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Arquivos de Medicina

versão On-line ISSN 2183-2447

Arq Med vol.28 no.2 Porto abr. 2014

 

ARTIGO DE REVISÃO

Papel da ingestão de ácidos gordos Polinsaturados durante a gravidez no desenvolvimento de alergia na criança

The intake of Polyunsaturated fatty acids during Pregnancy and the development of allergy in the offspring

Susana Almeida1

 

1Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto

 

Correspondência

 

RESUMO

O aumento das doenças alérgicas nos países ocidentalizados tem sido relacionado com mudanças na alimentação, principalmente com o aumento da ingestão de ácidos gordos polinsaturados n-6 e a diminuição da ingestão de ácidos gordos polinsaturados n-3. Neste artigo é discutido o impacto dos alimentos ricos em ácidos gordos polinsaturados n-3 e n-6 e da suplementação em óleo de peixe durante a gravidez no desenvolvimento de doenças alérgicas nos filhos. Os estudos analisados nesta revisão sugerem que a ingestão de ácidos gordos polinsaturados n-3, tanto através do consumo de peixe como da suplementação, durante a gravidez pode ter efeito protetor contra o desenvolvimento de doenças alérgicas na criança. Porém, dada a controvérsia ainda existente e as muitas questões que permanecem sem resposta sobre este assunto, serão necessários mais estudos que permitam a definição de eventuais recomendações para a suplementação em ácidos gordos polinsaturados n-3 durante a gravidez.

Palavras-chave: doenças alérgicas, ácidos gordos polinsaturados N-3 e N-6, gravidez, Peixe e suplementação

 

ABSTRACT

Allergic diseases are increasing in western countries and they have been associated with dietary changes, especially with increased intake of n-6 polyunsaturated fatty acids and reduced intake of n-3 polyunsaturated fatty acids. in this article it will discuss the impact of foods rich in n-3 and n-6 polyunsaturated fatty acids and fish oil supplementation during pregnancy in the allergic diseases development in the offspring. The studies analyzed in this review suggest that the intake of n-3 polyunsaturated fatty acids during pregnancy could have a protective effect against the children’s development of allergic diseases, both through fish consumption or supplementation. However, controversies persist and many questions about this issue remain unanswered. Therefore it will be need more studies to allow the definition of recommendations for n-3 polyunsaturated fatty acids supplementation in pregnancy.

Key-words: allergic Diseases, N-3 and N-6 Polyunsaturated fatty acids, Pregnancy, fish and supplementation

 

Introdução

Alergia é uma reação de hipersensibilidade iniciada por mecanismos imunológicos e pode ser mediada por anticorpos ou células. Na maioria dos doentes com sintomas alérgicos, a partir de membranas mucosas das vias respiratórias e do trato gastrointestinal, a resposta imune é mediada pelo anticorpo imunoglobulina e (IGE). as doenças alérgicas (DA) incluem a asma, rinite, conjuntivite, dermatite (inclui eczema), urticária, alergia alimentar, alergia a fármacos, alergia a picada de insetos e anafilaxia.1 a incidência de DA está a aumentar nos países ocidentalizados2-5 e, de acordo com o International Study of Asthma and Allergies in Childhood, nos países da europa ocidental, existe elevada prevalência de rinoconjuntivite alérgica, eczema e asma na população em idade pediátrica.6 este aumento de DA tem sido relacionado com mudanças na alimentação, nomeadamente com o aumento da ingestão de óleos vegetais e margarina, ricos em ácidos gordos polinsaturados (AGPI) n-6,7-11 e com a diminuição da ingestão de peixe gordo, como o salmão, o atum e a sardinha, rico em AGPI n-3.7, 8 Os AGPI têm duas ou mais ligações duplas12 e incluem dois grupos de ácidos gordos polinsaturados de cadeia longa (AGPI-cl): a série n-6, derivados do ácido linoleico (AL 18:2 n-6), e a série n-3, derivados do ácido linolénico (ALN 18:3 n-3).13 vários estudos suportam a hipótese de que a etiopatogenia das DA começa in utero4, 8, 14-26 ou no período neonatal,4, 24, 26 uma vez que são períodos críticos para o desenvolvimento do sistema imunitário. Parece possível que o aumento do consumo de AGPI n-6 e a diminuição do consumo de AGPI n-3 façam parte dos principais fatores ambientais pré-natais que influenciam o desenvolvimento de Da27 uma vez que os AGPI n-6 parecem ter propriedades pró-inflamatórias que podem estar associadas a Da7, 8 e os AGPI n-3 parece mantagonizar esses efeitos, diminuindo o risco de DA.28, 29

 

Ácidos gordos Polinsaturados e alergia

Os ácidos gordos (AG) das séries n-3 e n-6 são obtidos pelos alimentos ou produzidos pelo organismo a partir do AL e ALN, pela ação das enzimas alongase e dessaturases.30 O AL e o ALN são considerados ag essenciais pois não podem ser obtidos pela síntese de novo, sendo necessária a sua ingestão.30-33 O principal produto final da via n-6 é o ácido araquidónico (AA) e os principais produtos finais da via n-3 são o ácido eicosapentaenóico (EPA) e o ácido do cosahexaenóico (DHA).34 O AA, ácido dihomo-γ-linolénico (DGLA 20:3 n-6) e EPA são precursores de prostanóides (inclui prostaciclinas, prostaglandinas (PG) e tromboxanos (TX)) das séries 1, 2 e 3 e de leucotrienos das séries 3, 4 e 5.35 Os prostanóides da série 2, como TXA2 e PGE2 e I2, participam em processos inflamatórios, enquanto os da série 3 possuem propriedades anti-inflamatórias.36 O aumento da ingestão de AGPI n-34, 37 ou a baixa razão n-6/n-3(38) diminui a proporção4, 37 e a disponibilidade de aa4, 39-42 nas membranas celulares e, por inibição competitiva da ciclo-oxigenase e da lipo-oxigenase,4, 37-42 reduz a síntese de eicosanóides derivados do AA,4, 37, 39-42 podendo atenuar as reações inflamatórias.38 além disso, os AGPI n-3 também inibem a ativação de sinais de células próinflamatórias.4, 37 Por isso, os AGPI n-6 parecem ter propriedades pró-inflamatórias que podem estar associadas a DA(7, 8) e os AGPI n-3 parecem antagonizar esses efeitos, diminuindo o risco de DA.28, 29

Supõe-se que em condições alérgicas a resposta imune de uma célula T-helper tipo 2 (Th2), envolvendo a síntese de interleucina (IL) 4, Il-5,Il-6 e Il13, predomina sobre a resposta da célula T-helper tipo 1 (Th1), caracterizada pela expressão de IL-1, IL-2, IL-12 e interferão-? (IFN-?).38 Acredita-se que uma perturbação na razão Th1/Th2 durante a vida fetal possa ser a causa das doenças atópicas.38, 43 A expressão predominante de um padrão de citocinas como Th1 ou Th2 pode ser modulada por eicosanóides e citocinas sintetizados por células apresentadoras de antigénios na vizinhança da célula T-helper tipo 0. Por exemplo, células apresentadoras de antigénios secretoras de PGE2 podem mudar a célula T-helper tipo 0 de forma a aumentar a síntese de IL-10 e diminuir a de IL-12, mudando para um padrão tipo Th2.44 Neste sentido, os ácidos gordos polinsaturados de cadeia muito longa podem influenciar o equilíbrio Th1 e Th2 e, assim, ter efeitos no desenvolvimento do sistema imunitário fetal.

 

Desenvolvimento fetal e ácidos gordos Polinsaturados

Os AG são essenciais ao desenvolvimento fetal, pois permitem manter a fluidez, permeabilidade e conformação membranar, são precursores de compostos bioativos importantes, como os eicosanóides, e são uma fonte de energia. Os AGPI são os principais responsáveis pelas funções estruturais e metabólicas.45 Para suportar o desenvolvimento de estruturas neurológicas do cérebro, o feto requer de um fornecimento adequado de AGPI n-3 e n-6, principalmente AGPI-cl,taiscomoDHaeaa.46,47 A concentração de DHA no cérebro dos recém-nascidos é dependente da ingestão de DHA preformado48-50 e é mais afetada pela alimentação do que a concentração de AA.48, 51 a deficiência de DHA ou EPA está relacionada com défices da arborização neuronal e alterações patológicas sinápticas,52 o que pode levar a défices neuro cognitivos, ansiedade, agressividade e depressão.53, 54 O défice de atenção/ hiperatividade, a dispraxia, a dislexia e o autismo podem estar relacionados com anomalias nas enzimas envolvidas no metabolismo fosfolipídico, e os sintomas podem ser melhorados após suplementação em AGPI-cl.55 alguns ensaios clínicos têm encontrado benefícios da suplementação em AGPI-CL durante a gravidez também no desenvolvimento cognitivo das crianças.56

Alguns dos AG depositados no feto irão resultar da lipogénese fetal,57 mas a grande maioria é obtida a partir da circulação materna através da placenta e todos os AGPI adquiridos pelo feto têm de atravessar a placenta.45 A placenta pode regular o seu próprio fornecimento de AG através da ação da leptina placentária sobre o tecido adiposo materno, visto que a leptina é um potente estimulador da lipólise.58,59 A presença de atividade da lípase lipoproteica (LPL)60-62 na placenta humana permite a utilização de triglicerídeos (TG) maternos.45 No endotélio capilar, esta enzima hidrolisa TG transportados pelos quilomicra e pelas lipoproteínas de muito baixa densidade, facilitando, assim, a captação dos produtos da hidrólise pelos tecidos subjacentes.63 Durante os dois primeiros trimestres de gestação as reservas lipídicas maternas aumentam, devido à hiperfagia e ao aumento da lipogénese e da atividade da LPL no tecido adiposo materno. Diminuem durante o último trimestre que corresponde à fase catabólica da gestação,64 em que se verifica uma redução da atividade da LPL no tecido adiposo.65

Há uma seletividade significativa pela lípase placentária para a libertação de AGPI-cl a partir de TG.45, 66 Existe uma seletividade relativamente elevada para a absorção de AA pela membrana das microvilosidades do sinciotrofoblasto, no entanto, a placenta também parece reter preferencialmente AA em relação a outros ag.67 O grande efeito sobre AA pode estar relacionado com o facto de a placenta ser um local importante de produção de prostaciclinas, PG, TX e Leucotrienos. Neste sentido, uma possível explicação pode ser que a placenta tem um requisito mínimo de AA para produzir estes metabolitos e apenas quando este requisito é preenchido é que o AA restante se torna disponível para a circulação fetal.45 vários estudos68-70 indicam que o determinante mais importante da mistura de ag entregue para o feto é a composição de AG da alimentação materna.45

 

Ingestão de ácidos gordos Polinsaturados na gravidez e alergia na criança

É sabido que indivíduos com doença atópica têm alterações no tipo de AG em circulação,71 nomeadamente níveis mais altos de AL, níveis mais baixos de AA, DGLA, EPA e DHA, e um rácio aumentado de AA/EPA e AL/AA.72, 73 Vários estudos sugerem que os níveis mais baixos de metabolitos das séries n-3 e n-6, nos indivíduos com atopia, resultam de uma deficiência na ?6-dessaturase,74, 75 uma vez que ambas as séries usam as mesmas enzimas.73 O estudo mencionado a seguir refere que os níveis mais baixos de 22:4 n-6, observados em bebés com elevado risco de doença atópica, podem indicar uma deficiência ao nível da alongase e os níveis mais baixos de AA um defeito na Δ5-dessaturase.13

Estudos observacionais

Um estudo analisou os AGPI do sangue do cordão umbilical de bebés com e sem historial de atopia (o risco atópico foi determinado pela avaliação da história familiar de atopia, através da aplicação de um questionário onde se perguntou se o pai, a mãe ou algum irmão sofria de alergia verificada por um médico -eczema, asma brônquica alérgica, rinite alérgica ou alergia alimentar) e encontrou níveis significativamente mais baixos de AA nos fosfolípidos do plasma, do ácido 22:4 n-6 nos fosfolípidos do plasma, da membrana dos eritrócitos e nos TG, do ácido 20:2 n-6 nos TG e de AGPI n-6 totais nos fosfolípidos do plasma e TG no grupo com historial de atopia. Em relação aos AGPI n-3, os níveis de ALN e a razão ALN/EPA foram significativamente mais baixos nos ésteres de esteróis plasmáticos no grupo com historial de atopia. Um subgrupo, em que o risco foi determinado pela atopia dos pais (n=11), diferiu mais do grupo de controlo do que o grupo com historial de atopia completo. teve níveis significativamente mais baixos de AA e de AGPI n-6 totais em todas as frações lipídicas, de 22:4 n-6 nos fosfolípidos do plasma, nos fosfolípidos da membrana dos eritrócitos e nos TG e de AL, 20:2 n-6 e DGLA n-6 nos TG. O quociente AL/AA foi maior em fosfolípidos e ésteres de esteróis, enquanto e a razão de AA/EPA foi menor em todas as frações lipídicas do plasma.13

Os estudos têm sugerido que a ingestão de alimentos ricos em AGPI n-6 durante a gravidez pode aumentar o risco de alergia nos filhos e de alimentos ricos em AGPI n-3 pode diminuir esse risco.34, 38

Um estudo de coorte prospetivo finlandês avaliou a associação entre a ingestão de alimentos e nutrientes durante a gravidez e a sensibilização alérgica na criança aos 5 anos. A baixa ingestão materna de AGPI totais e de AGPI n-6 encontrava-se inversamente associada a sensibilização a alergénios inalados. Não encontraram associação entre a ingestão de peixe, óleo, margarina e cremes para barrar magros durante a gravidez e a sensibilização alérgica. Por falta de poder estatístico, com base no número pequeno de crianças com asma, eczema e rinite alérgica aos 5 anos, Nwaru et AL não foram capazes de avaliar a associação entre a alimentação materna durante a gravidez e estas doenças.76 No estudo de lumia et AL, a baixa ingestão materna de AGPI n-3 e ALN associou-se ao aumento do risco de asma na criança aos 5 anos, enquanto a baixa ingestão de AA associou-se à diminuição do risco de asma. O consumo de peixe, óleos e margarina não se associou ao risco de asma. a estratificação da amostra por alergia materna não alterou os resultados nos dois grupos.77 a coorte destes dois estudos foi selecionada com base no antigénio leucocitário humano (HLA) que confere suscetibilidade à diabetes mellitus tipo 1, o que pode limitar a generalização dos resultados à população geral.76, 77 No entanto, as coortes representam 15% dos recém-nascidos finlandeses77 e as evidências sobre o genótipo HLA ter impacto no desenvolvimento de DA são muito fracas e inconsistentes.78-80

Um estudo Japonês, que analisou a relação entre os padrões alimentares durante a gravidez e o risco de pieira e eczema nos filhos dos 16 aos 24 meses, observou que o padrão ocidental (caracterizado por alto consumo de óleo vegetal, sal, carne bovina e suína, carne processada, ovos, frango e legumes brancos,81 tais como a batata, a couve-flor, o nabo, a cebola, a pastinaga, os cogumelos, o milho e a couve-rábano82) teve relação inversa com o risco de pieira. Porém, após ajuste adicional para a ingestão de ALN e vitamina e durante a gravidez, a associação inversa deixou de ter significado estatístico.81 a análise do padrão alimentar permitiu avaliar os efeitos da combinação de muitos alimentos. O padrão ocidental foi positiva e significativamente correlacionado com ingestão de ALN (coeficiente de Pearson r=0,51, p=0,0001) e foi mais fortemente correlacionado do que o padrão saudável (caracterizado por alta ingestão de vegetais, algas, cogumelos, leguminosas, batatas, fruta, peixe e produtos do mar e baixa ingestão de guloseimas e refrigerantes) (coeficiente de Pearson r=0,10, p=0,005), pelo que a proteção de pieira pelo padrão ocidental pode estar relacionada com a ingestão de ALN. Contudo, esta associação não foi observada para eczema, não se podendo eliminar a possibilidade deste padrão alimentar poder estar relacionado com a diminuição do risco de infeções respiratórias na infância em vez de atopia,81 visto que a pieira em idades precoces está mais associada a infeções respiratórias do que depois dos 6 anos.83

No estudo de coorte retrospetivo de calvani et AL, tanto as mães não alérgicas que consumiram peixe 1 vez por semana como as que consumiram 2 a 3 vezes por semana ou mais, durante a gravidez, diminuíram o risco dos filhos terem testes cutâneos de alergia (TCA) positivos para alimentos. A análise da associação encontrada mostrou que a ingestão de peixe 1 vez por semana e = 2 a 3 vezes reduziu a sensibilização ao leite de vaca em cerca de 6 vezes e em mais de 10 vezes, respetivamente, e reduziu a sensibilização ao ovo. Existiu tendência significativa entre o aumento do consumo de peixe e a diminuição de prevalência de TCA positivos para alimentos na amostra completa, ou seja, em filhos de mães alérgicas e não alérgicas. Todavia, não foi encontrada correlação entre a ingestão de margarina durante gravidez e o risco de desenvolvimento de sensibilização alérgica nas crianças, o que pode estar relacionado com a baixa ingestão na população estudada: 75% consumiram peixe 1 vez por semana mas apenas 20% consumiram margarina com a mesma frequência, 3,7% nunca comeram peixe e 68,6% nunca comeram margarina durante a gravidez.27 este padrão de consumo de margarina está de acordo com a dieta do centro de itália.84 este estudo está sujeito a viés de memória uma vez que é retrospetivo mas, como a gravidez é vivida, geralmente, como um período especial poderá não ter ocorrido esquecimento de pormenores como a alimentação. a seleção da amostra em clínicas de alergia pode limitar a generalização dos resultados, além disso, foi o único estudo que não entrou com o aleitamento materno, que pode ser um fator relevante para os resultados.27 Por outro lado, ajustaram os resultados para a hiperémese gravídica que é uma causa comum de modificação dos hábitos alimentares durante a gravidez.85

No estudo de sausenthaler et AL, a elevada ingestão de peixe durante as últimas 4 semanas de gestação teve efeito protetor de eczema aos 2 anos. a elevada ingestão de margarina e óleo vegetal durante a gravidez associou-se positivamente à ocorrência de eczema aos 2 anos, enquanto a elevada ingestão de gordura vegetal para fritura por imersão se associou positivamente a sensibilização a alergénios inalados aos 2 anos. Por falta de poder estatístico, não foram obtidos dados válidos para a identificação de associações mais específicas entre alimentos individuais e sensibilizações alimentares específicas.86 No estudo de Willers et AL a ingestão de peixe =1 vez por semana durante os últimos 2-3 meses de gravidez também teve um efeito protetor na ocorrência de eczema nas crianças aos 5 anos. a ingestão de peixe gordo (peixe gordo frito como o salmão, o arenque e a cavala, peixe gordo cozido, assado ou grelhado e peixe gordo fumado como o hadoque, a cavala e o arenque) =1 vez por semana teve efeito protetor no desenvolvimento de rinite alérgica aos 5 anos.87

Um estudo caso-controlo mostrou que a ingestão de peixe gordo (peixe gordo com mais de 2%de gordura, como a cavala, o salmão do atlântico, o atum do-sul, a truta arco-íris, o salmonete, o granadeiro azul, a sardinha e o peixe-vermelho) =1 vez por mês durante a gravidez diminuiu o risco de asma em crianças com mães asmáticas e diminuiu o risco de asma persistente em toda a amostra (filhos de mães asmáticas e não asmáticas). No grupo de mães não asmáticas, a ingestão de peixe gordo durante a gravidez não se associou ao risco de asma nas crianças. Por outro lado, crianças cujas mães consumiram barrinhas de peixe =1 vez por mês durante a gravidez tiveram 2 vezes maior risco de desenvolver asma e existiu tendência significativa entre o aumento do risco de asma e a ingestão de barrinhas de peixe. Salam et AL não avaliaram a ingestão de outros produtos alimentares que possam conter gordura trans, além das barrinhas de peixe.88 Barrinhas de peixe, nos estados unidos da américa, são filetes alongados de peixe panados com 40% a 72% de peixe.89 geralmente, o peixe utilizado pertence à família Gadidae, como, por exemplo, o bacalhau, que é pobre em AGPI n-3.90 além disso, os óleos de milho, canola, sementes de algodão e soja utilizados na preparação destes produtos contêm concentrações relativamente altas de AGPI n-6 e, apesar de o teor de AGPI n-3 ser relativamente elevado no óleo de canola e de soja, o sobreaquecimento de todos estes óleos resulta na formação de ácidos gordos insaturados trans ou AG trans.88

Romieu et AL avaliaram o papel da ingestão de peixe durante a gravidez na incidência de asma e atopia e verificaram que o aumento da ingestão de peixe de 1 vez por semana para 2,5 vezes por semana diminuiuoriscodeeczemaao1anodeidadeem37% e de pieira atópica aos 6 anos em 81,8%. Quando a análise foi estratificada para o facto de a criança ter ou não sido amamentada, o efeito protetor do consumo de peixe manteve-se para eczema, mas o consumo de peixe durante a gravidez passou a estar inversamente relacionado com o risco de pieira persistente e pieira atópica aos 6 anos apenas em crianças não amamentadas. Um aumento da ingestão de peixe de 1 vez por semana para 2,5 vezes por semana diminuiu o risco de pieira persistente e pieira atópica na idade de 6 anos em cerca de 90%. um aumento da frequência de ingestão de peixe durante a gravidez de 0,25 vezes por semana (1 vez por mês) para 1 vez por semana reduz o risco de TCA positivo para ácaros aos 6 anos em 72%.91 O facto de só ter sido encontrado efeito protetor nas crianças não amamentadas pode estar relacionado com componentes da amamentação com efeito protetor de atopia, tais como IGA e citocinas do tipo IFN-?, a que as crianças amamentadas estiveram sujeitas.92

O viés de resposta é frequente nos estudos de coorte, pois indivíduos de nível socioeconómico mais baixo são mais difíceis de detetar e pessoas com problemas de saúde durante o seguimento são mais resistentes,93 o que pode levar à subestimação dos efeitos/ associações.87 No estudo de miyake et AL,o nível de educação das mães participantes era maior do que o da população japonesa em geral, além disso, estas mães tinham menor probabilidade de relatar baixo orçamento familiar e baixo nível educacional do pai e da mãe.81 No estudo de Sausenthaler et AL, as crianças participantes eram mais propensas a viver em Munique, serem filhas de mães mais velhas, a terem pais com elevado nível educacional e a serem amamentadas por 4 meses ou mais, e tinham menor probabilidade de as mães fumarem durante a gravidez e de terem pieira mais tarde.86 No estudo de Willers et AL, as mães participantes eram de nível socioeconómico mais alto e tinham consumo ligeiramente mais elevado de frutas, vegetais de folhas verdes, cereais integrais e peixe e tinham menos sintomasrespiratórios.94 A análise dos sintomas de pieira das crianças cujas mães responderam ao questionário dos 2 anos mas não ao dos 5 anos indicou que estas eram mais propensas aterpieira aos 2 anos.87 Por outro lado, noutro estudo as características das crianças com e sem amostras de sangue eram semelhantes.91

A idade de diagnóstico de DA é importante, como se verifica no estudo de lumia et AL em que o diagnóstico de asma aos 5 anos permitiu excluir crianças com pieira associada a infeções virais, tendo sido selecionadas as crianças com asma persistente.77 No estudo de Willers et AL, o diagnóstico de rinite alérgicaeeczemaaos5anospermitiuqueestasdoenças se manifestassem numa fase de avaliação clínica.95

Estudos de intervenção

Num estudo com 16 anos de seguimento, as crianças cujas mães foram suplementadas com óleo de peixe tiveram uma redução de 63% da hazard rate ratio de desenvolver asma (qualquer tipo), de 87% de desenvolver asma alérgica, de 57% de desenvolver asma (qualquer tipo), eczema ou rinite alérgica e de 69% de desenvolver asma alérgica, eczema ou rinite alérgica. Só existiu efeito protetor do desenvolvimento de asma (qualquer tipo), eczema ou rinite alérgica no grupo com baixo consumo de peixe e suplementação em óleo de peixe. A existência de registos hospitalares e a baixa probabilidade de ter ocorrido viés de seleção, visto que inicialmente estavam incluídos 533 fetos e 16 anos depois havia registo de 522 crianças, constituem pontos fortes deste estudo. Por outro lado, a baixa ocorrência de asma nas crianças cujas mães receberam suplementação em azeite (8%) sugere que poderá ter havido subdeteção de casos menos graves de asma, visto que a verificação dos casos foi feita por registos hospitalares.96

Noutro estudo, onde um grupo de mulheres grávidas com alergia foi suplementado com óleo de peixe, a análise dos AGPI da membrana dos eritrócitos do sangue do cordão umbilical dos filhos revelou que estes tinham níveis significativamente mais elevados de DHA e EPA e níveis de AA significativamente mais baixos, o que resultou num aumento do rácio AGPI n-3/n-6.Os níveis de IL-13 foram significativamente mais baixos nos recém-nascidos do grupo óleo de peixe e houve associação inversa estatisticamente significativa entre os níveis de AGPI n-3 e os níveis de IL-13, esta associação também ocorreu com DHa.97 Neste estudo, a redução dos níveis de IL-13 levanta a questão de qual é a sua origem. No final da gravidez é mais provável que seja sintetizada pelo feto do que pela placenta.98,99 a redução dos níveis de IL-13 pode favorecer as respostas imunes Th1 e, assim, modificar o equilíbrio de citocinas. Porém, isto não é evidente através da medição de IFN-γ, que foi abaixo do nível de deteção na maioria das amostras (>95% indetetáveis). Além de IFN-γ, outras citocinas estavam abaixo do nível de deteção na maioria das amostras (<10% detetáveis) e IgE também (5% detetáveis n=4).97 No estudo de seguimento, onde usaram os mesmos dados do cordão umbilical, verificaram que a suplementação materna com óleo de peixe resultou numa proporção significativamente maior do total de AGPI n-3 e menor de AGPI n-6 nas membranas eritrocitárias do sangue do cordão umbilical dos bebés, e em menor resposta in vitro da citocina IL-10 de células mononucleares dos recém-nascidos a alergénios de gatos. Quando os dados de citocinas foram expressos como dados dicotómicos (detetado ou não detetado), a secreção de IFN-γ em resposta à albumina do ovo foi detetada mais frequentemente no grupo controlo. a análise da associação entre os AGPI das membranas dos eritrócitos dos recémnascidos e as respostas de citocinas mostrou uma tendência consistente geral para todas as respostas de citocinas estarem positivamente correlacionadas com AGPI n-6 e inversamente correlacionadas com AGPI n-3. A quantidade relativa de AA associou-se positivamente com a magnitude de respostas de IFN-γ a albumina do ovo, gato e fitohemaglutinina, enquanto a quantidade relativa de EPA se associou negativamente comarespostade IFN-γ a fitohemaglutinina. Ao 1 ano de idade as crianças do grupo óleo de peixe foram 3 vezes menos propensas a ter sensibilização a alergénios do ovo e as que tinham eczema foram 10 vezes menos propensas a terem eczema grave.22 a amostra do estudo de Dunstan et AL é menor que a dos restantes estudos incluídos nesta revisão (n=83).

Furuhjelm et AL analisaram o risco de desenvolvimento de alergia em crianças com historial de alergia. Neste estudo, a suplementação de óleo de peixe durante a gravidez aumentou significativamente os níveis de EPA e DHA no plasma materno uma semana após o parto, diminuiu o rácio AA/EPA e os níveis de AL e AA. Enquanto, no grupo placebo, o óleo de soja aumentou significativamente os níveis de AA. A prevalência de TCA positivo e TCA positivo para ovo durante o primeiro ano de vida foi significativamente menor no grupo óleo de peixe. em relação aos sintomas clínicos durante o primeiro ano de vida, a suplementação materna de AGPI n-3 foi associada a menor prevalência de eczema associado a IGE e de alergia alimentar nas crianças. Numa análise de regressão logística verificaram que a suplementação em óleo de peixe reduziu o risco de desenvolver TCA positivo, TCA positivo para ovo ou eczema associado a IGE durante o primeiro ano de vida, sendo o risco 3 a 4 vezes menor que no grupo placebo, enquanto o risco de desenvolvimento de alergia alimentar foi 10 vezes menor. ao analisar os filhos de mães sem sintomas alérgicos (n=37), verificaram que o grupo óleo de peixe teve menor prevalência de TCA positivo (14%) do que o placebo (48%), durante o primeiro ano de vida; os resultados foram semelhantes para alergia alimentar (0% vs. 25%) e eczema mediado por IGE (0% vs. 29%). Nos filhos de mães com sintomas alérgicos, não existiram diferenças significativas para TCA positivos, eczema mediado por IGE ou reações alimentares entre os grupos suplementado e placebo, apesar de os níveis maternos de AG no parto terem sido semelhantes nos dois grupos. Uma vez que as mães foram suplementadas durante a gravidez e a amamentação, durante um período médio de 30,9 semanas, os resultados poderão não ser só consequência da ingestão materna de AGPI n-3 durante a gravidez. Além disso, o grupo controlo foi suplementado com óleo de soja (rico em AGPI n-6), que pode aumentar o risco de alergia e, assim, aumentar o efeito benéfico do óleo de peixe.37 O óleo de soja não pode ser considerado como placebo uma vez que contém 53% de AL, percursor do AA.31 um ponto fraco deste estudo é o facto de não ser duplamente cego. Não foi encontrado efeito protetor relativamente à alergia ao leite de vaca possivelmente porque a incidência de alergia ao leite de vaca era muito baixa (TCA: 3/54 e 5/65 aos 6 meses, 2/54 e 5/65 aos 12 meses, 5/48 e 8/48 na análise de IGE aos 12 meses no grupo óleo de peixe e placebo, respetivamente).37

Em três estudos de intervenção,22,96,97 o grupo controlo foi suplementado com azeite o que leva à questão se a suplementação com azeite durante a gravidez pode aumentar o risco de DA, sugerindo incorretamente um efeito benéfico dos AGPI n-3.100 Olsen et AL alegam que partem do pressuposto de que o azeite é inerte em relação à alergia visto que nos países mediterrânicos não há relatos de aumento de asma, além disso, nestes países, a ingestão de azeite é de 10-20g/ dia, enquanto na Dinamarca é de apenas 4g/ dia.96 No estudo de Dunstan et AL não houve diferenças significativas nos níveis de ácido oleico nas membranas dos eritrócitos do sangue do cordão umbilical entre os 2grupos em estudo, sugerindo que a suplementação de azeite não teve efeito na ingestão total.97 Um estudo mostra que o uso de azeite durante a gravidez pode ter efeito protetor de pieira no primeiro ano de vida dos filhos,101 pelo que é mais provável que o azeite no grupo controlo possa ter subestimado o efeito benéfico dos AGPI n-3.100 Olsen et al formaram 2 grupos controlo: um suplementado com azeite e outro não suplementado. O objetivo da utilização de placebo foi contrariar a tendência de os participantes aumentarem a ingestão de AGPI n-3 (viés de contaminação), uma vez que estes foram informados do objetivo do estudo. Enquanto o grupo sem óleo assegurou que o azeite não afetaria os resultados, visto poder ser questionada a adequação da utilização do azeite como placebo. Apesar de não haver diferença significativa na ocorrência de asma entre os 2 grupos, os padrões de diagnóstico de asma foram idênticos pelo que poderá ter ocorrido viés de contaminação no grupo sem óleo.96 As características dos estudos de intervenção estão resumidas na Tabela 1.

Deve-se notar que a alimentação das crianças, tanto nos estudos observacionais como nos estudos de intervenção, pode ter influenciado os resultados86 e o desenvolvimento de sensibilização alérgica.27 contudo, no estudo de Romieu et AL o ajuste para a ingestão de peixe aos 4 anos não modificou as associações.91 Noutro estudo, a alimentação materna e a das crianças aos 5 anos tiveram correlação positiva mas fraca para a ingestão de peixe (coeficiente tau-b de Kendall=0,20, p<0,001) e de peixe gordo (coeficiente tau-b de Kendall=0,26, p<0,001).87 A medição da sensibilização alérgica, realizada na maioria dos estudos, pode limitar a generalização dos resultados para DA reais,76 visto que, por exemplo, um TCA positivo para alergénios alimentares pode ocorrer em indivíduos tolerantes e não representa necessariamente alergia alimentar.102

 

Potenciais confundidores da interpretação dos resultados

Os estudos analisados nesta revisão incluíram participantes de diferentes países (Alemanha, Austrália, Dinamarca, EUA, Espanha, Finlândia, Holanda, Itália, Japão e Suécia) o que pode limitar a generalização dos resultados ou subestimar a magnitude do benefício em algumas populações com mulheres que já têm uma ingestão moderada de AGPI n-3. No caso da suplementação, pode haver diferenças no estado inicial de AGPI n-3 entre as populações devido aos diferentes hábitos alimentares, que podem levar a diferentes respostas à suplementação.100 As diferentes doses de suplementação podem ser um ponto fraco, visto que a curva de dose-resposta de suplementação de AGPI n-3 pode ter a forma de u invertido.103 É importante também considerar a segurança da suplementação com óleo de peixe, principalmente em grávidas. O óleo de peixe tem efeito anti-trombótico mas não tem sido verificado aumento da hemorragia no parto,104, 105 pode prolongar a gravidez, em média, por 2,6 dias o que pode ser benéfico ou prejudicial dependendo das circunstâncias106 e pode estar associado à oxidação de AG, hiperavitaminose e toxinas.107 O consumo de grandes quantidades de peixe pode representar um risco de aumento da exposição a toxinas,108, 109 tais como o mercúrio que pode causar danos neurológicos graves em crianças cujas mães estiveram expostas110, 111 e os bifenilos policlorados (PcBs) que durante a vida fetal podem causar alterações genéticas ou mutações nos órgãos reprodutores do feto, atrasos no desenvolvimento neurológico, problemas de cognição e deficiências no sistema imunitário.110 Todavia, os testes têm mostrado que os suplementos de óleo de peixe têm níveis de toxinas muito baixos ou negligenciáveis,112 contendo menos toxinas do que o peixe.113

 

Conclusão

Os resultados dos estudos observacionais referidos são consistentes com a hipótese, mencionada no início, de que o desenvolvimento de alergia começa na vida intrauterina e pode ser afetado pela alimentação materna durante a gravidez. Relativamente aos estudos de intervenção, estes suportam a hipótese de que a alimentação materna, mais especificamente a ingestão de AGPI n-3, pode influenciar processos imunológicos fulcrais no desenvolvimento de atopia. Atualmente a evidência é mais consistente com o facto de os AGPI n-3 protegerem a criança do desenvolvimento de alergia do que os AGPI n-6 aumentarem o risco. é biologicamente plausível que o aumento da ingestão de AGPI n-3 na gravidez possa ter um efeito preventivo de DA nos filhos uma vez que, nomeadamente, EPA e DHA podem afetar a função imunológica fetal através de diversos mecanismos. A investigação nesta área parece fluir no sentido de avaliar os efeitos da suplementação com ácidos gordos polinsaturados n-3 de cadeia muito longa, pois esta é uma área promissora e importante para a prevenção de alergia na criança antes do seu nascimento, visto que a suplementação após o nascimento parece ser tardia para mudar respostas imunes. Muitas questões permanecem ainda sem resposta, tais como, a dose, o momento e a duração da suplementação e a duração do seu efeito em mães alérgicas e não alérgicas, sendo, por isso, necessários mais estudos antes de se estabelecerem recomendações clínicas relativas ao benefício da suplementação de AGPI n-3 na diminuição da alergia.

 

Agradecimentos

Agradeço ao Prof. Doutor Alejandro Santos, da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, pelos conselhos e pelas sugestões que me deu ao longo da realização deste trabalho.

 

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Correspondencia:

Susana Almeida

Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto

Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto. E-mail: susana.rsa@gmail.com

 

Data de recepção / reception date: 07/03/2013

Data de aprovação / approval date: 30/09/2013

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