1. INTRODUÇÃO
O movimento contínuo de busca pela transformação, mudança, inovação e o desenvolvimento acelerado das tecnologias levam ao crescimento exponencial das informações. As ações constantes da humanidade possibilitam alterações profundas no âmbito social, econômico e cultural, tanto local quanto globalmente, seja para modificar, seja para destruir. Elas são marcadas por movimentos de provisoriedade, imprevistos, incertezas, que têm exigido pessoas preparadas para descortinar caminhos e buscar recursos que possam ajudar a enfrentar os desafios e os problemas emergentes impostos pelo mundo contemporâneo.
No século XX, ainda se acreditava que o fim da formação de uma pessoa estava condicionado ao recebimento do diploma de educação superior em nível de graduação. Nesse modelo, o aluno tornava-se um profissional ou um professor, detentor de todos os conhecimentos necessários para atuar na sua área, os quais sustentavam e eram suficientes para exercer sua profissão. Contudo, essa formação relacionava-se à aquisição de conhecimento pronto e acabado, portanto cabia ao professor depositar esses conteúdos mecanicamente na cabeça dos alunos, por meio de metodologias que envolviam cópia, repetição e procedimentos de auxílio para decorar os conteúdos propostos. Essa fase da educação foi caracterizada por Freire (1987) como educação bancária.
A docência mecânica e reducionista, com visão fragmentada, também é apontada por Morin (2000) como efeito do paradigma newtoniano-cartesiano, que caracterizou a ciência e a educação por 400 anos, ou seja, desde o século XVII até meados do século XX.
A urgência em superar esse modelo conservador levou a investigar autores como Freire e Morin, para ajudar a entender as fragilidades das certezas absolutas defendidas e a clareza da transitoriedade do conhecimento. Com esse desafio posto, os educadores começaram a alertar que a educação e a formação precisam passar por uma reforma, exigindo do profissional ou do professor formação continuada que possibilite a (re)construção e religação dos saberes e desenvolvimento de competências condizentes com as exigências da contemporaneidade.
Alguns estudos com foco nessa temática já foram realizados por pesquisadores, com objetivos distintos no sentido de dialogar com Freire e Morin. Nascimento (2007), por exemplo, buscou articular as ideias desses autores como escopo para entender suas contribuições para o campo educacional; assim, de Freire explorou o princípio de que “o diálogo rompe com o verticalismo que produz a hegemonia do saber” (p. 1) e com Morin procurou compreender a docência à luz do pensamento complexo, apontando ser possível desenvolver “um projeto de reconstrução permanente, através da pluralidade de saberes” (p. 1), pois esses fundamentos oportunizam entender a educação como um recurso de superação das injustiças e das exclusões. No mesmo sentido, a prática da liberdade proposta por Freire e a visão da complexidade de Morin permitem relacionar uma visão mais ampla da dinâmica do conhecimento e sua multidimensionalidade.
Outro estudo interessante na temática é o de Romão (2000), que fez uma análise comparativa entre Edgar Morin, com a obra Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, e Paulo Freire, com o livro Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. O autor afirma que ambos tiveram a preocupação de trabalhar com a temática da educação do futuro, propondo uma reflexão sobre os saberes necessários para superar o paradigma educacional cartesiano que ainda pode estar presente na docência. Afirma que, a partir de suas investigações, percebeu que esses autores defendem que a mudança deve levar a transformações paradigmáticas, sendo que
Freire insiste mais no resgate dos saberes de todos, especialmente no dos dominados, porque, conforme afirma em vários de seus livros, busca a transformação social com os oprimidos e não simplesmente para os oprimidos. Morin reitera mais a necessidade de se considerarem os saberes. (Romão, 2000, p. 38)
Ainda, é oportuno citar Silva e Malachias (2012), que seguiram a mesma linha de Romão (2000), investigando as duas obras de Freire e Morin para identificar ideias convergentes desses autores. Entre as confluências, destaca-se que ambos buscam esclarecer a importância de superar a ideia de acumular conhecimentos de maneira fragmentada e sem significado. Ademais, apontam a urgência em ampliar a compreensão da “complexa dimensão humana para a compreensão da educação e da sociedade como um todo, destacando o componente emocional” (Silva & Malachias, 2012, p. 223) e complementam afirmando que é importante “estar sempre aberto às novas ideias e revendo as anteriores, para que estas não se tornem objeto da racionalização que gera cegueiras e incompreensões” (Silva & Malachias, 2012, p. 223).
Em investigação sobre a convergência de pensamento dos autores estudados, Behrens (2014) destaca:
A convergência das proposições dos educadores Paulo Freire e Edgar Morin está sem dúvida na convicção da necessidade de uma educação transformadora, para tanto, defendem a busca constante de um novo paradigma na educação, em especial, no que se refere a prática pedagógica dos professores. A visão de totalidade e o desafio de superação da reprodução para a produção de conhecimento, proposta pelos autores, exige a formação de sujeitos cognoscentes e críticos, e este caminho implica em valorizar a reflexão, a discussão, a ação, a curiosidade, a incerteza, a provisoriedade, o questionamento e, para tanto, a formação dos alunos depende da reconstrução da prática educativa proposta em sala de aula. (p. 266)
Diante desse contexto em movimento, surge o desafio de pensar uma reforma de pensamento na educação; para tanto, há necessidade imediata de subsidiar a formação inicial e/ou continuada dos professores para buscar o desenvolvimento da docência que acolha uma nova teoria na educação. Trata-se de superar uma visão positivista e cartesiana, reducionista e fragmentada de ver os fenômenos presentes no universo, que acompanhou a formação docente e estruturou os saberes dos professores que sustentam a prática pedagógica.
A recomendação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) para a educação do século XXI, ainda está por conquistar os quatro pilares propostos que possibilitam o desenvolvimento de saberes, ou seja, saber-conhecer, saber-fazer, saber-ser e saber-conviver, compatíveis com as necessidades educacionais atuais da sociedade e do mundo (Delors, 1999). A aprendizagem da docência implica entender uma visão mais ampla e não seguir receituários e modelos previamente colocados, devendo, assim, considerar os saberes, os recursos internos, o potencial do professor, as necessidades externas, as exigências da profissão, as redes de relações tecidas nos diferentes contextos profissionais. O “professor como profissional inserido em um contexto educacional, que é ao mesmo tempo nacional e local, numa inserção global” (Gatti, 2016, p. 170); assim, necessita considerar os saberes epistemológicos, ontológicos e metodológicos para construir uma nova concepção de educação que fundamente a prática pedagógica contemporânea.
O abandono da educação bancária (Freire, 1987) e da visão cartesiana (Morin, 2000) impulsiona buscar processos que levem o professor a perceber que existe uma tessitura de múltiplas dimensões, entre elas, as afetivas, cognitivas, éticas, estéticas, políticas, culturais, sociais, ecológicas, no sentido de despertar no docente um olhar mais crítico sobre o processo educativo como profissional da educação e como pessoa. O docente como único detentor do conhecimento, que transmite conteúdos para serem memorizados – o que é definido por Freire (1987) como educação bancária –, cristalizando-se em suas ideias e pensamentos únicos, absolutos e inquestionáveis, é um paradigma que precisa ser superado. Para isso, é importante que dialogue com novos conhecimentos, de diferentes níveis de percepção, para buscar pensamentos que possibilitem uma forma diferente de ver, ser e atuar.
Essas inquietações levaram à realização desta investigação, por meio de pesquisa bibliográfica, dialogando com o referencial teórico proposto em algumas obras de Paulo Freire e Edgar Morin, na busca de pontos convergentes e complementares, por meio de consultas e leitura crítica das quatro obras em foco nesta pesquisa, eleitas por acolherem uma visão mais metodológica do ensino, além de terem cunho mais pedagógico, apresentando ideias nucleares que tratam dos saberes que podem auxiliar na tessitura de construtos que subsidiem epistemologicamente uma prática pedagógica complexa e transformadora. De Freire, elegeu-se Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa (1996) e Pedagogia do Oprimido (1987). De Morin, foram escolhidas as obras: Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro (2000) e A Cabeça Bem-Feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento (1999).
2. CAMINHO METODOLÓGICO
Para realizar a tessitura desta pesquisa, buscaram-se pontos convergentes entre os fundamentos e princípios da educação transformadora de Freire e a proposição da reforma de pensamento de Morin, projetada numa nova visão na ciência e na educação, denominada pensamento complexo. Trata-se de compreender a diversidade das teorias revisitadas, que, em muitos momentos, podem convergir e divergir, possibilitando ao pesquisador um novo olhar para entender o caminho necessário a ser percorrido, isto é, apreender a base epistemológica que pode nortear o desenvolvimento de saberes que conduzam a uma prática pedagógica complexa e transformadora.
O interesse por esse caminho na investigação levou a optar por destacar as convergências e as complementaridades teóricas desses pensadores. Tal procedimento pode auxiliar na reflexão por meio de relações dialógicas e recursivas, colhendo, ao mesmo tempo, as interdependências, não deixando de visualizar os antagonismos – que são muito poucos –, mas com a clareza de ir além dos limites conhecidos. Buscou-se trabalhar com um pensamento que distingue e une, não abandonando o conhecimento das partes pelo todo, tampouco da análise pela síntese, e vice-versa, mas conjugando-as.
A tentativa durante o estudo foi superar a visão mutiladora e unidimensional na pesquisa, conforme afirmam Moraes e Valente (2008), “sabendo, hoje, que nossa realidade é complexa, mutante, difusa, ambígua, não-linear e muitas vezes ambivalente” (p. 76), pois “continuamos trabalhando com pressupostos epistemológicos que privilegiam a linearidade, o determinismo, a fragmentação e a exclusão” (p. 76). Com esse pressuposto, buscou-se metodologicamente conhecer alguns modos e processos das teorias e, se necessário, entrelaçar essas informações. Essa lógica na pesquisa propiciou uma visão mais ampla, oportunizando uma nova percepção de ler, analisar, sintetizar, aplicar, identificando a multirreferencialidade dos conhecimentos, permitindo um pensamento articulado para visualizar o que pode estar disjunto e/ou oculto, bem como interpretar os aspectos objetivos, subjetivos e intersubjetivos, na tentativa de obter um pensamento menos mutilador – daí a necessidade de retomar o conceito de complexidade definido por Morin (2000), que esclarece: “complexus significa o que foi tecido junto” (p. 38), acrescentando que “há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si” (p. 38). Nesse movimento, cabe o entendimento de que complexidade provém de complectere, cuja raiz plectere significa trançar e enlaçar.
A pesquisa nessa perspectiva possibilita, segundo Freire (1987), fazer com que o homem produza e comunique seus conhecimentos, sua cultura, por meio de sua palavra escrita ou falada, emancipando-se e libertando-se, pois tem mais possibilidade de conhecer e ler o mundo para superar os obstáculos da vida.
Assim, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, de natureza qualitativa, com organização de nível específico, trabalhando somente as obras que contivessem dados referentes à especificidade do tema a ser tratado. Para a análise de conteúdo (Bardin, 2011) e interpretação dos pontos convergentes e complementares de Paulo Freire e Edgar Morin, para tecer construtos que possam subsidiar epistemologicamente a prática pedagógica transformadora, realizaram-se os procedimentos na seguinte sequência: (i) leitura detalhada e cautelosa das quatro obras em foco nesta pesquisa, sendo, de Freire, Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa (1996) e Pedagogia do Oprimido (1987) e, de Morin, Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro (2000) e A Cabeça Bem-Feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento (1999); (ii) identificação de categorias teóricas a partir da interpretação das obras de Freire e Morin no que se refere às questões didático-pedagógicas; (iii) identificação das unidades de análise, por meio de componentes (palavras, frases) e/ou itens de relevância na construção dos conceitos importantes; (iv) análise interativa, por meio da interpretação dos conceitos presentes nas obras indicadas de maneira dialógica, identificando as partes e o todo dos conceitos, princípios e fundamentos.
Na etapa de identificação das unidades de análise, foi utilizado o software MAXQDA1, no qual foram copiados os textos de destaque das obras de Morin (1999, 2000) e Freire (1987 e 1996). A partir do reconhecimento dos conceitos relevantes presentes nas obras indicadas, foi possível elaborar a etapa de análise interativa e, por meio da ferramenta de pesquisa MAXQDA, identificar as palavras que mais se destacaram de cada um dos autores, permitindo a construção de um material visual, denominado nuvem de palavras (Figuras 1 e 2). Os dados organizados no software também permitiram a elaboração de dois quadros-síntese (Quadros 1 e 2) para apresentar os pontos de convergência e complementaridade dos autores que pudessem auxiliar na construção de construtos para subsidiar epistemologicamente os saberes docentes para uma prática pedagógica transformadora.
3. UM OLHAR DE FREIRE SOBRE A NECESSÁRIA SUPERAÇÃO DA EDUCAÇÃO BANCÁRIA NA BUSCA DE UMA EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA
A pedagogia libertadora, defendida pelo educador Paulo Freire e alicerçada na teoria crítica, tornou esse importante educador e representante brasileiro reconhecido pelo seu envolvimento com os movimentos populares e a educação não formal, mas cabe ressaltar que seus ensinamentos continuam reverberando na educação no Brasil e em algumas outras partes do mundo. Para Freire (1996), a educação é um ato político que propõe a conscientização dos educandos, desenvolvendo a autonomia, de forma que possam intervir na realidade, modificando-a. Para isso, se faz prudente entender que “a autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões que vão sendo tomadas. . . . A autonomia, enquanto atitude do ser para si, é processo de vir a ser” (Freire, 1996, pp. 119-121), é a decisão, a responsabilidade conferida ao indivíduo.
Freire, em seu percurso acadêmico, fundamentou seus estudos no desejo de superar a educação opressora; assim, traz em suas obras, em especial, Pedagogia da Autonomia (1996), ideias, pensamentos, princípios, saberes que buscam repensar a lógica estruturada no pensamento positivista vigente desde o século XVII, que possibilitou o desenvolvimento da visão da racionalidade técnica, mecânica e reducionista na educação. Essa abordagem educacional focalizava a razão, em detrimento da ética e do sentimento, e instituiu um pensamento analítico e linear, não permitindo a divergência, mas enfatizando a quantificação rigorosa dos conhecimentos.
Nessa perspectiva, os saberes docentes precisavam compreender a necessidade de ver o aprendizado como um produto, a supervalorização da disciplina, promovendo a fragmentação e a importância da transmissão de conteúdo, em uma sequência linear e racional. Por sua vez, os alunos, de forma passiva, repetiam e decoravam os conteúdos dados e os reproduziam, o que Freire (1987) denominou educação bancária, na qual o professor “conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. . . . Em lugar de comunicar-se, o educador faz comunicados e depósitos, que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem” (p. 68).
A educação bancária atende aos princípios da ciência clássica que influenciaram esses saberes docentes, de maneira que os professores compreendem que a relação entre eles e o aluno deve ser vertical e hierarquizada. Segundo Morin (2000), a função docente atende ao paradigma da simplificação ou newtoniano-cartesiano, que, aliado à visão bancária, projeta uma docência baseada na eficácia, na eficiência e na produtividade. Com esse viés, a ação didática do professor fica focalizada na busca incessante do comportamento desejado, ou seja, uma educação bancária, com metodologias repetitivas que anulam a criação do aluno e, como Freire (1987) alerta, “o minimiza[m], estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz[em] aos interesses dos opressores, pois, para estes, o fundamental não é o desnudamento do mundo e nem a sua transformação” (p. 34).
Para Freire, a prática pedagógica dos professores necessita superar essa visão bancária ou cartesiana que levou à cegueira do conhecimento, fixando-se nas velhas certezas de verdades absolutas, herdadas do princípio da visão binária e manipulada pela ideologia dos opressores, no qual predominam a reprodução e a fragmentação, o que mantém os alunos alienados, pois “obstaculiza a emersão das consciências e a sua inserção crítica na realidade como totalidade” (Freire, 1987, p. 81). Essa visão conservadorista impossibilita uma educação transformadora para manter o status quo da ação dominadora e antidialógica.
A prática docente baseada na dominação se contrapõe à libertação e, assim, reforça um ensino para manter a ingenuidade dos educandos. Segundo Freire (1996), para conquistar uma educação libertadora, há necessidade de oferecer formação que permita ao estudante transformar o conhecimento empírico em conhecimento científico. Nessa direção, o ensino deve partir de situações reais da comunidade, que problematizem e contextualizem os conhecimentos, gerando aprendizagem para a vida e não só conteúdos decorados para fazer provas. Para que esse desafio se consolide, o estudante precisa ter uma educação que inclua uma visão epistemológica, histórica, política, social e cultural, entre outras dimensões. Assim, passa a compreender a heterogeneidade, aceitar o diferente, desenvolver a autonomia, a reflexão e compreensão do contexto histórico no qual está inserido, de maneira que possa interferir e transformar a realidade social.
Fundamentado na proposição de incompletude nos seres humanos, Freire (1996) salienta que é primordial olhar a prática e refletir sobre ela, para melhorá-la, uma vez que “a prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer” (p. 17); para tanto, o docente precisa ter uma postura reflexiva para perceber suas limitações e possibilidades na docência, reavaliando, a partir da teoria, suas decisões, como um profissional consciente de suas atribuições e que reconstrói sua ação didática por intermédio de processos contínuos de aprendizagem. Para Freire (1996), “quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de ser de porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemológica” (p. 18).
Freire (1992) não nega a necessidade de estudar os conteúdos, mas esclarece o estigma, afirmando que “a questão que se coloca não é a de se há ou não educação sem conteúdo, a que se oporia à outra, a conteudística, porque, repitamos, jamais existiu qualquer prática educativa sem conteúdo” (p. 110). Seu pensamento revela que, na docência, existe a indispensabilidade da sistematização do conteúdo pelo docente, pois o que deve ser combatido é a subordinação à educação bancária, que promove uma visão de disjunção, de separatividade, de homogeneização, de esfacelamento e reducionismo. Nesse caso, é a força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a reflexão, o posicionamento frente aos problemas, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que, consoante Freire (1996), supera os efeitos negativos do falso ensinar.
A educação transformadora leva a pensar sobre os saberes docentes, tendo como foco os caminhos de construção de conhecimentos que superem a racionalidade técnica instrumental, uma vez que “educar tem característica de movimento e isso sustenta a prática profissional como forma de conceber a construção do professor em um processo histórico sempre inacabado” (Freire, 1992, p. 42). Numa educação com visão transformadora, o ser humano está em processo constante de (des)aprendizagem, pois tem consciência de sua inconclusão e de que necessita aprender, construir conhecimentos, interagir, dialogar com o outro, buscando a diversidade de saberes para superar as injustiças, a exploração, a opressão que conduz à desumanização, “que não se verifica, apenas, nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais” (Freire, 1987, p. 16).
A prática pedagógica, nessa visão transformadora, é sustentada pela ação do docente, de forma que suas atividades façam com que o aluno estabeleça relações significativas e se aproprie dos conhecimentos socialmente construídos, dando-lhes significado no contexto em que vive, porque “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (Freire, 1996, p. 12).
O professor, para Freire (1996), não deve ser licencioso, permissivo, espontaneísta e autoritário, mas exercer a autoridade pela competência em sala de aula, atuando democraticamente, com ética, criticidade, como mediador, instigando o aluno a se instrumentalizar com conhecimento que o qualifique a atuar no meio em que convive, pois “o professor que realmente ensina, quer dizer, que trabalha os conteúdos no quadro da rigorosidade do pensar certo, nega, como falsa, a fórmula farisaica do faça o que mando e não o que eu faço” (p. 16).
Há urgência na atualidade de alterar a relação autoritária entre professor e aluno; nesse sentido, Freire (1987) aponta a relevância do diálogo amoroso, da parceria, do compartilhamento, pois defende que “o diálogo fenomeniza e historiciza a essencial intersubjetividade humana; ele é relacional e; nele, ninguém tem iniciativa absoluta. Os dialogantes ‘admiram’ um mesmo mundo; afastam-se dele e com ele coincidem; nele põem-se e opõem-se” (p. 8), possibilitando a autonomia na construção do conhecimento.
A educação transformadora exige responsabilidade e rigorosidade ética na docência. O professor, antes de ensinar, precisa dialogar sobre ela com seus alunos no processo de ensino e vivenciá-la cotidianamente, “na maneira como lida[mos] com os conteúdos que ensina[mos], no modo como cita[mos] autores cuja obra discorda[mos] ou com cuja obra concorda[mos]” (Freire, 1996, p. 18). A ética envolve respeito ao outro; assim, o professor, como profissional da educação, tem de deixar transparecer para seus alunos suas ideias, posicionamentos, sejam eles divergentes ou convergentes, para que eles “percebam o respeito e a lealdade com que um professor analisa e critica as posturas dos outros” (Freire, 1996, p. 18), pois acredita que o ser humano é um sujeito histórico, transformador e, principalmente, ético.
A aprendizagem na educação transformadora necessita que o docente, na sua ação didática, instigue seus alunos a pesquisar, a dialogar com autores e teorias, para que sejam sujeitos capazes de construir seus próprios conhecimentos, o que Freire (1996) denomina “saber ensinado em que o objeto ensinado é aprendido na sua razão de ser, portanto aprendido pelos alunos” (p. 28).
Educar, para Freire (1996), é fazer o aluno aprender de forma significativa, por isso o estudar, o ler e dialogar com o autor, não para repeti-lo, mas para ganhar fundamentos teóricos que auxiliem em suas argumentações; para tanto, requer-se situar as informações nas necessidades reais do contexto em que o aluno vive. Nesse sentido, Freire (1996) questiona: “Por que não estabelecer uma necessária ‘intimidade’ entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?” (p. 15). A educação transformadora exige superar a visão de “um educador reaccionariamente pragmático” (Freire, 1996, p. 32), que acha que os conhecimentos do aluno não têm nada a ver com os conteúdos escolares. Ao contrário, é importante considerar os conhecimentos do educando, aqueles adquiridos de modo empírico durante seu percurso de vida social, uma vez que proporcionam saberes mais próximos da realidade e que podem ser relacionados com os conteúdos escolares. A vivência do estudante necessita ser considerada para que faça sentido e ele possa ter autonomia na sua vida pessoal, escolar, social e profissional.
Este recorte das proposições de Freire possibilita identificar que é factível superar uma visão positivista e cartesiana rumo a uma educação para a transformação, saberes que podem fundamentar a prática pedagógica docente, não como um dogma, mas com pensamentos que levam à reflexão.
Da síntese apresentada, identificaram-se alguns pontos/palavras (Figura 1) mais frequentes da teoria de Freire (1987, 1996).
As 17 palavras mais citadas auxiliam a identificar alguns construtos do pensamento de Freire, indicando que suas ideias buscam uma educação para a autonomia, de maneira que o educando possa pensar certo, sendo necessário, para isso, fazer um movimento dialético, entre o fazer e o pensar, superando a ingenuidade e despertando a curiosidade, em busca da transformação pessoal. Uma educação que possibilite resgatar a esperança, superar as injustiças, a discriminação, tendo consciência do inacabamento do processo formativo de qualquer indivíduo.
4. EDGAR MORIN NA TESSITURA DOS SABERES NECESSÁRIOS PARA A REFORMA DO PENSAMENTO
Edgar Morin é considerado um dos pensadores mais emblemáticos e importantes dos séculos XX e XXI e reconhecido internacionalmente como o pensador e fundador da teoria da complexidade. Em seus aproximadamente 40 livros, procura incessantemente desenvolver princípios para orientar o pensar bem, isto é, busca caminhos para superar a visão cartesiana, focalizada na fragmentação do conhecimento, e propõe a teoria da complexidade, a qual demanda uma reforma do pensamento. Morin (2000), em sua teoria, tem a clareza da necessidade de superar a visão da razão, mas não a anula; ao contrário, alia a ela a visão da complexidade, baseada na emoção, na subjetividade, na amorosidade, na inclusão.
Na proposta da scienza nuova, Morin (2005) identifica que o processo de ensinar precisa de uma tomada de consciência acerca das cegueiras que mutilam o pensamento, no erro e na ilusão de verdades absolutas pregadas como inquestionáveis, advindas do paradigma da simplificação, pautado na disjunção, na redução e na abstração. Os princípios-guia ou operadores cognitivos (Quadro 1) por ele delineados auxiliam o pensar bem (Morin, 2000) e possibilitam a compreensão da complexidade da realidade, suas relações e inter-relações com o todo.
A proposição de Morin (2000), na teoria da complexidade, tem como foco a mudança paradigmática, em especial a crítica ao paradigma newtoniano-cartesiano ou da simplificação, que influenciou os saberes docentes impregnados da visão de separatividade, de exclusão, de hierarquia, de obediência ao autoritarismo; reforça se tratar de “uma cultura escolar que dificulta a aprendizagem, que exclui a subjetividade e fragmenta a multidimensionalidade humana, a intersubjetividade presente nos processos de construção do conhecimento” (Morin, 2007, p. 139), suprimindo a visão da realidade social, dificultando ao educando nela interferir.
A ação de memorização e repetição dos conteúdos pelo aluno é recriminada pelo autor, para quem “uma cabeça bem cheia é óbvio: é uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido” (Morin, 1999, p. 21); assim, defende uma cabeça “bem-feita”, com o próprio aluno tendo competência para criar e resolver problemas, dando-lhes sentido, em especial, por meio da religação dos saberes.
Sobre essa prática pedagógica sustentada pela supervalorização do conhecimento disciplinar de visão unilateral, puramente intelectual, visualizado como único e induzindo à multiplicação e perpetuação, Morin (2007) posiciona-se afirmando que “o pensamento simplificador se baseia no predomínio de dois tipos de operações lógicas, disjunção e redução, que são ambas brutais e mutiladoras” (p. 77) e precisam ser superadas.
Morin (2000) aponta a necessidade de considerar os saberes que envolvem o princípio do conhecimento pertinente como possibilidade de religar as partes fragmentadas na disciplina; complementa afirmando sobre a necessidade de “situar qualquer informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está inscrita” (p. 15), pois a informação isolada e desconectada perde sua relevância e significação, uma vez que a contextualização é considerada por ele uma “disposição natural da mente humana para situar todas as suas informações em um contexto e em um conjunto” (Morin, 2000, pp. 100-101). Esse saber reforça a imprescindibilidade de situar as informações em seus contextos, para não as fragmentar e dar a elas um sentido.
A construção dos conhecimentos pelo sujeito implica entender que ser e saber são inseparáveis; portanto, sustenta-se que, como seres histórico-culturais, os discentes e docentes desenvolvem-se ao longo da vida e carregam aprendizagens que não obrigatoriamente aprendem na escola e precisam ser valorizadas. Assim, Morin (2000) recomenda que “é preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que adquiram sentido. Para ter sentido, a palavra necessita do texto, que é o próprio contexto, e o texto necessita do contexto no qual se enuncia” (p. 34), ou seja, a construção do conhecimento deve ser situada e envolve a colaboração mútua entre os indivíduos, no caso, o professor e os educandos e os educandos e seus pares, no processo de ensino-aprendizagem.
Morin (1999) complementa o sentido de movimento e leva ao entendimento de que toda a ação e reação na educação não se dão linearmente, pois trata-se de “um conhecimento em movimento, um conhecimento em vaivém, que progride indo das partes ao todo e do todo às partes; o que é nossa ambição comum” (p. 108), que se constituem como um circuito contínuo, variando de acordo com o que ocorre nos processos autoeco-organizadores e os resultados gerados nas inter-relações e retroações.
O princípio da incompletude é reforçado na teoria de Morin (2000), referindo-se ao conhecimento multidimensional, que deve respeitar e identificar que um fenômeno estudado tem diversas dimensões, precisando o ser humano também ser considerado nos seus aspectos físicos, biológicos, sociais, culturais, psíquicos e espirituais. Dessa maneira, “o pensamento complexo tenta dar conta daquilo que os tipos de pensamento mutilante se desfazem, excluindo o que eu chamo de simplificadores e por isso ele luta, não contra a incompletude, mas contra a mutilação” (Morin, 2000, p. 176).
A autonomia também é tema de discussão do autor, que a compreende como ação de emancipação, relação e autoformação do indivíduo, pois “não é mais uma liberdade absoluta, emancipada de qualquer dependência, mas uma autonomia que depende de seu meio ambiente para viver, seja ele biológico, cultural ou social” (Morin, 1999, p. 118). Igualmente, o diálogo amoroso é contemplado, quando Morin (2000) propõe a vivência com afetividade, que pode e deve ser transportada para o espaço educacional, uma vez que o “desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão. . . . A afetividade pode asfixiar o conhecimento, mas pode também fortalecê-lo” (pp. 20-21); isso reforça a importância da relação entre a inteligência e a afetividade no processo de ensino-aprendizagem.
Desse professor, espera-se que possa planejar ambientes dinâmicos, flexíveis e abertos, possibilitando o desenvolvimento cognitivo, mas também afetivo, podendo ser visualizados como ecossistemas que levam à interação, interdependência, visão complexa, admitindo relações permeadas pela generosidade, ética, companheirismo, diálogo, respeito às diferenças e diversidade. Segundo Morin (2000), é necessário pensar na ética “pessoal em prol de mim mesmo, em prol dos outros, da família, dos filhos. Implica também uma ética civil para sermos capazes de construir democracia, assumir o precisar de ajudar os outros, de ajudar os indivíduos” (p. 40); trata-se da urgência de uma “ética humana planetária, porque somos irmãos e irmãs, membros de uma mesma comunidade civil, e precisamos fazer dela a nossa pátria” (p. 40).
Em sua teoria, o autor apresenta contribuições significativas que interferem diretamente na docência. Do apanhado realizado nesta pesquisa, foi possível apresentar pontos/palavras (Figura 2) mais frequentes do pensamento complexo de Morin (1999, 2000).
As 19 palavras mais citadas auxiliam na representação da teoria da complexidade de Morin, que mostra ser um pensamento multidimensional, global, transnacional e planetário para não isolar o homem de seu meio físico, biológico, cultural, social e afetivo, ou seja, um pensamento que reconhece os limites, mas também as incertezas e as descontinuidades.
5. AS CONVERGÊNCIAS E COMPLEMENTARIDADES TEÓRICAS SOBRE A EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA DE FREIRE E MORIN
A análise dos textos iniciou-se com o desenvolvimento teórico de um corpus de quatro obras, apresentando alguns recortes da fundamentação de cada um dos autores. Para tecer os construtos, identificando suas aproximações e complementaridades, foram utilizadas como dimensões: a visão de educação, a metodologia, o papel do professor e o papel do aluno.
A busca da reforma de pensamento para atingir uma educação transformadora envolve um caminho desbravador de autores relevantes, como Freire e Morin, que registraram em suas obras os subsídios, construtos e propostas de práticas que podem acolher uma ação docente crítica, reflexiva e transformadora. Assim, optou-se por elaborar um quadro-síntese (Quadro 2), após a análise interpretativa dos fundamentos de cada um dos autores, para apresentar os pontos de convergência e complementaridade que podem auxiliar na construção de construtos para subsidiar epistemologicamente os saberes docentes, numa prática pedagógica complexa e transformadora. No Quadro 2, foram definidas seis dimensões que se entrecruzam: metodologia, professor, aluno, conteúdos, conhecimentos e educação.
A educação transformadora busca desenvolver pessoas para que possam se emancipar e se tornar mais independentes, críticas, inovadoras, para que tenham competências para resolver os problemas emergentes e saibam lidar com os desafios e exigências da sociedade e do mundo contemporâneo. Seguindo essa linha de pensamento, é oportuno mencionar que o conhecimento desvelado na pesquisa é reflexo da construção e tradução dos pesquisadores; para isso, é necessário considerar que são sujeitos com uma história de vida pessoal e profissional, possuidores de saberes específicos, e que a produção de conhecimentos tem sua interpretação da realidade de acordo com suas autorreferências. Dessa maneira, apresenta-se no Quadro 3 uma síntese interpretativa das convergências e complementaridades entre Freire e Morin sobre a educação transformadora e complexa.
A leitura, releitura e fichamento das obras escolhidas de Freire e Morin levaram a identificar alguns construtos, subsídios e saberes comuns ou convergentes, que indicam caminhos para subsidiar a formação docente, preparando o educador para uma prática pedagógica transformadora e libertadora. São eles: (i) a superação da visão conservadora e simplificadora da educação que fragmenta o conhecimento; (ii) a visão de que o conhecimento não é estático, não está pronto e acabado, mas em constante transformação e evolução, não podendo ser transmitido como verdade absoluta, mas devendo desenvolver no educando a curiosidade, a criticidade, a análise para construir o conhecimento; (iii) o homem deve ser entendido como sujeito histórico, que traz valores, mitos, crenças, dogmas, conhecimentos adquiridos durante sua existência, tendo um passado, um presente e um futuro que devem ser contemplados; (iv) a incompletude do ser humano, pois se desenvolve durante toda a sua vida e está sujeito a retroações, recursividades, interações e organizações; (v) a autonomia como responsabilidade e processo de autoformação; (vi) a ação de ensinar não deve ser mecânica, fragmentada, simplificadora, mas envolver a criatividade, a criticidade, a diversidade e a afetividade.
Sobre o papel do professor, os dois autores enfatizam posturas que se integram, como a importância da ética, da afetividade e da visão multidimensional da realidade. O encontro de pensamento dá-se também na contextualização, na aprendizagem de coparticipação, para que os conteúdos superem a superficialidade para serem significativos para a vida.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na investigação, a ação do pesquisador pode ser influenciada por aquilo que acontece nas interações com a teoria pesquisada, que podem sofrer interferências, incorporando os conceitos, pensamentos, sentimentos, atitudes e procedimentos que emergem desse processo de inter-relações e retroações. Toda a ação e reação na pesquisa não se dão linearmente, pois os caminhos tomados são imprevisíveis, uma vez que se interage com outras situações e acontecimentos ao longo do processo investigativo, ou seja, o caminho se faz ao caminhar.
A pesquisa realizada teve muitos movimentos de ir e vir nas teorias de Freire e Morin, com a finalidade de buscar pontos convergentes e complementares, em especial, na proposta de educação transformadora e na visão complexa. Acredita-se que os achados podem subsidiar epistemologicamente a formação docente que acolha os construtos, subsídios e saberes propostos por esses autores, com vistas a uma prática pedagógica transformadora.
Na indicação de pontos convergentes e complementares presentes nas obras indicadas, foi possível perceber a urgência na superação da visão newtoniana-cartesiana, baseada na razão, na fragmentação e na simplificação (Morin, 2000) e que prega a separatividade e a disjunção, como proposto por Freire (1996) ao afirmar que é falso ensinar com uma visão da educação bancária. A convergência das ideias de Morin (1999) e de Freire (1996) se acentua na denúncia e na necessidade de estabelecer diálogos críticos que auxiliem na superação de sistemas que oprimem, que levam à cegueira do conhecimento, com pregação de verdades absolutas e inquestionáveis, incitando ao erro e à ilusão e mutilando a reforma do pensamento.
Sobre a educação transformadora e complexa, Freire e Morin convergem quando apontam a importância da contextualização dos conteúdos; do desenvolvimento da autonomia do aluno; de o professor ser democrático, ético, crítico e afetivo; e de a educação ser voltada para a compreensão da realidade social, local e global. Ambos citam a relevância da dimensão ética: Freire (1996) fala sobre a ética universal do ser humano e Morin (2000) sobre a ética planetária, que envolve a dimensão pessoal, civil e social. A complementaridade pode ser apontada como um dos pontos de maior reciprocidade quando ambos desvelam a consciência de inconclusão, do inacabamento e da incompletude dos seres humanos, uma vez que o conhecimento está em contínuo desenvolvimento e, dessa maneira, sempre se desenvolvendo e aprendendo.
O professor, antes de ser um profissional da educação, passou pelos bancos escolares da infância até atingir a profissionalização; muitos foram os aprendizados e vivências que ocorreram ao longo da vida. No entanto, a formação profissional docente está em movimento e exige atualização contínua, ou seja, uma mudança paradigmática que acompanhe as exigências da sociedade em cada momento histórico.
Outro ponto de convergência de Morin e Freire é a observação de que os saberes docentes são construídos e se renovam ao longo do percurso de vida profissional. Nesse sentido, Morin (2000) aponta que há necessidade de considerar o “imprinting cultural que marca os humanos desde o nascimento, primeiro com o selo da cultura familiar, da escola, depois prossegue na universidade ou na vida profissional” (pp. 27-28). Freire (1992) complementa que são conhecimentos, crenças, valores que passam por momentos de reafirmação, negação e cocriação e influenciam o educador durante sua trajetória como docente.
A educação como prática transformadora ensina que o professor precisa ter postura de pesquisador reflexivo, buscando constantemente repensar suas ações, considerando a aprendizagem dos alunos, pois ambos necessitam ser considerados investigadores críticos, em permanente diálogo (Freire, 1987). Com essa visão, o estudante passa a ser o protagonista da produção do conhecimento, desenvolve criticidade, autonomia, criatividade, curiosidade e se permite duvidar sobre o que está posto.
Os pontos convergentes de Paulo Freire e Edgar Morin, segundo a investigação, indicam possibilidades dos construtos e saberes como fundamentos epistemológicos para subsidiar a formação docente, buscando superar a concepção da educação bancária para uma prática pedagógica transformadora, complexa e libertadora. A investigação de aproximações teóricas desses autores consagrados muito favorece o desenvolvimento e a promoção desse campo de pesquisa na realidade brasileira e internacional.