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Arquivos de Medicina
versão On-line ISSN 2183-2447
Arq Med vol.29 no.5 Porto out. 2015
INVESTIGAÇÃO ORIGINAL
Em tempo de recessão, os adolescentes portugueses continuam saudáveis e felizes ou são ainda saudáveis mas já não felizes?
In times of economic recession, did Portuguese adolescents stay healthy so far, but no longer happy?
Margarida Gaspar de Matos1,2,3, Marta Reis1,2, Inês Camacho1,2, Celeste Simões1,2, Diego Gomez-Baya4, Catarina Mota1, Gina Tomé1,2,5, Tânia Gaspar1,2,6, Maria do Céu Machado7 & Equipa Aventura Social
1Equipa Aventura Social, FMH, Universidade de Lisboa
2Isamb, Universidade de Lisboa
3Wjcr / ISPA, Instituto Superior de Psicologia Aplicada
4 Universidad Loyola Andalucía
5FCM, Universidade Nova de Lisboa
6Universidade Lusíada de Lisboa
7 FM, Hospital Stª Maria, Universidade de lisboa
RESUMO
Introdução: O presente estudo tem como objetivo compreender a evolução dos comportamentos de saúde e de risco dos adolescentes portugueses desde 1998 a 2014, com especial foco no período desde 2010 que coincide com o início da crise económica em Portugal. .
Métodos: O estudo conta com a participação de adolescentes incluídos no estudo HBSC-Health Behaviour in School-aged Children, desde 1998, em Portugal, sendo a amostra constituída por 28 987 jovens do 6º 8º e 10º ano de escolaridade, correspondentes a 5 séries do estudo.
Resultados: Aumentou em 2014 a percentagem de jovens que referiram mal estar físico e psicológico, comportamentos autolesivos e menores expectativas de futuro, nomeadamente ir para a universidade. Regista-se ainda um aumento dos jovens que reportam situações de fome.
Conclusões: Esta investigação vem reforçar a importância de prevenir os efeitos da crise económica na saúde e nos comportamentos dos jovens portugueses e aponta algumas implicações nas políticas públicas nomeadamente na educação, saúde, emprego e solidariedade. . A saúde dos adolescentes é o exemplo do conceito Saúde em todas as Políticas. Em tempos de recessão económica o planeamento estratégico para os jovens deve envolver todas as áreas referidas como forma única de os preparar para um futuro com saúde.
Palavras-chave: recessão, fatores macroeconómicos, saúde, felicidade, adolescência
ABSTRACT
Overview: This study goal is to understand the evolution of health and risk behaviours in the Portuguese adolescents since 1998 to 2014 with a special focus on the Portuguese economic crisis.
Methods: This study includes adolescents who are part of the HBSC project/study-Health Behaviour in School-aged Children since 1998 in Portugal, s 28 987 young people from the 6th, 8th and 10th grade were, corresponding to 5 sets of the study.
Results: in 2014 these youngsters reported more frequently physical and psychological symptoms, self-injurious behaviours and lower expectations about the future, for example, the vast majority do not plan to go to University. It was also acknowledged that there was a significant increase in the number of young people who report hunger.
Conclusion: This research reinforces the importance of preventing the effects of the economic crisis on the health and behaviour of the young Portuguese population and highlights some implications for the public policies of the education and health, employment and social sectors. Adolescent health is the paradigm of Health in all Policies. During economic downturn periods, youth strategic planning should integrate all the referred areas as the unique way to prepare them for a future with health.
Key-words: recession, macroeconomic factors, health, happiness, adolescence
Introdução
Vários estudos têm demostrado que a crise económica exerce influência negativa na saúde e nos comportamentos4 na população adulta56. Contudo, e apesar de haver fortes razões para se pensar que as famílias e as suas circunstâncias socioeconómicas influenciam tanto o bem-estar dos pais como os dos seus filhos78, a verdade é que estudos sobre os potenciais efeitos da recessão na saúde dos adolescentes são ainda escassos.
De acordo com o instituto nacional de Estatística (INE)1,2,3 em Portugal tem vindo a diminuir o número de nascimentos (Tabela 1). A queda dos nascimentos condiciona uma diminuição das crianças inscritas na escola assim como no 2º ciclo (285.088 em 1998 e 252.667 em 2013) e no 3º ciclo (456.176). A UNICEF alerta que em Portugal existe um elevado risco de consequências ao nível da saúde dos adolescentes a médio e longo prazo, sobretudo devido aos níveis elevados de pobreza infantil resultante do desemprego e das privações socioeconómicas nas famílias9. Um estudo conduzido em 31 países mostrou que Portugal e a Irlanda foram os únicos países que reportaram até ao momento um aumento de sintomas relacionados com a saúde mental dos adolescentes (9-17 %) sobretudo associadas ao aumento do desemprego dos pais10. Dados prévios do estudo HBSC Portugal, mostram que o desemprego na família está associado a um pior bem estar psicológico e a um menor planeamento e expectativas do futuro escolar nos adolescentes. Além disso, estes adolescentes revelam ainda índices de satisfação com a vida mais baixos que os adolescentes cujas expectativas escolares são mais elevadas11,12. Nos Estados Unidos, uma maior taxa de desemprego mostrou aumentar significativamente a probabilidade de ideação suicida nas adolescentes raparigas13.
Há evidência da importância da investigação quanto aos hábitos e estilos devida na adolescência para melhor compreensão dos comportamentos de risco adotados14,15,16,17,18,19,20,21.
A alimentação, o número de horas e a qualidade do sono, o consumo de substâncias, a relação com os pais e familiares e com o grupo de pares, o bem estar percecionado, a sexualidade, a relação com a escola são comportamentos/situações relevantes na saúde dos jovens e foram avaliados no estudo HBSC em Portugal desde 199814,15,16,17,18,19,20,21,22,23.
Para além da evolução destes comportamentos no período estudado -1998-201414,15,16,17,18 e a sua comparação com adolescentes da mesma idade noutros países europeus24,25,26,27 é interessante verificar a estabilidade do impacto de alguns moderadores como é o caso do género e da idade. São as raparigas que referem com mais frequência sentir-se sós, pouco felizes e saudáveis, no entanto são os rapazes que reportam maiores níveis de iniciação e consumo de substâncias como é o caso do álcool, tabaco ou drogas, e de comportamentos de violência interpessoal14,15,16,17,18,24,25,26,27. O conhecimento destas diferenças é fundamental para traçar estratégias de prevenção universal e seletiva e do desenho de intervenções futuras no domínio da promoção da saúde. O presente trabalho pretende refletir sobre evolução dos comportamentos associados à saúde e comprometedores da saúde nos adolescentes portugueses de acordo com o estudo HBSC da Organização Mundial de Saúde, e tentar compreender de que forma os fatores macroeconómicos em Portugal desde 1998 aparecem associados a esses comportamentos.
Métodos
Participantes
O estudo Português incluiu alunos dos 6º, 8º e 10º anos do ensino público regular. A amostra total das 5 séries de estudos entre 1998 e 2014, inclui 28.987 alunos.
O estudo HBSC é realizado de 4 em 4 anos conta com a participação de 43 países Europeus e da América do Norte, em colaboração com a Organização Mundial de Saúde28. O estudo tem como objetivo a compreensão do comportamento de saúde dos adolescentes, saúde e bem-estar no seu contexto social, e comparações nacionais e internacionais 24,25,26,27,28.
Instrumento
O questionário utilizado neste estudo foi o adotado nos estudos internacionais do HBSC Health Behaviour in School-aged Children nas repectivas séries desde 199824,25,26,27,29.
Todas as questões seguiram o protocolo internacional, englobando questões demográficas (idade, género e estatuto socioeconómico); questões relativas aos hábitos alimentares, de higiene e sono; imagem do corpo; prática de atividade física; tempos livres e novas tecnologias; uso de substâncias; violência; família e ambiente familiar; relações de amizade e grupo de pares; escola e ambiente escolar; saúde e bem-estar; e comportamentos sexuais. O questionário português inclui questões específicas nacionais tais como o sono, o impacto da recessão económica, as autolesões e a vivência da doença crónica.
Procedimento
A unidade de análise usada neste estudo é a turma. Escolas e turmas foram sorteadas a partir das listas nacionais oficiais e a amostra é proporcional ao número de alunos inscritos em cada uma de 5 zonas geográficas nacionais (Norte, Centro, Lisboa e Vale do tejo, Alentejo e Algarve) segundo dados fornecidos pelo Ministério da Educação. Os professores administraram os questionários na sala de aula. A participação dos alunos foi anónima e voluntária e foi obtida autorização dos encarregados de educação. Em 2014 o questionário foi respondido online. As várias séries deste estudo foram aprovadas pela comissão de ética do Hospital de São João no Porto. O questionário aplicado foi aprovado pela Monitorização de inquéritos em Meio Escolar (MIME).
Análise dos dados
Os dados provenientes do Limesurvey foram transferidos para uma base de dados no programa Statistical Package for Social Sciences SPSS Windows (versão 22.0). No presente estudo foram realizadas análises descritivas.
Resultados
Comportamentos/ factores/ condições/ situações que se mantêm estáveis desde 1998 (Tabela 3)
Ao longo dos 5 anos de estudo observa-se que a obesidade nas idades em estudo não teve variações de relevo nem sistemáticas.
A percepção geral de satisfação com a vida (média da escala de Cattril num intervalo de 0 a 1018) tem-se mantido sem oscilações de relevo.
Comportamentos/ factores/ condições/ situações com uma evolução positiva desde 1998 (Tabela 3)
Pode observar-se, que ao longo dos anos aumentou o número de jovens que tomao pequeno almoço durante a semana (todos os dias). Desde de 2002 tem diminuído o consumo de doces e refrigerantes.
Relativamente ao sono (questão apenas para os estudos de 2010 e 2014) houve uma diminuição dos jovens que referiram dormir menos de 8 horas.
Apesar de se ter verificado uma ligeira diminuição, entre 2002 e 2006, do número de jovens que referem praticar atividade física a partir de 2010 surge um ligeiro aumento (3 ou mais vezes por semana).
A lavagem dos dentes, mais que uma vez por dia, tem vindo a aumentar desde 2002 .
A partir de 2002 a percentagem de jovens que refere que raramente ou nunca consome bebidas destiladas tem vindo a aumentar. Relativamente ao consumo de tabaco, desde 2002 a percentagem de jovens que referem consumir tabaco todos os dias tem vindo a diminuir.
Observa-se que houve entre 2002 e 2006 um aumento dos jovens que referem ver televisão 4 horas ou mais por dia. Este número tem vindo a diminuir desde 2010.
Desde 2002 o número de jovens que refere ter atitudes provocatórias (bullying) tem vindo a diminuir.
Relativamente às lesões no último ano (4 vezes ou mais) vinha a observar-se uma descida desde 2002 que se manteve estável em 2014. Desde 2002 que se observa uma diminuição do número de mães desempregadas (contrariamente ao aumento do desemprego do pai).
Comportamentos/ factores/ condições/situações com uma evolução negativa desde 1998 (Tabela 3)
Desde 2010 que se observa um aumento do número de jovens com comportamentos autolesivos (questão colocada apenas aos jovens de 8º e 10º ano de escolaridade). Desde 2006 que tem vindo a aumentar o número de jovens que refere sentir-se tão triste que não aguenta.
Desde 2002 que se tem observado uma diminuição do consumo de fruta, mais do que uma vez por dia.
Entre 2010 e 2014 aumentou o número de jovens que refere ir frequentemente para a escola ou para a cama com fome, por não haver comida suficiente em casa.
Observa-se uma diminuição da percentagem de jovens que refere gostar da escola. Desde 2010 tem diminuído o número de jovens que tem planos para continuar a estudar e frequentar a universidade.
As relações sexuais associadas ao consumo de álcool ou drogas (questão posta apenas ao 8º e10ºano de escolaridade), têm sofrido oscilações desde 2002, com um aumento entre 2010 e 2014.
A percepção de cansaço/exaustão (quase todos os dias) aumentou entre 2010 e 2014, bem como a referência estar nervoso quase todos os dias. No que diz respeito à referência à percepção de medo, a percentagem de jovens aumentou também entre 2010 e 2014.
Desde 2002 tem aumentado o desemprego dos pais (ao contrário do que sucede com as mães).
Discussão
Portugal vive em contexto de recessão económica desde 2009 associado. Durante este período foram realizadas duas séries do estudo HBSC (2010 e 2014) que podem ser uma contribuição importante para estimar o seu impacto nos comportamentos/fatores/ condições/ situações associados à saúde e comprometedores da saúde nos adolescentes portugueses.
Apesar de haver razões para se pensar que as famílias e as suas circunstâncias socioeconómicas influenciam o bem-estar dos pais como os dos seus filhos7,8, estudos sobre os potenciais efeitos da recessão na saúde dos adolescentes são escassos, não permitindo uma comparação entre vários estudos e uma reflexão sobre possiveis políticas públicas de caracter preventivo. Segundo o INE, parecem existir associações diretas da crise económica na diminuição do número de nascimentos, prevendose assim um envelhecimento da população, embora seja plausível que a uma diminuição nos cuidados de saúde à população se possa associar um aumento da morbilidade e mortalidade. No entanto, Martin McKee em Financial crisis, Austerity and Health in Europe, não consegue ainda demonstrar o impacto da crise na Grécia, irlanda e Portugal, embora refira que por cada 1a 3% de crescimento do desemprego, aumenta o suicídio, o consumo de tabaco e álcool, a má nutrição e os problemas mentais30. Algumas famílias portuguesas, devido à situação económica, não têm filhos ou têm menos filhos dos que desejariam31. Outro factor associado à crise económica é o facto de muitos pais não terem possibilidades financeiras para que os seus filhos ingressem no ensino superior. Ainda segundo o INE, tem vindo a aumentar o risco de pobreza. De acordo com o estudo HBSC em Portugal, tem vindo a aumentar o número de jovens que refere ir para a escola ou para a cama com fome por não haver comida suficiente. Neste estudo evidencia-se que desde 2010 tem havido um aumento de jovens que referem que quase todos os dias têm dores de cabeça, dores de estômago, sentem cansaço, exaustão, sentem-se nervosos e que têm medo, estes sintomas poderão estar relacionados com as preocupações provenientes das dificuldades financeiras sentidas na família32 e contribuir para um aumento de queixas de saúde psicológica dos adolescentes em Portugal10. Observa-se igualmente, comparando os resultados de 2010 e 2014 que há uma diminuição da expectativa futura de prosseguir os estudos (ingresso no ensino universitário) e uma diminuição do gosto pela escola, resultados que vão no mesmo sentido dos observados no estudo desenvolvido por Frasquilho et al, a partir de dados do estudo HBSC em 201011,12. No estudo HBSC de 201418 sublinha-se que não só que os jovens gostam menos da escola, como o que apreciam em geral na escola são os recreios, apreciando pouco as aulas e ainda menos a comida na escola. Em relação às aulas referem o seu desagrado pela matéria que consideram muita e desinteressante e pela pressão dos pais para o sucesso, apesar disso menos jovens em 2014 referem a intenção de no futuro frequentar o ensino superior. De acordo com o INE, efetivamente entre 2010 e 2013 diminuiu o número de jovens que ingressaram no ensino superior. De notar ainda que há um aumento de jovens, desde 2010, que referem que se sentem tão tristes que às vezes acham que não aguentam, e ainda um aumento dos que referem ter comportamentos autolesivos.
A saúde mental do adolescente é um problema crescente e preocupante Francis Lee em Adolescence mental health, opportunity and obligation refere que actualmente 1 em cada 5 adolescentes tem problemas de saúde mental que persiste na idade adulta33.
Olfson e colaboradores em Trends in mental healthcare among children and adolescents conclui que há maior utilização dos serviços de saúde mental, aumento das situações graves e principalmente mais medicação com ansiolíticos e antidepressivos34. Na Islândia, foi dado apoio psicológico a todos os adolescentes durante a crise e conseguiram evitar os efeitos negativos na saúde30.
A saúde física dos adolescentes tem vindo a melhor em Portugal como em toda a Europa desde 200214,15,16,17,18), no entanto em 2014, se o declínio na saúde física dos adolescentes ainda não foi muito acentuado, pelo contrário registam-se já vários sinais de aumento do mal-estar psicológico. Embora um estudo transversal do tipo do presente não permita estabelecer uma causalidade, a diminuição do reforço das políticas públicas nas áreas da saúde e da educação levou por exemplo à extinção das áreas curriculares não disciplinares que estiveram muito provavelmente associadas à acentuada melhoria da saúde dos adolescentes a partir de 200635,36, e foram patentes em vários trabalhos anteriores à recessão económica37,38,39.
Com a recessão económica tem-se testemunhado sucessivos cortes de verbas atribuídas a áreas vitais na saúde e no bem estar na adolescência, como é o caso da saúde e da educação e uma diminuição de profissionais de educação e saúde que tinham como base a intervenção com jovens e as suas famílias, alguns estudos registam que os profisisonais de educação e saúde aparentam sinais claros de desmotivação e cansaço40,41. As políticas de saúde para os adolescentes são o exemplo do conceito Saúde em todas as Políticas, criado pela Finlândia em 2006 durante a presidência da União Europeia. As estratégias são combinadas e abrangentes como o demonstra também o recente o plano irlandês para 2014-2020 chamado Better Outcomes, Brighter Future, transversal e dirigido à potenciação das capacidades/ recursos/ trunfos (assets) dos jovens. Esta investigação vem reforçar a importância de compreender os efeitos da crise económica na saúde e nos comportamentos dos jovens portugueses e suas implicações nas políticas do sector, e reforçar a ideia que estas não podem ser descontinuadas, muito menos em tempos de recessão económica.
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Margarida Gaspar de Matos
Faculdade de Motricidade Humana. Estrada da Costa, 1495-688 Cruz Quebrada. E-mail: margaridagaspar@netcabo.pt
Data de recepção / reception date: 02-08-2015
Data de aprovação / approval date: 07-08-2015