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Arquivos de Medicina
versão On-line ISSN 2183-2447
Arq Med vol.29 no.2 Porto abr. 2015
CASOS CLÍNICOS/ /SÉRIE DE CASOS
Lombalgia: Um diagnóstico diferencial raro
Low back pain: a rare differential diagnosis
Miguel Tadeu Reis e Silva1
1 Departamento de Medicina Física e de Reabilitação, Centro Hospitalar Lisboa Central
RESUMO
Apresenta-se o caso de uma doente internada no Serviço de Medicina Interna com os diagnósticos principais de Traqueobronquite aguda a descompensar Insuficiência Cardíaca de base. À observação, para além do quadro respiratório/cardiovascular, a doente apresenta queixas álgicas lombares referidas a L1-L4, presentes mesmo em repouso, Murphy renal negativo e Lasègue negativo bilateralmente. Após revisão das radiografias lombares realizadas em internamento, é detetada imagem de contornos calcificados, sacular e localizada anteriormente aos discos vertebrais de L3-L4. Pela presença concomitante de abdómen pulsátil e diminuição dos pulsos periféricos dos membros inferiores, é pedida AngioTAC com o intuito de despistar provável Aneurisma da Aorta abdominal. O mesmo exame confirma a presença de volumoso Aneurisma abdominal que condiciona fluxo arterial numa das artérias renais, com consequente atrofia.
Palavras-chave: lombalgia, aneurisma
ABSTRACT
We present a case of a patient admited in an Internal Medicine ward with the main diagnosis of an acute bronchitis and heart failure. At the observation, the patient referred pain to the L1-L4 area, that wasnt relieved by rest, a negative renal Murphy and a negative bilateral Lasègue. During the review of the lumbar radiographs, it was detected a sacular figure of calcified borders, before the L3-L4 vertebrae. By the concomitante presence of a pulsatile abdómen and a decrease of the peripheric pulse in the inferior members, the medical team ordered an AngioCT to despite a possible Abdominal aortic aneurysm(AAA) . The exam confirmed a bulky AAA that impaired the arterial flux to the left renal artery.
Key-words: LOW back pain, aneurysm
Introdução
A dor lombar é uma queixa frequente nas consultas de Medicina, estimando-se que 80% da população irá apresentar esta queixa em algum momento da sua vida, dos quais 90% terão um curso benigno1. Embora a maioria dos doentes apresentem uma causa neurológica ou os teomuscular para as queixas, cerca de 8% apresentam uma causa não-mecânica, condicionada por patologia visceral2, cujo atraso no diagnóstico pode ter consequências graves e potencialmente fatais.
A lista de diagnósticos diferenciais é extensa, apresentando alguns diagnósticos especificidades relevantes.
Devida à extensa lista de diagnósticos diferenciais, foram criadas red flags (Tabela 2), cuja presença durante a história clínica e/ou exame objetivo, implica um estudo etiológico mais aprofundado.
Os autores descrevem o seguinte caso clínico para alertar para a necessidade de se proceder à história clínica e exame objetivo cuidadoso em doentes com queixas de lombalgia.
Caso clínico
Sexo feminino, 68 anos, previamente autónoma, com antecedentes pessoais de: -Doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) de etiologia tabágica -Cardiopatia isquémica com enfarte agudo do miocárdio submetido a angioplastia 6 meses antes -Hipertensão arterial; Diabetes mellitus tipo 2 Internada no Serviço de Medicina Interna por traqueobronquite aguda a descompensar DPOC e Insuficiência cardíaca (IC) de base. Apresentava concomitantemente Hipertensão arterial (HTA) de difícil controlo farmacológico e lombalgia intensa com 3 meses de evolução, não agravada pelo movimento e sem alívio com o repouso.
Ao exame objetivo, a dor lombar não era exacerbada a palpação das apófises espinhosas lombares ou dos músculos para vertebrais. O Lasègue era negativo bilateralmente, bem como o Murphy renal.
Foram pedidos exames imagiológicos que revelaram uma cifose dorsal de 48º e escoliose lombar direita de 5º. Na radiografia de perfil lombar (Figura 1
), notava-se esboço de imagem sacular de contornos calcificados anteriormente a L3-L4.
) que revelou a presença de um AAA com uma extensão longitudinal de 125mm por 50x50mm de diâmetros axiais. Apresentava envolvimento da artéria mesentérica inferior e da emergência da artéria renal esquerda, associada a rim atrófico não funcionante.
À data de alta, encontrava-se estabilizada do ponto de vista respiratório, mantendo ligeiras queixas álgicas lombares, e em lista de espera para colocação de endoprótese.
Discussão
Os Aneurismas da Aorta Abdominal (AAA) são definidos por uma dilatação focal da Aorta abdominal >3cm e têm uma prevalência de 7.6% em homens e 1.3% em mulheres entre os 65 e 80 anos4. Os antecedentes pessoais de tabagismo, aumentam o risco de vir a desenvolver AAA entre 3 a 5 vezes, bem como todos os seguintes factores: presença de antecedentes familiares com AAA Or 1.94 (95% IC: 1.63-2.32); doença coronária OR 1.52 (95% IC: 1.37-1.68); hipercolesterolémia OR 1.44 (95% IC: 1.27-1.63) e doença cerebrovascular OR 1.28 (95% IC: 1.11-1.47)5.
Estima-se que cerca de 50% dos doentes com Aneurismas da Aorta Abdominal apresentem queixas de dor lombar. O mecanismo da dor ainda não se encontra esclarecido, admitindo-se várias hipóteses como a da erosão dos corpos vertebrais, trauma dos tecidos moles adjacentes e pequenas disseções da íntima. uma das hipóteses mais debatidas é a de que a aterosclerose e a disseção da Aorta abdominal cause alterações do fluxo circulatório local, com consequente hipóxia dos músculos paravertebrais e discos vertebrais.
O principal risco dos AAA é a sua rutura, que se encontra associada a elevadas taxas de mortalidade, morrendo cerca de 62% dos doentes antes da admissão hospitalar. Mesmo a própria intervenção cirúrgica após rutura tem uma taxa de mortalidade de 80%, o que enfatiza a importância do diagnóstico precoce.
O caso apresentado trata-se de um diagnóstico diferencial raro de lombalgia, com uma apresentação inicial com uma única red flag: a ausência de melhoria das queixas álgicas com o repouso. no entanto, a doente apresentava múltiplos fatores de risco como idade superior a 65 anos, ser fumadora, portadora de doença pulmonar obstrutiva crónica e aterosclerótica e de ter sido submetida a procedimento endovascular 6 meses antes.
Apenas após o diagnóstico se obteve uma etiologia para a hipertensão arterial resistente à terapêutica farmacológica, explicada pelo ligeiro compromisso da origem da artéria renal direita (único rim funcionante) e consequente hiperatividade do eixo renina angiotensina-aldosterona.
A doente não apresentava sinais imagiológicos sugestivos de erosão dos corpos vertebrais (sugerida como causa de dor em alguns estudos), admitindo-se como possível origem das queixas álgicas uma compressão radicular por posterolistese grau I de L4 sobre L5, provavelmente condicionada pela compressão da dilatação aórtica anterior.
Considerando as dimensões do aneurisma diagnosticado, a doente apresentava um risco de morte por rutura de 25% no primeiro ano e de 50% nos 5 anos seguintes.
O AAA, embora raro, é um diagnóstico diferencial relevante de lombalgia que, pela sua gravidade, deve ser tido em consideração na abordagem destas queixas.
Referências
1. Walker BF. The prevalence of low back pain: a systematic review of the literature from 1966 to 1998. J Spinal Disord. 2000 Jun;13(3):205-17. [ Links ]
2. Jarvik JG, Deyo RA. Diagnostic evaluation of low back pain with emphasis on imaging. Ann Intern Med. 2002;137:586-597 [ Links ]
3. Bigos SJ, Bowyer OR, Braen GR , Brown K, Deyo R, Haldeman S, et al. Acute low back problems in adults. Clinical practice guideline no. 14 (AHCPR publication no. 95-0642). Rockville, Md.: U.S. Department of Health and Human Services, Public Health Service, Agency for Health Care Policy and Research, December 1994. [ Links ]
4. Guirguis-Blake JM, Beil TL, Senger CA, Whitlock EP. Ultrasonography screening for abdominal aortic aneurysms: a systematic evidence review for the U.S. Preventive Services Task Force. Ann Intern Med. Mar 4 2014;160(5):321-9. [ Links ]
5. Lederle FA, Johnson GR , Wilson SE, et al. The aneurysm detection and management study screening program: validation cohort and final results. Aneurysm Detection and Management Veterans Affairs Cooperative Study Investigators. Arch Intern Med. 2000;160:1425-1430. [ Links ]
Miguel Tadeu Reis e Silva
Departamento de Medicina Física e de Reabilitação, Centro Hospitalar Lisboa Central, Rua de Santa Marta, 1169-024 lisboa. E-mail: miguel_trs@Hotmail.com
Data de recepção / reception date: 08-04-2014
Data de aprovação / approval date: 18-09-2014