1. INTRODUÇÃO
O aparecimento, evolução e difusão da internet a nível mundial veio revolucionar as formas de comunicação e de acesso à informação, tornando-se numa ferramenta indispensável, de tal modo que já não nos imaginamos sem a utilizar no quotidiano (Patrão & Sampaio, 2016).
Navegar na internet tornou-se numa das atividades preferidas dos jovens, desempenhando um papel relevante no desenvolvimento emocional, assim como no estabelecimento de contactos sociais (Aslanidou & Menexes, 2008; Costa & Patrão, 2016). No entanto, apesar da multiplicidade de vantagens, podem de igual modo surgir comportamentos relacionados com o uso desmedido da mesma (Puerta-Cortés & Carbonell, 2014). A utilização imoderada da internet pode conduzir ao descuido por atividades, nomeadamente, académicas, laborais, domésticas, sociais, sendo estas substituídas por outras, como o uso descontrolado das redes sociais, o acesso a pornografia, assim como a conteúdos de caráter violento, nomeadamente jogos (Echeburúa & de Corral, 2010). Esta situação de uso problemático pode conduzir a dificuldades de desenvolvimento de competências sociais, a sentimentos de isolamento, que por sua vez poderão causar vulnerabilidade, afetando o bem-estar pessoal e a qualidade de vida (Monacis et al., 2018). A interação online não substitui o contacto face-a-face e a perceção de toda a dinâmica do prazer sensorial, que são importantes para o ser humano (Reis et al., 2016) desenvolver algumas das competências sociais referidas anteriormente.
O uso da internet por si só não é motivo para adição, mas sim a capacidade de recompensa que a mesma proporciona, através da obtenção de um grande prazer na interação social online (Ruiz-Olivares et al., 2010). Principalmente entre os mais jovens, que se apresentam como um grupo de risco, devido aos fatores sociais e a alterações neurobiológicas próprias do processo de maturação emocional (Panayides & Walker, 2012). Acresce ainda o facto de por vezes se encontrarem longe de casa, do seu contexto social, envolvidos em novas exigências, essencialmente por motivos académicos e/ou profissionais (Young, 2004).
Um dos temas que mais interesse tem despertado na investigação relativa a adição à internet, tem sido o estudo das caraterísticas de personalidade, pois alguns autores sugerem que determinadas caraterísticas de personalidade aumentam a vulnerabilidade psicológica a adições (e.g., Echeburúa, 1999; Przepiorka et al., 2019; Randler et al., 2014; Wu et al., 2016).
A literatura apresenta resultados interessantes, embora por vezes inconsistentes, no que respeita à relação entre a adição à internet e as caraterísticas de personalidade, apreciadas à luz do modelo dos cinco fatores (e.g., Buckner et al., 2012; Ko et al., 2007; Landers & Lounsbury, 2006; Puerta-Cortés & Carbonell, 2014; Randler et al., 2014; Servidio, 2014; Viñas, 2009).
Estudos encontram uma relação positiva com a dimensão Neuroticismo, e negativa com a Extroversão, ou seja, os usuários abusivos e/ou adictos passam mais tempo em atividades online, apresentando níveis mais elevados de Neuroticismo e mais baixos de Extroversão (Armstrong et al., 2000; Hardie & Tee, 2007; Puerta-Cortés & Carbonell, 2014; Randler et al., 2014; Tsai et al., 2009; Viñas, 2009; Wolfradt & Doll, 2001).
Quanto à Extroversão algumas investigações observaram uma relação com a Adição à Internet (Hwang et al., 2014; Servidio, 2014). Por seu turno, alguns investigadores encontraram esta dimensão positivamente relacionada com o uso da internet, no sexo masculino, na busca de serviços de lazer, como a procura de sensações sexuais (e.g., Hamburger & Ben-Artzi, 2000), assim como positivamente associada com motivos de comunicação interpessoal (Wolfradt & Doll, 2001). No sexo feminino, a Extroversão revelou-se negativamente relacionada com o uso da internet, especificamente na procura e consulta de serviços sociais (Hamburger & Ben-Artzi, 2000). Outros investigadores não encontraram qualquer relação entre a Extroversão e a Adição à Internet (e.g., Buckner et al., 2012; Puerta-Cortés & Carbonell, 2014; Randler et al., 2014). Estes estudos demonstram a controvérsia presente na literatura sobre a relação entre Extroversão e a Adição à Internet, havendo investigadores que concluem a existência de uma relação positiva (e.g., Wolfradt & Doll, 2001), negativa (e.g., Servidio, 2014) ou nula (e.g., Puerta-Cortés & Carbonell, 2014).
A dimensão Amabilidade tem sido associada negativamente com o uso da internet (Landers & Lounsbury, 2006; Przepiorka et al., 2019; Randler et al., 2014; Servidio, 2014). Indivíduos menos agradáveis podem deparar-se com mais tempo livre para navegar na internet, por motivo de défice de contacto pessoal (Landers & Lounsbury, 2006), direcionando-se para a internet como um meio de satisfazer as suas necessidades (John et al., 2008).
Em relação à Abertura à Experiência, de um modo geral, na literatura não se encontra uma relação significativa entre esta dimensão e o uso da internet (e.g., Landers & Lounsbury, 2006; Puerta-Cortés & Carbonell, 2014; Randler et al., 2014; Viñas, 2009).
Quanto à Conscienciosidade, os investigadores defendem que indivíduos mais conscienciosos apresentam valores mais baixos de uso excessivo da internet (Landers & Lounsbury, 2006; Przepiorka et al., 2019; Randler et al., 2014). Ao contrário dos menos conscienciosos, que tendem a ser menos responsáveis e persistentes (Randler et al., 2014), a despender mais tempo online, não seguem regras, evitam as obrigações académicas, são menos comprometidos em atividades sociais, entre outras (Landers & Lounsbury, 2006). Encontrando-se, consequentemente, os baixos níveis de Conscienciosidade associados à Adição à Internet (Przepiorka et al., 2019; Stavropoulos et al., 2016).
Atendendo aos resultados encontrados, a investigação dedicada à relação entre a adição à internet e a personalidade continua a ser de grande relevância (e.g., Przepiorka et al, 2019). Por outro lado, de acordo com Young (2004), os estudantes universitários são uma população em risco de desenvolver adição à internet, pois nos estabelecimentos de ensino superior deparam-se com uma total disponibilidade de acesso à internet, possível através de equipamentos fixos ou móveis.
Importa ainda referir que vários estudos relatam diferenças significativas entre o sexo dos sujeitos e a idade na Adição à Internet. Os homens tendencialmente pontuam mais alto na adição à internet do que as mulheres (Jang et al., 2008; Randler et al., 2014; Servidio, 2014; Tsai et al., 2009; Wu et al., 2016), tendo sido encontrados resultados opostos em poucos estudos (e.g., Leung, 2004). Em relação à idade, a maioria das investigações aponta que indivíduos mais jovens são mais adictos à internet do que os adultos (Buckner et al., 2012; Leung, 2004; Montag et al., 2010).
Tendo em consideração estes aspetos, o presente estudo, conduzido numa população universitária, tem por objetivos: i) estudar a relação entre a adição à internet e as caraterísticas de personalidade contempladas no modelo dos cinco fatores (abertura à experiência, conscienciosidade, extroversão, amabilidade e neuroticismo); e ii) analisar a relação entre as variáveis sociodemográficas, designadamente sexo e idade, e a adição à internet.
2. MÉTODO
A presente investigação é de natureza transversal e do tipo quantitativo, dado que o conjunto de medições foi realizado num único momento e está orientado para os resultados, preocupando-se com a mensuração dos dados (Sampieri et al., 2006). É, de igual modo, do tipo correlacional, dado que estima a relação entre duas ou mais variáveis (Sampieri et al., 2006).
2.1. PARTICIPANTES
A amostra deste estudo foi obtida por conveniência. Participaram de forma voluntária 1050 estudantes de diferentes cursos de uma universidade do norte de Portugal com o requisito obrigatório de serem usuários habituais da internet. As idades dos participantes estão compreendidas entre os 17 e os 35 anos (.=20,62; DP= 3,05), sendo que 633 sujeitos pertencem ao sexo feminino (60,29%) e 417 (39,71%) ao sexo masculino.
2.2. INSTRUMENTOS
Questionário Sociodemográfico: Para recolher informação que permitisse a descrição da amostra, foi elaborado um instrumento para o presente estudo composto por questões sociodemográficas como sexo, idade, curso, ano de frequência, entre outras.
Internet Addiction Test (IAT): . Internet Addiction Test (Young, 1998) foi adaptado para a população portuguesa por Pontes et al. (2014), tendo sido obtida, com os dados deste estudo de validação, uma consistência interna de α = 0,90. O questionário é composto por 20 itens numa escala de formato Likert de 6 pontos, em que: 0 – “não aplicável”, 1 – “raramente”, 2 – “ocasionalmente”, 3 – “frequentemente”, 4 – “muitas vezes”, 5 – “sempre”. Segundo Young (2011), o teste mede a extensão do envolvimento da pessoa com a internet e classifica o comportamento aditivo em termos de: leve, moderado e severo. Para obter a pontuação total, somam-se os valores das respostas do participante. Quanto maior for o valor obtido, maior é o nível de dependência da internet. Segundo Hinić et al. (2010), para identificar os grupos com problemas de dependência da internet e os grupos em que isso não se verifica tem sido utilizado o ponto de corte de 50 pontos. De acordo com Young (2011), os pontos de corte para o IAT são de 0-30 pontos para uso normal; de 31-49 pontos para adição leve; de 50-79 para adição moderada; e de 80-100 para adição severa.
NEO-Five-Factor Inventory (NEO-FFI): Para avaliar a personalidade utilizou-se a versão portuguesa do NEO-FFI (Magalhães et al., 2014), construída a partir da versão portuguesa do NEO-PI-R (Lima & Simões, 1997, 2006). Tal como na versão original, norte-americana, esta versão é formada por 60 itens (12 por dimensão), com o formato de escala de Likert de 5 pontos, variando de 0 (discordo fortemente) a 4 (concordo fortemente). A versão portuguesa apresenta valores de consistência interna de 0,81 para Neuroticismo, 0,75 para Extroversão, 0,72 para Amabilidade, 0,71 para Abertura à Experiência e 0,81 para Conscienciosidade (Magalhães et al., 2014).
2.3. PROCEDIMENTOS
Inicialmente foi solicitada a autorização institucional à Comissão de Ética da respetiva universidade para a recolha de dados da investigação. Posteriormente procedeu-se à entrega dos pedidos de autorização para aplicação dos instrumentos de recolha de dados aos presidentes das escolas dessa universidade, onde, após o respetivo deferimento, se procedeu à aplicação dos instrumentos em contexto de sala de aula. Na aplicação dos questionários foi explicado aos participantes o objetivo do estudo, bem como foi garantida a voluntariedade na participação e a confidencialidade dos dados.
2.4. ANÁLISE ESTATÍSTICA
Procedeu-se, inicialmente, à realização de estatísticas descritivas, média () e desvio-padrão (), relativamente às variáveis avaliadas. A análise de simetria da distribuição das frequências (normalidade univariada) foi efetuada através da utilização dos coeficientes de skeweness (assimetria) e kurtosis (achatamento), os quais estavam compreendidos entre, -1 e 1. Efetuou-se uma análise de variância multivariada, MANOVA, seguindo-se, sempre que possível, uma análise de variância univariada, ANOVA, e teste de comparações múltiplas, de modo a verificar se existiam diferenças estatisticamente significativas entre os fatores de personalidade e as variáveis sexo, idade, níveis de dependência à internet. O eta-squared partial (...) foi utilizado como uma medida do tamanho de efeito de acordo com a seguinte regra: pequeno (<0,05); médio (≥0,05 e ≤0,25); elevado (>0,25 e ≤0,5); e muito elevado (> 0,5) (Marôco, 2007).
A associação entre os fatores de personalidade e a Adição à Internet foi avaliada pelo coeficiente de correlação linear de Pearson. No sentido de predizer a Adição à Internet em função das variáveis independentes sexo e fatores de personalidade em estudo foi realizada uma análise de regressão linear múltipla com seleção de variáveis pelo método stepwise.
Todas estas análises estatísticas foram realizadas através do programa SPSS (versão 22.0). Em todas as análises estatísticas foram considerados valores de significância de p <0,05.
3. RESULTADOS
3.1. PREVALÊNCIA DE ADIÇÃO À INTERNET NA AMOSTRA
No presente estudo foram identificados 868 (83%) sujeitos sem adição e 181 (17%) distribuídos de acordo com o critério estabelecido por Hinić et al. (2010). Tendo em consideração os critérios de Young (2011) para categorizar os níveis de Adição à Internet, foram identificados quatro grupos de sujeitos: 212 (20,1%) sujeitos com um uso normal da internet; 656 (81,5%) sujeitos com uma adição leve; 181 (17,23%) sujeitos com uma adição moderada; e 1 (0,095%) sujeito com adição severa. Dado que apenas um sujeito se enquadrava na categoria nível de dependência severo, este não foi considerado nas análises efetuadas.
3.2. ANÁLISES COMPARATIVAS: ADIÇÃO À INTERNET E FATORES DE PERSONALIDADE
Efetuou-se uma MANOVA para avaliar se existiam diferenças estatisticamente significativas entre os sujeitos sem adição e com a adição à internet e os fatores de personalidade, após validação dos pressupostos da normalidade e homogeneidade das matrizes de variâncias-covariâncias (M=29,915; F (15; 41,112)=1,974;.p0,013). Os resultados indicam que o fator Adição à Internet teve um efeito estatisticamente significativo sobre o compósito multivariado (.Wilks=0,903; F (5; 1043) =22,827; p<0,001; np 2 =0,097). Observada a significância multivariada, procedeu-se a uma ANOVA para cada um dos fatores de personalidade. Os resultados obtidos permitem-nos constatar que a Adição à Internet teve um efeito estatisticamente significativo sobre quatro dos cinco fatores de personalidade (Tabela 1).
3.3. ANÁLISES COMPARATIVAS: NÍVEIS DE ADIÇÃO À INTERNET E FATORES DE PERSONALIDADE
Com o propósito de verificar se existem diferenças estatisticamente significativas entre os níveis de adição e os fatores de personalidade, realizou-se uma MANOVA, a qual revelou que os níveis de adição tiveram um efeito estatisticamente significativo sobre o compósito multivariado (.Wilks.0,826; .(10; 2082) =20,955; .<0,001; η.. =0,091). Seguidamente aplicou-se uma ANOVA para cada um dos fatores de personalidade, seguida dos testes post hoc de Tukey.
De acordo com os resultados (Tabela 2), verificamos que o nível de adição não teve um efeito estatisticamente significativo sobre a dimensão de personalidade Abertura à Experiência. De acordo com os testes post hoc de Tukey, existem diferenças estatisticamente significativas nos três níveis de Adição à Internet para as dimensões Neuroticismo (.<0,001), Amabilidade (.<0,001) e Conscienciosidade (.<0,001). Quanto à dimensão Extroversão, as diferenças estatisticamente significativas ocorrem apenas entre o nível de adição moderada à internet e os outros dois níveis (.<0,001).
Correlações e análise de regressão
Para estudar a associação entre a adição à internet (IAT) e os fatores de personalidade, designadamente, Neuroticismo, Extroversão, Abertura à Experiência (Ab. Exp), Amabilidade e Conscienciosidade (Consc), utilizamos o coeficiente de correlação linear de Pearson.
Os resultados obtidos (Tabela 3) indicam correlações positivas e significativas entre a Adição à Internet e o Neuroticismo (.=0,25; .<0,001) e correlações negativas e significativas entre o IAT e a Conscienciosidade (r=-0,39; .<0,001), o IAT e a Amabilidade (.=-0,25; .<0,001) e o IAT e a Extroversão (.=-0,13; .<0,001).
Com o propósito de determinar o modelo que permitisse predizer a Adição à Internet (IAT) em função dos fatores de personalidade e a variável dummy sexo (correspondendo 1 ao sexo masculino e 0 ao sexo feminino), realizou-se uma análise de regressão linear múltipla com seleção de variáveis pelo método stepwise (Tabela 4). A regressão linear múltipla permitiu identificar as variáveis Conscienciosidade (.=-0,546; .=-10,014; .<0,001), Neuroticismo (.=0,356; .=8,008; .<0,001), Sexo. (.=2,565; .=3,740; .<0,001), Extroversão (.=0,226; .=3,492; .<0,001) e Amabilidade (.=-0,214; .=-3,255; p=0,001) como preditores significativos da Adição à Internet. As variáveis que mais contribuem para a explicação da Adição à Internet são o Neuroticismo e a Conscienciosidade. O modelo final ajustado é IAT=49,058-0,546Conscienciosidade+0,356Neuroticismo+2,565Sexo.+0,226Extroversão-0,214Amabilidade. Este modelo é significativo e explica 21,6% da variabilidade da Adição à Internet (.(5; 1043) =57,484; .<0,001; ..=0,216).
Podemos referir que quanto mais neuróticos, menos conscienciosos, menos amáveis e mais extrovertidos são os indivíduos, maior será o grau de adição à internet. Mais ainda, os indivíduos do sexo masculino tendencialmente são mais adictos à internet do que os indivíduos do sexo feminino.
3.4. ANÁLISES COMPARATIVAS: VARIÁVEIS SOCIODEMOGRÁFICAS E ADIÇÃO À INTERNET (IAT)
A análise das médias e dos desvios-padrão da variável dependente IAT, de acordo com os grupos que constituem a amostra (Tabela 5), permite-nos constatar que os indivíduos do sexo masculino, com exceção dos mais velhos, têm valores mais elevados do que os do sexo feminino.
Para avaliar se o sexo e a idade (com três categorias) afetam significativamente a Adição à Internet recorreu-se a uma ANOVA two-way. Os resultados obtidos permitem-nos constatar que o sexo teve um efeito estatisticamente significativo (.(1; 1043) = 7,996; .=0,005; ... =0,008) sobre a variável Adição à Internet (IAT). De modo semelhante, depois de considerado o sexo, a idade influenciou significativamente a variável Adição à Internet (.(2; 1043) = 16,568; . <0,001; ... =0,031). De acordo com o teste post hoc de Tukey, as diferenças estatisticamente significativas para este fator ocorrem entre as faixas etárias [17, 20] e ]24, 35] (IC ]3,626; 9,170[, . <0,001) e as faixas etárias [20, 24] e ]24, 35] (IC ]1,785; 7,771[, p<0,001). Finalmente, o efeito do sexo sobre a variável Adição à Internet foi influenciado pela idade como sugere a interação (. (2; 1043) = 4,539; .=0,011; ... =0,009).
4. DISCUSSÃO
Os resultados encontrados no presente estudo vão ao encontro da literatura analisada no que concerne à relação entre a adição à internet e as caraterísticas de personalidade do modelo dos cinco fatores (exceto a variável Extroversão), e à relação entre as variáveis sociodemográficas sexo e idade e a adição à internet. Desta forma, o presente estudo fornece evidências de que a personalidade, e mais especificamente um alto neuroticismo e uma baixa conscienciosidade, poderão ser fatores preditivos da Adição à Internet.
Verifica-se que a adição à internet é mais elevada em indivíduos mais neuróticos, mais extrovertidos, menos amáveis e menos conscienciosos, assim como mais acentuada em indivíduos mais jovens. A variável sexo revelou-se, de igual modo, significativamente preditora de adição à internet.
No que respeita ao neuroticismo, verificou-se que os estudantes mais neuróticos apresentavam níveis mais elevados de uso da internet. Estes resultados estão de acordo com a investigação que sustenta a relevância do Neuroticismo no uso da internet (e.g., Hardie & Tee, 2007; Puerta-Cortés & Carbonell, 2014; Randler et al., 2014; Tsai et al., 2009; Wolfradt & Doll, 2001; Viñas, 2009). Dado que o Neuroticismo é descrito pela tendência às emoções negativas, como a ansiedade, estes resultados poderão ser compreendidos pelo evitar de sentimentos de ansiedade (Armstrong et al., 2000), e os indivíduos neuróticos podem-se sentir mais confortáveis na interação online, para satisfazer as suas necessidades de interação (Amiel & Sargent, 2004).
Verificámos ainda que os mais extrovertidos apresentaram valores mais elevados de adição à internet, à semelhança de outras investigações (e.g., Hamburger & Ben-Artzi, 2000; Wolfradt & Doll, 2001). Estes resultados encontram fundamentação no facto dos extrovertidos desfrutarem dos serviços de lazer disponíveis na internet (Hamburger & Ben-Artzi, 2000; Landers & Lounsbury, 2006), designadamente, visitar websites de conteúdo sexual, navegar ao acaso, assim como utilizar a internet para efeitos de pesquisa e de partilha de música (Amiel & Sargent, 2004). Contrariamente às investigações de Hardie e Tee (2007) e Puerta-Cortés e Carbonell (2014), que encontraram este fator de personalidade negativamente associado ao uso da internet.
No que concerne à dimensão de personalidade Abertura à Experiência, esta não se mostrou significativamente relacionada com a Adição à Internet. Resultado corroborado em investigações anteriores (Landers & Lounsbury, 2006; Puerta-Cortés & Carbonell, 2014; Randler et al., 2014; Viñas, 2009). No entanto, McElroy et al. (2007) e Servidio (2014) verificaram que a dimensão Abertura à Experiência desempenha um papel que, apesar de diminuto, é significativo na predição do uso da internet. A este propósito, Tuten e Bosnjak (2001) sugerem que pessoas mais abertas se encontram mais ligadas à atividade online, para efeitos de entretenimento e busca de informação.
No que respeita à Amabilidade, nesta investigação os estudantes menos amáveis apresentavam níveis mais elevados de uso da internet, corroborando os dados de algumas investigações revistas (Landers & Lounsbury, 2006; Servidio, 2014). A relação negativa entre a Amabilidade e o uso da internet pode refletir estudantes menos sociáveis, que preferem passar mais tempo na internet do que na interação face-a-face (Landers & Lounsbury, 2006).
Quanto à dimensão Conscienciosidade, os resultados mostram que indivíduos menos conscienciosos apresentam níveis mais elevados de adição à internet. Dados corroborados por Landers e Lounsbury (2006) e Randler et al. (2014), que referem que indivíduos menos conscienciosos tendem a ser menos responsáveis, a empregar mais tempo online, não seguem regras, evitam as obrigações académicas e são menos comprometidos em atividades sociais.
No que concerne ao estudo das variáveis sociodemográficas sexo e idade e a adição à internet, os resultados obtidos permitem constatar que o sexo teve um efeito estatisticamente significativo sobre a variável adição à internet, sendo os indivíduos do sexo masculino tendencialmente mais adictos à internet do que os indivíduos do sexo feminino. Estes resultados vão ao encontro da literatura analisada, onde o sexo é um preditor significativo da adição à internet, particularmente o sexo masculino (Jang et al., 2008; Randler et al., 2014; Servidio, 2014; Tsai et al., 2009; Wu et al., 2016).
Verificou-se ainda que a idade influenciou significativamente a adição à internet, ocorrendo diferenças estatisticamente significativas entre os sujeitos com idades compreendidas entre os 17 e 20 anos e os 24 e 35 anos; e os sujeitos na faixa etária entre os 20 e 24 anos e os 24 e 35 anos. Estes resultados vão ao encontro de investigações anteriores, realçando-se os trabalhos de Leung (2004) e de Montag et al. (2010), em que a idade foi considerada um fator de risco, tendendo os adictos a encontrar-se entre os mais jovens. De igual modo, Buckner et al. (2012) referem que os jovens são mais entusiastas, direcionados para o uso da tecnologia (e.g., socializar, comunicar, jogar), apresentando maior probabilidade de terem problemas relacionados com o uso da internet, ao contrário das pessoas mais velhas, que a usam principalmente para efeitos laborais.
Implicações práticas, limitações e propostas para estudos futuros
Um olhar atento sobre os nossos resultados e a sua exploração comparativa com as pesquisas anteriores permite-nos dar conta da multidimensionalidade da problemática objeto de análise, dado que os estudos que procuraram relacionar os fatores de personalidade com a adição à internet não têm alcançado resultados consistentes.
O presente estudo revelou-se importante pois o aumento do conhecimento das caraterísticas dos jovens adictos à internet pode auxiliar a detetar os utilizadores em risco e contribuir para prevenção e educação acerca do seu uso problemático. Nessa medida, seria útil desenvolver estratégias preventivas no seio da família e no meio escolar, tendo como base os fatores de risco e as caraterísticas demográficas das pessoas em causa.
As intervenções com jovens em risco poderiam incorporar uma abordagem cognitivo-comportamental, no sentido de substituir o uso da internet pela prática de atividades criativas, saudáveis e de baixo risco, como a prática de yoga, meditação e/ou desportos de equipa (Busari, 2016).
Para os jovens adictos à internet a intervenção poderia ser direcionada à dificuldade de contacto humano, educando os indivíduos com estratégias de coping para lidar com a rejeição em situações sociais. A intervenção passaria por promover o desenvolvimento da sensibilidade de relacionamento interpessoal, trabalhar o controlo de estímulos e a diminuição de hostilidade, no sentido de conduzir à diminuição gradual de exposição à internet de modo antissocial (Ko et al., 2007) alternando para uma utilização pró-social, com consequente extinção do comportamento aditivo. Seguido de um programa de prevenção de possíveis recaídas (Reis et al., 2016).
Quanto às limitações desta investigação, a recolha de dados baseou-se num único estabelecimento de ensino superior, sendo que, deste modo, a mesma pode não ser representativa da totalidade da população portuguesa em contexto universitário. Outra limitação foi a utilização de questionários de autorresposta para mensurar as variáveis em análise, o que pode levar os participantes a manipular as suas respostas ou a responder de acordo com a desejabilidade social.
Assim, seria útil no futuro conduzir investigações com amostras mais abrangentes, incluindo outras universidades, em várias áreas geográficas nacionais, no sentido de melhor contribuir para a compreensão da problemática da adição à internet nos estudantes universitários em Portugal.
Sugerimos de igual modo explorar mais aprofundadamente a dimensão Extroversão, estudando o fator e as suas facetas, na relação com a adição à internet, dado ser uma variável onde se têm verificado resultados inconsistentes na literatura (e.g., Buckner et al., 2012; Hamburger & Ben-Artzi, 2000).
Seria igualmente relevante desenvolver estudos que analisem o impacto da utilização excessiva da internet na rotina diária dos estudantes, especialmente no meio académico e familiar, bem como investigar a relação com o bem-estar psicológico e o rendimento académico.
O uso aditivo da internet é um tema ainda recente e que requer mais investigação. Deste modo, propõe-se que estudos futuros possam considerar, por exemplo, investigar a questão das dependências da internet versus dependência à internet, para assim melhor poder compreender se a adição, quando se verifica, ocorre em relação a atividades disponíveis na internet ou se é em relação à internet em si. Ou seja, se as pessoas recorrem à internet como um meio para aceder a determinados interesses (e.g., jogos, compras, pornografia), ou se o uso excessivo da internet ocorre de modo mais generalizado, aplicando-se nesta situação a designação adição à internet (Costa & Patrão, 2016; Davis, 2001).
Com base neste estudo, consideramos ser necessário que os profissionais de saúde desenvolvam e apliquem técnicas de diagnóstico, prevenção e tratamento da problemática da adição à internet, com particular atenção aos estudantes que se encontram a iniciar os seus cursos, no sentido de tentar minimizar o impacto de todo um processo de transição adjacente, suscetível de causar desequilíbrios.