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Revista Portuguesa de Educação
versão impressa ISSN 0871-9187
Rev. Port. de Educação vol.29 no.1 Braga jun. 2016
https://doi.org/10.21814/rpe.7434
ARTIGOS
Políticas de aprendizagem ao longo da vida em Portugal: Controvérsias na esfera pública em torno da Iniciativa Novas Oportunidades (2005-2013)
Lifelong learning policies implemented in Portugal: Controversies in the public sphere around Iniciativa Novas Oportunidades (2005-2013)
Politiques d’apprentissage tout au long de la vie au Portugal: Controverses dans la sphère publique autour de l’Iniciativa Novas Oportunidades (2005-2013)
Ana Paula Natali Mariana Gaio Alvesii
i Agrupamento de Escolas da Cidadela, Portugal
ii Universidade Nova de Lisboa, Portugal
RESUMO
Este artigo procura contribuir para uma compreensão mais aprofundada das políticas desenvolvidas em Portugal, a partir de 2005, em torno da ideia de aprendizagem ao longo da vida, a qual foi considerada pelos diversos Estados-membros da União Europeia como a melhor via para atingir os objetivos da Agenda de Lisboa. Neste contexto, identificou-se um protagonismo mediático assinalável das medidas e resultados associados à Iniciativa Novas Oportunidades, programa que teve como desígnio elevar o patamar de qualificação generalizada dos portugueses para o nível do ensino secundário. Tomando como objeto de estudo os textos publicados em três jornais – Expresso, Público e Correio da Manhã – no período entre 2005 e 2013, recorremos à análise do discurso para explorar a forma como a política de educação de adultos no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades foi interpretada na imprensa escrita portuguesa. Encontrámos uma diversidade de perspetivas e interesses em jogo que evidenciaram o forte impacto que a educação de adultos teve nos media, os pontos críticos desta política e os desafios que se colocam no âmbito da aprendizagem ao longo da vida.
Palavras-chave: Aprendizagem ao longo da vida; Iniciativa Novas Oportunidades; Media; Políticas de educação de adultos
ABSTRACT
This article seeks to contribute to a deeper understanding of the policies pursued in Portugal, since 2005, around the idea of lifelong learning, which was considered by the various Member States of the European Union as the best way to meet the Lisbon Strategy. Within this framework, a considerable prominence of the measures and results associated with the Iniciativa Novas Oportunidades (New Opportunities Initiative) – a program designed to raise the Portuguese population’s level of qualifications to the secondary-school level – was identified in the media. Taking as object of study the texts published in three national newspapers – Expresso, Público and Correio da Manhã – in the period between 2005 and 2013, and using discourse analysis, we analysed how the policy on adult education within the Iniciativa Novas Oportunidades was interpreted in the Portuguese newspapers. We have found a diversity of perspectives and interests at stake, showing the strong impact that the adult education had in the media, the critical points of this policy and challenges to be faced within lifelong learning.
Keywords: Lifelong learning; Iniciativa Novas Oportunidades/New Opportunities Initiative; Media; Adult education policies
RÉSUMÉ
Cet article vise à contribuer pour une compréhension plus approfondie des politiques mises en oeuvre au Portugal, depuis 2005, en ce qui concerne l'idée d’apprentissage tout au long de la vie, qui a été examinée par les différents États membres de l'Union Européenne comme le meilleur moyen d'atteindre les objectifs de la Stratégie de Lisbonne. Dans ce contexte, il a présenté une large couverture médiatique des mesures prises et des résultats liés à l’Iniciativa Novas Oportunidades (Initiative Nouvelles Opportunités), programme qui avait pour but d’élever le niveau généralisé de qualification des Portugais au niveau de l’enseignement secondaire. En prenant comme objet d'étude les textes de presse publiés dans trois journaux – Expresso, Público et Correio da Manhã – au période comprise entre 2005 et 2013 et à l’aide de l'analyse du discours, nous analysons comment la politique d'éducation des adultes a été interprétée, dans le cadre de l’Iniciativa Novas Oportunidades, dans la presse au Portugal. Nous avons trouvé différents intérêts et point de vue qui démontrent l'impact considérable qu’a eu l'éducation des adultes dans les médias, les points critiques de cette politique et les difficultés rencontrées dans l’apprentissage tout au long de la vie.
Mots-clé: Apprentissage tout au long de la vie ; Media ; Iniciativa Novas Oportunidades/Initiative Nouvelles Opportunités ; Politiques d’éducation des adultes
Introdução
Em Portugal, durante a primeira década do século XXI, à semelhança do que acontecia um pouco por toda a Europa e noutras partes do mundo, teve lugar um conjunto significativo de iniciativas de política educativa que assentavam em novas formas de conceber o papel do conhecimento numa economia cada vez mais globalizada e competitiva que coexiste com novas formas de governação dos Estados e da educação.
O conhecimento começou a ser entendido, em finais dos anos noventa, como um elemento com valor económico decisivo na construção de uma Europa competitiva, sendo a sua importância reconhecida no contributo que poderia dar para o desenvolvimento económico e social, mas também para a coesão social e para a promoção de uma cidadania ativa. É nesse âmbito que a aprendizagem ao longo da vida (ALV) surge "como o principal lema das políticas educativas europeias no início do século XXI" (Alves, 2010b, p. 9), associada, a partir do ano 2000, à intenção da União Europeia de melhorar a empregabilidade e a qualificação dos trabalhadores através de uma significativa prioridade atribuída à ALV como componente básica do modelo social europeu, favorecendo a competitividade e a adaptabilidade. De facto, a ALV é destacada enquanto um dos vetores fundamentais na produção de uma força de trabalho mais produtiva e competitiva, sendo até mesmo considerada a única via para atingir os objetivos da Agenda de Lisboa (Dale, 2008).
Esta ênfase nos efeitos da ALV para o desenvolvimento económico e a empregabilidade dos cidadãos significa que a mesma se reveste, nesse início de século XXI, de novos significados que a afastam do ideal de Educação Permanente emergente na década de 1970 que conferia centralidade à educação também enquanto objeto de políticas sociais (Lima, 2011), destacando os valores da emancipação social e da ação e pensamento críticos, numa perspetiva humanista.
Em Portugal, a responsabilidade da governação do país a partir de 2005 coube ao XVII Governo Constitucional de maioria parlamentar de Partido Socialista (PS). Este Governo, tendo por base um diagnóstico que evidenciava o baixo desempenho português em indicadores de referência estabelecidos pela União Europeia (UE) e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), apontou a necessidade de uma intervenção política sustentada de modo a "acelerar fortemente a qualificação dos portugueses, tendo em vista a convergência com os países mais desenvolvidos" (Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS) & Ministério da Educação (ME), s.d., p. 2). Assim, surgiu em finais de 2005 o programa Iniciativa Novas Oportunidades (INO), inserido num vasto conjunto de medidas de política educativa, de emprego e de modernização tecnológica do país, que visavam dar resposta a alguns dos problemas internos de Portugal. A INO registou uma adesão significativa por parte da população portuguesa e despertou a atenção dos meios de comunicação social (media), os quais mantiveram o assunto em agenda durante um longo período.
A atenção destacada dos media à INO é, em si mesma, um indício de alterações no processo de governança da educação, no sentido em que as políticas educativas são cada vez mais o resultado de processos complexos que estão sujeitos às influências e aos constrangimentos que guiam a ação dos agentes e dos Estados em diversos níveis de decisão (Alves, 2010a; Barroso, Carvalho, Fontoura, & Afonso, 2007). Neste cenário, os processos de regulação das políticas educativas são necessariamente afetados pelas interpretações mediadas e mediatizadas pelos media, particularmente no interior de cada Estado, as quais contribuem para as especificidades dos sistemas educativos nacionais. Alguns autores, nomeadamente Rönnberg, Lindgren, e Segerholm (2012), sublinham a crescente influência dos media na política educativa, designadamente no espaço intermediário que ocupam entre a esfera política formal e o público. Por conseguinte, o impacto dos media na educação tornou-se para muitos investigadores um foco de interesse (Cohen, 2010; Rawolle, 2010). Embora existam já algumas publicações a nível nacional, é sobretudo a nível internacional que se regista o desenvolvimento de uma quantidade significativa de investigações que têm analisado a forma como os diversos campos sociais, media, poder político, educação e outros, interagem, bem como qual o seu impacto na política educativa.
Franklin (2004), Levin (2004), Stack (2010) e Ungerleider (2006), por exemplo, analisaram as relações entre os decisores das políticas educativas e os agentes do campo do jornalismo, com vista a compreender as forças que se estabelecem entre os dois campos sociais e a forma como afetam a construção das notícias sobre educação. Já os trabalhos de Blackmore e Thorpe (2003), Cohen (2010) e Freitas (2013) mostram a imagem que alguns media construíram da escola pública e da profissão docente e os efeitos desta construção social na identidade profissional dos professores, bem como as expectativas que desse modo mobilizaram em favor de determinadas medidas de política educativa.
Na investigação realizada em Portugal, para além do trabalho levado a cabo por Freitas (2013), Pina (2007), entre outros, são de sublinhar as pesquisas realizadas por M. Melo (2005), Lemos e Serrão (2015) e Serra e Natal (2012) que tiveram como objeto de estudo textos publicados em jornais de referência portugueses. M. Melo (2005) investigou a forma como o Público funcionou como um "contra-poder" com capacidade para "fabricar opiniões que influenciam o curso das decisões" (p. 598) e, "em nome do aprofundamento da democracia" (p. 615), privilegiou determinados pontos de vista que, na perspetiva da autora, favoreceram uma perspetiva neoliberal da educação. Por sua vez, Lemos e Serrão (2015) mostraram, na sua pesquisa, o "importante papel" que o Diário de Notícias, o Expresso e a revista Visão desempenharam "na divulgação dos resultados do PISA (…) contribuindo para moldar a política de educação nacional" (p. 87). Por último, o trabalho realizado por Serra e Natal (2012) mostra como os jornais Público e Expresso, entre 2007 e 2009, mobilizando opinion makers, analisaram o "novo modelo de avaliação de desempenho docente".
Este artigo enquadra-se numa pesquisa mais ampla que visa contribuir para aprofundar o conhecimento sobre as políticas de ALV e sobre o papel dos media nas construção dessas políticas1 . No presente texto procura-se, especificamente, dar conta do modo como a vertente da INO dedicada aos adultos foi interpretada na imprensa escrita, tomando como objeto de pesquisa os textos do género jornalístico notícia, reportagem e opinião de comentadores e de leitores publicados em três jornais – Público, Expresso e Correio da Manhã – entre 2005 e 2013. Assim sendo, as questões que orientam o presente artigo são: Quais os principais temas de educação e formação de adultos abordados e debatidos? Quais os atores que se envolveram no debate? Que perspetivas e interesses estiveram em jogo?
Numa primeira secção do artigo, explicita-se o contexto educativo português no período que antecedeu a implementação da INO, seguindo-se uma breve introdução à forma como o Governo português interpretou as orientações europeias em termos de políticas de ALV, no que respeita à educação de adultos, e também uma sucinta reflexão crítica sobre os principais resultados dessa política. Posteriormente, procede-se à apresentação das opções metodológicas da pesquisa realizada e sistematizam-se os seus principais resultados. A última secção do artigo inclui as notas conclusivas sobre a interpretação da INO pela imprensa escrita.
A educação de adultos antes da INO
As orientações emanadas no documento de trabalho que havia sido elaborado em 2000 pela Comissão das Comunidades Europeias, designado Memorando sobre a ALV, estabelecia como objetivo, no âmbito da valorização da aprendizagem, "Melhorar significativamente a forma como são entendidos e avaliados a participação e os resultados da aprendizagem, em especial da aprendizagem não-formal e informal" (Comissão das Comunidades Europeias, 2000, p. 17). Desta forma, atribuía-se relevância ao reconhecimento, validação e certificação das aprendizagens não formais e informais realizadas pelos indivíduos ao longo da vida, alargando o âmbito das práticas consideradas nas intervenções políticas em educação de adultos. Argumenta-se aliás, neste âmbito, que importa que as políticas públicas considerem e privilegiem as interligações entre o contexto escolar e outros contextos de aprendizagem não-escolares (Fragoso & Guimarães, 2010).
De facto, desde aí o seguinte conjunto de intenções passou a ser partilhado pelos diversos Estados-membros: (a) oferecer uma segunda oportunidade de qualificação àqueles que não haviam concluído a sua escolaridade com sucesso; (b) elevar o nível de qualificação da população de modo a poder enfrentar a crise económica e manter-se ativa no mercado de trabalho; (c) facilitar a mobilidade no emprego e na UE; (d) fomentar o desenvolvimento pessoal e profissional; e (e) melhorar os mecanismos de inserção no mercado de trabalho (Pires, 2007, 2010a).
Do ponto de vista de Neves (2010), apesar das orientações da UE terem subjacentes, em grande medida, "finalidades de natureza económica", eram "matizadas por objectivos de coesão social e desenvolvimento pessoal" (p. 66). No entanto, o modo como alguns Estados-membros da UE incorporaram a ALV nos seus sistemas educativos mostra que não existiu um entendimento unívoco dessa mesma ALV nem modelos únicos de implementação das orientações europeias (Neves, 2010). Noutros termos, a ALV assumiu uma pluralidade de sentidos (Alves, 2010b; Dale, 2008; Neves, 2010).
Os dados dos Censos 2001 atestam que mais de cinco milhões de portugueses com mais de 18 anos não possuíam o 9º ano de escolaridade e, de entre estes, 798.781 não possuíam qualquer nível de escolaridade. Além disso, as estatísticas revelam também que a percentagem mais elevada da população sem qualificação académica se registava nas faixas etárias mais elevadas2 . Esta situação é, em parte, o resultado de um desenvolvimento "intermitente" (Lima, 2011, p. 32) das políticas de educação e formação de adultos desde a Revolução de Abril de 1974, no decorrer do qual períodos de forte investimento neste domínio alternaram com etapas de significativo desinvestimento nesta mesma esfera. Os níveis de certificação escolar eram, em média, muito baixos em Portugal no início do século XXI, sobretudo por comparação com os restantes países da UE, embora uma boa parte da população desempenhasse na sua atividade profissional funções de alguma responsabilidade, o que, à partida, indiciava um desfasamento entre o nível habilitacional certificado e o nível de competências dos indivíduos (Fragoso & Guimarães, 2010).
Em 2001 foram criados 6 centros de reconhecimento, validação e certificação de competências, sendo que, em parte, estes tiveram por base a aprendizagem decorrente de experiências prévias no campo do Desenvolvimento Local (A. Melo, 2005). Dois anos antes, em 1999, havia sido criada a Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos (ANEFA), tutelada conjuntamente pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e pelo Ministério da Educação, a qual constituía a entidade responsável por coordenar a implementação gradual deste tipo de políticas de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC). Também por esta altura, sob a responsabilidade do mesmo organismo, foram criados os cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA), que pretendiam assegurar uma outra vertente de educação e preparação do cidadão, quer em termos do seu desenvolvimento pessoal quer enquanto formação para o trabalho, à semelhança do que muitos grupos e associações vinham fazendo no âmbito do desenvolvimento local (A. Melo, 2005).
Não obstante as importantes realizações da Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos, a educação de adultos sofreu as influências da lógica subjacente às necessidades de ajustamento aos imperativos globais da modernização e da produtividade no período de governação socialista liderado por António Guterres (1995-1999 e 1999-2002). Deste modo, ficou reduzida, em boa parte, à formação e à qualificação numa lógica de eficiência e efetividade, que se sobrepuseram ao discurso preliminar promissor de uma efetiva política de desenvolvimento da educação de adultos (Fragoso & Guimarães, 2010; Lima, 2005).
A partir de 2002 e até 2004, com a governação do Partido Social Democrata (PSD) e do Partido Popular (PP), a tendência anteriormente observada acentuou-se. Ou seja, a educação de adultos deu efetivamente lugar, na prática e no discurso, à formação vocacional e à qualificação ao longo da vida: "o paradigma vocacional, a formação profissional e a ideologia das competências são apresentados como solução para o ‘atraso’ do país" (Lima, 2005, p. 49); noutros termos, foi através da educação de adultos com um pendor vocacional e profissionalizante que se preconizou a resolução de grande parte dos problemas diagnosticados no plano da educação de adultos (Fragoso & Guimarães, 2010). Assim, em oposição a um entendimento da educação de adultos com fortes valências humanistas, democráticas e cidadãs que estava subjacente à educação popular, passou a ser proporcionada uma formação técnico-profissional e um ensino recorrente para jovens-adultos.
Neste contexto, o número de centros de RVCC aumentou e muitas organizações da sociedade civil financiadas por fundos da UE mantiveram a sua oferta de processos de RVCC e de cursos EFA. Sublinhe-se, porém, que aos centros de RVCC foram impostos objetivos quantitativos no que respeita ao número de adultos inscritos e certificados, tendo passado a ser exercido um controlo apertado que implicava uma monitorização e avaliação do centro, exigindo uma maior formalização de todo o processo (Fragoso & Guimarães, 2010).
O programa INO enquanto política de educação de adultos
Após a tomada de posse do XVII Governo Constitucional, em 2005, Portugal procurou adotar um conjunto de medidas que considerou estarem em conformidade com o seu contexto interno, com as orientações do Memorando sobre ALV, bem como com todos os compromissos assumidos no âmbito do processo de construção de um Espaço Europeu de Educação (EEE), designadamente com a Declaração de Copenhaga de 2002.
Assim, em finais de 2005, o XVII Governo, liderado por José Sócrates, define uma nova estratégia nacional para a educação e formação, inserida no âmbito do Plano Nacional de Emprego e do Plano Tecnológico, e implementa o programa INO, que teve como desígnio generalizar o patamar de certificação escolar média dos portugueses para o nível do ensino secundário. Assente em duas vertentes, uma dedicada aos jovens (eixo ‘Jovem’) e outra aos adultos (eixo ‘Adultos’), a estratégia tinha como pressuposto uma relação positiva forte entre o investimento na produção de capital humano e o emprego, a economia, o atenuar das desigualdades sociais e a intensificação da coesão social. Neste âmbito, a INO decorria da ênfase na ideia de que a ALV, considerada pelos diversos Estados-membros da UE a única via para atingir os objetivos da Agenda de Lisboa, deveria ser assumida de facto como um vetor fundamental na produção de uma força de trabalho mais produtiva e competitiva. Estes posicionamentos podem ser interpretados como um entendimento circunscrito das ideias e práticas de educação e formação, privilegiando uma perspetiva instrumental das mesmas enquanto processos que visariam, essencialmente, a preparação de profissionais para o mercado de trabalho (Alves, 2010b; Fragoso & Guimarães, 2010).
De modo a implementar a INO, foi criada a Agência Nacional para a Qualificação (ANQ) enquanto instituto público "integrado na administração indirecta do Estado" (Almeida, 2011, p. 116) e tutelado pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e pelo Ministério da Educação. Este organismo desenvolveu a sua atividade em estreita colaboração com o Instituto do Emprego e Formação Profissional e veio a ser, até dezembro de 2012, a entidade responsável pela coordenação da INO a nível nacional. No plano financeiro, as estratégias assentaram, em grande parte, no Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) 2007-2013, através do Programa Operacional Temático Potencial Humano (POPH).
No eixo de ação ‘Adultos’, a INO elegeu como seu público-alvo os adultos desempregados ou desfavorecidos no mercado de trabalho e os ativos que, embora estivessem a trabalhar, tinham uma situação precarizada por deterem um baixo nível de qualificação. Reconhecendo a importância dos processos educativos desenvolvidos à margem do sistema formal de aprendizagem, a INO assentou no pressuposto de que era urgente acelerar os processos de reconhecimento, validação e certificação das aprendizagens não formais e informais realizadas pelos indivíduos ao longo e ao largo da vida. Neste sentido, apostou na diversificação de percursos para alcançar determinadas certificações académicas, pelo que as ofertas previstas no âmbito do eixo ‘Adultos’ incluíam:
─ o sistema de RVCC, que permitia o reconhecimento e validação das competências pessoais e profissionais alcançadas em contextos informais e não-formais. Em termos metodológicos, as competências eram identificadas/reconhecidas através de uma abordagem autobiográfica, do Portefólio Reflexivo e do Balanço de Competências, tendo por base um Referencial de Competências-Chave para o nível básico ou para o nível secundário (Almeida, 2011). Estes processos conduziam à obtenção de uma certificação escolar ou profissional e possibilitavam a identificação de necessidades de formação, permitindo aos CNO o encaminhamento dos adultos, nomeadamente para percursos de formação nos cursos EFA;
─ os cursos EFA escolares ou de dupla certificação, que incluíam um módulo de curta duração (25 a 40 horas) respeitante a um processo de reconhecimento e validação de competências (Despacho nº 26 401/2006, de 29 de dezembro, publicado em Diário da República, 2ª série – Nº 249) e assentavam num modelo curricular que se baseava "numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida e um currículo pensado para promover a (re)inserção sócio-profissional e a melhoria das qualificações" (Almeida, 2011, p. 127);
─ as Formações Modulares, que correspondiam a unidades de formação de curta duração (25 ou 50 horas) que tinham por base os referenciais de formação dos cursos inseridos no Catálogo Nacional de Qualificações (Almeida, 2011);
─ a possibilidade, sob determinadas condições, de jovens adultos que possuíam percursos incompletos em cursos secundários entretanto extintos, obterem uma equivalência ao 12º ano através da frequência de Unidades de Formação de Curta Duração constantes do Catálogo Nacional de Qualificações ou da realização de exames nacionais, a partir de 2007.
O ensino recorrente de adultos, organizado por disciplina e frequentado em regime presencial ou não presencial, foi mantido como oferta escolar, mas com uma expressão residual, estando preconizada na época a sua eventual extinção. A ideia presente no documento de apresentação da INO era a de reorganizar este modelo de ensino recorrente, "passando a assegurar-se uma resposta formativa baseada no formato dos cursos de Educação e Formação de Adultos (…) prevendo-se, todavia, a manutenção de respostas de nível secundário ajustadas ao prosseguimento de estudos" (MTSS & ME, s.d., p. 22).
O principal objetivo nesta vertente da INO era a qualificação de base da população adulta e, por conseguinte, as medidas anunciadas procuravam diminuir o défice de certificação escolar dos adultos que haviam ingressado na vida ativa com baixos níveis de escolaridade (MTSS & ME, s.d., p. 5). Assumindo a meta geral de qualificar um milhão de adultos ativos até 2010, o Governo definiu então objetivos e metas físicas, bem como estipulou medidas a implementar. Desse conjunto de objetivos, metas e medidas destacam-se: incremento dos cursos EFA de dupla certificação de nível básico e secundário de modo a abranger cerca de 350.000 adultos até 2010; alargamento da rede de centros de RVCC até 2010, com a abertura de centros em escolas secundárias, em centros de formação do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), em empresas e em estruturas ministeriais, originando a criação de uma rede nacional de 500 Centros de RVCC – mais tarde designados de Centros Novas Oportunidades (CNO) – e seis CNO para um público com necessidades específicas, o das pessoas com deficiência; garantir, até 2010, a certificação de competências a pelo menos 650.000 adultos, tendo como meta que em 2010 estivessem a ser emitidos cerca de 75.000 diplomas conferentes de habilitação escolar de nível básico e 125.000 de nível secundário; alargar o referencial de competências, definido a nível nacional, com vista a assegurar o processo de RVCC (escolar e profissional) e promover os cursos EFA de nível secundário; realizar uma campanha de informação e sensibilização nos media com vista a "promover a valorização social do investimento em educação e formação de adultos, numa óptica de aprendizagem ao longo da vida, e em particular do mecanismo de reconhecimento de competências como oportunidade de certificação e reforço das aprendizagens" (MTSS & ME, s.d., p. 23), tendo sido, neste sentido, realizadas oito campanhas mediáticas (Carneiro et al., 2010).
Com vista ao cumprimento e monitorização das metas fixadas, e apesar de os processos de RVCC não terem um tempo de duração predeterminado, a ANQ e o POPH contratualizavam anualmente com os CNO metas quantitativas respeitantes aos números de alunos inscritos, de encaminhamentos realizados e de adultos certificados (Almeida, 2011, p. 224).
Em 2007 os centros de RVCC existentes passaram a integrar a rede de CNO sob a responsabilidade da ANQ3 . Aos CNO cabiam as seguintes atribuições: (a) encaminhar os adultos para ofertas de educação e formação que melhor se adequavam ao seu perfil e às suas necessidades e expectativas; (b) proceder ao RVCC considerando as competências desenvolvidas ao longo e ao largo da vida, visando o posicionamento dos adultos em percursos de qualificação ou a obtenção de um nível de escolaridade e de qualificação; (c) desenvolver ações de formação complementar e/ou promover cursos correspondentes a saídas profissionais, em domínios para os quais o CNO estava devidamente habilitado.
Com o XIX Governo Constitucional, de coligação entre PSD e Centro Democrático Social-Partido Popular (PSD/CDS-PP), a política de educação de adultos entrou numa nova fase e os CNO deixaram gradualmente de receber financiamento, o que conduziu a que muitos encerrassem. A 28 de março de 2013, a Portaria nº135-A extinguiu os CNO e regulamentou a criação e o regime de organização e funcionamento dos Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional, com vista à sua abertura a partir de setembro de 2013. Na verdade, a perspetiva ideológica socialista que predominou durante os anos de governação do PS e que valorizava uma maior diversidade de modalidades de aprendizagem deu lugar, com a subida ao poder da coligação PSD/CDS-PP, a uma sobrevalorização das modalidades escolares e a uma lógica claramente neoliberal da educação e da formação de pessoas, ao serviço, predominantemente, da racionalidade económica. Veja-se, a partir de 2013, a revalorização do ensino recorrente, a introdução de uma prova de avaliação externa orientando os processos de RVCC para a memorização de conteúdos, a obrigatoriedade de realização de três exames nacionais para efeitos de prosseguimento de estudos no ensino superior de alunos dos cursos profissionais, o reforço do ensino vocacional e profissionalizante, entre outros aspetos4 .
A educação de adultos tem sido, em Portugal, objeto de políticas contraditórias, pois, "votada ao abandono e silenciada", conheceu, por vezes, algum protagonismo, embora "muito raramente e de forma intermitente" (Lima, 2011, p. 32). O período de vigência da INO parece ter sido um destes momentos em que a educação e a formação de adultos tiveram o protagonismo. Todavia, tratou-se, uma vez mais, de um tempo efémero para a educação de adultos, continuando o caráter descontínuo da agenda política identificado por Lima (2011) e Guimarães (2012) a marcar a política de educação de adultos em Portugal. Na verdade, as políticas educativas que têm vindo a ser desenvolvidas pelos sucessivos Governos impedem uma visão estratégica e o amadurecimento e estabilização das orientações políticas, designadamente no âmbito da educação e formação de adultos. Esta situação não beneficia o desenvolvimento do país e a melhoria da qualificação da população portuguesa nem garante "o direito à educação para todos, em que todos os adultos possam participar" (Guimarães, 2012, p. 3).
Reflexão crítica sobre os principais resultados da INO no eixo ‘Adultos’
Em abril de 2010, a rede nacional de CNO era formada por 454 centros, mais de 1 milhão de adultos estava inscrito em CNO, perto de 150.000 frequentavam cursos EFA e 324.370 adultos tinham obtido uma certificação através de um processo de RVCC; nestas ofertas, o segmento mais representado situava-se na faixa etária dos 35-44 anos, seguido do grupo de adultos entre os 45-54 anos, enquanto os jovens da faixa etária dos 18 aos 24 anos e os adultos de idades superiores a 65 anos eram os menos representados (Pires, 2010b).
Apesar da dificuldade da INO em captar mulheres de idades superiores a 50 anos e população adulta empregada pouco qualificada (Carneiro et al., 2010), importa destacar que a mesma suscitou, de um modo geral, uma forte adesão do público a que se destinava. Do ponto de vista dos autores do Estudo de Avaliação Externa realizado pela Universidade Católica Portuguesa sob a coordenação de Roberto Carneiro, a INO/eixo de ação ‘Adultos’ foi percecionada pelo público, profissionais e outros atores, como as grandes empresas/entidades empregadoras, enquanto "uma marca pública (de serviço)", com valores e princípios subjacentes que incluíam "acessibilidade" (adotando ofertas flexíveis e adaptadas aos tempos e ritmos do público-alvo), "inclusão" (valorizando cada indivíduo e a sua história de vida) e "horizontes" (reforçando a motivação para continuar a estudar e mobilizar novas competências) (Carneiro et al., 2010, p. 18).
Para além deste balanço otimista, os autores do estudo (Carneiro et al., 2010) assinalaram também aspetos a melhorar e desafios a ultrapassar, apresentando algumas recomendações. Por um lado, fazer evoluir a procura e a oferta de dupla certificação, introduzindo uma maior ligação ao "mundo do trabalho" de modo a que as ofertas profissionais suscitassem maior interesse (p. 72)5 , assim como alargar e explorar o potencial de complementaridade das ofertas disponíveis com vista a angariar determinados setores da população que se mostravam mais relutantes em aderir à INO. Por outro lado, destacava-se a necessidade de promover a INO utilizando testemunhos de ex-alunos e proceder a uma análise do custo-benefício da Iniciativa.
No que respeita especificamente aos processos RVCC, um conjunto de pontos críticos, centrados nas exigências no plano da duração temporal e no facto de o financiamento dos CNO estar dependente do cumprimento de metas relativas ao número de alunos inscritos ou em processo de RVCC ou certificados, foi assinalado por autores como Almeida (2011) e Pacheco (2009). É que estas circunstâncias não se coadunam com o facto de os processos de RVCC não terem um tempo de duração previamente definido (Almeida, 2011, p. 175) e, de certo modo, "Coloca-se aqui a questão da dicotomia qualidade-quantidade. Mais uma vez, os números, tão frequentemente referidos nos discursos políticos, funcionam como factor de descredibilização" (Almeida, 2011, p. 178). Acresce o risco plausível de associação dos CNO e dos processos de RVCC ao facilitismo decorrente da possibilidade de se transformarem em "locais de certificação, ou em locais de escolarização acelerada, sem atenderem às especificidades da educação não formal e informal", como afirma Pacheco (2009, p. 123). Partilhando deste ponto de vista, Canário, Alves, Cavaco, e Marques (2012) consideram que, de facto, a INO desvirtuou o "reconhecimento de adquiridos obtidos por via experiencial", pois este tornou-se "um objetivo em si, ou seja, um ponto de chegada, em vez de representar um ponto de partida de um novo e mais rico percurso formativo individual" (p. 8).
Na verdade, embora não se referindo concretamente à INO, Pires (2007) alerta para a possível desvalorização da função formativa a favor da vertente sumativa do processo de RVCC, pois os processos de aquisição de visibilidade dos saberes e das competências construídos através da experiência e noutros contextos não se compatibilizam com a procura de soluções rápidas para os problemas sociais e de competitividade, entre os quais "a procura das ‘qualificações-chave’, supostamente capazes de tornar as pessoas aptas a lidarem com a rápida mudança tecnológica e organizacional, e a sobreviverem no mercado global da competitividade" (p. 16).
Opções metodológicas
Tendo em consideração os elementos contextuais e reflexivos apresentados nas secções anteriores, torna-se especialmente evidente a pertinência de pesquisas que procurem contribuir para a compreensão das políticas de ALV e do papel dos media na respetiva construção. Com efeito, por um lado, sublinhe-se o modo como as políticas de educação de adultos foram, durante a primeira década do século XXI, traduzidas em políticas de ALV no âmbito das orientações estratégicas da UE e, no caso português, enquadradas na INO. Por outro lado, destaque-se que os próprios documentos orientadores da INO referiam a importância significativa do envolvimento dos media na divulgação desta Iniciativa com vista ao seu sucesso6 , verificando-se o que Rawolle (2010) afirma, ou seja, "In some fields of educational research, such as education policy studies, the presence of the media is ubiquitous, with few policies being produced without accompanying media releases and advertising campaigns" (p. 21). Do nosso ponto de vista, este processo decorre do reconhecimento de que as políticas educativas são hoje o resultado complexo da interação entre um conjunto alargado de atores em vários níveis de decisão.
Com a intencionalidade geral de perceber a forma como a vertente da INO dedicada aos adultos foi interpretada nos media nacionais e em particular na imprensa escrita, os dados apresentados nas secções seguintes deste artigo decorrem da análise de textos do género jornalístico notícia, reportagem e opinião de comentadores e de leitores, publicados entre 2005 e 2013 em dois jornais generalistas de referência portugueses – o jornal diário Público e o semanário Expresso – e num diário popular generalista com elevada tiragem em Portugal – o Correio da Manhã7 . Globalmente, a pesquisa procurou contribuir para encontrar respostas a três questões principais: Quais os principais temas de educação e formação de adultos abordados e debatidos? Quais os atores que se envolveram no debate? Que perspetivas e interesses estiveram em jogo?
A opção pela imprensa escrita prendeu-se com um conjunto de fatores, nomeadamente com o facto de "constituir um importante meio para a formação de uma ‘opinião pública’" e potenciar a "prática da reflexividade social" (Melo, 2009, p. 112) e, particularmente a imprensa de referência que possui um capital simbólico mais elevado, continuar a "sugestionar fortemente os outros media" (Barriga, 2007, p. 30), incluindo a agenda noticiosa da televisão (Melo, 2009).
A análise incidiu sobre uma amostragem recolhida, basicamente, do caderno principal de cada um dos jornais supra referidos, através de uma pesquisa subordinada ao termo "novas oportunidades". Os textos recolhidos correspondem ao total de artigos com mais de 150 palavras cujo conteúdo se relaciona diretamente com a INO publicados (a) semanalmente pelo Expresso, (b) em dias de número par pelo Público e (c) em dias ímpares pelo Correio da Manhã (CM). Assim, a amostra é composta por 118 artigos de diversos tipos e dimensões, distribuídos conforme consta na Tabela 1. É de realçar que dos 126 artigos recolhidos inicialmente, porque continham o termo de pesquisa, 108 abordavam em maior ou menor profundidade assuntos respeitantes ao eixo ‘Adultos’ da INO e, de entre estes, 22 referiam também tópicos relacionados com o eixo ‘Jovem’, 10 artigos que abordavam assuntos relacionados com a INO, sem contudo mencionarem temas específicos de qualquer dos seus eixos de ação, e apenas 8 se reportavam exclusivamente ao eixo ‘Jovem’, pelo que estes últimos não integraram a amostra. Se, de facto, como Lemos e Serrão (2015) afirmam, "houver um elevado número de peças jornalísticas nos media acerca de um assunto, tal significa uma elevada relevância do mesmo na opinião pública desse país" (p. 88), a ênfase dada à vertente dos adultos é bastante reveladora do impacto que esta política teve na sociedade portuguesa.
Com efeito, na pesquisa efetuada encontrámos uma certa uniformização temática, a qual poderá também ser explicada aceitando a perspetiva de Wolf (2009) e de Shoemaker e Vos (2011) sobre a colaboração entre os jornalistas e pela forma como é definido o "valor de notícia". Não obstante, verificámos que essa homogeneidade temática nem sempre correspondeu a abordagens e a perspetivas semelhantes.
Com vista a alcançar o objetivo geral do estudo utilizámos o método de análise do discurso dos media proposto por A. Carvalho (2000), por se tratar de um processo completo na medida em que inclui uma análise diacrónica e sincrónica e por permitir considerar quer os discursos dos jornalistas quer as estratégias discursivas utilizadas na construção da realidade por outros atores sociais que serviram de fontes aos jornalistas. Assim, numa primeira fase realizámos uma análise textual a cada texto individualmente, considerando seis dimensões – descritores de superfície e organização estrutural; temas/tópicos; agentes; linguagem e retórica; estratégias discursivas; e posições ideológicas –, e, numa segunda fase, efetuámos uma análise contextual numa perspetiva diacrónica, recorrendo a uma ferramenta de análise qualitativa de dados assistida por computador (Atlas.ti).
A apresentação dos dados divide-se em duas secções organizadas cronologicamente, correspondendo às fases inicial e final da INO. Esta organização revelou-se a mais adequada para dar conta do modo como a vertente da INO dedicada aos adultos foi interpretada nos media nacionais, evidenciando as alterações que foram ocorrendo no que respeita aos temas tratados, aos atores que se envolveram no debate e às perspetivas e interesses em jogo.
A "afirmação" da INO através dos textos da imprensa escrita
No CM, a estratégia e a ação do Governo, o jogo político e as questões de liderança/personalização foram tópicos enfatizados na maioria dos artigos, verificando-se que, até meados de 2010, grande parte das notícias operaram como uma forma de publicidade da INO, da política e da ação do poder político. Por isso, os temas tratados foram basicamente apresentados na ótica do Governo socialista, dando ênfase ao ponto de vista do seu primeiro-ministro e, naturalmente, a perspetiva apresentada sobre a INO foi otimista. O papel deste programa no que respeita ao seu contributo para a justiça social, pela oportunidade que ofereceu aos portugueses de ascender socialmente, esteve sempre presente nos discursos, designadamente nos do primeiro-ministro José Sócrates, os quais frequentemente serviram de base à construção de notícias. Porém, esta lógica coexistiu, neste jornal, com uma outra que se manifesta nas expectativas sobre o respetivo reflexo nas vidas profissionais dos formandos, na empregabilidade, na economia e no desenvolvimento e na modernização do país.
A importância e a necessidade de qualificar a população portuguesa (designadamente os adultos), a aposta na formação de adultos como forma de combater o desemprego e o sucesso da INO manifestado na procura de uma qualificação de nível secundário por parte das pessoas ativas empregadas, proporcionando-lhes uma segunda oportunidade, foram sublinhados pelos jornalistas do CM recorrendo à voz de José Sócrates em diversos artigos. A satisfação pessoal, o sentimento de autorrealização e a expectativa sobre o reflexo da qualificação na vida profissional foram apresentados recorrendo a testemunhos de adultos recém-diplomados. Estes aspetos traduziram a expectativa definida para a INO no sentido de ter impacto na empregabilidade e no desenvolvimento do país, apresentando-se simultaneamente como uma questão de justiça social pela oportunidade que oferecia àqueles que, por motivos familiares ou económicos, haviam abandonado a escola precocemente.
O Público, por sua vez, destacou quer a ação governativa quer questões de substância em torno da INO e colocou a ênfase: (a) na portabilidade da formação; (b) na questão do rigor e da qualidade da formação; e (c) na defesa da manutenção de uma política de educação de adultos que valorizasse os processos de educação formal, especialmente com vista à certificação escolar. Até 2008, em termos de notícia, foi destacada a voz do XVII Governo e dos respetivos Ministérios, sendo as perspetivas apresentadas, de um modo geral, convergentes com a política desse Governo. Neste período, a tónica foi colocada, essencialmente, em assuntos abordados recorrentemente nos discursos de José Sócrates que neste jornal foram também notícia: diagnósticos de insucesso e abandono escolar, défice de qualificação dos portugueses, objetivos e intencionalidades da INO, medidas e metas a atingir até 2010 e protocolos estabelecidos com vista à oferta de formação profissionalizante, bem como o papel das empresas na formação dos trabalhadores.
Em 2009, em termos de notícia e reportagem, as vozes críticas fizeram-se ouvir a respeito da qualidade dos processos de RVCC, da forma de remuneração dos técnicos e formadores, da exigência, do rigor e da qualidade da INO. Observa-se que a tónica foi colocada na defesa de uma perspetiva de educação como qualificação de recursos humanos com vista ao mercado de trabalho, assente numa ideologia neoliberal, identificando-se que a posição crítica sublinhou a ausência de efeitos da certificação escolar na vida profissional das pessoas e no facto de o impacto nas empresas e organizações do trabalho ter ficado aquém do esperado.
Já em 2010, este jornal procurou sensibilizar a opinião pública para a importância da educação formal e da formação profissional, quer na valorização pessoal e profissional, quer pelo seu contributo para a construção de uma sociedade menos desigual. Além disso, o jornal alertou, também, para a diminuição da oferta do ensino recorrente e para a tensão entre o rigor e a qualidade, inerentes à fixação e cumprimento de metas no quadro da INO.
Em termos de textos de opinião, encontrámos no Público bastante divergência. A visão otimista apresentada pelos comentadores sublinhou o facto de ter sido uma política bem concebida e bem estruturada que diversificou as modalidades de formação, democratizou o acesso aos diplomas e revelou capacidade de mobilizar os portugueses, tendo contribuído para uma maior igualdade, significando oportunidades de ascensão social e promovendo a autoestima nos formandos. Refere-se, ainda, que deste ponto de vista esta iniciativa política se constituiu como um fator de proteção ao desemprego num tempo de crise económica, apresentando-se a oferta de dupla certificação como potencialmente capaz de impulsionar a empregabilidade. Alguns atores retrataram os processos de RVCC como formas de qualificar quer com qualidade (visto as competências serem demonstradas) quer com valor social, possibilitando ainda a obtenção de um diploma num tempo variável. Já a visão pessimista dos autores destes textos de opinião associou à INO as seguintes características: pouco eficiente, fraca qualidade, pouco equitativa, fácil, pouco exigente, pouco rigorosa; processos de avaliação demasiados céleres e pouco sérios, permitindo uma utilização pouco ética, fator que justificou em parte, neste ponto de vista, a elevada adesão dos adultos; formadores pouco aptos para preparar profissionalmente os trabalhadores; RVCC pouco exigentes e demasiado dispendiosos. Defendeu-se ainda que a ânsia de queimar etapas com vista a apresentar resultados estatísticos prejudicou a qualidade da medida de política educativa.
Por sua vez, também os discursos dos autores das cartas dos leitores do Público se dividiram entre uma visão otimista e uma outra pessimista. A primeira focalizou a atenção no eixo ‘Adultos’ e recorreu predominantemente a histórias pessoais para legitimar a sua posição, sublinhando o grau de exigência dos processos, o esforço pessoal necessário à obtenção de uma certificação pela INO e os efeitos resultantes da função democrática e de desenvolvimento pessoal. Deste modo rejeitou-se a ênfase na função económica da INO, uma vez que quer os cursos EFA quer os processos de RVCC não tinham, argumenta-se nesta visão, o objetivo de produzir emprego ou de conduzir à promoção salarial. A visão pessimista sustentou a ideia de "facilitismo" construída com base numa visão redutora dos processos de RVCC, limitando-os à componente formal de validação; também o facto de a INO proporcionar uma diversidade de vias que possibilitavam alcançar uma certificação escolar equivalente ao 12º ano de escolaridade e que, além disso, permitiam igualmente o prosseguimento de estudos foi avaliado como se as novas vias fossem menos sérias do que as que existiam anteriormente.
O semanário Expresso, por seu lado, dando ênfase ao tratamento da substância dos assuntos, mostrou um envolvimento claro dos jornalistas em causas, fazendo intervir na argumentação valores como qualidade, justiça e equidade, designadamente na luta discursiva que se travou no sentido da alteração da lei de acesso ao ensino superior. Esta lei possibilitava que adultos e jovens adultos acedessem ao ensino superior pela via dos cursos EFA, utilizando a classificação dos exames realizados para acesso (em alguns casos, apenas um exame era necessário). Neste debate, o Expresso evidenciou o poder assinalável dos media no processo de regulação das políticas educativas, na medida em que a lei do acesso ao ensino superior veio a ser alterada na sequência do tratamento dado a este tema neste jornal. De facto, este semanário conseguiu influenciar quer as práticas de outros media quer as práticas no campo das políticas, fazendo uso da sua credibilidade enquanto jornal de referência em Portugal e, consequentemente, aumentando o seu capital simbólico e o dos respetivos jornalistas.
Contudo, neste semanário, a forma como os tópicos foram abordados enquanto notícia em nada contribuiu para a credibilização e valorização social da INO: (a) os cursos EFA foram vistos como uma forma fácil e rápida de acesso ao ensino superior; (b) a questão debatida em torno dos designados "recibos verdes" mostrou uma face da INO que, do ponto de vista político, sustentou a precariedade no trabalho; (c) a subordinação do financiamento ao cumprimento de metas foi apresentada como uma condicionante do rigor e da qualidade dos processos de RVCC; e (d) um certo desapontamento foi mostrado pelo facto de a avaliação ao eixo ‘Adultos’, levada a cabo pela Universidade Católica, não ter considerado o rigor e a qualidade da INO. Já em termos de reportagem, o Expresso revelou uma visão bastante favorável do eixo ‘Adultos’, o qual foi apresentado como uma forma de combater as desigualdades sociais, sendo os processos de RVCC perspetivados positivamente pelo seu impacto na melhoria da autoestima e do sentimento de autorrealização.
Por sua vez, no que respeita à opinião de comentadores, observa-se que os cursos EFA foram também assinalados como uma forma fácil e rápida de acesso ao ensino superior, em linha com várias notícias publicadas no Expresso por essa mesma altura. Contudo, de um modo geral a INO foi percecionada de forma relativamente homogénea pelos diversos comentadores, destacando-se o seu cariz de política socialmente justa que fomentou a igualdade de oportunidades e suscitou uma mudança cultural na sociedade portuguesa, respondendo às necessidades da época. Para tal, considerava-se que contribuía o facto de a INO permitir combater o défice de qualificação dos portugueses, acelerando o ritmo de recuperação do atraso educativo com repercussões positivas em indicadores internacionais, bem como o entendimento do RVCC como um processo internacionalmente reconhecido com impacto na melhoria da autoestima e na autorrealização dos adultos e favorecendo o regresso de um público pouco escolarizado aos processos de educação formal.
A avaliação ao eixo ‘Adultos’ levada a cabo pela Universidade Católica, cujo objetivo foi apreciar a melhoria das qualificações dos portugueses, foi apresentada como tendo sido realizada através de um método científico e inovador internacionalmente reconhecido. Aliás, o jornal Expresso concentrou o debate, em termos de opinião de comentadores, essencialmente no período eleitoral respeitante às legislativas de 5 de junho de 2011, que legitimaram a constituição do XIX Governo Constitucional. Para tal, recorreu, em três das suas publicações, à opinião de atores políticos que tiveram um papel importante na definição e avaliação desta política educativa.
Os sinais de "declínio" da INO nos textos da imprensa escrita
A ênfase mediática nas questões em torno do eixo ‘Adultos’ teve, nos três jornais, a sua expressão máxima entre 2011 e 2013, como se de uma espécie de "canto do cisne" da INO se tratasse8 . A tónica foi colocada quer nas alterações introduzidas pelo XIX Governo na educação de adultos quer no modo como estas foram introduzidas, assumindo tanto o Expresso quanto o Público a liderança do debate, privilegiando o primeiro a publicação de opinião de comentadores e o segundo a notícia. Esta dinâmica teve início durante o período de campanha eleitoral para as legislativas de 2011, no qual o CM assumiu um posicionamento coincidente com os outros dois jornais, embora dando bastante menor visibilidade ao assunto. Os três jornais apelaram ao seu capital simbólico e deram voz a atores com prestígio e credibilidade no espaço público, como por exemplo ministros da Educação e atores que estiveram diretamente implicados na criação e implementação da INO, no caso do Expresso. Nos outros dois jornais tiveram destaque instituições como a Associação Nacional de Profissionais de Educação e Formação de Adultos, o Conselho Nacional de Educação (CNE), partidos políticos com assento na Assembleia da República, a Associação Nacional de Dirigentes Escolares, coordenadores de CNO e muitos outros agentes em defesa dos direitos dos técnicos e formadores dos CNO e dos adultos que viram os seus processos de formação interrompidos durante um período que se revelou demasiado longo. Em nossa opinião, estes atores e estas instituições parecem ter utilizado estes jornais tanto para esclarecer e influenciar a opinião pública, como para condicionar o poder político.
Assim, os referidos jornais foram utilizados como plataforma para a expressão de descontentamento perante a incerteza sobre o futuro da educação e formação de adultos, considerando o encerramento de um grande número de CNO e o interregno de largos meses de inatividade dos restantes. Além disso, ao divulgar preocupações e recomendações, apresentadas designadamente pelo CNE, o Público revelou o poder dos media em tempos de crise dando voz a atores com prestígio e capacidade de influenciar as agendas política, pública e mediática. Os documentos do CNE, entre outros aspetos, alertavam: (a) para o desinvestimento na educação, acusando o XIX Governo de falta de visão estratégica; (b) para questões de qualidade, rigor e eficiência nos processos de orientação e encaminhamento, face às novas competências dos centros de qualificação que vieram substituir os CNO; e (c) para as alterações na forma de certificação dos adultos em processos de RVCC que estavam em contraciclo com as orientações europeias9 . No Expresso, o debate sobre a INO teve lugar no período em torno das eleições legislativas e sob a forma de opinião de figuras públicas com elevado capital simbólico, cultural e político. Alguns destes atores argumentaram abertamente em defesa da INO (particularmente da vertente dos ‘Adultos’) e do estabelecimento de uma espécie de pacto educativo, nomeadamente para a educação de adultos.
Notas conclusivas
Na pesquisa realizada, que procurou dar conta do modo como a vertente da INO dedicada aos adultos foi interpretada nos textos da imprensa escrita, reúnem-se indícios de que o período que se iniciou com a implementação da INO em 2005 e que decorreu até 2013 foi um tempo em que a educação de adultos teve um protagonismo mediático assinalável e repercussões na sociedade portuguesa, como não era observável desde a segunda metade dos anos setenta do século transato.
Nos primeiros anos de implementação da INO, quer o Público quer o Correio da Manhã contribuíram bastante para a legitimação social e política da INO. Todavia, a visão otimista que predominou nesta fase inicial foi dando lugar a outros pontos de vista menos favoráveis à INO. Além disso, o Público começou progressivamente a dirigir a sua atenção para a educação de adultos, a qual se transformou num assunto predominante nos debates e nas notícias em torno da INO. Por sua vez, o semanário Expresso destaca-se por ser o que maior ênfase deu ao pilar dos ‘Adultos’ e maior atenção deu ao tratamento da substância dos assuntos.
De facto, é notável a visibilidade dada pela imprensa escrita à INO, particularmente à vertente dos ‘Adultos’, cujo enfoque foi um ponto comum aos três jornais, de tal modo que, por vezes, a INO foi identificada exclusivamente com o eixo ‘Adultos’. Na verdade, com a INO a política educativa em Portugal valorizou as componentes não formais e informais da ALV, em especial ao assumir os processos de RVCC como uma das vias de qualificação. Porém, os discursos revelaram preocupações, ambiguidades e tensões em torno de três grandes temas que se articulam entre si: a adesão dos portugueses à INO, a qualidade dos processos de RVCC e a avaliação dos resultados da vertente dos ‘Adultos’.
No que respeita ao primeiro tema, a forma massiva como os portugueses aderiram à INO foi entendida, por um lado, como o despoletar de uma mudança na sociedade que terá passado a valorizar mais outras formas de acesso ao saber e às qualificações, mas, por outro lado, foi percebida como uma consequência da facilidade na obtenção de uma certificação escolar e no acesso ao ensino superior. Esta tensão parece revelar, como alguns comentadores salientaram, a relação difícil entre a democratização do acesso às habilitações e a manutenção dos privilégios de uma elite escolarizada e qualificada. Em linha com o que Almeida (2011) refere – "os números, tão frequentemente referidos nos discursos políticos, funcionam como factor de descredibilização" (p. 178) –, verifica-se que a ênfase em temas cruciais para a justificação e legitimação da relevância da INO que marcaram os discursos políticos e as notícias nos primeiros anos da sua implementação acabaram, paradoxalmente, por ser também mobilizados para um discurso crítico negativo desta medida de política educativa.
O segundo tema corresponde ao debate em torno dos processos de RVCC. Por um lado, valorizou-se o portefólio reflexivo de aprendizagem enquanto instrumento para o reconhecimento de aprendizagens experienciais, destacou-se a qualidade dos processos de RVCC, uma vez que estes se concluíam com uma confirmação formal das competências adquiridas pelo adulto, e sublinhou-se o facto de ser um sistema utilizado há vários anos em diversos países. Por outro lado, argumentou-se pela necessidade da existência de um exame como instrumento de avaliação indispensável à validação dos conhecimentos, apontaram-se dúvidas sobre o papel da função formativa nestes processos e, ainda, valorizaram-se formas escolarizadas de educação de adultos, sugerindo-se a recuperação do ensino recorrente.
Estes posicionamentos contrastantes revelam uma tensão entre conceções educativas tradicionais e inovadoras, no sentido apontado por Pires (2002, 2010a). Ou seja, "tendo em conta que os saberes e as competências dos adultos se constroem através de processos de natureza combinatória e recompositória, articulando aprendizagens formais e não-formais, numa dinâmica integrativa" (Pires, 2002, p. 523), o reconhecimento e validação de competências valoriza o potencial educativo da experiência e utiliza-o como um "agente de mudança pessoal e social" (Pires, 2010a, p. 55). Assim, "a introdução de práticas de reconhecimento e validação em contextos educativos vem questionar as conceções e os modelos tradicionais" (Pires, 2002, p. 523) de educação/formação que desvalorizam aquele potencial educativo e assentam na "transmissão de conteúdos pré-determinados, uniformizantes, em que as dimensões teóricas e práticas se encontram fortemente polarizadas" e em que o adulto é perspetivado como dependente (Pires, 2010a, p. 55).
No entanto, parte das críticas apontadas aos processos de RVCC, particularmente as que estão associadas à ideia de facilidade na obtenção de uma certificação, parecem decorrer também do modo de financiamento dos CNO, indo ao encontro das preocupações assinaladas por Pacheco (2009), Pires (2007), Canário et al. (2012) e Almeida (2011). Sendo assim, do nosso ponto de vista, quando o Público e o Expresso ampliaram a questão da relação entre qualidade, rigor da formação e financiamento dos CNO, sublinharam esse ponto crítico e chamaram a atenção do poder político para a necessidade de discutir e repensar o modelo de programa INO e a sua forma de financiamento.
Quanto ao terceiro tema – a avaliação dos resultados da INO –, encontrámos argumentos em torno da defesa da avaliação levada a cabo pela Universidade Católica, mas também apelos à necessidade de melhor avaliar os resultados da INO, em particular o seu impacto na empregabilidade. Subjacentes a estes dois pontos de vista estão diferentes conceções a respeito do papel da educação na sociedade: alguns atores deram primazia à necessidade de a formação responder aos imperativos da economia, enquanto outros sublinharam o seu papel no desenvolvimento da autoestima e na autorrealização das pessoas, com reflexos na vida familiar, na educação dos filhos e no envolvimento e participação na sociedade e nos processos democráticos.
O debate encetado nestes jornais, no período de 2011 a 2013, em torno da avaliação dos resultados da INO e, de um modo mais vasto, do encerramento de CNO e do fim da Iniciativa, sublinhou um tempo de mudança na política em Portugal e mostrou sinais de reorientação das políticas educativas. O facto de o Expresso ter concentrado a publicação de opinião sobre a INO na proximidade de um período eleitoral, mobilizando, em torno da defesa da educação em Portugal e particularmente da educação de adultos, um conjunto de figuras públicas que assumiram papéis importantes nesta Iniciativa, pode ser analisado de duas formas. Por um lado, na perspetiva de Graber (2003), que afirma que a dissonância de vozes no espaço público por vezes confunde o cidadão leigo, pode ser encarado como uma tentativa de esclarecer os cidadãos. Por outro lado, dada a intermitência da agenda política no âmbito das políticas educativas e particularmente na educação de adultos (Guimarães, 2012; Lima, 2011), esta situação pode ser entendida como uma reação antecipada relativamente ao impacto dos resultados das eleições de 2011 na educação de adultos.
Do nosso ponto de vista, os três jornais exerceram, neste intervalo de tempo (2011-2013), o que Ferree, Gamson, Gerhards, e Rucht (2002) consideram ser o principal papel dos media numa democracia participativa, ou seja, a difusão do interesse público e a criação de estruturas que facilitam a comunicação, encorajam o empowerment e promovem uma cidadania ativa. No entanto, destaque-se que, de um modo geral, houve muito pouca intervenção no debate por parte de cientistas da educação ou de cientistas sociais. Os recursos privilegiados nas notícias foram atores governamentais, aspeto que vem confirmar o que Schudson (2002), Shoemaker e Vos (2011), Wolf (2009) e muitos outros autores referem, ou seja, que as fontes oficiais e institucionais são as privilegiadas na construção da notícia; mas, curiosamente, poucas vezes essas mesmas fontes incluíram os próprios ministros da Educação. O CM e o Público, mas sobretudo o primeiro, enfatizaram o ponto de vista do Governo e dos seus ministérios, ainda que no caso do CM pouca visibilidade tenha sido dada à voz do Ministério da Educação e dos seus representantes. Este aspeto, aliado ao destaque da figura do primeiro-ministro José Sócrates, indicia que a INO, particularmente na vertente dos adultos, pode não ter sido totalmente entendida e interpretada como uma iniciativa na esfera das políticas educativas, mas principalmente como uma política do âmbito das políticas sociais e do emprego.
Por sua vez, a voz dos cidadãos fez-se ouvir no Público sob a forma de cartas ao/à diretor/a, pese embora confinadas a um espaço extremamente reduzido, obrigando a cortes no texto pelo jornal (aspeto que foi visível em algumas cartas) e a uma grande capacidade de síntese que, em muitos casos, não está ao alcance do cidadão comum. Os assuntos abordados, para além de mostrarem que esta secção reservada ao leitor-escritor também promove a reflexividade dos próprios autores das cartas, revelaram também uma ligação à agenda mediática, confirmando os resultados obtidos por Silva (2007) de que a agenda mediática contamina a seleção das cartas, mas, acima de tudo, evidenciaram que este é um espaço de expressão de descontentamento. Porém, a voz dos cidadãos enquanto atores anónimos surgiu também, designadamente no Público e no Expresso, com a publicação de reportagens, nas quais de facto se tornou visível a opinião de um conjunto de cidadãos (e de instituições) que não se apresenta, à partida, com capital simbólico. Não obstante, algumas reportagens foram também utilizadas como uma estratégia – mais eficaz do que a notícia – para influenciar a opinião pública em favor de determinada orientação política e, deste modo, a voz dos cidadãos serviu interesses específicos.
O próprio espaço de opinião dos jornais de referência, dedicado aos colunistas, comentadores ou opinion makers, foi bastante marcado pelo capital simbólico que os atores possuíam e pelo estatuto ou pelo papel que desempenharam nesta política. Este espaço de opinião, na verdade, continua a ser ocupado por uma elite, certamente mais alargada do que há duas décadas, quando os "colunistas começaram a ganhar, crescentemente (…), mais espaço e relevância nas páginas dos jornais, adquirindo um estatuto de indiscutível importância e capacidade de influência" (Barriga, 2007, p. 71). Porém, ainda assim, trata-se de um pequeno círculo de atores que gozam de capital simbólico (científico, político, mediático) e de relativa autonomia do campo dos media, mas que, tal como esta autora afirma, se regem e se enquadram nas regras e lógicas mediáticas.
A pesquisa desenvolvida pretendeu contribuir para uma melhor compreensão do modo como as políticas de ALV foram interpretadas em Portugal, nomeadamente através da exploração da forma como a INO foi analisada na imprensa escrita. Para além disso, a pesquisa realizada evidenciou também sinais de que os media, em determinados momentos ou perante determinados acontecimentos, podem funcionar como uma plataforma quer de debate sobre assuntos da educação quer de expressão de descontentamento. No entanto, verificámos que a voz de especialistas e investigadores da área educativa esteve bastante ausente nos debates da imprensa escrita, o que não parece beneficiar a análise destas problemáticas de forma aprofundada e para além da esfera do senso comum.
Assim, como nota final, gostaríamos de sublinhar que, por mais que os assuntos relativos à escola assumam um caráter familiar ao cidadão comum, como Pina (2007) e Cohen (2010) referem, as questões educativas exigem análises científicas como quaisquer outras, e.g. ligadas à medicina, à física, à economia, à ciência política ou a outros ramos da ciência.
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Recebido em outubro/2015
Aceite para publicação em fevereiro/2016
Notas
1 Esta pesquisa está a ser desenvolvida por Ana Paula Natal, sob a orientação científica de Mariana Gaio Alves, visando a obtenção do grau de doutor em Ciências da Educação pela UNL e ISPA.
2 Fonte de dados: Censos 2001, Instituto Nacional de Estatística, 2001, disponível em http://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=censos_historia_pt_2001., consultado em 14.08.2015
3 Em 2005 existiam já 98 centros de RVCC (http://www.oei.es/quipu/portugal/novas_oportunidades.pdf)., consultado em 10.01.2010
4 A Portaria nº 165-B/2015, de 3 de junho, reduziu o número de exames nacionais obrigatórios para dois, sendo que o acesso aos (novos) cursos técnicos superiores profissionais, a funcionarem em instituições superiores politécnicas, depende apenas das condições estabelecidas para o curso pela instituição.
5 Note-se que a certificação escolar foi assinalada no relatório como o motivo principal para os adultos com baixos níveis de escolarização aderirem à INO.
6 Quer o documento de apresentação da INO (MTSS & ME, s.d., pp. 18, 23) quer o documento que aprova a Reforma da Formação Profissional (Resolução do Conselho de Ministros nº 173/2007, de 7 de novembro, publicado em Diário da República, 1ª série – Nº214) sublinham a importância do envolvimento dos media na divulgação da INO. Neste último normativo, pode ler-se o seguinte: "(…) é importante tornar claros os benefícios privados do investimento em qualificação, bem como divulgar o quadro de respostas existente. Neste sentido, serão desenvolvidas activas campanhas de sensibilização e divulgação junto de jovens e adultos, mobilizando para o efeito diversos meios de comunicação" (p. 8147).
7 Barriga (2007) caracteriza da seguinte forma a imprensa de referência portuguesa: "(…) persegue o seu papel tradicional: interessar-se por temas políticos; privilegiar, de entre os géneros jornalísticos, os comentários e os estudos, a reflexão; ter critérios distintivos, ao nível do estilo, a sobriedade e o distanciamento" (p. 32).
8 Canário (2006) usou a expressão "canto do cisne" a respeito do Plano Nacional de Alfabetização e Educação de Base de Adultos, o qual visava o "relançamento de uma política de educação popular" mas que, segundo o autor, "nunca passou do papel, represent(ou)ando o fim de um ciclo desencadeado com o 25 de Abril" (p. 177).
9 O CNE difundiu as suas preocupações e recomendações através do seu relatório de 2012, O estado da educação, e da Recomendação nº3/2013, de 17 de maio.