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Revista Portuguesa de Educação
versão impressa ISSN 0871-9187
Rev. Port. de Educação vol.29 no.2 Braga dez. 2016
https://doi.org/10.21814/rpe.7916
ARTIGOS
Trajetórias escolares e sentidos atribuídos à escola entre a tradição e a modernidade: Perfis de jovens açorianos
School trajectories and meanings ascribed to the school between tradition and modernity: Azorean youth profiles
Trajectoires scolaires et sens attribuées à l'école entre la tradition e la modernité : Profils de jeunes Açoriens
Ana Matias Diogoi
Universidade dos Açores, Portugal
RESUMO
No quadro da crise de oportunidades juvenis e dos processos de individualização das sociedades contemporâneas, a experiência escolar dos jovens tem vindo a alterar-se. Mais prolongada, mas também marcadamente instrumental, baseada no reconhecimento da utilidade dos diplomas, e simultaneamente expressiva, na medida em que se associa à busca da realização pessoal. Tais tendências não impedem que esta experiência continue a ser fortemente estruturada por desigualdades. Analisamos o caso da Região Autónoma dos Açores, um território marcado por indicadores educacionais particularmente desfavoráveis. A partir da análise de uma amostra representativa dos jovens açorianos, entre os 15 e os 34 anos, identificam-se diversos perfis relativamente à sua trajetória escolar e sentido atribuído à escola. A par de um reconhecimento generalizado do valor da escola, que atravessa os vários perfis, salienta-se a diversidade de experiências (mais instrumental ou mais expressiva) e a fragilidade dos percursos escolares de muitos jovens açorianos, caraterizados pela exclusão, penosidade e insucesso.
Palavras-chave: Trajetórias escolares; Sentidos atribuídos à escola; Perfis de jovens; Desigualdades sociais
ABSTRACT
In the context of the crisis of youth opportunities and individualization processes of contemporary societies, the school experience of young people is changing. Longer, but also markedly instrumental, based on the recognition of the utility of certificates, and also expressive, to the extent that it is associated to the quest of personal fulfillment. Trends that do not prevent that this experience continues to be strongly structured by inequalities. We analyze the case of the Azores, marked by particularly unfavourable educational indicators. Based on the analysis of a representative sample of Azorean youngsters, with 15-34 years, different profiles are identified, in relation to their school pathways and meaning ascribed to school. Along with a general recognition of the value ascribed to school, which crosses the various profiles, we highlight the diversity of experiences (more instrumental or more expressive) and the fragility of education pathways of many youngsters, characterized by exclusion, painfulness and failure.
Keywords: School pathways; Meanings ascribed to school; Youth profiles; Social inequalities
RÉSUMÉ
Dans le cadre de la crise des opportunités de la jeunesse et des processus d’individualisation des sociétés contemporaines, l’expérience scolaire des jeunes a changé. Plus prolongée, mais aussi nettement instrumentale, fondée sur la reconnaissance de l’utilité des diplômes, et simultanément expressive, car elle est associée à la recherche de l'épanouissement personnel. Telles tendances n’empêchent pas que cette expérience continue à être fortement structurée par des inégalités. Nous analysons le cas d’Açores, marqué par des indicateurs d’éducation particulièrement défavorables. Basée sur l’analyse d’un échantillon représentatif de jeunes açoriens, avec 15-34 ans, on décrit différents profils relatifs à leur trajectoire scolaire et sens attribué à l'école. À côté de la reconnaissance générale de la valeur de l'école, traversant les différents profils, il est mis en évidence la diversité des expériences (plus instrumental ou plus expressive) et la fragilité des carrières scolaires de nombreux jeunes, caractérisées par l’exclusion, la pénibilité et l’échec.
Mots-clé: Trajectoire scolaires; Sens attribué à l’école; Profils de jeunes; Inégalités sociales
Introdução
No quadro da crise de oportunidades juvenis e dos processos de individualização das sociedades contemporâneas, a investigação internacional e nacional tem mostrado que a experiência escolar dos jovens tem vindo a tornar-se cada vez mais prolongada, marcadamente instrumental, baseada no reconhecimento da utilidade dos diplomas, e simultaneamente expressiva, na medida em que se associa à busca da realização pessoal. Sabe-se, por outro lado, que tais tendências não impedem que esta experiência continue a ser fortemente estruturada por desigualdades.
Neste texto procura-se perceber em que medida estas tendências se manifestam no caso particular do território dos Açores, na relação que os jovens estabelecem atualmente com a escolaridade, considerando que esta continua a ser uma das regiões portuguesas com um maior deficit de escolarização, associado a lógicas tradicionais de entreajuda no trabalho familiar. Nesse sentido, apresentam-se resultados de um estudo empírico, baseado numa amostra representativa dos jovens açorianos (N = 1485), entre os 15 e os 34 anos. A partir de análises multivariadas, identificam-se vários perfis de jovens quanto às suas trajetórias de escolarização e caraterizam-se esses perfis, tendo em conta o sentido atribuído à escola e o envolvimento no trabalho escolar (manifestado pelos inquiridos).
A relação dos jovens com a escola num contexto de tradição e modernidade
A construção da juventude, sua emergência e alongamento, tem estado intimamente associada ao desenvolvimento da escolarização de massas que, a partir da segunda metade do século XX, significou um contínuo prolongamento dos estudos para largas camadas de jovens em muitos países ocidentais, adiando a sua emancipação financeira e familiar. Deste modo, o percurso escolar e a experiência de ser aluno têm vindo a definir cada vez mais a condição e a identidade dos jovens (Matos, 2008; Perrenoud, 1994).
A "crise de oportunidades juvenis" (Grácio, 1991) que se instalou a partir dos anos 70 do século XX contribuiu para intensificar o investimento na escola, como forma de compensar a desvalorização dos diplomas escolares e como meio de adiamento da entrada num mercado de trabalho onde a inserção se tornou cada vez mais difícil e incerta (Serracant, 2015). Deste cenário emergiu uma experiência escolar não só mais prolongada, mas também marcada pela competição, pelo cálculo e pelas estratégias, configurando uma relação dos jovens com a escola de natureza utilitarista/ instrumental (Barrère, 1997; Dubet, 1991; Matos, 2008; Perrenoud, 1994). Como é referido por Barrère (1998), a massificação do ensino separou os dois grandes princípios que davam sentido ao trabalho escolar, a vocação intelectual e a utilidade social, que caraterizavam bem a figura dos "herdeiros" de Bourdieu e Passeron (1985). Para os novos públicos que chegam à escola, com a abertura do sistema de ensino aos grupos sociais anteriormente excluídos, a relação com a escola será predominantemente instrumental, baseada no reconhecimento da utilidade do diploma (Barrère, 1998): mostram desconforto por aprender coisas que consideram sem utilidade mas também por não sentirem prazer em realizar essas aprendizagens que, no entanto, têm que fazer em nome do diploma. O instrumentalismo permite trabalhar sem outra motivação que não seja a nota, passar de ano ou obter o diploma, transformando o trabalho escolar num investimento calculista (desenvolvido em função das recompensas escolares). Esta atitude tornou-se um denominador comum na multiplicidade de experiências escolares dos jovens, estando também presente nos estudantes dos "bons liceus", com origens sociais elevadas, descritos por Dubet (1991) como alunos profissionais, cujo trabalho resulta de um cálculo entre os custos desse trabalho e os seus benefícios, através das notas, demarcando-se em relação à cultura intelectual dos "herdeiros".
Por outro lado, isto não significa que o interesse intelectual esteja totalmente ausente na escola massificada; contudo, a relação com o saber e com o trabalho escolar deixa de ser gratuita, ancorada no valor da cultura em si mesma, e torna-se expressiva, assente no valor da realização pessoal (Barrère, 1998), refletindo o processo de individualização das sociedades contemporâneas. Esta segunda revolução individualista, na perspetiva de Lipovetsky (1989), constitui a passagem do individualismo parcial para o individualismo "total", a partir dos anos 60 do século XX, e está no centro da cultura pós-moderna que (…) representa o pólo ‘superestrutural’ de uma sociedade que sai de um tipo de organização uniforme, dirigista, e que, para o fazer, mistura os últimos valores modernos, reabilita o passado e a tradição, revaloriza o local e a vida simples, dissolve a preeminência da centralidade, dissemina os critérios da verdade e da arte, legitima a afirmação da identidade pessoal de acordo com os valores de uma sociedade personalizada onde o que importa é que o indivíduo seja ele próprio. (Lipovetsky, 1989, p. 12)
Num quadro de libertação e autonomização do indivíduo, em que cada um fica "entregue a si mesmo" e "senhor das suas opções", a realização pessoal torna-se o valor dominante (Kaufmann, 2003). Muito embora este modelo estruture a mentalidade e a ação dos indivíduos, isto não quer dizer que estes se tenham libertado dos constrangimentos sociais, nomeadamente dos que decorrem das posições sociais ocupadas, que continuam a ser fortes, sendo agora tais constrangimentos experienciados como sucessos ou fracassos individuais e já não como uma dimensão coletiva de dominação (Kaufmann, 2003).
Os processos de individualização vão colocar-se de forma intensa na escolaridade: "é na escola que cada vez mais os indivíduos definem os seus projetos futuros, descobrem e constroem as suas ‘vocações’, que são fortemente socializados nos princípios do mérito, autonomia individual e distanciamento crítico" (Roldão, 2014, p. 87). Num sistema educativo crescentemente complexo em termos de fileiras e escolhas escolares, a procura de si e da realização pessoal dos jovens na escola é um processo que marca cada vez mais a experiência escolar, mas que não é exercido com a mesma amplitude por todos, estando condicionado em função dos recursos culturais, sociais e económicos (Vieira, 2007).
Estas tendências de transformação da experiência escolar não impedem, assim, que a relação dos jovens com a escola continue a ser fortemente estruturada por desigualdades educativas, em contínua reconfiguração (Duru-Bellat, 2003; Teese, Lamb, & Duru-Bellat, 2007; van Zanten, 2005). No caso de Portugal, as desigualdades educativas assumem, aliás, uma dimensão estrutural, evidenciando-se nos indicadores de escolarização usados nas comparações internacionais, onde o país se encontra numa situação particularmente desfavorável. Destacam-se o elevado abandono escolar precoce, bastante acima da média europeia (Carmo, Cantante, & Baptista, 2010), e uma progressão escolar muito marcada pelas desigualdades de origem social (Observatório das Desigualdades, 2012). Além disso, a situação de crise dos últimos anos, agudizada a partir de 2008, aumentou o desemprego e a precarização do emprego, intensificando a incerteza dos jovens relativamente ao futuro (Serracant, 2015), especialmente no que respeita à transição escola-trabalho, em Portugal (Lobo, Ferreira, & Rowland, 2015), não sendo, ainda, bem conhecidos os seus efeitos ao nível da experiência escolar dos jovens.
É neste contexto que pretendemos analisar a relação que os jovens açorianos estabelecem atualmente com a escola. Embora revelando progressos no investimento escolar dos indivíduos nas últimas décadas, visível no aumento da procura dos níveis de ensino mais elevados (Diogo, 2008; Direção Regional de Educação, 2015; Palos, 2002), os Açores constituem uma das regiões onde as desigualdades educativas assumem contornos mais gravosos no território nacional, expressas nos elevados abandono escolar precoce (Conselho Nacional de Educação [CNE], 2013; Observatório das Desigualdades, 2015) e insucesso escolar (CNE, 2013), assim como numa menor procura de ensino superior (Almeida & Vieira, 2006).
Numa pesquisa realizada anteriormente nesta região, limitada à ilha de S. Miguel (Diogo, 2008), identificaram-se diferentes perfis de jovens, traduzindo lógicas de investimento escolar diversificadas. Para além de perfis que se aproximavam do modelo de aluno profissional (Dubet, 1991), encontraram-se perfis de jovens desvinculados da escola, desdobrados em lógicas distintas, uma de investimento nas sociabilidades juvenis e uma outra de investimento na entreajuda familiar em contexto de trabalho rural. Na análise da experiência escolar dos jovens açorianos na transição para o ensino secundário, salientou-se, assim, a especificidade de uma região mesclada de modernidade e de tradição, de uma forma especialmente vincada. Paralelamente às dinâmicas que se salientam no quadro de uma sociedade de ensino massificado, o mesmo trabalho evidenciou um setor rural, onde se valorizava a entreajuda familiar, surgindo esta como uma mobilização familiar inversamente relacionada com o investimento escolar (Diogo, 2008). No presente texto procuramos dar continuidade a esse estudo, no que se reporta à identificação de perfis de relação dos jovens açorianos com a escolarização, a partir de um trabalho empírico mais abrangente, em termos da faixa etária e da representatividade territorial consideradas, recorrendo a dados recolhidos cerca de uma década depois.
Do inquérito à tipificação de perfis: notas metodológicas
Os dados analisados são provenientes de um inquérito por questionário aplicado a uma amostra representativa dos jovens residentes nos Açores, com idades situadas entre os 15 e os 34 anos1, no âmbito de um estudo mais vasto acerca dos percursos escolares e profissionais dos jovens açorianos, realizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade dos Açores (CES-UAc) (Gonçalves, Palos, Diogo, Diogo, & Caldeira, 2010). A metodologia utilizada na construção da amostra foi a de estratificação por quotas, tendo-se controlado as variáveis idade, sexo, habilitações literárias, estado civil e situação na profissão. O trabalho de campo decorreu entre 2008 e 2009, em todas as ilhas do arquipélago, com recurso a entrevistadores formados para esse fim. Uma primeira análise foi apresentada em forma de relatório em 2010 (Gonçalves et al., 2010); contudo, com a divulgação dos resultados do Censo de 2011 tornou-se possível atualizar as quotas utilizadas e foi produzida uma nova base de dados recalibrada (N = 1485).
Neste texto trabalha-se a nova base de dados e apresenta-se uma nova exploração da informação, incidindo na relação dos jovens com a escola, através de análises multivariadas, com o objetivo de identificar os perfis dos jovens açorianos no que respeita às suas trajetórias de escolarização e caraterizar esses perfis considerando outros indicadores da relação dos jovens com a escola, nomeadamente o sentido atribuído à escola e o envolvimento no trabalho escolar. Para o efeito, recorre-se à análise das correspondências múltiplas (ACM), complementada pela análise de clusters2, na esteira de Carvalho (2008). Procura-se, assim, identificar os principais eixos que estruturam as trajetórias e aspirações escolares dos jovens açorianos e tipificar os perfis de relação com a escola destes jovens.
Começamos por caraterizar as tendências de escolarização dos jovens açorianos na última década, comparando os dados do inquérito com os dos Censos de 2001 e 2011, e procuramos, depois, definir os perfis de escolarização da população em análise, considerando num primeiro momento a totalidade dos jovens inquiridos e, num segundo momento, focalizando-nos apenas nos estudantes.
Tendências da escolarização dos jovens açorianos na última década
A análise do nível de escolaridade possuído pela globalidade dos jovens inquiridos no Quadro 1 evidencia a reduzida longevidade dos seus percursos escolares. Apesar de a grande maioria dos inquiridos ter entrado para o sistema de ensino após a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986, que estabeleceu a obrigatoriedade do 3º ciclo do ensino básico, existe um quantitativo não negligenciável de jovens com níveis de escolaridade inferiores: 37,5% têm uma escolaridade igual ou inferior ao 2º ciclo do ensino básico e apenas 6,9% completaram o ensino superior.
É entre os mais velhos que as escolaridades mais baixas apresentam uma maior presença: 47,8% dos jovens com idade entre 30 e 34 anos têm o 2º ciclo ou menos. A percentagem dos que são detentores de níveis de escolaridade mais baixos reduz-se, no entanto, progressivamente à medida que a classe etária diminui, confirmando a tendência para os mais jovens continuarem a investir em percursos escolares mais longos que as gerações anteriores, e tal como notado ao nível nacional (Vieira, Ferreira, & Rowland, 2014).
A reduzida longevidade dos percursos escolares é uma caraterística que afeta de forma mais acentuada os jovens do sexo masculino: 41,2% dos rapazes e 33,9% das raparigas têm o 2º ciclo ou menos. Apenas 17,4% dos rapazes completaram o ensino secundário ou mais, enquanto as raparigas são quase o dobro, 31,0%. Estes dados mostram um maior investimento feminino na escola, na população inquirida, à semelhança do que tem sido observado noutros estudos, a nível nacional (por exemplo: Alves, 1998; Almeida & Vieira, 2006; Grácio, 1997) e regional (Diogo, 2008; Palos, 2002). Algumas estatísticas oficiais surpreendem-nos com valores mais contrastantes no que respeita à escolarização de rapazes e raparigas nos Açores. O abandono escolar precoce (população entre 18-24 anos que completou o ensino secundário e não está inscrito no sistema de educação e formação) por região (cf. Observatório das Desigualdades, 2015) revela um país com desigualdades territoriais, onde os Açores se configuram como a região com valores mais desfavoráveis. Se a média nacional do abandono escolar precoce era de 20,8% em 2012, nos Açores o valor era de 34,4%, atingindo os 40,5% quando se considera apenas os rapazes, ou seja, quase o dobro da média nacional. Trata-se de um valor bastante desviante, se tivermos em conta os objetivos da EU para 2020, de redução deste indicador para menos de 10%. Estes dados são convergentes com o que tem vindo a ser verificado relativamente aos jovens nos Açores (Diogo, 2008), confirmando a particular vulnerabilidade dos rapazes na sua relação com a escola neste contexto regional.
A longevidade dos percursos escolares tende a variar, ainda, com a escolaridade do pai: apenas 6,4% dos jovens cujo pai tem uma escolaridade igual ou inferior ao 1º ciclo completaram o ensino superior, enquanto no caso dos jovens com pais detentores de um diploma do ensino secundário ou superior a percentagem sobe para cerca do dobro. Igualmente importante parece ser o facto de a maioria dos jovens terem pais com uma escolaridade igual ou inferior ao 1º ciclo. Entre estes jovens é possível encontrar uma diversidade de percursos escolares, no que se refere à sua maior ou menor longevidade.
Os dados do inquérito em análise aproximam-se bastante mais dos do Censo de 2011 do que dos do Censo de 2001 (ver Gráfico 1). De acordo com o Censo de 2011, 33,2% dos jovens açorianos tinham uma escolaridade até ao 2º ciclo, sendo o valor, em 2001, substancialmente mais elevado, 53,1%. A comparação entre os dados dos dois Censos revela uma significativa redução dos níveis de escolaridade mais baixos na última década.
A evolução que é registada entre os dois Censos continua, no entanto, a deixar os Açores bastante aquém das tendências verificadas a nível nacional (ver Gráfico 2): a percentagem de jovens açorianos com 20-24 anos que completou pelo menos o ensino secundário era de 42,9% em 2011, sendo de 60,8% a nível nacional.
Perfis de escolarização dos jovens açorianos: exclusão, retorno e prolongamento
De forma a identificar os principais perfis de escolarização da globalidade dos jovens açorianos inquiridos (N=1485), realizámos uma análise de correspondências múltiplas, complementada com uma análise de clusters hierárquica. Nesse sentido, considerou-se, na condição de variáveis ativas, um conjunto de indicadores relativos à sua trajetória escolar (nível de escolaridade possuído; ser ou não estudante; número de reprovações e idade do abandono escolar) e às suas aspirações de escolarização (intenção de prosseguir ou retomar os estudos e nível de escolaridade pretendido) (ver Quadro 2).
A análise de correspondências múltiplas evidencia que as trajetórias e aspirações escolares dos jovens se encontram estruturadas em duas dimensões principais3: (i) a dimensão 1 refere-se à condição perante a escola (ser ou não estudante); (ii) a dimensão 2 é constituída pelo nível de instrução dos jovens e a intenção de retomar estudos.
Tendo por base estes dois eixos estruturadores das trajetórias e aspirações de escolarização, realizou-se uma análise de clusters hierárquica (método Ward), identificando-se três grupos (ver Gráfico 3), a partir da qual se caraterizaram três perfis de jovens (ver Quadro 3).
O grupo 1 – Jovens com trajetos escolares mais ou menos prolongados e intenção de retorno à escola – abrange 15,1% dos casos e corresponde a jovens que não se encontram a estudar (99,1% dos casos deste grupo), possuindo uma escolaridade mais ou menos prolongada (destacam-se os que têm o ensino secundário e o superior, num total de 63,4%), tendo abandonado a escola, na sua maioria, com 18-24 anos (64,4%). Sobressaem neste grupo, ainda, os que abandonaram a escola mais tardiamente (16,9% com mais de 24 anos). Embora este perfil de jovens se caraterize por um maior investimento na escolaridade do que os restantes (pelo número de anos passados na escola e escolaridade obtida), isso não impede que os mesmos apresentem algum insucesso nas suas trajetórias escolares, salientando-se os que reprovaram uma vez (46,3% dos casos no grupo). Este perfil distingue-se pela intenção de se retomar o investimento já realizado na escola, no sentido de prolongar mais o percurso escolar (79,7% dos jovens deste grupo tencionam retomar os estudos). Designaremos este perfil, de forma sintética, por Retorno.
O grupo 2 – Estudantes que querem continuar a estudar – inclui 32,5% do total de casos e diz respeito a jovens estudantes (99,8% dos casos deste grupo), destacando-se a presença dos que têm o 3º ciclo e pretendem continuar a estudar (87,6% dos casos do grupo) para completar o ensino secundário ou o ensino superior. Intitularemos este perfil, de forma sintética, como Prolongamento.
O grupo 3 – Jovens com trajetos de abandono precoce que não perspetivam retomar os estudos – é o mais numeroso, abrangendo mais de metade dos jovens inquiridos (52,2%). Trata-se de jovens que já não se encontram a estudar (99,0% dos casos deste grupo), mas, contrariamente ao perfil 1, os percursos escolares destes jovens tendem a ser mais breves (os que têm o 1º ciclo ou menos ou o 2º ciclo e os que abandonaram a escola antes dos 15 anos ou entre os 15-17 anos têm uma presença mais significativa aqui do que nos outros grupos) e mais marcados pelo insucesso (destacam-se os que reprovaram 2 vezes ou mais). Além disso, estes jovens, e também por contraste com o perfil 1, não tencionam retomar os estudos (88,0% dos casos do grupo). Designaremos este perfil, abreviadamente, como Exclusão.
De forma a melhor caraterizar estes três perfis, cruzaram-se os três grupos com variáveis sociodemográficas e com indicadores relativos ao envolvimento no trabalho escolar e ao sentido atribuído à escolarização.
O perfil 1 (Retorno) abrange principalmente os que têm mais idade (destacam-se os que têm entre 25 e 34 anos) e pais pouco escolarizados (sobressaem os que têm até ao 1º ciclo do ensino básico). Carateriza-se, ainda, por um tendencial maior peso das raparigas (60,4% dos casos deste grupo). No que diz respeito à relação com o trabalho escolar, estes jovens tendem a considerar, mais do que a totalidade dos jovens inquiridos, que o seu empenho na escola era elevado (4 ou 5 numa escala de 1 a 5) e que as aprendizagens escolares eram interessantes. Relativamente ao sentido atribuído à escola, caraterizam-se por encarar a escola como motivo de orgulho, como forma de realização pessoal, de contribuir para a sociedade e de adquirir conhecimentos e cultura geral.
O perfil 2 (Prolongamento) distingue-se dos outros dois perfis, na medida em que abrange jovens mais novos (69,2% deste grupo têm entre 15 e 19 anos); pais com escolaridades tendencialmente mais elevadas (os pais com escolaridades até ao 1º ciclo estão significativamente menos representados, destacando-se os que têm entre o 2º ciclo do ensino básico e o ensino secundário); e dos dois sexos, em proporção similar. À semelhança do perfil 1, este grupo carateriza-se pelo envolvimento no ofício de aluno (destacam-se os jovens que manifestam um empenho elevado e que encaram as aprendizagens escolares como muito interessantes). No que se refere ao sentido atribuído à escolarização, distingue-se por haver um quantitativo significativamente superior de jovens a considerar que estudar é o mais importante na vida de uma pessoa, o que remete para a centralidade que o ofício de aluno ocupa na vida destes jovens e na construção da sua identidade (Perrenoud, 1994). Este perfil carateriza-se, ainda, por encarar a escola a partir de perspetivas contraditórias entre si, que partilha com os outros dois perfis. Tal como no perfil 1, estudar surge associado a significados que se inscrevem em universos culturais expressivos e pós-materialistas (realização pessoal e contribuição para a sociedade). Mas, simultaneamente, partilha com o perfil 3, como se verá, a perspetiva que associa escola a penosidade (estudar é uma obrigação, um fardo a que não se pode fugir, um sacrifício) e a instrumentalidade ("estudar é apenas uma forma de mais tarde ter um emprego (ganha-pão)"; "estudar permite obter um bom emprego").
O perfil 3 (Exclusão) aproxima-se do perfil 1, em termos sociodemográficos, ao surgir associado também aos mais velhos (destacam-se os que têm de 25 a 34 anos) e aos que têm pais com uma escolaridade baixa (evidenciam-se os que têm pais com escolaridade até ao 1º ciclo do ensino básico). Diferencia-se, no entanto, pois neste perfil há um tendencial maior peso de rapazes e não de raparigas, como acontece no perfil 1. Quando se tem em conta a relação com o trabalho escolar, este perfil distingue-se dos dois anteriores, pelo fraco envolvimento dos jovens (destacam-se os que consideram que o seu empenho era de 1 ou 2 numa escala de 1 a 5 e que encaram as aprendizagens escolares como pouco ou nada interessantes). Em relação ao sentido atribuído à escolarização, embora reconheçam, tal como os outros dois perfis, a função de transmissão de conhecimentos da escola ("Estudar permite adquirir conhecimentos e cultura geral"), estes jovens distinguem-se, especialmente, por associar a escola a penosidade (estudar é uma obrigação e um fardo a que não se pode fugir) e a instrumentalidade ("estudar é apenas uma forma de mais tarde ter um emprego (ganha-pão)" (Quadro 4).
A caraterização destes três perfis mostra, antes de mais, que a condição dos jovens açorianos parece não se confundir com a condição de estudante, dado que apenas uma minoria se encontra a estudar (perfil 2, Prolongamento). Se é verdade que diversos estudos, incidindo noutras populações juvenis, têm vindo a dar conta de um alongamento da juventude, associado ao prolongamento dos percursos escolares, estes dados remetem-nos para uma outra realidade, traduzindo a existência de uma desvantagem em termos de investimento escolar na população açoriana, face a outros contextos territoriais, como fizemos referência anteriormente.
Além disso, o grupo mais numeroso de jovens, abrangendo mais de metade dos casos, corresponde aos jovens que apresentam um perfil (Exclusão) caraterizado pelo abandono precoce e insucesso reincidente que manifesta uma relação de desafeição em relação à escola, valorizando-a apenas pela sua dimensão instrumental. Este resultado aponta para o facto de a relação com a escolaridade na população em análise ser predominantemente marcada pela exclusão, insucesso e penosidade. São, ainda, estes jovens, que menos investiram na escolaridade, os que, simultaneamente, estão menos predispostos a retomar os estudos, facto que parece ser explicado pela forma penosa e instrumental com que encaram a escolaridade.
Por outro lado, o perfil que designámos por Retorno aponta para a perspetiva de se voltar à escola, depois de a abandonar, o que traduz a não linearidade dos trajetos dos jovens, caraterística que tem vindo cada vez mais a ser reconhecida como uma marca da condição juvenil nas sociedades contemporâneas, enquanto "geração ioiô" (Pais, Cairns, & Pappámikail, 2005).
Os perfis Retorno e Exclusão sugerem que rapazes e raparigas tendem a estar associados a perfis de escolarização diferenciados, confirmando a tendência para um maior investimento por parte do sexo feminino e para uma relação com a escola mais frágil por parte do sexo masculino (Alves, 1998; Almeida & Vieira, 2006; Grácio, 1997; Ribeiro, 2007).
Por fim, o facto de estes dois perfis, Retorno e Exclusão, com uma relação com a escolaridade bastante contrastante, se apresentarem semelhantes no que respeita à escolaridade dos pais, revela, por um lado, a abertura da escola aos grupos sociais menos escolarizados, e, por outro, que o peso da origem social, embora condicione os percursos dos jovens, não é homogéneo, pesando mais para uns do que para outros, tal como tem sido mostrado por outros estudos, muito particularmente pelos que focam trajetórias de contratendência (Lahire, 1995; Roldão, 2014).
Perfis de escolarização dos estudantes açorianos: rapazes em risco de abandono, raparigas empenhadas e jovens desimplicados
Procurou-se aprofundar o segundo perfil, o dos estudantes, que parece acusar alguma diversidade interna (como se viu pelos sentidos atribuídos à escola de caráter contraditório), realizando uma análise focalizada neste grupo (N= 489). Para o efeito, submetemos à ACM, como variáveis ativas, um conjunto de indicadores relativos à escolaridade (níveis de escolaridade possuído e pretendido e número de reprovações), à perceção sobre o seu envolvimento no trabalho escolar (empenho enquanto aluno e como encara as aprendizagens escolares) e variáveis sociodemográficas (sexo e idade) (Quadro 5).
A análise de correspondências múltiplas revelou que as trajetórias escolares dos estudantes se encontram estruturadas em duas dimensões principais4: (i) a dimensão 1 refere-se à relação com o trabalho escolar, opondo os que manifestam um elevado envolvimento no trabalho escolar aos que manifestam baixo envolvimento (empenho no trabalho escolar e forma de encarar aprendizagens escolares); (ii) a dimensão 2 é constituída, principalmente pelo grupo etário, mas também, embora em menor medida, pelo nível de escolaridade possuído. Esta dimensão opõe, assim, os mais jovens, com o 3º ciclo, aos que têm mais idade e possuem as escolaridades mais extremadas, o 1º ciclo ou o ensino superior.
A partir dos valores destes dois eixos, realizou-se uma análise de clusters hierárquica (método Ward), identificando-se três grupos que ocupam posicionamentos diferentes no cruzamento das duas dimensões (ver Gráfico 4), apontando para três perfis de jovens estudantes distintos (ver Quadro 6).
O grupo 1 – Rapazes em risco de abandono precoce – abrange 13,1% dos estudantes e carateriza-se pela tendência para um reduzido envolvimento no trabalho escolar (destacam-se os que avaliam o seu empenho em 1 ou 2 numa escala de 1 a 5 e os que consideram as aprendizagens escolares pouco ou nada interessantes). Distingue-se também pela sua baixa escolaridade (os que têm um nível inferior ou igual ao 1º ciclo ou o 2º ciclo concentram-se especialmente neste grupo), por terem tido uma trajetória escolar bastante marcada pelo insucesso (dois terços reprovaram duas vezes ou mais) e pelo risco de abandono escolar precoce, quer porque os jovens que não querem continuar a estudar estão aqui sobrerrepresentados (38%), quer porque os que vão prosseguir os estudos pretendem completar um nível de escolaridade abaixo do ensino secundário (33%). Este perfil é marcadamente masculino (73,4%) e, embora três quartos tenham idades entre 15 e 24 anos, os mais velhos (30-34 anos) estão aqui sobrerrepresentados. Nomearemos este perfil, sinteticamente, por Em risco de abandono.
O grupo 2 – Raparigas empenhadas e bem sucedidas nos estudos – corresponde a 20,7% dos jovens a estudar e carateriza-se por um grande envolvimento no trabalho escolar, avaliando o seu empenho como elevado e considerando as aprendizagens escolares como muito interessantes. Distinguem-se igualmente por terem trajetos escolares bem sucedidos e mais ou menos longos (os que nunca reprovaram e os que têm o ensino secundário ou algum grau do ensino superior estão sobrerrepresentados neste grupo). É um perfil marcadamente feminino (67,3% dos estudantes deste grupo são raparigas). Os mais jovens encontram-se menos representados aqui, o que não será de estranhar neste grupo, que acusa o maior investimento na escola. Designaremos este perfil, de forma sintética, por Empenhadas.
O grupo 3 – Estudantes que aderem à escola de forma desimplicada5– é o mais numeroso, abrangendo quase dois terços dos estudantes (66,3%) que se consideram alunos medianamente envolvidos no trabalho escolar (evidenciam-se os que manifestam um empenho de nível 3 numa escala de 1 a 5 e que consideram as aprendizagens escolares como interessantes). Também no que se refere à longevidade e sucesso do percurso escolar se destaca o posicionamento intermédio deste perfil (os que têm o 3º ciclo do ensino básico, pretendem completar o ensino secundário e reprovaram uma vez ao longo da escolaridade encontram-se sobrerrepresentados neste grupo). Este menor insucesso, comparativamente com o perfil 1, explica que tenham um nível de escolaridade mais elevado e sejam mais jovens (84,0% têm 15 a 19 anos). Em contrapartida, apesar de mais novos do que os jovens do perfil 3 e com um percurso mais curto, já conheceram algum insucesso escolar. Trata-se de um perfil onde, contrariamente aos anteriores, o peso de cada um dos sexos é semelhante. Intitularemos este perfil, de forma abreviada, como Desimplicados.
Procurando conhecer melhor estes perfis, foram cruzados com o sentido atribuído à escola (Quadro 7). O perfil 1 (Em risco de abandono) surge caraterizado por itens que atribuem à escola penosidade e instrumentalidade. O facto de a escola representar um sacrifício, fardo e obrigação é coerente com o perfil, que, tal como se viu, é marcado pelo elevado insucesso e reduzido envolvimento no trabalho escolar e elevado risco de abandono escolar precoce. Esta relação negativa com a escola não impede que os jovens reconheçam o valor instrumental desta ("Estudar é apenas uma forma de mais tarde ter um emprego"), o que não os impele, contudo, a permanecer e investir nela.
No perfil 2 (Empenhadas), em grande contraste com o perfil 1, a escola surge como fonte de realização pessoal e conhecimentos e cultura geral. Os itens relativos a uma relação penosa com a escola e ao reconhecimento do valor instrumental dos diplomas escolares surgem, precisamente, neste grupo com as percentagens mais baixas (e escala de discordância com média mais elevada).
O sentido atribuído à escola pelo perfil 3 (Desimplicados) vem confirmar a ideia, esboçada anteriormente, de que entre os dois polos mais definidos e contrastantes que são representados pelos perfis 1 e 2 encontramos este terceiro perfil. Aproxima-se do perfil Raparigas empenhadas e bem sucedidas nos estudos quando valoriza, significativamente mais do que o perfil 1, os estudos como forma de realização pessoal e de adquirir conhecimentos e cultura geral. Por outro lado, isto não impede que se aproxime, simultaneamente, do perfil dos Rapazes emrisco de abandono precoce, no que respeita ao valor instrumental dado à escola e pela imagem da escola como algo penoso. Trata-se, assim, de um perfil que adere mais à escolarização do que o perfil 1 (o qual, recorde-se, embora reconheça o valor instrumental da escola, não se sente impelido a lá permanecer), apresentando e projetando percursos mais longos. No entanto, os jovens mantêm um conjunto de traços que configuram uma relação de alguma desimplicação em relação ao trabalho escolar: autoavaliam o seu envolvimento no trabalho escolar como mediano e olham para a escola com penosidade, apresentando insucesso escolar.
Desta análise aos perfis dos estudantes é possível destacar um conjunto de tendências que complementam as encontradas anteriormente, em relação à generalidade dos jovens açorianos. Os jovens que se encontram a estudar polarizam-se, de forma mais evidente, entre dois perfis bastante contrastantes, no que se refere à sua relação com a escolarização: os que estão Em risco de abandono e as Empenhadas. Os primeiros reconhecem o valor instrumental da escola; contudo, a relação marcadamente negativa que estabelecem com o trabalho escolar não os impele a permanecer nela. Desta forma, o abandono escolar precoce evidencia-se como uma caraterística que não se circunscreve aos jovens com mais idade que já deixaram o sistema educativo, visível na análise do ponto anterior. Entre os estudantes existe, assim, um grupo em risco de abandonar a escola com qualificações abaixo do ensino secundário. Contrariamente, as jovens do segundo perfil alicerçam o seu comprometimento com o investimento na escola, numa atitude de natureza mais expressiva em relação à escola (a escola é fonte de realização pessoal).
Entre estes dois perfis mais definidos e contrastantes situam-se os Desimplicados, que combinam traços desses dois grupos. Aproximam-se do primeiro perfil porque partilham com ele a perspetiva de instrumentalidade e penosidade em relação à escolaridade, mas simultaneamente afastam-se, aproximando-se do segundo perfil, na medida em que aderem à escolaridade. Neste caso, ao contrário do que sucede com os jovens estudantes Em risco de abandono ou os jovens excluídos do sistema educativo (Excluídos), a instrumentalidade parece superar a penosidade. Estes estudantes que aderem à escolaridade, reconhecendo o valor dos diplomas, mas mantêm um conjunto de traços configurando uma relação de alguma desimplicação em relação ao trabalho escolar, correspondem ao grupo mais numeroso, sendo, por conseguinte, o perfil que parece predominar entre os estudantes açorianos inquiridos, indo ao encontro da caraterização dos "novos alunos" feita por outros trabalhos (Abrantes, 2003; Barrère, 1997, 1998; Dubet, 1991; Matos, 2008).
À semelhança do que se observou com a generalidade dos jovens, também na análise focalizada nos estudantes, surgem perfis de escolarização com marcas de género, revelando, mais uma vez, que as raparigas são protagonistas de percursos mais bem sucedidos, mais empenhados e ancorados na realização pessoal, enquanto os rapazes tendem a apresentar percursos que distinguem por uma acumulação de traços que configuram uma relação de maior fragilidade com a escola (maior insucesso, menor empenho, maior abandono escolar e uma relação mais penosa com o trabalho escolar). De notar que, se esta tendência tem sido encontrada no contexto nacional (Alves, 1998; Almeida & Vieira, 2006; Grácio, 1997; Ribeiro, 2007), as estatísticas oficiais mostram, como se viu, que assume nos Açores uma expressão mais intensa. Uma hipótese explicativa para a significativa discrepância entre a relação com a escolaridade de rapazes e de raparigas poderá residir na interação dessas variáveis com a classe social. Sabe-se que é nos contextos sociais mais desfavorecidos que as diferenças escolares entre rapazes e raparigas são mais acentuadas, verificando-se, contrariamente, menores diferenças quando os alunos são prevenientes de classes sociais mais elevadas (Grácio, 1997; Duru-Bellat, Kieffer, & Marry, 2001). O facto de as diferenças de género serem mais vincadas nos Açores pode advir, precisamente, de um maior peso dos grupos sociais mais desprovidos de recursos na estrutura social da região, comparativamente com a generalidade do território nacional, visível em indicadores como o PIB per capita e o nível de escolaridade da população empregada (Carmo et al., 2010).
Nota conclusiva
Continuando os Açores a ser uma das regiões portuguesas com maior deficit de escolarização, procurou-se perceber em que medida a relação dos jovens açorianos com a escola, na atualidade, pode ser compreendida, no quadro das tendências que têm sido apresentadas pela literatura nacional e internacional para caraterizar a experiência escolar dos jovens nas sociedades contemporâneas.
Os resultados encontrados a partir da análise dos perfis de escolarização dos jovens açorianos concorrem para a ideia de que estamos perante um território onde a modernidade ainda coabita com a tradição, em conformidade com trabalhos anteriores (Diogo, 2008). Desde logo, e contrariamente ao que tem sido afirmado relativamente a outros contextos, a condição dos jovens açorianos parece não se confundir com a condição de estudante, dado que apenas uma minoria se encontra a estudar. Esta conclusão não advém do facto de se considerar uma faixa etária alargada, já que o abandono escolar precoce não é apenas um traço dos jovens com mais idade que deixaram o sistema educativo, configurando-se também como um risco que parece ameaçar os percursos de muitos jovens antes de completarem o ensino secundário. É a fragilidade que marca predominantemente a experiência de escolarização dos jovens nos Açores, resultante não só da exclusão anteriormente referida, mas também do insucesso escolar e da penosidade associada à escola.
Esta fragilidade não obsta a que exista um reconhecimento generalizado do valor da escola, entre os jovens açorianos, atravessando os vários perfis analisados e aproximando-os da generalidade dos jovens da contemporaneidade. Trata-se de um reconhecimento que assume contornos diferenciados, podendo ser mais instrumental para uns ou mais expressivo (assente na realização pessoal) para outros. Em alguns casos, este reconhecimento pode não ser suficiente para impelir os jovens a permanecer no sistema educativo, o que sucede quando a penosidade da escola se impõe face à sua instrumentalidade. E são as diferenças de sucesso escolar associadas às questões do género que parecem fazer a diferença na forma como os jovens compõem esta equação. À luz do processo de individualização das sociedades contemporâneas, em que a procura de realização pessoal se tornou dominante, os resultados revelaram que apenas alguns jovens açorianos conseguem apropriar-se da escola transformando-a numa experiência pessoal gratificante. Mostram também que, para muitos, a escola e os constrangimentos que esta os leva a experienciar serão incorporados como algo penoso nas suas biografias. A coabitação entre tradição e modernidade que carateriza a região parece, assim, refletir a própria tensão vivenciada pelos jovens entre o reconhecimento do valor da escola e a dificuldade de se relacionar com o trabalho escolar.
Referências
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Endereço para Correspondência
Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Ana Matias Diogo, Universidade dos Açores, Departamento de Ciências da Educação, Campus de Ponta Delgada, Apartado 1422, 9501-801 Ponta Delgada. E-mail: ana.is.diogo@uac.pt
Recebido em janeiro/2016
Aceite para publicação em agosto/2016
Notas
1 A opção por este intervalo de idades deve-se ao interesse de manter a comparabilidade com estudos anteriores realizados na Região e a nível nacional.
2 Com recurso ao software SPSS (versão 18.0).
3 As duas dimensões são identificadas a partir da leitura cruzada das medidas de discriminação e das contribuições de cada variável.
4 As duas dimensões são identificadas a partir da leitura cruzada das medidas de discriminação e das contribuições de cada variável.
5 Este perfil apresenta alguns dos traços da "adesão distanciada" descrita por Abrantes (2003).