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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.29 no.2 Braga dez. 2016

https://doi.org/10.21814/rpe.8713 

ARTIGOS

 

Formação docente e sua relação com a escola

Teacher education and its relationship with the school

Formation d’enseignent et sa relation avec l’école

 

Maria das Graças NascimentoPatrícia Cristina Albieri Almeidaii  Laurizete Ferragut Passosiii 

i Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

ii Universidade Católica de Santos e Fundação Carlos Chagas, Brasil

iii Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

O presente artigo traz reflexões suscitadas pela análise dos dados referentes ao desenvolvimento do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), no âmbito do curso de Pedagogia de uma universidade pública localizada no Estado do Rio de Janeiro (Brasil). Procura-se identificar as contribuições desse programa para a constituição de um modelo formativo de desenvolvimento profissional centrado na escola, a partir do olhar dos estudantes e dos profissionais nele envolvidos. É dado destaque às práticas e aos modelos formativos que favorecem a aproximação entre universidade e escola, bem como à construção de conhecimentos profissionais sobre a docência.

Palavras-chave: Modelos formativos; Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência; Desenvolvimento profissional

 

ABSTRACT

This article brings some reflections arising from the analysis of data from the development of the Institutional Program for Scholarships for Initiation in Teaching (PIBID) under the Faculty of Education at a public university in the state of Rio de Janeiro (Brasil). It seeks to identify the contributions of this program for the establishment of a training model of professional development focused on the school, through the eyes of students and professionals involved in them. Emphasis is given to practices and training models that promote the rapprochement between university and school, as well as the construction of professional knowledge about teaching.

Keywords: Training models; Institutional Program for Scholarship for Initiation in Teaching; Professional development

 

RÉSUMÉ

Cet article apporte des réflexions résultant de l’analyse des données pour développement du Programme Institutionnel de Bourse d’Initiation à l’Enseignement (PIBID), dans le cadre du cours de Pédagogie dans une université publique dans l’état de Rio de Janeiro (Brasil). Il cherche à identifier les contributions de ce programme pour la mise en place d’un modèle de formation de développement professionnel centrée à l’école, travers les yeux des étudiants et de professionnels qui y sont impliqués. L’accent est mis sur les pratiques et les modèles de formation qui favorisent le rapprochement entre l’université et l’école, ainsi que la construction de la connaissance professionnelle sur l’enseignement.

Mots-clé: Modèles de formation; Programme Institutionnel de Bourse d’Initiation à l’Enseignement; Développement professionnel

 

Introdução

O distanciamento entre as instituições formadoras de professores e as escolas de educação básica, lócus privilegiado do trabalho docente, tem sido apontado recorrentemente pela literatura na área como um dos problemas da formação de docentes no Brasil (André, 2014; André et al., 2012; Gatti & Nunes, 2009; Monfredini, Maximiano, & Lotfi, 2013; Passos, 2012). Esses estudos mostram que os cursos de formação de professores mantêm-se focados em modelos idealizados de aluno e de docência e, consequentemente, distantes das realidades dos professores e das escolas de educação básica.

Mesmo sendo consenso que a escola constitui um local de aprendizagem e de desenvolvimento profissional da docência, nos currículos dos cursos de formação tem prevalecido, como bem destaca Saviani (2009), um modelo para o qual "a formação de professores, propriamente dita, se esgota na cultura geral e no domínio específico dos conteúdos da área de conhecimento correspondente à disciplina que o professor irá lecionar" (p. 149). Parte-se do pressuposto que "(...) a formação pedagógico-didática virá em decorrência do domínio dos conteúdos do conhecimento logicamente organizado, sendo adquirida na própria prática docente ou mediante mecanismos do tipo ‘treinamento em serviço’" (Saviani, 2009, p. 149). Segundo Saviani (2009), a esse modelo se contrapõe aquele segundo o qual a formação de professores só se completa com o efetivo preparo pedagógico-didático, ou seja, além da cultura geral e da formação específica da área que será objeto de ensino, "a instituição formadora deverá assegurar, de forma deliberada e sistemática por meio da organização curricular, a preparação pedagógico-didática, sem o que não estará, em sentido próprio, formando professores" (Saviani, 2009, p. 149).

Estudos têm ressaltado que, no caso do Brasil, as licenciaturas nas diversas áreas do conhecimento têm adotado, em sua maioria, o primeiro modelo, privilegiando os conhecimentos da área específica em detrimento da formação para o desenvolvimento de habilidades profissionais específicas para a atuação nas escolas e nas salas de aula (André, Almeida, Hobold, Ambrosetti, & Passos, 2010; Gatti & Nunes, 2009). Saviani (2009) esclarece que o segundo modelo prevaleceu nas Escolas Normais1. Para o autor, a licenciatura em Pedagogia tem sido marcada por uma tensão entre esses dois modelos.

A desconexão entre os conhecimentos acadêmicos e a dimensão prática da formação docente também tem sido um aspecto destacado, não só no Brasil, como em outros países. Zeichner (2010), por exemplo, referindo-se à realidade norte-americana, aponta o distanciamento entre os contextos da formação e do trabalho como uma das questões centrais na formação inicial de professores e assinala que a percepção desse problema tem levado a uma série de experiências que tomam como eixo a busca de parcerias entre universidade e escola, no sentido de aproximar o conhecimento acadêmico do conhecimento produzido pelos professores no campo de atuação.

Também Canário (1998), referindo-se ao distanciamento entre a formação dos professores e as realidades escolares, assinala que "esta maneira descontextualizada de conceber a formação profissional é a principal responsável pela sua ‘ineficácia’, decorrente da ausência de um sentido estratégico para a formação" (p. 16). Essa falta de articulação é apontada por Canário (2001) como o ponto nevrálgico da organização curricular desses cursos, visto que, segundo ele, os professores aprendem a sua profissão na escola. Logo, o mais importante na formação inicial consistiria em aprender a aprender com a experiência, o que demanda avanços nos modos de traduzir essa lógica nas propostas curriculares, no âmbito da formação inicial, ou seja, é necessário constituir itinerários formativos que possibilitem romper com uma visão estática que tem sido predominante no modo de conceber a relação entre a formação e o trabalho que pode ser traduzida em um somatório de momentos formais não articulados.

Desse cenário resultou nosso interesse em conhecer e acompanhar algumas iniciativas recentes em políticas públicas no Brasil, que vêm tentando aproximar os diferentes espaços de formação e promover a inserção dos alunos de licenciatura em escolas de educação básica, ainda durante a formação inicial. Uma pesquisa, publicada pela UNESCO (Gatti, Barretto, & André, 2011), possibilitou conhecer algumas dessas iniciativas que, em âmbito federal, estadual e municipal, objetivam aproximar os espaços de formação e de exercício profissional, favorecendo a inserção na docência. Assim, vimos desenvolvendo, desde 2012, uma pesquisa que toma como objeto três programas de inserção profissional, sendo um federal, um estadual e um municipal. Analisar programas de formação de professores que contemplem a parceria entre universidade e escola, fundada na interação entre professores universitários, alunos em formação e profissionais em exercício nas escolas é o foco dessa investigação.

O presente artigo apresenta um recorte desse estudo, trazendo algumas reflexões suscitadas pela análise dos dados referentes ao desenvolvimento do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), no âmbito do curso de Pedagogia de uma universidade pública localizada no Estado do Rio de Janeiro. Procura-se identificar as contribuições desse programa para a constituição de um modelo formativo de desenvolvimento profissional centrado na escola, a partir do olhar dos estudantes e dos profissionais nele envolvidos. Destaque é dado às práticas e aos modelos formativos que favorecem a aproximação entre universidade e escola, bem como a construção de conhecimentos profissionais sobre a docência.

 

Formação docente e sua relação com a escola

Sabe-se que as relações entre as instituições de ensino superior e as escolas da educação básica, como bem retratam Vaillant e Marcelo (2012), têm uma história marcada pelo desencontro, pelo desconhecimento recíproco e pela mútua desconfiança. É corriqueiro, por exemplo, que os professores das escolas da educação básica conheçam pouco sobre as especificidades das disciplinas de metodologia e de fundamentos que compõem a formação dos estudantes nos cursos de licenciatura, do mesmo modo que os professores formadores das instituições de ensino superior pouco sabem sobre as práticas específicas empregadas nas salas de aulas em que os licenciandos realizam o seu estágio (Zeichner, 2010).

Embora as propostas pedagógicas dos cursos de formação inicial incluam atividades de estágio ao longo do curso, é comum que a permanência dos estudantes na escola ocorra sem muita orientação e/ou conexão com as disciplinas da universidade. Zeichner (2010) assinala que são muitos os estudos que têm demonstrado "os obstáculos à aprendizagem do professor em formação associados com o tradicional modelo de experiência de campo precariamente planejado e monitorado" (p. 485).

Assim sendo, as instituições de formação inicial requerem, para promover o aprendizado da docência, "contextos de prática, de aplicação, de vida cotidiana, enfim, de socialização, que completem o marco geral formativo" (Vaillant & Marcelo, 2012, p. 87). Nessa perspectiva, a atividade profissional dos professores que atuam no cotidiano das escolas deve ser considerada como um espaço prático de produção, de transformação e de mobilização de saberes e, consequentemente, de teorias, de conhecimentos e de saber-fazer específicos do ofício de professor (Tardif, 2002). Tanto a universidade, como os professores em exercício nas escolas, são portadores e produtores de saberes, de teorias e de ações. Para Tardif (2002), a formação inicial visa introduzir os alunos, futuros professores, à prática profissional dos professores de profissão e fazer deles "práticos reflexivos". Shulman (2004) também coloca em destaque o papel fundante do aprendizado a partir da experiência nos processos de construção do conhecimento profissional da docência. Para o autor, quando o futuro professor vivencia situações da prática, tem a oportunidade de aprender a lidar com a complexidade intrínseca ao cotidiano da sala de aula.

Na mesma perspectiva, Zeichner (2010) propõe o conceito de ‘terceiro espaço’ para repensar as conexões entre a formação na universidade e as experiências de campo na formação inicial de professores. Para o autor, o terceiro espaço

(...) diz respeito à criação de espaços híbridos nos programas de formação inicial de professores que reúnem professores da Educação Básica e do Ensino Superior, e conhecimento prático profissional e acadêmico em novas formas para aprimorar a aprendizagem dos futuros professores. (Zeichner, 2010, p. 487)

Esses espaços têm, portanto, o potencial de favorecer a construção de um novo conhecimento. E, nesse processo, os saberes da prática profissional e o conhecimento acadêmico se relacionam de forma menos hierárquica e mais igualitária possibilitando, assim, a criação de novas oportunidades de aprendizagem para professores em formação.

Tratando dessa necessária aproximação entre os espaços de formação e do trabalho, Vaillant e Marcelo (2012) assinalam que há diferentes modelos de relações entre a instituição de formação inicial e as escolas e que esses modelos estão necessariamente orientados pelas ideias que se têm sobre como se aprende, como se ensina e como se aprende a ensinar. Os autores fazem referência a quatro modelos, a saber: modelo de justaposição, modelo de consonância, modelo de dissonância crítica e modelo de ressonância colaborativa.

No modelo de justaposição predomina a ideia de que se aprende a ensinar observando como ensinam outros docentes e, posteriormente, imitando-os. O modelo de relações que se estabelece é o da justaposição nos conteúdos da formação, ou seja, primeiro a formação teórica e depois os estágios, ocasião para aplicar conhecimentos. Há também, dentre outros aspectos, a hegemonia de um dos parceiros na relação, uma vez que é a instituição formadora que planeja os estágios.

No modelo de consonância, a concepção que está implícita na ideia de aprender a ensinar é a de que o "ensino pode estar guiado por um conhecimento empiricamente desenvolvido, gerado quase que exclusivamente pela pesquisa realizada na universidade por pesquisadores e formadores de docentes" (Vaillant & Marcelo, 2012, p. 90). Nesse caso, na relação entre universidade e escola, a principal preocupação é assegurar que a formação nas escolas, que se dá por meio dos estágios, seja coerente com a que é desenvolvida na instituição formadora. Para tanto, o professor tutor da escola recebe formação para que as perspectivas e a linguagem por ele utilizada sejam as mesmas da instituição de formação. Por isso a denominação de ‘modelo de consonância’, uma vez que se busca congruência entre o ensinado na instituição de formação e a escola.

Já o modelo de dissonância crítica baseia-se no princípio de que o ensino é uma atividade prática e de que "o processo de aprender a ensinar requer o desenvolvimento e a aquisição de conhecimentos que não são exclusivamente proposicionais" (Vaillant & Marcelo, 2012, p. 92). Nesse modelo se reconhece que "os docentes geram e possuem conhecimentos derivados de sua interação com situações práticas", denominado como conhecimento profissional. Aprender a ensinar, nesse caso, requer começar a suscitar esse conhecimento que só se adquire na relação com a prática. Programas que assumem a proposta de proporcionar aos futuros professores uma atitude reflexiva, crítica e investigativa adotam estratégias como diário com relatos da vida da sala de aula, debate reflexivo, redação de casos, registros escritos, documentos pessoais, portfólios, etc.

No quarto e último modelo, denominado de ressonância colaborativa, há uma visão mais complexa e, segundo Vaillant e Marcelo (2012), com maior potencial de desenvolvimento. O processo de aprender a ensinar se dá em diferentes espaços, durante todo o desenvolvimento profissional e de forma colaborativa. A proposta é que haja um ambiente e uma cultura de colaboração entre os profissionais da escola e os formadores, entre as escolas e as instituições de ensino superior, por meio da realização de projetos conjuntos em que os estudantes possam participar. A ênfase não é exclusivamente em relação ao estágio, mas também diz respeito aos projetos de pesquisa ou de inovação. Na escola o professor tutor assume a função de formador, devendo dar atenção a três âmbitos: modelos, práticas e realimentação dos professores em formação. Entretanto, essa prática requer a existência de um contexto de colaboração interinstitucional, marcado pela colaboração e o acordo. Trata-se de "criar relações de colaboração, não de supremacia, entre os projetos educativos das escolas e os projetos formativos das instituições de formação" (Vaillant &Marcelo, 2012, p. 97).

Como os modelos de dissonância crítica e de ressonância colaborativa estão centrados na escola, favorecem que as crenças, os valores, as expectativas e as teorias sejam objetivadas individual e coletivamente (Mizukami, 2013). Logo, a formação inicial docente e sua relação com a escola cumpre um importante papel na formação das qualidades objetivas e subjetivas necessárias para a atuação em contextos complexos de ensino.

Contudo, apesar do potencial formativo desses modelos de colaboração entre as instituições formadoras e as escolas da educação básica, não se pode deixar de trazer à baila que a formação inicial centrada na escola e no trabalho colaborativo institui novos espaços e responsabilidades. São vários os desafios que os docentes das Instituições de Ensino Superior (IES) e os profissionais da educação básica enfrentam quando se implicam em projetos de colaboração, como, por exemplo, sobrecarga de tarefas, tempo escasso, cultura e linguagens distintas, etc. (Garcia & Garcia, 1998). Há ainda que se questionar as implicações para a identidade profissional do professor da educação básica que assume esse novo papel: o de formador. É um equívoco achar que processos de colaboração com os profissionais da escola se restringem a revalorização da prática e do conhecimento prático. Mesmo porque nem todo o conhecimento proveniente da prática do professor é benéfico e educativo e não se reduz a destrezas pedagógicas e competências técnicas (Garcia & Garcia, 1998). Logo, é importante que processos de colaboração evitem ações que simplifiquem os processos de aprendizado da docência e de profissionalização docente, lembrando que são as concepções e ideias acerca do papel social da escola e de como se aprende a ensinar que orientam as escolhas e práticas formativas.

 

Procedimentos metodológicos

Considerando que iniciativas, observadas na pesquisa publicada pela UNESCO e citadas anteriormente, podem se constituir em alternativas para superar o distanciamento que historicamente se observa entre os espaços da formação e do exercício profissional, o presente artigo, como já mencionado, analisa as contribuições do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, proposto pelo Ministério da Educação e Cultura - MEC/Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

O caminho metodológico orientou-se para conhecer as intenções e princípios desse programa, assim como a perspectiva dos sujeitos neles envolvidos e a própria dinâmica de formação. Os sujeitos dessa pesquisa foram: 18 estudantes bolsistas, alunas do curso de Pedagogia; três supervisoras, professoras que atuam em uma escola de ensino fundamental2 da rede pública de ensino; além da coordenadora do projeto e professora formadora do curso de Pedagogia em uma universidade no Estado do Rio de Janeiro.

Os dados aqui apresentados se valeram dos seguintes procedimentos:

  1. análise documental tendo como fonte os documentos que regulamentam o programa;
  2. questionário aplicado antes do início das entrevistas e dos grupos de discussão, com questões de caracterização: idade, sexo, curso, período do curso, motivos para ingresso no programa, relações com o magistério. Na ocasião foi solicitado aos participantes que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE);

iii. grupos de discussão com os estudantes bolsistas do programa, alunos do curso de Pedagogia (dois grupos) e um grupo de discussão com as professoras supervisoras da escola básica. O grupo de discussão é uma técnica que comporta a obtenção de dados de natureza qualitativa em sessões/sessão em grupo/grupos que compartilham alguns traços comuns. O objetivo foi obter, apoiando-se no diálogo e no debate com e entre os participantes, elementos provenientes de um tema específico, no caso, as contribuições do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Os grupos variaram entre 3 a 10 participantes e as sessões duraram, em média, uma hora e meia. O grupo de discussão foi conduzido por dois pesquisadores: um assumiu o papel de mediador, dirigindo a discussão, e o outro procedeu ao registro das interações. O roteiro dos grupos de discussão, realizados com as estudantes bolsistas, abarcava os seguintes eixos: os motivos para o ingresso no programa; a importância para a formação profissional; as principais aprendizagens adquiridas e os sentimentos quanto ao desejo de se tornarem professoras. Com as professoras, os eixos destacados foram: os motivos para o ingresso no programa; a descrição das atividades realizadas; a importância da participação para o desenvolvimento profissional e do programa para a escola/universidade, e as sugestões para o aprimoramento do programa;

  1. entrevista com a coordenadora do projeto, professora da FFP-UERJ (Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Os eixos foram os mesmos utilizados com as professoras da escola.

As discussões dos grupos, bem como as entrevistas, foram gravadas e seu conteúdo transcrito, fornecendo rico material de análise. Para interpretação dos dados obtidos, a interlocução foi feita, principalmente, com autores que têm discutido a inserção profissional e a formação docente, tais como Zeichner, Tardif, Gatti, Canário, Cochran-Smith e Lytle, Vaillant e Marcelo.

Para o processo de análise dos dados adotou-se a triangulação dos diferentes instrumentos e dos próprios dados coletados, por permitir alcançar uma visão mais ampla do objeto de estudo e melhores evidências para a construção das dimensões de análise. Desse modo, a análise levou em consideração os significados contidos no material transcrito dos grupos de discussão e das entrevistas. O material foi organizado a partir dos temas já anunciados e examinado para se identificar os aspectos regulares e recorrentes (André, 1983), bem como as tendências e padrões relevantes (André, 2013) e possíveis semelhanças e contradições. A decisão sobre as dimensões ou categorias que seriam enfatizadas e decorrentes desse processo respeitaram os objetivos da pesquisa e enriqueceram a análise interpretativa do material coletado.

 

Contexto do programa analisado

A constatação de que a formação profissional não vem oferecendo aos licenciandos os conhecimentos e habilidades necessários ao enfrentamento das complexas tarefas que lhes são exigidas na sociedade contemporânea, bem como a insatisfação social com o nível de ensino nas escolas brasileiras, vêm levando à crescente responsabilização do poder público pelo desempenho das escolas e professores. Essa situação tem se refletido na proposição de diferentes programas voltados para a melhoria da formação dos professores.

A partir da metade dos anos 2000, o governo federal passa a exercer um papel de articulador das políticas públicas de formação dos professores, até então dispersas em iniciativas isoladas de estados e municípios, delineando-se uma política nacional de formação docente (Gatti et al., 2011). Nesse sentido, o Decreto nº 6755/2009 consolida algumas iniciativas que já vinham se desenvolvendo nos anos anteriores e institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica. Esse documento estabelece princípios básicos que devem orientar as propostas de formação de professores e que passam a balizar os programas de apoio à formação docente do MEC. Entre esses princípios, reconhece a formação docente para a educação básica como compromisso público de Estado, que deve ser executado em regime de colaboração entre União, Estados e Municípios, com participação das Instituições Públicas de Educação Superior e de entidades representativas de setores profissionais docentes. O mesmo documento legal atribui à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), órgão do Ministério da Educação até então voltado à formação na pós-graduação e apoio à pesquisa, a função de apoio à formação docente em cursos de graduação, o que inclui o fomento a programas de iniciação à docência e concessão de bolsas a estudantes matriculados em cursos de licenciatura nas instituições de educação superior. Para tanto cria, na estrutura da CAPES, a Diretoria de Educação Básica (DEB), que passa a atuar na proposição e implementação de programas de fomento à formação docente.

É esse o contexto de surgimento do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), que se apresenta como uma proposta de valorização da formação inicial dos futuros docentes e de integração entre educação superior e educação básica. Um diferencial do programa é a concessão de bolsas não só a alunos e professores das universidades, mas também a professores de escolas públicas que acompanham as atividades dos bolsistas no espaço escolar, atuando como co-formadores no processo de iniciação à docência. Com essa iniciativa, os professores de educação básica são inseridos nas políticas de fomento, criando-se um elemento de articulação entre as IES e as escolas.

Inicialmente o PIBID foi direcionado às Instituições Federais de Ensino Superior tendo a sua primeira versão, em 2007, atendendo cerca de 3.000 bolsistas das áreas de Física, Química, Biologia e Matemática. A partir de 2009 o PIBID expandiu-se rapidamente, incluindo Universidades Públicas Estaduais, Municipais e Comunitárias, abrangendo todas as licenciaturas e chegando em 2013 a 49.321 bolsistas, de 195 instituições, que atuam em 4.160 escolas públicas em todas as regiões do país. Em 2014 foram 90.000 bolsistas entre todos os participantes, abrangendo perto de cinco mil escolas de educação básica, com a participação de 284 instituições.

Estudo avaliativo do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, realizado por Gatti, André, Gimenes, e Passos (2014), retrata que o programa é valorizado por todos os atores envolvidos, destacando não só os seus efeitos positivos com "implicações para as instituições envolvidas, para os próprios cursos e para a concepção de políticas de ação na área da educação" (p. 10), como também indicando "os aprimoramentos que devem ser implementados ante o valor atribuído à sua metodologia" (p. 10). Os dados analisados indicam "a efetividade do programa no que se refere à formação inicial de professores e o seu papel de dar valor novo às licenciaturas nas Instituições de Ensino Superior" (Gatti et al., 2014, p. 10).

Um aspecto mencionado pelo estudo diz respeito à diversidade dos projetos desenvolvidos nas diferentes instituições participantes, provocando dissonâncias nas práticas institucionais. Tendo em vista essa diversidade e seus desdobramentos, entendemos que o estudo da experiência que foi objeto de análise no presente texto é necessário e oportuno, pois coloca em destaque situações específicas de contexto e de práticas de formação nas licenciaturas que este e outros projetos podem suscitar.

 

As instituições e os sujeitos envolvidos

O subprojeto, foco de nossa investigação no Rio de Janeiro, é desenvolvido no âmbito do Curso de Pedagogia de uma das unidades acadêmicas de uma importante universidade localizada nesse Estado. A unidade acadêmica na qual esse projeto está inserido é uma faculdade de formação de professores que oferece a graduação em sete diferentes licenciaturas, sendo uma delas em Pedagogia.

A escola que recebe o projeto pertence à rede pública de ensino, localizada em uma cidade próxima à capital e que atende a jovens do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. Esses estudantes têm suas aulas regulares no turno da manhã, estando o turno da tarde reservado para o desenvolvimento de projetos, incluindo o PIBID. A escola possuía em torno de 1430 alunos e 90 professores, em 2013, época em que as entrevistas foram realizadas.

A coordenadora do subprojeto é uma professora universitária, pedagoga, doutora em Psicologia, que, na época da entrevista, ocupava também o cargo de coordenadora do Curso de Pedagogia. As supervisoras são professoras da escola básica que acompanham as alunas bolsistas em suas atividades na escola. Uma é a diretora adjunta, pedagoga, escolhida por já estar envolvida, na qualidade do cargo que ocupa, com um projeto anterior ao PIBID, que envolveu a escola e a universidade em questão. A segunda é professora de História e Sociologia e participou efetivamente, como bolsista, desse projeto anterior. A terceira, professora de Português e Literatura, está há menos tempo no projeto, tendo sido convidada pela colega e pela coordenadora para integrar a equipe, em virtude de ter demonstrado interesse, participando voluntariamente das reuniões.

As bolsistas, todas mulheres, são alunas do curso de Pedagogia e, ao se referirem aos motivos que as levaram a ingressar no PIBID, reconhecem que o valor da bolsa foi um atrativo, mas destacam outros motivos que, segundo elas, foram essenciais para a adesão ao programa: a possibilidade de um contato mais próximo com o universo das escolas públicas e com situações da prática profissional e a oportunidade de ampliarem sua formação, participando de um grupo de estudos.

Acredito que você, como universitário, de maneira geral, precisa estar ampliando a sua formação. (Aluna bolsista)

Interessei-me pelo programa não só pela bolsa (...), porque desde o começo eles falaram que a gente teria esse contato com a escola. Eu acho que foi essa a parte que mais me interessou. (Aluna bolsista)

A maioria das estudantes é bastante jovem, tendo entre 18 e 29 anos, e cursa os dois últimos anos do Curso de Pedagogia.

 

A dinâmica do projeto

Esse projeto do PIBID da Pedagogia nessa escola desenvolvia-se por meio de seis subprojetos, em torno dos quais se articulavam de duas a quatro bolsistas. Eram eles: Oficina de Leitura, Projetos Murais, Projeto Colcha de Retalhos, Reinvenção da Biblioteca, Jornal do M [nome abreviado do colégio], Transvalorização do meio cibernético do Colégio CMS [nome do colégio]. Assim, cada pequeno grupo de licenciandas, articuladas em torno de um subprojeto, ia desenvolvendo atividades com os estudantes da escola básica, no próprio horário escolar ou no turno da tarde, que não possuía turmas em aulas regulares.

Todas as participantes do projeto tinham reuniões quinzenais para estudos e/ou trabalhos que, segundo a coordenadora, têm por objetivo a "definição e reconfiguração desse campo problemático". "Campo problemático" é um conceito que aparece com maior ênfase na obra de Deleuze (1992, 2003), como sendo aquilo que permite, ao observador, entender determinado acontecimento e, a partir desse entendimento, buscar e propor as soluções reivindicadas por esse acontecimento. Essa ideia é parte integrante de projetos desenvolvidos pela coordenadora do PIBID, desde 2008, na perspectiva da "formação inventiva de professores". Segundo o que consta no sítio que divulga as ações do subprojeto nessa instituição, "trata-se de deslocar a noção de formação inventiva de professores, por meio da pesquisa-intervenção e da cartografia, para os territórios de encontro entre universidade e escola básica, tendo como foco a expansão e ampliação de tais territórios". A noção de território é pensada como uma dimensão de passagens em que se constituem as subjetividades, do modo proposto por Deleuze e Guattari (1992). Segundo a coordenadora do projeto, a pesquisa-intervenção e a cartografia funcionam como ferramentas teórico-metodológicas de análise.

Além desses encontros que se destinam a estudos e aprofundamento dos conceitos que se inserem nessa perspectiva trabalhada, nas demais semanas, as licenciandas têm supervisão, ou seja, encontros com as supervisoras (professoras da escola básica) para o acompanhamento dos trabalhos. A relevância desses momentos foi explicitada por uma supervisora, no momento do grupo de discussão: "Nós trabalhamos junto com elas. Nós revemos os projetos. Apoio na execução!".

Segundo o que foi mencionado, esses encontros destinam-se ainda à elaboração de trabalhos para apresentações em eventos científicos ou do próprio programa e à confecção de diários de campo que, segundo o que se observou, constitui um recurso do método da cartografia, utilizada pelo grupo "para darmos visibilidade ao que está invisível, no território da pesquisa" (Leal, s/d., p. 4).

O diário para mim é uma das coisas mais ricas da pesquisa. E ao mesmo tempo ação. Ele é reflexivo, mas implica que você atue, que você esteja sempre fazendo um relatório, um diário, esteja próximo ao aluno e problematizando todas as questões. Você pelo diário vê o crescimento (...). (Supervisora)

Embora os diários sejam pessoais, eles são compartilhados nos encontros e, muitas vezes, estão na origem dos trabalhos que são elaborados pelas participantes. É o que nos contam as supervisoras, durante o grupo de discussão:

Cada um elabora o seu diário, particular. A pessoa só mostra o que ela quer. É diário! Mas, frequentemente, fazemos uma leitura de trechos que a gente decide que são importantes de ler. O diário é um grande instrumento. Muito interessante a coisa de a gente compartilhar os diários, sabendo o crescimento do grupo, como é que está indo. (Supervisora)

O uso de diário é uma estratégia que pode favorecer, nos docentes em formação, o desenvolvimento de uma atitude crítica frente às experiências vivenciadas na escola. Como explicitado anteriormente, o diário, o debate reflexivo, a redação de casos, os portfólios, as comunidades virtuais, etc., são estratégias utilizadas no modelo de dissonância crítica. Essas práticas podem ser utilizadas para problematizar diferentes dimensões: "pessoais, didáticas, curriculares, organizativas e sociais" (Vaillant & Marcelo, 2012, p. 94).

No caso desse projeto, o professor formador busca dar suporte para que as licenciandas realizem autorreflexão, bem como desenvolvam uma atitude crítica durante suas práticas. Segundo Cochran-Smith e Lytle (1999), esse processo contribui para evitar o que denomina de "excessivo realismo", ou seja, desenvolver uma concepção errônea de que o ensino é excessivamente complexo ou excessivamente simples.

 

As contribuições para a formação e a inserção profissional

As estudantes envolvidas no projeto destacam a relevância formativa da aproximação com a vida escolar e, mais especificamente, com o trabalho docente. Alguns fragmentos dos depoimentos das alunas bolsistas evidenciaram a importância dessa experiência para o conhecimento das realidades do trabalho:

É uma oportunidade de a gente se inserir, de conhecer, ver como é que a escola se movimenta. (Aluna bolsista)

Lá na faculdade nós só temos três disciplinas de estágio. Então, eu já estava acabando o 5º período e eu não tinha experiência na escola. Então isso foi o que me motivou. (Aluna bolsista)

Quando você está, assim, de frente com aquela turma enorme, com 40 alunos, 43, todo mundo falando ao mesmo tempo. Aí só estando aqui mesmo para você saber qual é a realidade. Sentir na pele, porque na faculdade você dá lá a sua aula bonitinha, o professor ouvindo, todo mundo quietinho ouvindo, todo mundo adulto. (Aluna bolsista)

Os relatos acima indicam que as licenciandas percebem e questionam as lacunas da própria formação e mostram que, na perspectiva delas, as oportunidades de inserção no campo profissional, durante o curso, são insuficientes para o enfrentamento dos desafios do exercício da docência. Os depoimentos vão ao encontro das conclusões de estudos (Canário, 2001; Tardif, 2002; Zeichner, 2010) que apontam a falta de articulação entre os referenciais teóricos e a formação para a prática docente, o distanciamento da realidade concreta das escolas e a concepção aplicacionista de formação, predominantes nos cursos. Um aspecto central nesses estudos é a relação entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento da experiência. Canário (2001) questiona a visão dicotômica das relações teoria-prática predominante nos cursos universitários de formação de professores, que se reflete em uma organização curricular "em que se procede a uma justaposição hierarquizada de saberes científicos, mais saberes pedagógicos, mais momentos de prática" (p.32).

Segundo Saviani (2007), teoria e prática são aspectos distintos e fundamentais da experiência humana, mas "ainda que distintos, esses aspectos são inseparáveis, definindo-se e caracterizando-se sempre um em relação ao outro" (p. 108). Na perspectiva de uma maior articulação entre teoria e prática, o contato diário das bolsistas com a escola, as oportunidades de desenvolverem atividades planejadas e discutidas coletivamente, têm desvelado, segundo elas, a dinâmica da escola, lócus privilegiado do exercício profissional, possibilitando compreender as condições de que dispõem os professores para exercer seu trabalho, bem como as formas de organizá-lo. Nesse sentido, Canário (2001) defende que

(...) a prática profissional, no quadro da formação profissional inicial de professores, ganhará em ser entendida como uma tripla e interativa situação de formação que envolve, de forma simultânea, os alunos (futuros professores), os profissionais no terreno (professores cooperantes) e os professores da escola de formação. (p. 40)

É preciso entender a formação e a atividade profissional como processos articulados, superando as justaposições entre formação inicial e continuada dos professores e entre teoria e prática. Ainda no âmbito das contribuições para a formação, outros aspectos se fizeram presentes nos relatos das estudantes:

Melhorou o meu desempenho na faculdade, coisas que antes eu não conseguia compreender, eu passei a compreender mais. (Aluna bolsista)

Ontem, a gente estava numa disciplina e estavam falando como eu mudei depois que eu comecei a participar daqui, porque a gente lê textos, além de tudo isso que acontece. (Aluna bolsista)

Outra coisa também que a gente não pode esquecer é o incentivo à produção acadêmica, produção de textos para apresentar em congressos. (Aluna bolsista)

Observa-se que as estudantes que participam do projeto compreendem a formação numa perspectiva ampliada de preparação para a vida profissional. Escrever textos, apresentá-los em eventos diversos e publicá-los são ações que estão incorporadas ao trabalho que desenvolvem. Também para as supervisoras, o projeto tem sido considerado como muito importante para o desenvolvimento profissional, na medida em que, refletindo sobre o planejamento e as práticas que estão sendo realizadas, têm oportunidade para pensarem o próprio trabalho:

Problematizar nossas práticas, nossas relações, nosso trabalho. Isso, isso vai mexer com você. Vai mexer pessoalmente com cada um que está envolvido na pesquisa e, obviamente, com quem a gente se relaciona. (Supervisora)

Eu acho que nós estamos nos formando, nós professores, junto delas. Nesse processo. (Supervisora)

Estudantes e supervisoras estão tendo a oportunidade de experienciar juntas esse espaço do contexto escolar na perspectiva atribuída por Dewey (1971): compreender e assimilar as ações de forma plena, refletindo sobre o vivido e encontrando significado naquilo que se faz. O destaque atribuído à dimensão reflexiva do projeto e a sua importância para a formação esteve também presente no depoimento da coordenadora do projeto, que assinala:

É um espaço potente, de você fazer uma formação! É uma formação com um pouco de intervenção na perspectiva de pensar as práticas do cotidiano da escola. E isso eu acho que marca um diferencial na formação (...). (Coordenadora)

Segundo as participantes, esse movimento tem enriquecido não só as práticas formativas no âmbito da universidade, como, também, no próprio contexto da escola, uma vez que a problematização das práticas aí desenvolvidas tem mobilizado os professores supervisores a repensarem o próprio trabalho e as relações que se constituem nesse espaço:

Eu comecei a trabalhar mais com uma nova perspectiva mesmo. Eu fui em cima do problema de cada aluno e colocava eles para produzir. Isso é muito gratificante, porque realmente produzem, produzem bem, quando são estimulados. (Supervisora)

Eu estou vendo uma possibilidade de a gente repensar nossas práticas. Eu gostaria que todas tivessem essa possibilidade de sair desse lamento, que é doentio, que é um fracasso em nossas vidas. (Supervisora)

Aí ficava só observando, porque tinha um horariozinho vago, eu ficava observando as reuniões. E foi assim, eu mudei muito a minha aula, a atitude em relação ao aluno, as atividades. (Supervisora)

O que se revela é a percepção de que a principal contribuição do projeto para instituições e sujeitos é a oportunidade de uma reflexão contínua, da qual surge uma consciência sobre a prática, que permite a professoras e licenciandas apropriarem-se e construírem novos conhecimentos com os quais poderão reformular a própria prática. Entretanto, na visão de professoras e licenciandas, as mudanças ocorridas no trabalho docente não foram as únicas. A elas se somaram outras que se referem às atitudes das crianças e jovens envolvidos no projeto:

Tem turmas que estão assistindo desde o início. Então, elas tiveram uma mudança de conduta, de comportamento. Os próprios professores mostraram isso para a gente: o quanto eles melhoraram o comportamento. (Supervisora)

A gente trabalha muito a atitude deles, o respeito, saber ouvir, saber opinar, não de criticar o outro. Antes, eles tinham essa mania, um falava e outro já ia atropelando. Não respeitava. O comportamento deles hoje é diferente. (Aluna bolsista)

Os professores que trabalham com eles do começo do ano pra cá começaram a apontar mudanças visíveis de comportamento ou na parte da leitura e da escrita mesmo. Concentração. Na parte de opinar por alguma coisa, se colocar. (Aluna bolsista)

Mudanças nas atitudes dos outros professores também foram lembradas de uma forma bastante positiva:

Teve professores da escola que se inscreveram no seminário e apresentaram trabalhos que eles desenvolvem com os alunos e elas, as professoras de inglês, desenvolvem um trabalho junto. Elas montaram um pôster mostrando, explicando esse trabalho que elas estavam fazendo na escola. Eu achei isso bem interessante. (Aluna bolsista)

Estou te falando: ele está contaminando! O grupo está lendo e nós deixamos leituras para eles na sala de professores. A gente convida para as reuniões. Ontem mesmo, tinha dois professores. Nós temos duas vezes por mês reuniões com os professores. (Supervisora)

Contudo, segundo a totalidade das participantes, as mudanças mais significativas para a escola dizem respeito ao "despertar" para um trabalho coletivo:

O que essa pesquisa traz também é a ideia de que o trabalho é coletivo. Foi uma grande aprendizagem que eu tive. Não adianta nenhuma técnica, nenhuma tecnologia, nada, se a escola não estiver realizando algo que é coletivo. O professor pode ser excelente, mas se não houver essa coisa coletiva, não funciona. Para mim os grandes ganhos que eu aprendi, que eu procuro falar isso para os professores, colegas, é que se a gente não estiver junto, nós vamos enlouquecer. (Supervisora)

Agora, está existindo mais diálogo e isso é uma coisa que eu ouvi da própria diretora. A atmosfera da escola está diferente. (Aluna bolsista)

Os relatos evidenciam a importância das formas colaborativas de trabalho desenvolvidas no PIBID e as possibilidades dessas práticas para o desenvolvimento de uma nova profissionalidade docente, capaz de romper o isolamento que tem caracterizado o trabalho dos professores em suas salas de aula.

A existência de um ambiente e uma cultura de colaboração entre futuros professores, professores formadores da universidade e da escola, por meio de projetos e práticas de ensino planejadas conjuntamente, é uma característica do modelo de ressonância colaborativa, ou seja, de uma relação entre universidade e escola que "frente à hegemonia, propõe a colaboração; frente ao aprendizado individual, o aprender juntos". As escolas e as instituições de formação "convertem-se em lugares onde se indaga, de forma sistemática e crítica, sobre o ensino, o aprendizado e a escola como organização" (Vaillant & Marcelo, 2012, p. 95).

É nessa perspectiva de um trabalho colaborativo intencional que as escolas como espaço de formação podem se converter em lugar de formação. Cunha (2008) defende que a ocupação intencional do espaço e a atribuição de significado podem transformá-lo em lugar. A autora considera que quando o espaço está ligado à missão institucional e à representação que a sociedade faz dele, a dimensão humana se apresenta como transformadora desse espaço em lugar:

O lugar, então, é o espaço preenchido, não desordenadamente, mas a partir dos significados de quem o ocupa. (...) Os lugares são preenchidos por subjetividades. É nesse sentido que os espaços vão se constituindo, lentamente, como lugares. (...) Quando a nossa subjetividade atribui sentido aos lugares, eles se tornam parte de nós mesmos. Eles constroem nossa história e neles deixamos parte de nós. (Cunha, 2008, p. 185)

Duas estudantes sintetizaram o que percebem sobre a contribuição da participação no PIBID para o desenvolvimento de uma profissionalidade e apontam, como fruto dessa experiência, uma "conversão" do olhar sobre a escola, evidenciando que a aprendizagem da profissão não se dá apenas no nível dos conhecimentos e das práticas, mas de uma cultura profissional:

Entrando na escola a gente vê que a escola pública não é tão ruim assim, que tem como você fazer a diferença. (Aluna bolsista)

Tem desenvolvido coisas interessantes na minha formação profissional, porque eu tava encarando tanto a negatividade da profissão de ser professor (...). E quando me deparei com a escola, eu vi que não é essa negação toda, mas é um lugar de possibilidades e de muitas coisas interessantes. (Aluna bolsista)

Os resultados da investigação apontaram para uma profunda satisfação com o trabalho desenvolvido. Nas palavras da coordenadora do projeto, essa é uma importante proposta de articulação entre a escola e a universidade e possui um diferencial para a valorização do professor em exercício:

Você dá bolsa para o professor, uma bolsa que, no caso do Rio de Janeiro, praticamente é o salário de um professor da escola básica (...). (Coordenadora)

Contudo, tanto a coordenadora como as supervisoras destacaram a insuficiência do projeto para provocar mudanças significativas nas licenciaturas, em virtude de ser ainda uma proposta para "poucos":

É um dos primeiros projetos que eu vejo que possibilita um campo de formação continuada do professor da escola básica. Mas, ao mesmo tempo, são muito poucos, então também é um projeto excludente. (Coordenadora)

(...) é para poucos! Se você for botar no percentual de todas as escolas públicas do Rio de Janeiro, quantas as que têm o PIBID? Quantos alunos de Pedagogia? Acho que é pensar na possibilidade de expansão de uma política nacional de educação básica. (Coordenadora)

 

Considerações finais

As discussões aqui apresentadas sugerem que, ao mostrar novas alternativas e experiências bem sucedidas de formação, o programa indica possibilidades de avanço no sentido de uma maior articulação entre os contextos da formação e do trabalho docente, o que beneficia os diferentes agentes envolvidos no processo. Esse envolvimento qualifica a trajetória profissional desses diferentes agentes, pois permite colocá-los em constante aprendizagem docente decorrente do desenvolvimento e compartilhamento da reflexão e da crítica sobre si mesmos e sobre suas práticas, possibilitando, assim, que novas profissionalidades possam emergir.

Ao analisar experiências de colaboração entre universidade e escolas, Zeichner (2010) destaca que uma das limitações desses programas é colocar o foco principalmente na criação de novos papéis para os formadores de professores, mantendo separadas suas culturas e formas de discursos, o que limita as possibilidades de renovação dos modelos de formação. Entendemos que essa é uma característica também observada no PIBID, ou seja, o processo de aproximação e diálogo ocorre principalmente pelas iniciativas individuais e relações pessoais estabelecidas pelos participantes. Não se observa ainda uma política pública que implique na possibilidade de transformação dos modelos formativos. Consideramos que, ainda assim, esse processo de aproximação pode trazer benefícios mútuos e estar na origem das possíveis políticas.

Entendemos que, de um movimento no qual os conhecimentos profissionais vão sendo construídos e reconstruídos nas situações da docência, submetidos à reflexão crítica fundamentada na teorização e alimentada pela experiência, surge um espaço de construção de um novo conhecimento, produzido nas relações entre instituições e sujeitos, integrando os diferentes saberes que constituem o conhecimento profissional.

Ainda que não se possa falar em um novo modelo formativo, os dados sugerem que, ao promover a aproximação entre universidade e escola e criar condições favoráveis à inserção dos professores em formação no ambiente escolar, o PIBID tem um potencial transformador que pode beneficiar ambas as instituições, criando possibilidades para a constituição de um espaço privilegiado de trabalho e formação. É possível interpretar movimentos dessa natureza como uma busca pela instituição de um terceiro espaço de formação, como proposto por Zeichner (2010), que envolva efetivamente os professores das universidades, os estudantes, futuros professores e os docentes que estão no exercício profissional.

O entusiasmo demonstrado por todos os estudantes e professores que participaram desses grupos de discussão nos leva a refletir sobre o quanto ganhariam os cursos de formação inicial, os professores e os estudantes se os estágios curriculares fossem organizados nessa perspectiva e contassem com o apoio de um programa que pudesse alcançar todos os licenciandos e professores das escolas básicas que os recebem e orientam. Contudo, para não perder de vista o realismo, é importante reiterar que a formação inicial centrada na escola exige das instituições formadoras e das escolas novas responsabilidades, já que a colaboração só é possível mediante reciprocidade e apoio mútuo entre a universidade e a escola. É desejável que a instituição de formação funcione como uma agência de apoio à inovação e ao trabalho colaborativo nas escolas, o que implica atenção especial ao planejamento da formação inicial. E as escolas da educação básica, ao assumirem responsabilidades na formação inicial, precisam dedicar tempo e atenção aos processos formativos (Vaillant & Marcelo, 2012).

Tedesco (2006), ao apresentar uma agenda política para o setor docente, chama a atenção para o fato de que é inevitável que as políticas públicas necessitem assumir um caráter de experimentação:

(...) la única manera de saber cómo funcionan las cosas es haciéndolas, lo cual provoca una tensión muy fuerte entre audacia para avanzar y tomar decisiones, por un lado, y prudencia en cuanto a que no sabemos exactamente cuáles pueden ser las consecuencias de esas decisiones, por el otro. (p. 329)

Essa lógica também vale para as políticas internas das instituições de ensino superior, especialmente nas formas de conduzir os processos de formação docente e a aproximação com as escolas da educação básica.

 

Referências

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Legislação consultada

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Endereço para Correspondência

Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Patrícia Cristina Albieri de Almeida, Rua Barão de Tefé, 250, apt. 151, Água Branca, São Paulo, Brasil. Cep: 05003-040. Email: patricia.aa@uol.com.br

 

Recebido em outubro/2015

Aceite para publicação em maio/2016

 

Notas

1 Escolas Normais são instituições de formação de professores para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental que, nos séculos XIX e XX, no Brasil, tiveram um papel fundamental na institucionalização de uma determinada cultura para a formação docente.

2 A educação escolar no Brasil compõe-se de educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, e educação superior.

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