrofina (Gnrh) na mulher e a criopreservação de esperma no homem têm sido recomendadas a título preventivo.21 A sua teratogenicidade é imprevisível, uma vez que não ocorrem anomalias em todos os embriões expostos.44 A exposição no primeiro trimestre de gestação pode levar a malformações fetais graves, incluindo anomalias faciais, cutâneas, musculosqueléticas, viscerais e restrição do crescimento fetal.43,45 Quando usada no segundo e terceiro trimestres, pode induzir supressão hematopoiética e atraso do crescimento e do desenvolvimento neurológico, embora aparente menor toxicidade.2,43-46

A terapêutica com ciclofosfamida deve ser suspensa pelo menos três meses antes da conceção.21,34 Excecionalmente, pode ser utilizada em agudizações graves do LES que coloquem em risco a vida materna, caso não subsistam outras alternativas disponíveis.34,46

Metotrexato

O metotrexato está contraindicado durante a gravidez dada a sua teratogenicidade.21 Os fetos expostos podem desenvolver múltiplas anomalias cranianas, do palato, dos membros ou do sistemanervoso central, especialmente se a exposição ocorrer durante o primeiro trimestre de gestação.9,25,47

Este fármaco tem também sido usado como agente abortivo, em doses três a quatro vezes superiores à dose reumatológica típica.47,48 Tal pode ser sugestivo de um aumento dos abortamentos nas gestações com metotrexato.47,48

A administração de metotrexato deve ser suspensa pelo menos três a quatro meses antes da conceção.21,25,43 A suplementação com ácido fólico deve ser mantida no período pré-concecional e durante a gravidez.21,43

O metotrexato é excretado em baixas concentrações no leite materno, contudo, não se conhecem os potenciais efeitos prejudiciais desta exposição, pelo que a amamentação está desaconselhada.21,48

Micofenolato mofetil

A utilização de micofenolato mofetil, um inibidor da síntese de purinas, no tratamento de indução e manutenção da nefrite lúpica, tem vindo a aumentar.34,49 Contudo, está contraindicado na gravidez, devido ao aumento do risco de malformações congénitas,e deve ser interrompido pelo menos 6 semanas antes da conceção, dada a sua longa semivida e recirculação entero-hepática.21

Dada a insuficiência de informações acerca dos efeitos deste fármaco na amamentação, esta não está recomendada.21

Imunoglobulina intravenosa

Não têm sido descritos efeitos adversos fetais durante o uso de imunoglobulina, pelo que pode ser utilizada na gravidez e na amamentação.21 A sua transferência placentária é dependente da dose e da idade gestacional.21

A imunoglobulina intravenosa tem sido usada no tratamento da trombocitopenia durante a gravidez.2,24 Em altas doses, tem-se mostrado segura e eficaz no tratamento de grávidas com LES que sofrem de abortamentos espontâneos recorrentes, com ou sem síndrome antifosfolipídico.50

Estudos recentes falharam ao demonstrar a sua eficácia na profilaxia do bloqueio cardíaco congénito fetal em mães de alto risco.51,52

Agentes biológicos e outros

Os agentes biológicos não possuem ainda indicações claras no tratamento do LES e são geralmente utilizados quando ocorre falência terapêutica dos outros fármacos. Existem poucos dados acerca da segurança durante a gravidez e aleitamento dos antagonistas do fator de necrose tumoral-α (tnF-α) – infliximab, etanercept e adalimumab.24 Embora não pareçam associar-se a aumento da taxa de malformações fetais, o seu uso deve ser suspenso aquando da confirmação da gravidez e não está recomendado na amamentação.21,24 Alguns autores discordam e defendem que podem ser mantidos com precaução durante a gravidez.25,40

Também relativamente a fármacos como abatacept (proteínade fusão CTLA4-Ig) e rituximab (anticorpo anti-CD20) existe pouca experiência clínica durante a gravidez, pelo que devem ser descontinuados previamente à conceção, cerca de 4 e 12 meses, respetivamente, e durante a amamentação.24,53-55 O mesmo se aplica ao belimumab (anticorpo contra uma proteína estimulante dos linfócitos B – BLyS), que deve ser suspenso 4 meses antes da conceção.2

Um estudo sugere que a bromocriptina, inibidor da secreção de prolactina, pode ser eficaz na prevenção de complicações maternofetais em mulheres com LES, uma vez que níveis elevados desta hormona têm sido associados a maior atividade da doença e a maior número de complicações obstétricas.56

Anti-Hipertensivos

Muitos dos fármacos anti-hipertensivos atualmente utilizados estão contraindicados na gravidez.9 Os inibidores da enzima conversora da angiotensina e os antagonistas dos recetores da angiotensina II apresentam toxicidade renal fetal, podendo causar insuficiência renal e oligoâmnios.1 Assim, o tratamento anti-hipertensivo durante a gravidez fica limitado a fármacos mais antigos, tais como metildopa, hidralazina, nifedipina e labetalol.9,57

Antiagregantes e anticoagulantes

O ácido acetilsalicílico em baixa dose é seguro na gravidez, enquanto o uso de ticlopidina e clopidogrel não está recomendado.1,5

A heparina, em qualquer das suas formas, não atravessa a placenta, podendo ser utilizada com segurança.1,5,58 Pelo contrário, a varfarina está contraindicada na gravidez, dado o seu potencial teratogénico, devendo ser substituída pela heparina.58 Durante a amamentação, ambas são seguras.1,14

 

Recomendações terapêuticas no les durante a gravidez

Mulheres sem sinais ou sintomas de LES ativo não requeremterapêuticaespecífica.59 O tratamento das agudizações do LES durante a gravidez deve ser individualizado e depende da severidade e do tipo de órgão acometido.2

A hidroxicloroquina não deve ser descontinuada caso já fosse tomada anteriormente à gravidez e é geralmente usada nas agudizações com manifestações mucocutâneas ou musculosqueléticas ligeiras.2,10

Os AINE’s são especialmente úteis na sintomatologia musculosquelética e são seguros até às 32 semanas de gestação, altura em que deve preferir-se o uso de baixas doses de corticosteroides ou acetaminofeno.24

A doença com pouca atividade pode ser tratada com baixa dose de corticosteroides.59 Para o tratamento materno as escolhas recaem sobre a prednisona ou prednisolona, enquanto a dexametasona ou a betametasona estão reservadas para quando há necessidade de tratamento fetal.43 Doses mais elevadas de corticosteroides, incluindo pulsos intravenosos, são usadas na doença de atividade mais severa, incluindo manifestações renais e neuropsiquiátricas, entre outras.1,59

Pode existir a necessidade de adicionar um agente de segunda linha na doença de atividade moderada a grave, permitindo um efeito “poupador de corticoides”, cuja utilização deve ser racional, visando a menor dose terapêutica.2,46 A azatioprina parece ser o imunomodulador mais seguro durante a gravidez, sendo o agente de segunda linha preferencial.2,59 A ciclosporina também pode ser usada, nomeadamente na doença renal, bem como o tacrolimus, que se tem demonstrado eficaz na nefrite lúpica, sobretudo na de tipo membranoso (classe v).2,41,60 A imunoglobulina intravenosa está indicada no tratamentodatrombocitopenia durante a gravidez.2

Imunossupressores com potencial teratogénico, tais como ciclofosfamida, metotrexato e micofenolato mofetil são contraindicados na gravidez e devem ser suspensos com a devida antecedência previamente à conceção.46

O ácido acetilsalicílico em baixa dose está indicado profilaticamente em mulheres com LES com anticorpos antifosfolipídicos.1,46 Se, adicionalmente, apresentarem história prévia de eventos trombóticos ou de complicações obstétricas, deve ser acrescentada heparina ao tratamento.24,46 Contudo, a antiagregação plaquetária e a hipocoagulação devem ser ponderadas caso a caso. Preferencialmente, devem usar-se heparinas de baixo peso molecular, embora a heparina não fracionada seja uma alternativa plausível.46 A heparina deve ser mantida por 6 semanas após o parto.46

Mulheres em terapêutica com heparina durante a gravidez, bem como com corticosteroides, devem receber suplementos de cálcio e vitamina D, para prevenção da ocorrência de osteoporose por iatrogenicidade.5,9,61

 

Conclusão

Na ausência de estudos controlados acerca dos potenciais efeitos dos fármacos na gravidez, os relatos de casos pontuais favorecem a descrição de experiências negativas.21 Por outro lado, muitas vezes fica por esclarecer se as complicações obstétricas encontradas são causadas pelo uso dos fármacos ou se são consequência das patologias subjacentes para as quais foram utilizados.

O planeamento adequado da gravidez é fundamental para o sucesso da mesma. Mulheres com LES devem ser aconselhadas acerca da importância de uma contraceção eficaz. Um estudo recente demonstrou que muitas mulheres com LES em risco de engravidar não recebem aconselhamento contracetivo, apesar de se encontrar em sob tratamentos potencialmente teratogénicos, e algumas utilizam métodos desadequados.62 Os homens devem também ser alvo de aconselhamento quando submetidos a tratamento com determinados agentes, uma vez que alguns podem diminuir a fertilidade ou mesmo causar toxicidade fetal, devendo ser suspensos com antecedência.25 Mais estudos são necessários, no entanto, para aumentar a objetividade no aconselhamento e orientação prática destes doentes.

Em suma, a mulher com doença lúpica ativa deve adiar a gravidez até o LES se encontrar numa fase quiescente.5 Todavia, a administração de fármacos durante a gravidez é, por vezes, necessária e as decisões de introdução ou suspensão dos fármacos devem ser ponderadas e discutidas com as doentes, tendo em conta a relação risco-benefício. São cada vez mais comuns as equipas multidisciplinares, incluindo reumatologistas, obstetras, hematologistas e nefrologistas, que asseguram a vigilância da mulher grávida com LES, permitindo que, atualmente, a maioria culmine em gestações bem-sucedidas.5

Os filhos de mães lúpicas têm sido alvo de algum estudo de investigação clínica, com o intuito de avaliar os potenciais efeitos da doença e terapêutica a que foram submetidos durante a vida intrauterina.63 A pertinência destes estudos, e a sua atual escassez, constituem parâmetros fundamentais para o incremento investigacional nesta área tão específica.

 

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Correspondencia:

Ana Lisboa

Departamento de Medicina, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto. 4200-319, porto. E-mail: mimed07110@med.up.pt

Cristóvão Figueiredo

Departamento de Medicina, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto. 4200-319, porto

Departamento de Medicina, Centro Hospitalar de São João. 4200-319 Porto. E-mail: ivaobrito@hotmail.com

 

Data de recepção / reception date: 26/04/2013

Data de aprovação / approval date: 26/07/2013

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