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Arquivos de Medicina
versão On-line ISSN 2183-2447
Arq Med vol.29 no.3 Porto jun. 2015
CASOS CLÍNICOS/SÉRIE DE CASOS
Um caso raro de associação entre silicose e lúpus eritematoso sistémico
A rare case of association between silicosis and systemic lupus erythematosus
Luis Val-Flores1, Sergio Campos1, Joana Frutuoso1, Francisco San Martin1, Isabel Maldonado1, Rosa Amorim1
1Serviço de Medicina, Unidade de Caldas da Rainha, Centro Hospitalar Oeste
RESUMO
A hipótese de que a exposição à sílica esteja associada a doenças auto-imunes, incluindo lúpus eritematoso sistêmico, tem sido discutida nas últimas décadas. Porém, poucos casos de silicose e lúpus estão descritos na literatura. Os autores relatam o caso de um doente na 3ª década de vida, com antecedentes de exposição à sílica aproximadamente durante 9 a 10 anos. O doente apresentou quadro clinico de artralgias, febre e tosse. Realizou Tomografia Computorizada de Tórax descrevendo processo intersticial difuso, enfisema centrolobular, nódulos bilaterais, calcificações hilares e mediastínicas compatíveis com silicose pulmonar e ganglionar. Estudo de autoimunidade foi positivo para Anticorpos Anti nucleares, Anti DNA e complemento baixo que associado a derrame pericárdico e pleural, leucopenia e proteinuria, permitiu firmar o diagnóstico de Lupus associado a Silicose Pulmonar.
Palavras-chave: silicose, lupus eritematoso sistémico, doenças auto imunes
ABSTRACT
The hypothesis that silica exposure is associated with autoimmune diseases, including systemic lupus erythematosus has been discussed in the last decades. However, few cases of silicosis and lupus have been described in the literature. The authors report the case of a patient in the 3rd decade of life, with history of exposure to silica for 10 years. The patient had clinical features of arthralgia, fever and cough. Performed computed tomography of the chest, that disclosed diffuse interstitial process, centrilobular emphysema, bilateral nodules, hilar and mediastinal calcifications compatible with pulmonary and lymph node silicosis. Autoimmunity was positive for ANA's Anti DNA, low complement, that associated with pericardial and pleural effusion, leukopenia and proteinuria allowed to establish diagnosis of Lupus associated with pulmonary silicosis.
Key-words: silicosis, systemic lupus erythematosus, auto immune diseases
Introdução
A silicose é uma doença ocupacional do pulmão, fibronodular intersticial difusa, causada pela inalação de sílica cristalina (nas formas de quartzo – mas também cristobalite, tridimite, stishovite e coesite)1. A silicose é talvez a pneumoconiose mais antiga. Foi Visconti, em 1870, que utilizou o termo silicose pela primeira vez, mas esta játinha sido descrita em múmias do antigo Egipto e Grécia2.
Estudos recentes têm relacionado a possível ligação entre exposição ocupacional à poeira cristalina da sílica e algumas Doenças Auto-imunes (DAI), como a Artrite Reumatóide, Esclerodermia, Granulomatose de Wegener, Anemia Hemolítica, Dermatomiosite, Síndrome de Sjögren, Doença de Graves e Lúpus Eritematoso Sistémico (LES)3-5. Devido à natureza crônica de ambas as condições, há dificuldade em estabelecer uma relação temporal, sendo possível que algumas DAI predisponham alguns indivíduos expostos à sílica a desenvolver silicose6.
A silicose está muitas vezes associada a alterações da resposta imune condicionando a positividade do fator antinuclear (ANA), do fator reumatoide (FR), hipergamaglobulinemia (igA e igG), além de alterações nos linfócitos T (T helper e T supressor)6. Apesar da associação já estar descrita na literatura, os mecanismos responsáveis entre a exposição ocupacional à sílica e as DAI ainda não estão devidamente identificados. Alguns trabalhos demonstraram que o LES é mais frequentemente diagnosticado em doentes com silicose quando comparados com hospitalizações por outras doenças,porém,são raros os relatos que descrevem essa associação4,5.
Caso clínico
Homem de 30 anos, leucodérmico, trabalhador em Pedreira no Distrito de Santarém na secção de armazém e acondicionamento de sílica. Relata-se uma exposição contínua a sílica durante 10 anos com média de 8 horas/diárias, 5 a 6 dias por semana. Usava equipamento de protecção do aparelho respiratório, sendo nos primeiros 4 a 5 anos, máscara descartável modelo semifacial com Filtro P1 e posteriormente P2 ou P3. Iniciou um mês antes do internamento, quadro de febre (máximo de 39 – 39.5 º Celsius) associado a artralgias metacarpofalângicas sem sinais de artrite e tosse não produtiva. é medicado empiricamente com antipiréticos e posteriormente com antibiótico (claritromicina) sem resolução do quadro. Realiza em ambulatório telerradiografia de tórax demonstrando espessamento do interstício, reforço hilar acentuado bilateralmente com esboço de formações cálcicas para-hilares (Figura 1). Inicia levofloxacina e realiza tomografia computorizada (TC) de tórax sendo posteriormente referenciado ao serviço de urgência por persistência do quadro.
À admissão doente estava lúcido, temperatura auricular de 38,2 º Celsius, T.A. 96/45 mmHg, Fc 107 bpm, SatO2 periférica 90 % sem aporte suplementar.
Auscultação cardíaca com taquicardia sem sopros audíveis, auscultação pulmonar com finas crepitações nas bases bilateralmente. Abdómen mole, depressível sem organomegalias, membros inferiores sem edemas. Adenopatia axilar direita e inguinais bilateralmente +/-1 cm móveis, consistência elástica e indolores. Analiticamente a salientar, leucócitos de 4,1x109u/L, sem neutrofilia, proteína Creativade 1,2 mg/dL, desidrogenase láctica 468 u/l, AST 186 u/L, ALT 77 u/L, Gama GT 164, sem outras alterações. A TC Tórax que o doente realizou em ambulatório demonstrava opacidades nodulares (8 – 10 mm) envolvendo ambos os lobos superiores e e segmento apical dos lobos inferiores, enfisema centrilobular e infiltrado micronodular difuso, padrão de vidro despolido difuso com inúmeras adenopatias calcificadas mediastínicas e hilares sugerindo contexto sequelar de silicose (Fig. 2). Foi internado no Serviço de medicina para esclarecimento do quadro clínico.
O estudo e despiste de causa infecciosa foi negativo para vírus, bactérias e micobactérias, incluindo exames culturais de urina, sangue e lavado bronco-alveolar.
O Ecocardiograma transtorácico descartou vegetações valvulares, sem alterações da cinética e sem evidência de hipertensão pulmonar, revelando pericárdio espessado com pequeno derrame pericárdico. Analiticamente evoluiu com leucopénia de 2,9 x 109 u/L sem trombocitopenia, agravamento de LDH para máximo de 1390 u/L, AST 397 u/L, ALT 201 u/L, GamaGT 287 u/L e FA 131 u/L, mantendo níveis de PCR baixos. O proteinograma revelou dimimuição da albumina, aumento da Alfa 1 e Gama globulina com hipergamaglobulinemia (igG). Por persistência de picos febris diários (38,5 – 39,5 º Celsius) sem cedência aos anti piréticos, associado a leucopénia e GSA com hipoxemia sem aporte suplementar, repetiu TC Tórax, sendo sobreponível ao anterior,excepto na presença de derrame pleural direito “de novo”(Fig. 2).
Do estudo imunológico salienta-se Anticorpos Anti DNA 56,1 (Positivo > 15), Anticorpos Anti nucleares (ANA´s) positivo › 1: 640 (Padrão homogéneo), complemento C3 e C4 diminuídos. urina II com proteinúria, tendo efetuado urina de 24 horas contabilizando no total proteinúria de 768 mg.
Após resultados de exames complementares, iniciou corticoides na dose de 1mg/kg/dia para tratamento de LES, com a pirexia após 24 horas de corticoterapia, posterior melhoria do estado geral e normalização dos parâmetros analíticos. Teve alta clínica ao sendo referenciado a consulta externa de medicina interna e Pneumologia para seguimento clínico.
Discussão
Estudos recentes apontam para uma associação entre a exposição à sílica e doenças do foro auto imune, com maiores evidências ao nível de Artrite Reumatoide, Esclerodermia e LES 3 – 6, no entanto com poucos relatos na literatura.
A fisiopatologia da silicose relaciona-se com a inalação das partículas de sílica que após penetrarem no pulmão depositam-se nos espaços alveolares, tecido pulmonar e gânglios linfáticos, desencadeando uma resposta inflamatória com a expressão de mediadores inflamatórios7. A tentativa de fagocitose das partículas de sílica pelos macrófagos associado ao recrutamento de várias células inflamatórias, promove o desenvolvimento de fibrose e granulomas, causando alteração na estrutura do parênquima pulmonar, progredindo para doença pulmonar fibrosante4.
Mediante o espaço temporal de exposição à silicose, podemos do ponto de vista conceptual, designar a silicose de aguda quando a exposição é intensa e surge 1 a 3 anos após o início da exposição, acelerada quando a exposição é de 5 a 10 anos evoluindo frequentemente para fibrose, e crónica quando a exposição é de cerca 15 a 30 anos8. O diagnóstico de silicose baseia-se na historia documentada de exposição à sílica e nas alterações radiológicas com aparecimento de opacidades nodulares, sendo classificada mediante de critérios estabelecidos pela Internacional Labor Office (ILO), nos quais se incluem o envolvimento pleural, o tamanho, número e dimensões das opacidades nodulares9.
No nosso caso, o diagnóstico de silicose pulmonar foi estabelecido pela história de exposição à poeira da sílica e pelas alterações radiológicas compatíveis com silicose pulmonar de acordo com o ILO. A exposição e evolução temporal, permite classificar o nosso caso clinico como uma silicose acelerada.
Simultaneamente, o LES foi estabelecido através dos critérios clínicos e laboratoriais do American College of Rheumatism10 (Tabela 1) reunindo critérios clínicos com presença de serosite (derrame pericárdico e derrame pleural), hematológicos demonstrados pela leucopénia, renais com proteinúria em Urina II (+++) e de proteínas totais 24 h › 500 mg e por fim, imunológicos pela presença de Anticorpos Anti DNA de 56,1 (Positivo > 15), ANA´s positivo › 1: 640 (Padrão homogéneo) ecomplemento C3e C4 diminuídos.
Permanece desconhecido nos doentes portadores de patologia auto imune se a silicose é simplesmente um marcador de alta exposição à sílica, ou se representa um processo patológico que pode predispor determinados indivíduos a desenvolver fenómenos de auto imunidade. Simultaneamente é possível que a DAI predisponha ao desenvolvimento de silicose5. Como estamos na presença de doenças crónicas tor-na-se difícil estabelecer uma relação temporal entre ambas, salientando-se a necessidade da realização de estudos controlados com propósito de avaliar a interação entre a fisiopatologia da silicose e LES.
Referências
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2. Corn J. Historical aspects of industrial hygienesilicosis. Am. ind. Hyg. Assoc. J; 1980; 41:125 -132. [ Links ]
3. Sanchez RJ, Wichmann I, Salaberri J, Varela JM, Nuñez-Roldan A. Multiple clinical and biological auto immune manifestations in 50 workers after occupational exposure to silica. Ann. Rheum. Dis. 1993;52: 534-8. [ Links ]
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7. Garn H, Friedtzky A, Davis GS, Hemenway DR, Gemsa D. T-lymphocyte activation in the enlarged thoracic lymph nodes of rats with silicosis. Am. J. Respir. Cell mol. Biol. 1997;16:309-16. [ Links ]
8. Diseases associated with exposure to silica and nonfibrous silicate minerals. Silicosis and Silicate Disease Committee. Arch Pathol Lab med. 1988;112(7):673-720. [ Links ]
9. International Labor Office. Guidelines for the use of the ILO international Classification of radiographs of Pneumoconiosis. Revised Edition 2000. International Labor Organization, Geneva, Switzerland. [ Links ]
10. Petri m, Orbai Am, S.Alarco G, Gordon C, merrill JT, Fortin PR, et al. Derivation and Validation of the Systemic Lupus international Collaborating Clinics Classification Criteria for Systemic Lupus Erythematosus, Arthritis & Rheumatism, American College of Rheumatology 2012, Vol. 64 , p. 2677–86 [ Links ]
Luis Silva Val – Flores
Serviço de Medicina, Unidade de Caldas da Rainha, Centro Hospitalar Oeste, Rua Diário de Notícias. E-mail: luisvalflores@gmail.com
Data de recepção / reception date: 13-07-2014
Data de aprovação / approval date: 07-10-2014