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versão On-line ISSN 2183-2447
Arq Med vol.28 no.3 Porto jun. 2014
ARTIGO DE REVISÃO
Transplante de órgãos sólidos em mulheres grávidas
Solid organ transplantation in pregnant women
Rita Miranda1
1 Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
RESUMO
Em casos de doenças em fase terminal que podem afetar vários órgãos essenciais à vida humana, tais como o rim, fígado, coração, pulmões e pâncreas, o transplante de órgãos sólidos é uma opção a ser considerada. Entre muitas outras complicações possíveis, algumas destas doenças terminais, podem afetar a fertilidade das mulheres. Assim, na maioria dos casos, o transplante não só melhora a sobrevida, mas também a função reprodutiva destas mulheres, sendo que várias gestações bem sucedidas têm sido relatadas dentro deste grupo de mulheres grávidas. No entanto, estas mulheres apresentam um maior risco de complicações obstétricas durante a gravidez, como hipertensão, pré-eclâmpsia, parto prematuro, aborto espontâneo, baixo peso ao nascimento e restrição do crescimento fetal. Este artigo procura rever as informações disponíveis sobre o tema, destacando as complicações mais comuns e precauções a ter antes, durante e após a gravidez.
Palavras-chave: gravidez, transplante de órgãos sólidos, precauções, complicações
ABSTRACT
In cases of end stage diseases that can affect various organs essential to human life, such as the kidney, liver, heart, lungs and pancreas, solid organ transplantation is a good option. some of these end-stage diseases, among many other aspects, can affect womens fertility. Thus, in most cases, transplantation not only improves the survival but also the reproductive function of these women and several successful pregnancies have been reported within this group of pregnant women. Nevertheless, these women have a higher risk of obstetric complications during pregnancy, such as hypertension, preeclampsia, preterm delivery, spontaneous abortion, low birth weight and fetal growth restriction. This article reviews the available information on the subject, highlighting the most common complications and precautions before during and after pregnancy.
Key-words: pregnancy, solid organ transplantation, precaution, complications
Introdução
O objetivo deste estudo é analisar o impacto na grávida, recém-nascido e órgão transplantado, resultante da presença de aloenxertos sólidos (rim, fígado, pâncreas, coração, pulmões) durante a gravidez. Conhecer as complicações e os cuidados necessários durante a gestação, de forma a não inter- ferir nem na função do aloenxerto, nem no normal desenvolvimento do feto.
Métodos
Para atender ao objetivo deste trabalho, elaborei uma monografia, revendo e compilando a informação disponível até ao momento sobre o tema em questão. A presente monografia teve por base a lei- tura de vários artigos (incluindo artigos de revisão prévia, artigos de investigação original, publicações breves, casos clínicos e cartas aos editores) sobre o assunto, publicados e disponíveis na base de dados que foi selecionada. Para a pesquisa da informação necessária foi uti lizada a base de dados da pubmed/medline. As palavras-chave utilizadas foram pregnancy ou fertility juntamente com um dos termos solid organ transplant, kidney transplant, liver trans- plant, pancreas transplant, heart transplant, lung transplant, thoracic organ transplant. Posteriormente procedi à leitura dos vários resumos que obtive através da minha pesquisa. Selecionei os artigos segundo os critérios de inclusão e exclusão. Os critérios de inclusão dos artigos foram: a data de publicação, compreendida entre 2000 e 2012; publicações em inglês e com os textos completos disponíveis na base de dados selecionada. Como critérios de exclusão, não foram escolhidas publicações antes do ano de 2000 e referências que não permitissem o acesso gratuito ao texto completo pela internet. A amostra de dados para a realização desta monografia é constituída por 21 artigos.
Transplante de órgãos sólidos em mulheres grávidas
Os transplantes de órgãos sólidos podem prolongar a sobrevida de doentes, com doenças em fase terminal, que podem afetar vários órgãos fundamentais à vida humana, tais como o rim, fígado, coração, pulmões e pâncreas. Algumas destas doenças terminais afetam, entre vários outros aspetos, a fertilidade das mulheres. Como exemplo, uma das possíveis consequências da insuficiência renal crónica ou da disfunção hepática grave são a anovulação e a redução da fertilidade, devido às perturbações que estas patologias podem provocar no eixo hipotálamo-hipófise-ovário. Na maioria dos casos, o transplante melhora, para além da sobrevida, a função reprodutora destas mulheres. Foram já reportadas inúmeras gestações viáveis e de termo em gestantes com aloenxertos, contudo nem todas as mulheres transplantadas têm a capacidade de engravidar sem a ajuda de técnicas de reprodução medicamente assistida.1 para além disso, este grupo de mulheres apresenta uma maior incidência de complicações obstétricas durante a gestação, tais como hipertensão, pré-eclâmpsia, parto pré-termo, abortos espontâneos, baixo peso ao nascimento e restrição do crescimentofetal.2 A morte neonatal é rara. Existem alguns casos, raros, de recém-nascidos com defeitos estruturais, bem como de alterações no desenvolvimento que apenas se manifestam mais tardiamente, na infância, ou mesmo já na vida adulta.
A primeira gestação após transplante renal ocorreu há já 55 anos, mais precisamente em março de 1958, reportada por murray e colaboradores, em 1963.3 Apesar das preocupações com a eventualidade do útero comprimir os vasos renais e o rim/ureter transplantado ou da gestante apresentar hipertensão/ infeção do trato urinário ou descompensação do aloenxerto, tal não se verificou e a gestação ocorreu sem complicações. O parto foi por cesariana para evitar lesão do rim transplantado aquando da descida do feto ao longo do canal de parto.4 desde então, os resultados cada vez mais satisfatórios dos transplantes de órgãos sólidos realizados, aliados à evolução na terapêutica imunossupressora, abriram a possibilidade a várias mulheres de engravidarem, após a recuperação da função do aloenxerto. Um dos fatores que parece estar mais relacionado com o sucesso da gestação pós-transplante é o tempo que decorre desde o transplante até à concepção. Pensando-se que será aconselhável que mulheres que desejam engravidar esperem no mínimo 12 meses, se não 2 anos, após o transplante, pois após esse período de tempo o aloenxerto estará mais estável, as doses de imunossupressores serão mantidas em valores padrão mínimos e o risco de infeção é menor.2,5 o risco de rejeição alográfica destas mulheres é no mínimo semelhante ao da população não-grávida, sendo que em alguns casos, como nos aloenxertos hepáticos, é maior, para o mesmo intervalo pós-transplante. Para além disso, pacientes que apresentam ausência de disfunção do aloenxerto e ausência de hipertensão têm maior probabilidade de evidenciarem melhores resultados. Já as mulheres que apresentam pré-eclâmpsia apresentam piores resultados e esta complicação surge sobretudo nas gestantes com hipertensão prévia.5
Apesar da maioria dos casos de gravidez pós transplante serem de mulheres com aloenxertos renais, casos de gestações bem sucedidas foram também já reportados em outros tipos de aloenxertos, nomeadamente, hepático, hepático-renal, pancreático, pancreático-renal, cardíaco, cardíaco pulmonar e pulmonar.3 cada tipo de órgão transplantado acarreta diferentes graus de preocupação, no que diz respeito ao efeito que a gestação pode ter nesse aloenxerto (risco de rejeição ou disfunção do aloenxerto durante ou logo após a gravidez). por conseguinte, existem determinados órgãos que apresentam riscos maiores e, eventualmente, fatais se ocorrer alguma das complicações, acima referidas, nomeadamente nos casos de aloenxertos cardíacos, pulmonares ou hepáticos.4
John M. Davison e os seus colaboradores estabeleceram uma lista de orientações para as mulheres submetidas a transplantes e que pretendem engravidar, e embora formuladas para aloenxertos renais, também têm sido extrapoladas para outros tipos de aloenxertos sólidos. Essa lista de orientações consiste no seguinte: 1) bom estado geral pelo menos nos 2 anos seguintes ao transplante; 2) dimensões pélvicas compatíveis com o trabalho de parto; 3) ausência de proteinúria; 4) ausência de hipertensão de relevo; 5) ausência de rejeição renal; 6) ausência de distensão pelvicalicial em urograma excretório realizado recentemente; 7) níveis de creatinina plasmática iguais ou inferiores a 2mg/dl; 8) terapia imunossupressora consistindo em valores de prednisona iguais ou inferiores a 15 mg/d e azatioprina de 3 mg/kg/d ou menos.4
Contudo, apesar de haver aconselhamento para mulheres transplantadas que desejam engravidar, a gravidez só por si é uma situação com algumas particularidades e em mulheres com aloenxertos estas ainda se tornam mais marcadas. Assim, é preciso ter atenção ao risco que a gestação pode ter não só na mãe, como também no aloenxerto (risco de rejeição ou perda de função em consequência da própria gravidez, mas também das alterações que podem ser feitas nas doses e tipo de medicação imunossupressora) e no feto (pelo risco de teratogenicidade dos imunossupressores).4
1) Transplante renal
Mulheres em idade reprodutiva (18-49 anos) e que apresentam doença renal terminal sofrem de uma importante diminuição da fertilidade, para valores 10 vezes inferiores aos de mulheres da mesma faixa etária mas saudáveis, bem como anovulação e irregularidades menstruais.6 À medida que a função renal cai, as irregularidades menstruais agravam-se e evoluem de oligomenorreia para amenorreia. Porém, a disfunção gonadal, provocada pela insuficiência renal, é revertida em alguns meses, em média 6 meses, após o transplante renal, aumentando a fertilidade destas mulheres cerca de 4 vezes em comparação com aquelas que se encontram em diálise.7 Assim, a maioria das mulheres transplantadas que eram anteriormente inférteis, passam a conseguir a concepção. Claro que para se constatar esta melhoria na fertilidade é importante que o aloenxerto se apresente estável assim como os níveis plasmáticos de creatinina (<1,4 mg/dl).1 Contudo, convêm salientar que uma gravidez não planeada, neste grupo de mulheres, pode comprometer a vida da mãe bem como a viabilidade do aloenxerto, assim como pôr em risco o feto pela exposição a doses ou tipos de imunossupressores potencialmente teratogénicos. Desta forma, é crucial que antes da concepção haja um planeamento e uma interação multidisciplinar de diferentes áreas da medicina. Até 2005, era recomendadoumperíododeespera,nomínimo2anos, entre o transplante e a concepção. porém com as melhorias na terapêutica imunossupressora e a evidência de baixos índices de rejeição alográfica precoce, a Ast (American society of transplantation) reformulou este período de tempo para um ano, no mínimo. Contudo ainda existe alguma controvérsia neste campo. Alguns estudos defendem que, se a concepção ocorrer entre os 2 primeiros anos póstransplante, o risco de parto pré-termo e aborto espontâneo é maior, e por outro lado, outros estudos defendem que este risco não existe. Perante isto, talvez seja mais sensato aconselhar as mulheres com aloenxertos a esperarem, no mínimo, um ano até à concepção, enquanto não surgirem estudos mais aprofundados e esclarecedores, assegurando assim uma maior estabilidade do transplante e um menor risco de infeção.8
Relativamente, à informação atualmente disponível, no que diz respeito ao prognóstico da gravidez em mulheres com alotransplante renal, um terço foi obtida a partir de registos e dois terços a partir de 23 estudos de corte retrospectivos de centros de 17 países do mundo. Dentro desses registos dos resultados de gravidez pós-transplante, temos a NTPR (National Transplantation Pregnancy Registry) oriunda dos Estados unidos da América, fundada em 1991; os registos de UK (United Kingdom), fundada em 1997; e por fim o registo da ANZDATA (The Australian and New Zeland Dialysis and Transplant Registry). Todos estes registos foram voluntários e os resultados reportados por médicos, coordenadoresde transplante e pelasmulheres submetidas ao transplante, de forma eletiva.7
A NTPR reuniu informação de 1356 gestações de 857 mulheres com aloenxertos renais da América do Norte, e os seus resultados foram em tudo semelhantes aos de UK e da Austrália/Nova zelândia. No que diz respeito, à percentagem de nados-vivos, esta foi bastante boa e consistente entre os dados dos três registos: NTPR reportou valores de 76-80 % (tratadas com inibidores da calcineurina); UK de 79 %; e ANZDATA de 76,9 % nas 577 gestações avaliadas. tanto os dados de NTPR como de UK, reportaram que as complicações neonatais mais comuns foram o parto pré-termo (<37 semanas) e o baixo peso ao nascimento (< 2500g), afetando aproximadamente 50 % dos casos. A média da idade gestacional foi de 35-36 semanas (NTPR e UK). Abortos espontâneos ocorreram em 12-24 % dos casos (NTPR) e verificaram-se raros casos de abortos terapêuticose nados-mortos (NTPR: 1-3%; UK: 0 %). Em relação, às complicações maternas, estas foram essencialmente hipertensão (NTPR: 53-68 %;UK:50%) e pré-eclâmpsia (NTPR:28-31%;ANZDATA: 27 %)8
NTPR concluiu que mulheres que engravidam, após transplante renal, apresentam uma boa probabilidade de terem gravidezes bem sucedidas (apesar de possíveis complicações) independentemente do número de gestações anteriores. Já a ANZDATA, reportou não existirem diferenças na sobrevida do aloenxerto renal entre as mulheres nulíparas e multíparas, 20 anos após o transplante. Conclui-se ainda que as gestantes com função renal e pressão arterial normais antes da concepção, evidenciam maior probabilidade de terem gestações bem sucedidas e sem complicações do que aquelas com má função do aloenxerto e hipertensão. Assim, níveis de creatinina antes da concepção superiores a 1,7 mg/dl, tal como a presença de hipertensão, estão associados a um maior risco de parto pré-termo. As mulheres com níveis de creatinina superiores a 1,7 mg/dl, antes da concepção, mais provavelmente sofrerão de um aumento dos níveis plasmáticos de creatinina após o parto, em comparação com aquelas que mantiveram boa função renal.8
Na sua maioria, os estudos retrospetivos dos centros foram bastante similares aos indicados anteriormente, variando a percentagem de nados-vivos entre 43,2 % e 85,7% e os casos de anormalidades congénitas e nados-mortos foram raros. Também aqui as principais complicações da gravidez foram o parto pré-termo e o baixo peso ao nascimento.8 os problemas de baixo peso ao nascimento e parto pré-termo não parecem estar associados com restrição do crescimento fetal nem parecem afetar o normal desenvolvimento dos recém-nascidos no futuro. Quanto às complicações maternas as mais frequentes foram também hipertensão e préeclâmpsia. Embora estes estudos considerem que o único motivo causal para o baixo peso ao nascimento é a prematuridade do parto,8 outros estudos consideram que a hipertensão, por si só, é uma co-morbilidade associada ao baixo peso ao nascimento.4 Pré-eclâmpsia neste grupo de gestantes é 3 a 4 vezes mais comum que nas gestantes saudáveis. Uma das possíveis causas para este fenómeno é o facto de muitas mulheres apresentarem hipertensão e proteinúria, ou seja disfunção renal, mesmo antes da concepção, sendo este um motivo importante de parto prematuro por cesariana.9 os casos de rejeição do aloenxerto durante a gestação foram raros.4,9 Dentro das pacientes submetidas a alotransplante, aquelas com história de gravidezes parecem ter a mesma função e sobrevida do aloenxerto que aquelas sem história de gravidez aos 1, 5 e 10 anos de evolução.10 Acrescentando ainda, que o risco de rejeição também não parece ser maior nas mulheres primíparas/multíparas.11 Todos estes estudos chegaram a conclusão que as gravidezes após transplante renal apresentam uma enorme probabilidade de serem bem sucedidas, porém com um maior risco de complicações como pré-eclâmpsia, hipertensão, infeções do trato urinário e anemia.9,10,11
2) Transplante Hepático
Similarmente à insuficiência renal terminal, a insuficiência Hepática em fase avançada também se faz acompanhar por uma diminuição da fertilidade e do líbido, bem como de irregularidades dos ciclos menstruais que em cerca de metade dessas mulheres culmina em amenorreia. Porém estas alterações podem ser corrigidas com transplante hepático, restabelecendo, na maioria dos casos, os ciclos menstruais em 1 ano. Vários estudos sugerem que este grupo de mulheres consegue ter uma gravidez bem sucedida desde que o aloenxerto se encontre estável. Para isso, os parâmetros hepáticos assim como renais devem ser constantemente monitorizados, juntamente com um ajuste nas doses de imunossupressores administrados. de qualquer forma, é aconselhável que estas mulheres esperem, no mínimo 1 ano, preferencialmente 2, para engravidarem após o transplante. Um estudo levado a cabo por NTPR, em 2006, reportou uma percentagem de episódios de rejeição aguda durante a gravidez de 7% e de perda do aloenxerto de 8%, nos 2 anos que se seguem ao transplante.12 Analisando vários artigos, abordando os resultados de gravidezes em mulheres submetidas a transplante hepático, conclui-se que a percentagem de nados-vivos se encontra entre 72,7%-80,7%, sendo maior que a da população em geral (66,7%), mas similar à das gestantes com aloenxertos renais (73,5%). A taxa de aborto para as gestantes com alo enxerto hepático foi de 12,3%-19,2%, sendo menor que a taxa da população geral (17,1%), mas similar à dos casos de transplante renal (14,0%). Apesar destes resultados serem animadores, constatou-se que a percentagem de complicações obstétricas e de partos pré-termo foi superior neste grupo de mulheres em comparação à população em geral. As principais complicações encontradas foram: préeclâmpsia (21,9%), hipertensão (27,2%) e diabetes gestacional (5,1 %). A taxa de pré-eclâmpsia deste grupo de mulheres foi ligeiramente inferior à encontrada para gestantes com aloenxertos renais (21,9% versus 27,0%), p= 0,04. Também, a percentagem de hipertensão foi significativamente menor nas gestantes pós-transplante hepático vs. pós-transplante renal (27,2% vs. 54,2 %), p <0,001. Não se verificaram diferenças significativas em relação à diabetes gestacional (5,1 % vs. 8,0 %), p=0,07. Em relação, à percentagem de partos por cesariana, esta foi maior nas gestantes com aloenxerto hepático comparativamente à população em geral (44,6% vs. 31,9%), mas significativamente menor que nas gestantes submetidas a transplante renal (44,6% vs. 54,2%, p< 0,001). A percentagem de partos pré-termo também foi maior nas mulheres com aloenxerto hepático do que na população em geral (39,4% vs. 12,5%), não sendo estatisticamente significativa a diferença entre os partos pré-termo pós-transplante hepático e renal (p= 0,07). Quanto à idade gestacional e à média do peso à nascença, ambas foram significativamente maiores nas gestantes pós-transplante hepático vs. Pós-transplante renal (36,5 vs. 35,6 semanas e 2866 vs. 2420 g, p< 0,001 para ambos).13
Segundo outro estudo, outras complicações possíveis da gravidez pós-transplante hepático, para além das acima referidas, são: infeção do trato urinário (18%), colestase (7,7%) e anemia severa (5,1%).12
Em comparação como transplante de outros órgãos sólidos, as gestantes com aloenxertos hepáticos, apresentam uma menor incidência de complicações durante a gravidez e menor número de perdas dos aloenxertos nos 2 anos que se seguem ao parto. Aumento das enzimas hepáticas, sem icterícia, é comum durante a gestação, sendo geralmente tratada com o aumento das doses de imunos supressores e/ou administração de esteróides. Embora raro, a falência hepática pode ocorrer, sobretudo se houver uma má adesão à terapêutica, rejeição celular aguda, recorrência de hepatite c ou de hepatite auto-imune.3
3) Transplante de pancreático e pancreático-renal
Existem 3 tipos de transplantes de pâncreas, sendo eles: transplante simultâneo de pâncreas e rim, sendo estes aloenxertos obtidos do mesmo dador falecido; transplante de pâncreas após transplante renal prévio, de diferentes dadores; transplante isolado de pâncreas em pacientes com diabetes mellitus tipo 1, que apresentam frequente e severa hipoglicemia, mas boa função renal.14 A diabetes mellitus (DM) tipo 1 é a principal causa de insuficiência renal nos adultos. Assim sendo, os transplantes pancreáticorenais, permitem o tratamento não só da DM tipo 1, como também da doença renal em fase terminal. Estes transplantes têm como vantagens não só o facto de eliminarem a necessidade de diálise e de tratamento com insulina, mas também prevenirem e estabilizarem complicações microvasculares e neuropáticas da DM e melhorarem a fertilidade das mulheres envolvidas.15
Comparativamente, aos transplantes renais, os transplantes pancreático-renais apresentam taxas semelhantes de abortos espontâneos e terapêuticos, porém taxas maiores de parto pré-termo, baixo peso ao nascimento, hipertensão, infeção, pré-eclâmpsia, rejeição aguda e perda de aloenxerto anos após a gravidez. o facto de nestes transplantes combinados, haver a presença de dois órgãos dentro da pelve é uma das causas de maior risco de complicações maternas e para o recém-nascido e de especial atenção na realização do parto por cesariana.16
De acordo com os dados da NTPR, mulheres com aloenxertos pancreático-renais apresentam 70,5% de nados-vivos. o risco de hipertensão é de 64,9% e de pré-eclâmpsia de 32,7%. A taxa de rejeição dos aloenxertos durante a gestação é de 5,5%, sendo de 2,8%, a percentagem de diabetes gestacional, o que indica que a maioria destas gestantes produz insulina suficiente para responder à necessidade aumentada de insulina durante a gestação. Como já referido anteriormente, o risco de infeções também se encontra aumentado em gestantes com aloenxertos pancreático-renais, tanto devido à redução das doses de imunossupressores como à presença de hidronefrose fisiológica, provocada pela compressão do ureter pelo útero. É importante o seu diagnóstico precoce, pois a pielonefrite está associada a complicações, como: sepsis materna, síndrome da dificuldade respiratória aguda, edema pulmonar e parto pré-termo.15
Nos casos de aloenxertos pancreáticos, a percentagem de sobrevida aos 5 anos para o aloenxerto e para a paciente é de 49% e80% respetivamente. Em aloenxertos pancreático-renais esta percentagem é de 73,9% para o aloenxerto e 84,7% para a paciente. A gestação neste grupo de gestantes, tende a apresentar um bom controlo metabólico, sendo que a pioria no controlo glicémico implica a realização de exames e análises para descartar a possibilidade de rejeição.3
Resumindo, neste tipo de gestações é crucial uma interação multidisciplinar, incluindo especialistas de Endocrinologia, Nefrologia, obstetrícia e cirurgiões de transplantes.
4) transPlante de órgãos torácicos
Embora descritas gravidezes bem sucedidas em mulheres submetidas a transplante cardíaco, cardíaco-pulmonar e pulmonar, a verdade é que estas gestantes apresentam um risco superior de complicações maternas e fetais, tais como hipertensão, pré-eclâmpsia, infeção, parto pré-termo e baixo peso ao nascimento, bem como de rejeição ou perda do aloenxerto. Estas complicações agravam-se no caso de o aloenxerto ser pulmonar.3,17,18,20
A gravidez está associada a uma série de modificações hemodinâmicas, tais como um aumento do volume circulante de 40% e do débito cardíaco de 30%.17 para além disso, o coração transplantado apresenta desenervação e portanto um enfarte agudo do miocárdio pode não se manifestar com a típica dor torácica. Apesar de tudo, não parece haver uma maior incidência de enfarte agudo do miocárdio, bem como de outras complicações para o aloenxerto, durante a gravidez, se este se apresentar estável antes da concepção.3
Uma gestante com aloenxerto cardíaco, pode apresentar um risco aumentado de complicações cardiovasculares. por conseguinte é importante uma monitorização cardíaca apertada, com realização de electrocardiograma e ecocardiograma e, se for necessário (em caso de instabilidade do aloenxerto) biópsias miocárdicas e cateterização cardíaca. As biópsias são sobretudo importantes em casos de suspeita clínica de rejeição.18
Segundo um estudo levado a cabo por Armani e colaboradores, em várias grávidas, sendo que a média do intervalo entre o transplante cardíaco e a concepção foi de 4, 1 anos, as percentagens das complicações observadas foram: rejeição, 21 %; infeção durante a gestação, 21%; hipertensão, 46%; pré-eclâmpsia, 10%; abortos terapêuticos, 9%; aborto espontâneo,17%; partos prematuros (<37semanas), 32%; e baixo peso ao nascimento (<2500g), 32%. A percentagem de nados-vivos foi de 69% e a média da idade gestacional e do peso ao nascimento foi de 37 semanas e 2717 g, respetivamente.19
Nas gravidezes pós-transplante pulmonar, a informação existente é limitada. Porém, os transplantes pulmonares são os que apresentam pior sobrevida a curto e a longo prazo, tanto para o aloenxerto como para a paciente, em comparação com outros transplantes de órgãos sólidos. Apesar de haver registo de gravidezes bem sucedidas, a verdade é que este grupo de gestantes parece apresentar uma gestação de maior risco em comparação com as gestantes submetidas a transplantes de outros órgãos sólidos. Segundo, Armenti e colaboradores, baseados nos dados da NTPR, as complicações observadas, foram: hipertensão, 53%; diabetes gestacional, 27%; infeção, 20%; rejeição durante a gravidez, 27%; préeclâmpsia, 13 %; aborto terapêutico, 33%; aborto espontâneo, 13%; parto pré-termo (<37 semanas), 63%; baixo peso ao nascimento (<2500 g), 63%. A percentagemdenados-vivosfoide53%eamédiada idade gestacional e do peso ao nascimento foi de 35 semanas e 2285 g, respetivamente. para além disso, constatou-se que a probabilidade de perda do aloenxerto em 2 anos após a gravidez é de 21%.18
Tal como no sistema cardiovascular, também o sistema pulmonar sofre alterações fisiológicas durante a gravidez, devido ao aumento da progesterona. Há uma estimulação da respiração, e a capacidade residual funcional diminui, aproximadamente10-20%.
O volume expiratório forçado no 1º minuto (FEV1) não parece sofrer alterações durante a gravidez, por conseguinte quando se verifica uma descida neste parâmetro é difícil avaliar se será secundário a um simples distúrbio da função pulmonar ou se traduz, de facto, a rejeição.20
Para terminar, se a patologia que estiver na base do transplante cardíaco ou pulmonar for uma doença genética (miopatias mitocondriais, fibrose cística) convêm o casal ter um acompanhamento genético pré-concepção.
5) Terapia imunossupressora durante a gravidez
Para que durante a gravidez pós-transplante não haja rejeições, é crucial que as gestantes mantenham a terapia imunossupressora, embora, obviamente com alguns ajustes. Devido às alterações durante a gestação, no metabolismo e biodisponibilidade dos fármacos, as concentrações plasmáticas dos imunossupressores podem diminuir. Por conseguinte, estas concentrações devem ser monitorizadas com frequência, procedendo a ajustes se necessário, tendo em atenção as necessidades da paciente transplantada, mas também o risco teratogénico que estas doses podem ter no recém-nascido. Também é preciso, estar atento, aos casos de gestantes com hiperemesis gravidarum, que podem apresentar doses imunossupressoras insuficientes. A longo prazo, os recém-nascidos deste grupo de gestantes, parecem apresentar um desenvolvimento normal, contudo, durante o primeiro ano de vida, estes recém-nascidos podem apresentar certas anormalidades imunológicas, sendo necessário ter isto em conta durante a vacinação destes recém-nascidos.21
Conclusão
Na maioria dos casos, os transplantes de órgãos sólidos, melhoram a sobrevida e a função reprodutiva das pacientes. contudo, em certos casos, mulheres submetidas a transplantes não conseguem engravidar naturalmente, tendo de recorrer à reprodução medicamente assistida.
Segundo a American society of transplantation consensus conference on reproductive issues, aquando do planeamento deste tipo de gravidez, há certos fatores que devem ser tidos em conta. sendo eles:
1. O risco de rejeição e infeção;
2. Terapia concomitante com medicação teratogénica ou tóxica;
3. Função adequada do aloenxerto.
Concluindo, gestações pós-transplante de órgãos sólidos são passíveis de acontecer, embora seja necessário a intervenção de uma equipa multidisciplinar, uma vez que estas mulheres apresentam certos riscos acrescidos. Dentro dos casos reportados de gestação pós-transplante de órgãos sólidos, a maior parte é de aloenxertos renais, sendo importante a análise de um maior número de casos, para outro tipo de órgãos sólidos, bem como, um acompanhamento a longo prazo destas pacientes e dos seus filhos.
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Rita miranda
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Al. Prof. Hernâni Monteiro -4200-319 Porto. E-mail: ritavmiranda@gmail.com
Data de recepção / reception date: 03/04/2013
Data de aprovação / approval date: 27/08/2013