Introdução
A pandemia da COVID-19 mudou radicalmente o modo como interagimos e como trabalhamos. A educação não é exceção. A crise decorrente da pandemia provocou também uma crise na educação (Education International, 2020) para a qual ninguém estava preparado. O fecho das escolas afetou milhares de alunos e ditou a necessidade de adotar “um ensino remoto de emergência” enquanto “solução temporária para um problema imediato” (Bozkurt & Sharma, 2020, p. i). As implicações e os efeitos da pandemia na educação ainda não se conhecem, mas é certo que ela afetará mais negativamente aqueles que vivem em contextos mais vulneráveis e desafiadores.
São ainda escassos os estudos, sobretudo no contexto português, sobre o modo como os professores e os alunos vivenciaram o período de confinamento, no que diz respeito aos processos de ensino e aprendizagem, bem como aos fatores que condicionaram tais processos e aos seus efeitos. Uma pesquisa nas revistas científicas da especialidade revela que grande parte das publicações se centram em relatos sobre o modo como as instituições, sobretudo no contexto do Ensino Superior, se foram adaptando ao ensino remoto, destacando os meios tecnológicos e as estratégias de ensino e de interação com os estudantes (ver, por exemplo, Bao, 2020; Ferdig et al., 2020; Flores & Gago, 2020; Moorhouse, 2020).
Em geral, a investigação, sobretudo no panorama internacional, tem apontado para um conjunto de problemas e desafios associados à transição abrupta do ensino presencial para o ensino remoto, mas também para possíveis repercussões ao nível do currículo e da aprendizagem dos alunos nos níveis de ensino não superior. Entre as principais dificuldades destacam-se as condições para a operacionalização do ensino a distância, nomeadamente os problemas de rede, a falta de equipamentos adequados e a diversidade (e desigualdade) no acesso a recursos tecnológicos por parte de professores e alunos (Judd et al., 2020; Zhang et al., 2020). Associadas a estas questões estão as dificuldades em estabelecer contacto com os alunos. Por exemplo, um estudo realizado na Inglaterra demonstrou que os docentes estavam em contacto, em média, com 60% dos seus alunos e que a grande maioria (90%) considerava que estavam mais atrasados nas suas aprendizagens, tendo em conta o momento do ano escolar em que se encontravam (NFER, 2020).
Para além das questões tecnológicas e dos recursos disponíveis, a investigação também aponta para as competências digitais dos professores como fator determinante na realização do ensino não presencial. Por exemplo, Huber e Helm (2020) destacam a falta de domínio das competências digitais, concluindo que os professores começam a envolver-se no ensino através dos meios digitais quando existem recursos técnicos apropriados e tendem a considerar que têm os equipamentos técnicos adequados quando são competentes no uso de formatos de ensino digitais. No mesmo sentido, König et al. (2020), na Alemanha, concluíram que o domínio das TIC e as competências digitais dos professores, bem como as oportunidades para desenvolver competências digitais, nomeadamente em contexto de formação, são aspetos fundamentais para a adaptação, com sucesso, ao ensino a distância.
Assim, o apoio por parte das lideranças e a formação disponibilizada surgem como fatores que explicam os processos de adaptação ao ensino remoto (Judd et al., 2020; NFER, 2020). Contudo, é também possível encontrar estudos empíricos que apontam para os seus possíveis efeitos e consequências na aprendizagem dos alunos. Por exemplo, num estudo na Inglaterra, apesar da orientação por parte das lideranças e da resposta positiva dos professores, identificou-se um deficit considerável no que concerne ao cumprimento do currículo, associado ao acesso limitado aos meios tecnológicos e à falta do apoio dos pais (NFER, 2020). Outro estudo, realizado na Alemanha, Áustria e Suíça, aponta para um nível baixo de aprendizagem em casa durante o confinamento (2 h ou menos por dia); apenas um terço dos alunos registava um nível relativamente elevado de comprometimento com a aprendizagem (5 h ou mais por dia) (Huber & Helm, 2020).
Outros estudos sugerem ainda um conjunto de desafios com que os professores tiveram de lidar no ensino remoto, nomeadamente a introdução de novos conteúdos para estimular a ativação cognitiva dos alunos e a avaliação das aprendizagens (König et al., 2020). A falta de interação com os alunos surge como o aspeto mais negativo identificado pelos professores e a experiência prévia em contexto de ensino remoto constitui um fator determinante na avaliação mais positiva do ensino durante o confinamento (van der Spoel et al., 2020). É ainda de referir a intenção, por parte dos professores, de integrarem mais as TIC no seu ensino, no período pós-confinamento (van der Spoel et al., 2020), e ainda o relato de estratégias criativas para ensinar online a par do aumento de feedback e do incremento da autonomia dos alunos (Bubb & Jones, 2020).
Nesta linha, Barras (2020) sustenta que a transformação da pedagogia dependerá, essencialmente, do recurso a metodologias científicas e pedagógicas que permitam fazer dos alunos o centro de todo o processo, tal como é reclamado no ensino presencial. O autor salienta que a mudança do ensino presencial para o ensino a distância não é simples, pois é difícil transpor, subitamente, a multiplicidade de interações cognitivas, afetivas e comportamentais complexas que o ensino presencial oferece. Os resultados do estudo conduzido por Barras (2020), no âmbito do ensino básico e secundário, no Québec, mostram que os professores que comunicaram claramente os resultados de aprendizagem aos alunos e definiram com clareza, quer as atividades pedagógicas, quer os instrumentos de avaliação que ajudariam os alunos a atingir esses resultados, sentiram menos ansiedade e mais segurança.
Em suma, decorrem dos estudos realizados no período de confinamento acima referidos três principais dimensões: a primeira prende-se com as condições de operacionalização do ensino remoto, nomeadamente os meios tecnológicos e os recursos disponíveis para professores e alunos; em segundo lugar, surgem questões ligadas à formação para a utilização dos meios ao dispor, sobretudo no que às competências digitais diz respeito, mas também ao apoio ao trabalho dos professores por parte das lideranças escolares e da tutela e à aprendizagem dos alunos, por parte dos pais, mas também dos docentes; e em terceiro lugar, destacam-se as estratégias desenvolvidas para concretizar o ensino remoto e os seus efeitos na aprendizagem dos alunos, aspetos que aparecem associados às experiências e aos processos de adaptação de docentes e alunos.
Também no contexto português os professores e os alunos tiveram de se adaptar rapidamente ao ensino a distância, o que revelou, ao mesmo tempo, capacidade de pensar em novos ambientes e formas de organização do seu trabalho, mas também um conjunto de desafios quer no que diz respeito ao acesso a plataformas online e a novas ferramentas de suporte ao ensino e à aprendizagem, quer ao nível das abordagens pedagógicas e de avaliação.
Neste sentido, torna-se fundamental conhecer as perceções dos professores portugueses sobre a transição do ensino presencial para o ensino a distância e as condições para a sua operacionalização, tendo em conta o quadro legal e institucional, mas também as experiências vividas na primeira pessoa. Foi com o objetivo de responder a estas questões que o presente estudo foi realizado. De seguida, apresentaremos as opções metodológicas depois de um breve enquadramento sobre a resposta nacional e institucional em tempos de pandemia, mais concretamente no setor da educação.
A resposta nacional e institucional na sequência do encerramento das escolas
Em Portugal, a resposta institucional face à necessidade de encerramento dos estabelecimentos escolares devido à pandemia da doença COVID-19, e também face à imediata constatação da existência de problemas de desigualdade no acesso aos meios eletrónicos de suporte ao ensino e aprendizagem a distância (sobretudo a internet e equipamentos informáticos), assentou em duas ações principais: por um lado, a criação de um conjunto de orientações e recomendações para os estabelecimentos escolares organizarem o ensino e a aprendizagem, o que se traduziu na publicação do documento “Roteiro - Princípios Orientadores para a Implementação do Ensino a Distância (E@D) nas Escolas” no dia 27 de março de 2020; por outro lado, o recurso à difusão de um conjunto de conteúdos educativos disponibilizados através de um dos canais em sinal aberto da estação pública de televisão (RTP Memória), que surgiu sob a designação oficial de #EstudoEmCasa, a partir do dia 20 de abril de 2020.
Ao mesmo tempo, a Direção-Geral de Educação disponibilizou o site de “Apoio às Escolas” (https://apoioescolas.dge.mec.pt/), no qual congregou material diverso (documentos, recursos, partilha de práticas, ferramentas, FAQ, etc.), e organizou, em parceria com a Universidade Aberta, um curso intitulado “Formação para a Docência Digital e em Rede”, cujo objetivo era apoiar as escolas ao nível do desenvolvimento do ensino a distância.
Entretanto, no dia 13 de abril de 2020, o Conselho de Ministros aprovou o Decreto-Lei n.º 14-G/2020, no qual estabelece as “medidas excecionais e temporárias na área da educação, no âmbito da pandemia da doença COVID-19”, consagrando algumas medidas que acima referimos.
Neste quadro legal, e de acordo com as decisões institucionais tomadas, os estabelecimentos escolares definiram o seu “Plano de Ensino a Distância” (Plano de E@D) para aplicação durante o 3.º período do ano letivo 2019/2020. Tendo por referência o “Roteiro - Princípios Orientadores para a Implementação do Ensino a Distância (E@D) nas Escolas” acima referido, os Planos de E@D deveriam garantir que “todas as crianças e todos os alunos continuam a aprender no presente contexto”, tendo em conta oito princípios orientadores:
1 - Mobilizar para a mudança: envolver a comunidade educativa, mobilizar parceiros disponíveis, definir papéis para as lideranças intermédias e criar uma equipa de apoio;
2 - Comunicar em rede: estabelecer um circuito de comunicação eficaz, devendo ser claramente definido o papel de cada um, bem como as formas de organização de reuniões/encontros/esclarecimentos;
3 - Decidir o modelo de E@D: organizar os horários, as equipas pedagógicas/conselhos de turma e a realização de modos de trabalho a distância, recorrendo com “ponderação às sessões síncronas”;
4 - Colaborar e articular: promover a interajuda entre professores;
5 - Metodologias de ensino: recorrer a metodologias de ensino apelativas, mobilizadoras, ativas, que fomentem o desenvolvimento das áreas de competências do Perfil dos Alunos;
6 - Selecionar os meios tecnológicos de E@D: utilizar meios tecnológicos com parcimónia e já conhecidos, disponibilizando apoio técnico e pedagógico aos professores em prol da sua capacitação;
7 - Cuidar da comunidade escolar: desenvolver o sentimento de pertença e o bem-estar emocional dos alunos, prevenindo situações de isolamento;
8 - Acompanhar e monitorizar: prever as formas de monitorização do Plano E@D.
O estudo
Este projeto de investigação visou compreender o modo como os professores portugueses se adaptaram aos contextos de ensino a distância. Assim, os objetivos que presidiram a este estudo foram os seguintes:
1) conhecer as visões dos professores face às políticas e projetos de ensino a distância;
2) conhecer as condições para a operacionalização do ensino a distância;
3) conhecer abordagens pedagógicas e de avaliação a distância utilizadas pelos professores.
3.1. Participantes
Participaram no estudo 2369 professores, sendo 76,2% do sexo feminino (ver Tabela 1). Quanto à idade, 50,4% têm mais de 50 anos (0,5% têm mais de 65 anos, 8,5% têm entre 61 e 65 anos) e 22,7% têm entre 46 e 50 anos. Apenas 0,6% têm menos de 30 anos de idade. De referir que 46,1% têm entre 26 e 40 anos de serviço, 3,0% possuem mais de 40 anos de serviço e apenas 2,9% têm entre 0 e 5 anos de serviço.
N | % | |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 564 | 23,8 |
Feminino | 1805 | 76,2 |
Idade | ||
21-25 | 5 | 0,2 |
26-30 | 9 | 0,4 |
31-35 | 36 | 1,5 |
36-40 | 159 | 6,7 |
41-45 | 429 | 18,1 |
46-50 | 537 | 22,7 |
51-55 | 571 | 24,1 |
56-60 | 409 | 17,3 |
61-65 | 201 | 8,5 |
Mais de 65 anos | 13 | 0,5 |
Tempo de serviço | ||
0-5 | 68 | 2,9 |
6-10 | 104 | 4,4 |
11-15 | 147 | 6,2 |
16-20 | 290 | 12,2 |
21-25 | 597 | 25,2 |
26-30 | 468 | 19,8 |
31-35 | 412 | 17,4 |
36-40 | 211 | 8,9 |
Mais de 40 anos | 72 | 3,0 |
Habilitações | ||
Bacharelato | 36 | 1,5 |
Licenciatura | 1530 | 64,7 |
Pós-graduação | 257 | 10,9 |
Mestrado | 488 | 20,7 |
Doutoramento | 53 | 2,2 |
Região em que se localiza a escola | ||
Alentejo | 100 | 4,2 |
Algarve | 200 | 8,4 |
Centro | 412 | 17,4 |
Lisboa e Vale do Tejo | 458 | 19,3 |
Norte | 1120 | 47,3 |
Região Autónoma dos Açores | 37 | 1,6 |
Região Autónoma da Madeira | 42 | 1,8 |
Meio em que a escola se insere | ||
Urbano | 1358 | 57,3 |
Semiurbano | 736 | 31,1 |
Rural | 275 | 11,6 |
Os professores que responderam ao inquérito por questionário online são oriundos de todas as disciplinas, de acordo com os respetivos grupos de recrutamento e de todos os escalões. Quanto às habilitações académicas, 64,7% possuem licenciatura; 20,7% têm o grau de mestre e 2,2% o doutoramento. Em relação ao nível de ensino, os participantes lecionam em todos os níveis de ensino (do pré-escolar ao ensino secundário). No caso dos professores do ensino secundário, 12,4% retomaram o ensino presencial (pois lecionam nos 11º e 12º anos em disciplinas de exame final).
Olhando para a caracterização dos professores, verifica-se que estão representadas todas as regiões, incluindo as regiões autónomas da Madeira e dos Açores: 47,3% são da Região Norte, 19,3% da região de Lisboa e Vale do Tejo, 17,4% da Região Centro, 8,4% do Algarve, 4,2% do Alentejo, 1,8% da Região Autónoma da Madeira e 1,6% da Região Autónoma dos Açores. É ainda de salientar que 96,8% dos professores trabalham em escolas públicas, a maioria destas situa-se em zonas urbanas (57,3%), seguindo-se 31,1% das escolas que se situam em meio suburbano e 11,6% em meio rural.
3.2. Instrumento de recolha de dados e procedimentos
Para o presente estudo foi elaborado um questionário a partir dos documentos que enquadram a transição do ensino presencial para o ensino a distância no nosso país, bem como de estudos realizados neste âmbito (cf. Avalos & Flores, 2021; Huber & Helm, 2020) e referenciais teóricos, particularmente no que se refere à operacionalização dos elementos nucleares do currículo, com particular incidência nos conteúdos, nas estratégias, nos recursos e na avaliação. Também se incluíram as dimensões da interação com os alunos atendendo ao contexto de ensino remoto de emergência e aos recursos mobilizados para o efeito.
O instrumento de recolha de dados integrava 41 itens, com questões abertas e fechadas, divididos em três secções, para além dos dados biográficos e profissionais: i) Visões dos professores face às políticas e projetos de ensino a distância, onde constavam questões sobre as iniciativas governativas e institucionais relativas ao ensino a distância; ii) Condições para a operacionalização do ensino a distância, onde se incluíam itens que incidiam nos recursos para o ensino e dificuldades enfrentadas, bem como aspetos ligados à experiência pessoal sobre o modo como decorreu o ensino a distância; iii) Abordagens pedagógicas e de avaliação a distância, que integrava um conjunto de questões acerca das decisões tomadas no processo de ensino e de avaliação, bem como mudanças ocorridas e perceções acerca do desempenho. Para efeitos do presente artigo, não foram analisados seis itens cujo foco era a avaliação das aprendizagens, bem como toda a informação contida nas perguntas abertas sobre a mesma temática. Para as perguntas fechadas, foram utilizadas várias escalas tipo Likert em função das finalidades pretendidas: Nenhum, Pouco, Muito, Total, Não sei responder; Nunca, Raramente, Muitas vezes, Sempre; Discordo totalmente, Discordo, Nem discordo/nem concordo, Concordo, Concordo totalmente; Diminui muito, Diminuiu, É igual, Aumentou, Aumentou muito.
Os dados foram recolhidos entre 26 de maio e 12 de junho de 2020, junto de professores de todos os níveis de ensino, através de um inquérito por questionário online. Adotou-se, deste modo, uma amostragem não probabilística por conveniência, tendo sido enviado um link para preenchimento do questionário aos diretores dos Centros de Formação de Associação de Escolas com a solicitação de reencaminhamento do mesmo para os docentes das escolas associadas.
Questões de natureza ética
A par do link para preenchimento do questionário, foi também enviado a todos os destinatários o protocolo de investigação, com base no qual os professores confirmavam o seu consentimento informado voluntário. De referir que este projeto se regeu pelas normas da ética de investigação em educação aceites internacionalmente, nomeadamente a confidencialidade dos dados, o consentimento informado, a adesão voluntária dos participantes e a garantia da utilização dos dados recolhidos apenas para fins de investigação. O projeto recebeu a aprovação por parte da Comissão de Ética para a Investigação em Ciências Sociais e Humanas da Universidade do Minho (Ref. CEICSH 050/2020).
Análise de dados
Os dados foram analisados com recurso ao IBM SPSS (Statistical Package for the Social Sciences - versão 24), no caso das respostas às questões fechadas, tendo sido utilizada a técnica de análise de conteúdo para as respostas às questões abertas. Para a análise dos dados obtidos a partir das questões fechadas recorreu-se a estatísticas descritivas tais como frequências, médias e desvios-padrão. Adicionalmente, o teste do qui-quadrado foi utilizado para analisar a associação entre o meio em que a escola se insere (meio urbano, semiurbano ou rural) e o acesso aos recursos necessários para as atividades de ensino a distância tais como: a) acesso a um computador próprio para realizar o ensino e avaliação a distância; b) acesso à internet em casa; e, c) existência de condições adequadas em casa para realizar o ensino a distância.
Utilizou-se também o coeficiente de correlação de Pearson ou de Spearman para analisar possíveis relações entre a experiência prévia no ensino a distância e a idade dos professores, com os seguintes aspetos: a) grau de facilidade para definir estratégias para ensinar os alunos a distância; b) nível de necessidade de reformular o modo de ensinar; e, c) tempo despendido em atividades síncronas. Para avaliar estes três aspetos, utilizou-se uma escala de resposta tipo Likert de cinco pontos.
Os níveis de ensino e os anos de serviço dos professores foram correlacionados com os seguintes aspetos: a) o relato dos professores acerca do número de horas semanais dedicadas pelos alunos às tarefas que lhes são propostas; b) o relato dos professores acerca do número de horas semanais dedicadas pelos alunos a trabalhos de grupo ou em pares; e, c) o número de alunos com os quais os professores tiveram dificuldade de contacto devido à falta de recursos ou equipamento por parte dos alunos.
Finalmente, a análise de variância foi utilizada para avaliar possíveis diferenças entre o meio em que a escola se insere e os seguintes aspetos: a) média das horas semanais despendidas pelos alunos em tarefas propostas pelos professores; b) média das horas semanais dedicadas pelos alunos a trabalhos de grupo ou em pares e; c) média do número de alunos com os quais os professores tiveram dificuldade de contacto devido à falta de recursos ou equipamento por parte dos alunos.
As questões abertas relacionadas com o enfoque deste artigo foram objeto de uma análise de conteúdo, tendo-se optado por uma categorização emergente, com base no critério semântico, permitindo “fazer inferências por identificação sistemática e objetiva das caraterísticas específicas de uma mensagem" (Esteves, 2006, p. 108). Por limitações de espaço, apresentam-se os temas mais recorrentes, ou seja, aqueles que, depois da análise, mais sobressaem dos registos dos professores participantes.
4. Principais resultados
4.1. Visões dos professores sobre medidas políticas e institucionais
Começando pelo “Roteiro - Princípios Orientadores para a Implementação do Ensino a Distância (E@D) nas Escolas”, a perceção dos professores relativamente à mobilização da comunidade educativa aponta para resultados muito positivos: 57,9% consideram que houve muito envolvimento e 29,5% que houve envolvimento total. Apenas uma minoria evidenciou perceções mais negativas (7,1% reportam pouco envolvimento e 0,3% nenhum envolvimento) e 5,2% relataram não saber responder a esta questão.
Sobre o grau de envolvimento dos “parceiros disponíveis” (Juntas de Freguesia, Bibliotecas, Associações de Pais, Associações de Solidariedade Social, Bombeiros, etc.) verifica-se, igualmente, uma perceção positiva, sendo que as opções “muito” e “total” atingem, no seu conjunto, 57,2% das respostas dos participantes. Apenas 15,2% dos participantes responderam “pouco”, 2,2% “nenhum” e 25,4% escolheram a opção “não sei responder”.
Quanto aos diretores de turma (Figura 1) em todos os aspetos sugeridos pelo Roteiro, a perceção da maioria dos professores é que o grau de intervenção foi elevado dado que os somatórios das opções “muito” e “total” variam entre 76,3% e 93,0%. Numa leitura mais discriminada, nota-se que o grau de intervenção dos diretores de turma foi, em termos relativos, mais acentuado em relação ao contacto com os pais e encarregados de educação e na articulação entre professores e alunos; em contrapartida, foi menos acentuado na organização do trabalho semanal e na distribuição das tarefas aos alunos.
No que concerne aos coordenadores de departamento (Figura 2), o grau de apoio foi genericamente elevado, dominando as opções “total” e “muito”, com somatórios superiores a 80,0%, nos três aspetos considerados: demonstração de confiança, transmissão de tranquilidade e disponibilidade para esclarecimentos. Em termos relativos, segundo os respondentes, o apoio foi mais relevante no que respeita à disponibilidade para esclarecimentos.
Neste aspeto, quando convidados a manifestar o seu grau de concordância em relação à afirmação “sinto-me informado/a sobre as tarefas que tenho que desempenhar face à situação de ensino a distância”, 56,7% manifestam concordância e 24,0% concordância total, o que traduz que as lideranças, em geral, entre as quais as lideranças intermédias, conseguiram uma comunicação eficaz das orientações face à situação de ensino a distância.
Refira-se, a propósito do papel das lideranças, que 46,5% dos respondentes concordam com a afirmação “sinto apoio por parte das lideranças escolares” e 29,0% concordam totalmente, o que, em contrapartida, implica respostas de discordância ou discordância total que não ultrapassam 8,4%. Trata-se, pois, de uma perceção muito positiva relativamente ao apoio que as lideranças deram aos docentes no contexto de mudança abrupta que acarretou a situação de pandemia.
Por sua vez, em relação à criação de uma equipa de apoio no âmbito do ensino a distância, uma das orientações mais pertinentes face à dimensão e à urgência da resposta sugerida, os dados obtidos mostram que 70,7% dos respondentes relatam que a referida estrutura foi criada, em oposição a 12,6% que consideram que não foi criada, sendo que 16,7% selecionou a opção “não sei responder”.
Em linha com estes resultados, 47,7% dos respondentes concordam com a afirmação “tenho o apoio de que necessito para desempenhar as minhas tarefas diárias de ensino a distância” e 15,8% concordam totalmente. No entanto, em relação à mesma afirmação, há 12,7% que discordam e 3,7% que discordam totalmente.
Os dados em relação à equipa de apoio ainda merecem maior reflexão se forem triangulados com a resposta à questão “indique a quem tem recorrido para ultrapassar as dificuldades que tem enfrentado com o ensino e avaliação a distância”, na qual apenas 25,7% dos respondentes admitem ter recorrido à “equipa de apoio”, sendo antecedida pelos colegas (71,8%), pelos diretores de turma (33,0%) e pelos familiares (26,1%). Perante a afirmação “na presente situação os professores apoiam-se uns aos outros”, 55,0% concordam e 22,1% concordam totalmente, evidenciando uma perceção muito positiva e consequente de estratégias de colegialidade e colaboração adotadas pelos docentes.
Relativamente à conceção dos horários dos alunos (ver Figura 3), segundo a maioria dos respondentes (entre 68,6% a 84,0%), os estabelecimentos de ensino seguiram as orientações do Roteiro nos diferentes aspetos: mancha horária semanal flexível, adaptação da carga horária semanal, definição do tempo de intervalo entre cada tarefa proposta, flexibilidade temporal na execução das tarefas e diferentes ritmos de aprendizagem. De qualquer modo, a conformidade é mais acentuada na flexibilidade temporal na execução das tarefas e na adaptação da carga horária semanal do que na definição do tempo e de intervalo entre cada tarefa e a mancha horária semanal flexível.
Passando ao #EstudoEmCasa (Figura 4), os resultados obtidos mostram que os participantes se dividem em relação à frequência do uso deste recurso para apoiar o ensino e aprendizagem, embora com uma tendência mais acentuada para as opções “raramente” (31,6%) e “nunca” (28,2%), as quais, em conjunto, perfazem quase 60,0% das respostas dadas. Repare-se que apenas 15,3% admitem recorrer “sempre” e 24,9% “muitas vezes”.
De notar que se verifica uma relação positiva entre o tempo de serviço dos professores e o recurso ao #EstudoEmCasa (ρ= 0,05; p= 0,042), isto é, quanto maior o tempo de serviço, mais frequente é o recurso ao #EstudoEmCasa. Por seu turno, o nível de ensino dos professores relaciona-se negativamente com o recurso ao #EstudoEmCasa (ρ= -0,50; p< 0,001), ou seja, quanto mais elevado é o nível de ensino, menos frequente é a utilização do #EstudoEmCasa.
Finalmente, os participantes dividem-se quanto à formação disponibilizada no âmbito do ensino a distância. Para 35,7% ela foi suficiente, mas 34,9% discordam e 29,4% não se posicionam. Contudo, para 49,7% a formação disponibilizada foi relevante, mas 21,0% admitem o contrário e 29,4% optam pela posição neutra.
De referir que os respondentes, na questão aberta sobre a formação que recomendariam a outros professores no âmbito do ensino a distância, referem aspetos como: “formação em tecnologias diferenciadas”, “formação na área das tecnologias de informação e comunicação” ou “realização de formação em soluções tecnológicas para a prática do E@D”. Ressalta ainda a perceção segundo a qual “o não investimento na formação e equipamentos é meio caminho para se ficar fora do processo de ensino e da dinâmica do futuro da Educação”.
4.2. Condições de operacionalização do ensino a distância
Relativamente às condições para a operacionalização do ensino a distância, 3,3% dos professores referem que não possuem um computador próprio para realizar o ensino a distância, mas 98,9% dizem possuir acesso à internet em casa. Por seu turno, 83,5% dizem possuir condições adequadas em casa para realizar o ensino a distância. Acresce ainda que 63,0% dos participantes consideram que os alunos têm acesso aos equipamentos e ferramentas necessárias para acompanhar as aulas a distância.
Ao analisar possíveis diferenças nas condições para a operacionalização do ensino a distância, consoante o meio em que a escola se insere (meio urbano, semiurbano ou rural), não se constataram diferenças no acesso aos recursos necessários para as atividades de ensino a distância. Especificamente, não há diferenças quanto ao acesso a um computador próprio para realizar o ensino e avaliação a distância (χ22= 4,48; p= 0,106), acesso à internet em casa (χ22= 1,80; p= 0,405) e à existência de condições adequadas em casa para realizar o ensino e avaliação a distância (χ22= 1,07; p= 0,585).
As plataformas online, por exemplo Zoom, Microsoft Teams, Google Classroom, Moodle (96,9%) e o e-mail (88,7%) são as alternativas mais usadas para o ensino a distância, seguidas do recurso ao telemóvel (áudio e vídeo chamada) (53,0%), do Smartphone (WhatsApp, Messenger…) (44,8%), dos sites das escolas (39,9%) e dos fóruns e chats (35,0%). As redes sociais (15,3%) são as alternativas menos utilizadas. De destacar o recurso aos materiais impressos (fotocópias, fichas, manuais...) que é referido por 46,0% dos professores inquiridos.
Apenas 14,4% dos inquiridos referem que já tinham experiência anterior de ensino a distância e este aspeto teve implicações no processo de adaptação dos professores. Para os professores com mais experiência foi mais fácil pensar em estratégias para ensinar os alunos a distância (r= 0,23; p< 0,001) e houve uma menor necessidade de reformular o modo de ensinar (r= -0,05; p= 0,025). A idade teve também influência neste processo dado que a necessidade de reformular o modo de ensinar relacionou-se negativamente com a idade (ρ=-0,07; p< 0,001). Isto é, quanto mais idade tem o professor, menor é a necessidade relatada de reformular o modo de ensinar. Porém, a facilidade para pensar em estratégias de ensino a distância não se relacionou com a idade (ρ= 0,05; p= 0,490).
A maioria dos inquiridos admite estar a lidar bem com a presente situação (61,3%), mas acusam o cansaço (81,4%), assumindo que o tempo despendido com o ensino e avaliação a distância em comparação com o horário com aulas presenciais aumentou (29,8%) e aumentou muito (59,3%).
Segundo os professores, os alunos dedicam uma média de 4 h por semana às tarefas que lhes são propostas. Um maior número de horas semanais é relatado entre os professores que lecionam em níveis de ensino mais baixos (ρ= -0,32; p< 0,001) e com mais tempo de serviço (ρ= 0,05; p= 0,026). A média das horas semanais despendidas pelos alunos em tarefas propostas pelos professores não se diferencia consoante o meio em que a escola se insere (F )(2,2329)= 0,08; p= 0,917).
De acordo com os participantes neste estudo, os alunos despendem 1 h por semana para trabalho conjunto, designadamente em trabalho de grupo ou em pares. A este respeito, verifica-se que o tempo semanal dedicado pelos alunos a trabalhos de grupo ou em pares é maior entre os professores com mais tempo de serviço e que lecionam em níveis de ensino mais elevados (ρ= 0,08; p< 0,001 e ρ= 0,08; p= 0,001, respetivamente). Porém, a média das horas semanais despendidas em trabalhos grupo ou aos pares não se diferencia consoante o meio em que a escola se insere (F (2,2329) = 0,82; p= 0,441).
Os professores relatam que, devido à falta de recursos ou equipamento por parte dos alunos, não têm conseguido interagir, em média, com dois alunos por turma, variando esse número entre 0 e 20 alunos. Esta dificuldade de contacto com os alunos não revelou relação com o meio em que a escola se insere (F (2,2329)= 1,27; p= 0,282), mas tende a ser superior entre os professores com menos tempo de serviço e entre aqueles que lecionam em níveis de ensino mais baixos (ρ=-0,06; p= 0,002 e ρ= -0,08; p= 0,001, respetivamente).
Em média, os professores dedicam 4 h por semana para atividades síncronas com os seus alunos, variando este número entre 0 e 30 h. O tempo despendido em atividades síncronas não se relaciona com os níveis de ensino (ρ= 0,03; p= 0,225) nem com o meio em que a escola se insere (F (2, 2342)= 1,38; p= 0,351), embora tenda a ser maior entre os professores com menos tempo de serviço (ρ= -0,08; p< 0,001).
De destacar que algumas das tendências e relações relatadas na presente secção, apesar de serem estatisticamente significativas, apresentam uma magnitude francamente fraca. Tal facto pode ser devido ao grande número de sujeitos que compõem a amostra do presente estudo.
4.3 Principais dificuldades e mudanças apontadas pelos professores no ensino a distância
Para a maioria dos professores (58,4%), a falta de equipamentos adequados para os alunos é a principal dificuldade sentida, seguindo-se as dificuldades para envolver os alunos nas aprendizagens (40,8%), a falta de tempo (35,1%) e a ausência de formação adequada no âmbito do ensino a distância (30,6%). Contudo, referem dificuldades para dominar a atenção dos alunos (25,2%,) falta de apoio por parte dos pais (20,0%) e apenas 4,5% dos inquiridos mencionam falta de apoio por parte da escola.
Para ultrapassar as dificuldades, os pares tiveram uma importância fulcral, pois a grande maioria dos inquiridos (71,8%) refere ter recorrido aos colegas. Outros indicam que recorreram aos diretores de turma (33,0%), a familiares (26,1%), à equipa de apoio de ensino a distância (25,7%), aos coordenadores de departamento (24,1%) e ao diretor de Agrupamento/Escola não Agrupada (16,7%).
Quando questionados sobre o tempo despendido no ensino e avaliação a distância, a maioria dos professores inquiridos (59,3%) salienta que o tempo despendido aumentou muito, 29,8% consideram que aumentou e apenas 7,6% consideram que não há diferenças entre um e outro tipo de ensino, no que ao tempo diz respeito.
Relativamente às mudanças sentidas nas práticas de ensino a distância, em comparação com o regime de aulas presenciais, verifica-se que, para 63,6% dos professores inquiridos, as suas práticas de ensino a distância em comparação com o ensino presencial mudaram muito e para 23,5% mudaram totalmente. O ensino a distância implica, para a grande maioria dos professores (92,0%), a preparação de material novo para trabalhar com os seus alunos, assim como a planificação de estratégias pedagógicas para ensinar, sendo que 37,3% dos professores consideram não ser fácil pensar em estratégias para ensinar os alunos a distância. Apesar desta dificuldade, a grande maioria dos professores (87,3%) diz ter conseguido interagir com os seus alunos de forma regular.
O questionário incluía ainda uma questão aberta sobre as principais dificuldades que os professores sentiam no ensino e que, na sua opinião, não estavam contempladas nas questões fechadas. O conteúdo das respostas foi codificado, através de um processo de categorização emergente, com base no critério semântico. As categorias e subcategorias são apresentadas na Tabela 2:
Categorias | Subcategorias | |||
---|---|---|---|---|
Dificuldades de âmbito socioafetivo | Interação relacional e comunicativa | Participação dos alunos | Gestão do tempo e estruturação das sessões | |
Dificuldades de âmbito curricular | Planificação e organização do ensino | Recursos e materiais utilizados | Natureza das tarefas | Papel dos professores, dos alunos e dos pais |
Relativamente à categoria “dificuldades de âmbito socioafetivo”, sobressaíram três subcategorias: interação relacional e comunicativa; participação dos alunos; e gestão do tempo e estruturação das aulas.
Para os professores, a qualidade da interação relacional e comunicativa diminuiu muito, pelo facto de não ter os alunos presentes em sala de aula, tendo ainda reduzido o feedback e a interação com os alunos. Acresce ainda a natureza da relação pedagógica que a mediação tecnológica alterou, nomeadamente no que se refere ao contacto de proximidade e à dimensão afetiva: “foi muito difícil lidar com a impossibilidade de elogiar, de dar reforços positivos, de dar e receber feedback instantâneo, pela ausência da presença física”; “no ensino a distância falta e/ou é muito mais reduzida a contextualização, a motivação, o elogio e o reforço positivo”; “ faltou o contacto e os afetos”; “mudou a relação pedagógica de proximidade com os alunos. Passou o computador a ser mais importante que o docente”; “o feedback é retardado no tempo”.
No que concerne à participação dos alunos, os professores salientam também muitas dificuldades associadas ao não uso das câmaras e a sentimentos de insegurança: “foi difícil a interação com os alunos”; “deixei de interagir com os alunos”; “foi muito difícil fazer com que os alunos participassem. Muitas vezes não ligavam as câmaras”; “a débil participação dos alunos gerava alguma insegurança sobre as aprendizagens que faziam”. Assim, os professores sentiam que, no contexto de ensino a distância, tinham de fomentar a autonomia dos alunos na realização dos trabalhos, facto que gerava alguma insegurança, pelo que o ensino passou a ser mais expositivo: “passei a ter uma comunicação mais vertical, mais objetiva e controladora”.
A gestão do tempo e estruturação das aulas foi outra dificuldade muito referenciada, pois os professores sentiram necessidade de estar permanentemente disponíveis, através de diversos dispositivos móveis, incluindo o telefone e oe-mail, sendo este procedimento também utilizado para a interação com muitos pais: “agora estou sempre ligada, pois estou sempre a preparar aulas, a receber os trabalhos dos alunos e a ter reuniões”; “estou 24 h ligada”, “não tenho tempo para respirar! Sinto-me uma peça de computador!”; “passo muito mais tempo ao computador e ao telefone com alunos e pais”.
O excesso de tempo despendido tem reflexos na estruturação das aulas, aspeto que também ofereceu muitas dificuldades, algumas incertezas e mudanças: “mudei a forma como são dadas as aulas”; “dou mais simulações e vídeos, pois os alunos podem utilizar quando quiserem”; “o ensino não é diferenciado”; “os conteúdos não podem ser tão aprofundados”. A este propósito, assumem ter adotado uma postura mais diretiva, pelo que “as aulas são mais expositivas, a comunicação é vertical, não existe trabalho cooperativo”.
No âmbito das disciplinas de caráter mais prático, estruturar as aulas foi ainda mais desafiador, pois as tarefas foram muito difíceis de conceber e realizar: “as tarefas práticas são difíceis de realizar”; “a minha disciplina é Educação Física. O plano de trabalho é enviado a cada 15 dias para manter os alunos ativos, mas não é garantido que eles o executem”; “as minhas práticas mudaram totalmente. Foi passar de aulas práticas para aulas totalmente teóricas”; “leciono uma disciplina prática, pelo que ver fotografias de trabalhos é muito diferente de acompanhar os alunos presencialmente”; “não há aula laboratorial”. Contudo, alguns professores, graças às tecnologias, atenuaram estas dificuldades: “comecei a usar atividades laboratoriais que existem online”.
Relativamente às dificuldades de âmbito curricular, destacam-se as seguintes: planificação e organização do ensino; recursos e materiais utilizados; natureza das tarefas, papel dos professores, dos alunos e dos pais. No que concerne à planificação e organização do ensino, os professores manifestam uma grande preocupação, admitindo que alteraram a planificação para a tornar mais concreta e mais exemplificativa com o recurso a atividades mais curtas e focalizadas, a recursos mais interativos e à preparação de novo material: “mudei a maneira de planificar”; “tenho de preparar documentos pedagógicos diferentes para a apresentação das aulas, para que estas possam ser mais dinâmicas, com exercícios passo a passo e vídeos. A maior parte dos materiais são construídos por mim”; “atividades mais simples, menos interação verbal e discussão de temas”; “recursos mais interativos”; “a preparação dos materiais passou a ser feita a partir do zero”; “aumento do trabalho de planificação, pesquisa de materiais (animações e vídeos principalmente)”.
Relativamente aos recursos pedagógicos utilizados, os professores salientam ter sido muito difícil reajustar os conteúdos às necessidades dos alunos, mormente quanto à gestão das tarefas e à sua realização por parte dos alunos: “ foi difícil construir materiais novos, nomeadamente, adequar as fichas de trabalho a alunos com mais dificuldades”; “tive muitas dificuldades para gerir a forma como as tarefas eram resolvidas por todos os alunos, dado que estes tinham mais trabalho autónomo”; “a maioria dos alunos não é autónoma, necessitando sempre da presença de um familiar para realizar as atividades. A maioria dos familiares tem falta de competências nas tecnologias”. As tarefas passaram a ter uma natureza mais individualizada, pois “era necessário dar apoio diferente a cada aluno”; “propunha mais tarefas, embora mais curtas, mas que implicavam muito tempo de explicitação e de correção”; “mais trabalho autónomo, ausência de atividades laboratoriais”; “mais tarefas e mais pequenas, o que aumenta o tempo para as corrigir”.
Em relação ao papel dos professores, dos alunos e dos pais, os participantes salientaram que estes mudaram em muitos aspetos, nomeadamente, porque as estratégias pedagógicas de motivação dos alunos se alteraram no ensino a distância, cabendo, neste contexto, este papel sobretudo aos pais: “interagir com os pais exigiu muito esforço, persistência e burocracia”; “ter os pais a assistir às aulas síncronas e a darem opiniões negativas provocava algum sentimento de insegurança”; “estou mais exposto e mais controlado”; “não saber se os alunos estão lá, do outro lado. Ter na mesma sessão mais de um login por aluno, onde um é o aluno e o outro é o Encarregado de Educação”; “faltas de respeito de alunos e encarregados de educação, pois encaram este ensino como se fosse fazer comentários nas redes sociais”. Assim, os professores passaram a ter rotinas muito diversas, pois tiveram que lidar com “dinâmicas em casa de cada aluno, incluindo as famílias”.
Alguns professores consideram que os alunos que necessitam de mais apoio são os que têm famílias disfuncionais, que não colaboram no ensino a distância, por isso, foi necessário “dar mais apoio aos alunos e às famílias”, “deparei-me com a realidade que os alunos que necessitam de mais apoio são os que têm famílias mais disfuncionais, que não colaboram” e este aspeto é mais relevante ainda nas faixas etárias mais baixas em que “o contacto com os alunos, devido à idade, é feito maioritariamente através dos pais”; “ tenho despendido imenso tempo com os pais, de modo a poderem acompanhar os educandos, têm sido tiradas dúvidas a pais e alunos”. Os professores assumiram, ainda, um papel de maior controlo sobre os alunos: “como não é possível acompanhar o trabalho real dos alunos, nas aulas síncronas temos de redobrar a nossa atenção e fazer questões direcionadas com o objetivo de verificar o trabalho dos alunos, cujos trabalhos entregues não correspondem ao trabalho a que nos habituamos na sala de aula”.
Os resultados desta análise levam-nos a concluir que o ensino a distância exigiu muitas mudanças nas práticas pedagógicas, desde logo a conceção de conteúdos adequados a esta modalidade de ensino, na medida em que a multiplicidade de interações cognitivas, afetivas e comportamentais complexas inerentes ao ensino presencial não são passíveis de serem transpostas, de forma linear, para o contexto do ensino a distância (Barras, 2020). Algumas atividades, nomeadamente de caráter mais prático, não são fáceis de implementar, enquanto outras que impliquem, por exemplo, a reflexão poderão ser mais adequadas. É necessário tempo para planificar, o que não aconteceu nesta situação concreta, pelo que os professores relatam muito cansaço, desmotivação e falta de confiança na realização das atividades pelos alunos.
4.4. Perceções dos professores sobre o ensino a distância e recursos utilizados
Apesar das dificuldades salientadas, em geral, a perceção apresentada pelos participantes aponta no sentido de que as “reações foram positivas face às exigências da situação” (56,9% concordam e 13,8% concordam totalmente com esta afirmação), sendo de destacar os seguintes aspetos: há um aumento da perceção do desconforto, do stress (sobretudo devido à necessidade de uma resposta rápida), do “receio” e, sobretudo, do “cansaço” (o grau de concordância com a afirmação “sinto-me cansado/a com a presente situação” atinge valores muito elevados: 43,3% concordam e 38,1% concordam totalmente); há uma perceção equitativamente dividida em relação às questões motivacionais associadas ao ensino a distância: uma parte dos professores sente-se desmotivada (34,4%) e outra parte sente-se motivada (38,2%); há uma perceção positiva do contributo do ensino a distância (sendo que 39,5% concordam e 21,2% concordam totalmente) para a valorização da profissão docente.
Em relação à reação dos alunos ao ensino a distância, a perceção dos respondentes é também genericamente positiva, sobretudo em relação ao “interesse na aprendizagem”: 93,3% dos participantes no estudo defendem que, “em geral, os alunos têm respondido positivamente às tarefas” que lhes são propostas; 50,1% dos respondentes consideram que a situação provocou stress nos alunos, mas mais de metade (54,6%) referem que, não obstante, os mesmos estão a lidar bem com a presente situação; 68,0% dos docentes questionados evidenciam que, “em geral, os alunos têm-se mostrado interessados na sua aprendizagem”.
Neste âmbito, questionamos ainda os professores sobre recursos e estratégias que recomendariam e que não recomendariam a outros professores no âmbito do ensino a distância. A análise de conteúdo fez-nos eleger duas categorias: recursos tecnológicos e estratégias pedagógicas. Relativamente aos recursos tecnológicos online, os professores recomendam uma grande variedade, de acordo com a experiência que tiveram: plataformas online (Zoom, Skype, Microsoft Teams, Google Classroom, Moodle…), Quizz, vídeos, Kahoot, Escola Virtual, Leya, Book Widgets, Paddlet, YouTube, site da escola, fóruns e chats.
Por outro lado, as ferramentas pessoais (telefone, SMS, redes sociais, etc.); telemóveis pessoais; Facebook, Whatsapp, Twitter, etc., são os recursos tecnológicos online que não recomendariam, uma vez que o seu uso: “invade demasiado a privacidade”, tendo alguns participantes evidenciado “deixei de ter vida própria”.
Quanto às estratégias pedagógicas, recomendam não sobrecarregar os alunos com trabalho: “ estar em casa a acompanhar aulas não é o mesmo que ir à escola”; “ter em consideração os diferentes ritmos dos alunos”; “agir no sentido de superar a situação “anormal” que se vive, ajudando os alunos a repensar a forma de estar na vida em termos de sustentabilidade social e ambiental, sem cair no conformismo”; “tarefas curtas”; “aulas síncronas pouco teóricas”; “exigir as câmaras e microfones ligados”; “dar poucos ou nenhuns testes de avaliação sumativa”; “recurso a materiais audiovisuais para partilhar nas aulas síncronas”; “conceção das aulas por etapas mais restritas”; “motivar os alunos nas aulas síncronas”. Recomendam, também, estratégias de participação para desenvolvimento da autonomia: “levá-los a participar para que sintam que é um tipo de ensino que também deverá ser levado a sério”; “colocar os alunos a trabalhar autonomamente em vez de ser o professor a fornecer a informação”.
Por outro lado, não recomendam a realização de testes de avaliação, pois questionam a sua autoria: “não sei se se são os alunos a responder”. Alguns alunos não tinham acesso a computador e/ou a internet e, para estes casos, identificados por cada Agrupamento de Escolas ou Escolas Não Agrupadas, foram fornecidos os materiais pedagógicos impressos, para garantir alguma equidade no acesso a propostas de trabalho. Estas situações trouxeram mais constrangimentos aos professores, salientando que “não devem utilizar-se materiais impressos para avaliação”. Consideram, também, que a diversificação de plataformas “aumenta a confusão” e que não devem “transpor literalmente o ensino presencial para o ensino a distância”; assim como “a realização de trabalhos de grupo e individuais, pois a maioria dos alunos copia uns pelos outros e os trabalhos de grupo podem ser realizados pelos Encarregados de Educação para obtenção de melhor nota”. Não recomendam também: “aulas síncronas longas”; “excessivo recurso à videoconferência para ensinar novos conteúdos”; “usar o e-mail”; “aulas expositivas sem interagir com os alunos”; “usar o tempo de aula em modo síncrono e atribuir tarefas fora desse horário”.
Estes resultados revelam que, mesmo que a tecnologia possa ser constrangedora e perturbadora das rotinas de ensino, nomeadamente quando há pouca formação para a sua utilização, os professores fizeram o melhor que souberam em circunstâncias extremamente frustrantes. Relativamente ao modo de ensinar, recorreram a outras estratégias pedagógicas para ensinar e, apesar das circunstâncias, houve interações online com alunos e, mesmo que tímidas, com as famílias. Esta experiência sem precedentes poderá ser considerada uma experiência piloto de ensino a distância, pois os professores assinalam um conjunto de estratégias pedagógicas que não recomendariam para esta modalidade de ensino. Apesar do balanço global positivo da experiência, foi possível identificar alguns problemas, que se exacerbaram no contexto do ensino a distância, e que se prendem com desigualdades no acesso a recursos e meios tecnológicos, a respostas diferenciadas no apoio à aprendizagem dos alunos e a dificuldades associadas a esta modalidade de ensino, mormente no que se refere à interação pedagógica, à natureza das atividades curriculares e pedagógicas e à avaliação das aprendizagens.
5. Conclusões e implicações
A pandemia da COVID-19 provocou uma mudança abrupta e inesperada para um “ensino remoto de emergência” que desencadeou um estado de anomia generalizado e transversal, obrigando a uma transformação das práticas de ensino e de aprendizagem em tempo real, sob a pressão do tempo e sem possibilidade de mediação reflexiva adequada. Os diversos intervenientes (professores, alunos, pais, diretores, etc.) foram procurando respostas adaptativas em tempo real face à necessidade de reconfigurar radicalmente as suas práticas de trabalho (metodologias, recursos, estratégias, formas de avaliação, etc.), o que gerou efeitos previsíveis de stress, ansiedade, desorientação ou esgotamento, como sinalizam os resultados que acima apresentamos.
O presente estudo mostra que, no sistema educativo português, as respostas ao estado de anomia inicial se projetaram, com surpreendente eficácia e capacidade reativa, ao nível institucional e organizacional, ao nível dos modos de trabalho colegial e colaborativo e ao nível da ação e do pensamento dos professores. Não obstante, ficou evidenciado um conjunto relevante e complexo de problemas, o que exige consolidar mudanças cujo alcance ultrapasse a contingência atual e não se limite a uma mera resposta transitória e adaptativa.
Com efeito, ao nível institucional, e face ao conjunto de orientações emanado do Ministério da Educação, sob a designação de Roteiro - Princípios Orientadores para a Implementação do Ensino à Distância (E@D) nas Escolas, os resultados deste estudo mostram uma resposta dos estabelecimentos escolares significativamente marcada pela adesão e compromisso, em particular na mobilização dos recursos endógenos e reorganização das atividades de ensino e aprendizagem. Quer no plano formal (diretores de turma, coordenadores, diretores, etc.), quer no plano informal (os colegas), prevalece uma perceção positiva da colegialidade como principal suporte face às dificuldades sentidas perante o encerramento das escolas e à necessidade de um “ensino remoto de urgência”.
De um modo geral, os participantes apresentam perceções positivas em relação ao modo como lidaram com a situação, ao trabalho dos colegas e da organização escolar e ao “interesse” dos alunos. No entanto, salientam igualmente muitas dificuldades de contacto e envolvimento dos alunos, corroborando outros estudos (Huber & Helm, 2020; Judd et al., 2020) pelo que as metodologias, as estratégias e os recursos tiveram que ser ajustados a esta realidade de ensino, não obstante a preocupação das escolas e dos professores de interação com os pais. De salientar que, tal como sustentam Detroz et al. (2020), no ensino a distância, a interatividade é muito dificultada, devendo trabalhar-se de acordo com esta realidade. Os resultados obtidos revelam ainda que os professores, apesar da colegialidade e da resposta positiva aos desafios da transição abrupta para o ensino remoto, estão ainda marcados por modelos de instrução direta (Joyce et al., 2004), privilegiando a transmissão de conhecimentos sobre conceitos, habilidades e procedimentos, o que pode justificar os problemas identificados no trânsito para o ensino a distância, quer de natureza socioafetiva, quer de natureza curricular. Trata-se de uma situação que pode ser associada a um profissionalismo mais organizacional (Evetts, 2009) e gerencialista (Sachs, 2016) numa lógica mais instrumental e tecnicista.
Os resultados obtidos em relação à experiência de ensino a distância proporcionada pela pandemia da COVID-19 apresentam algumas implicações, não só de curto alcance e face à necessidade de adoção imediata de modalidades de ensino a distância (e-learning ou b-learning), como também de longo alcance que permitam uma maior capacitação, resiliência e inclusão do sistema educativo português.
Em primeiro lugar, embora a resposta dos professores tenha sido, em geral, rápida e eficaz face à situação de emergência, há necessidade de garantir a universalidade da resposta. Trata-se, aliás, de um problema bem evidenciado na literatura (Huber & Helm, 2020; Judd et al., 2020; NFER, 2020) e no nosso estudo e que se constitui como o desafio fulcral, até porque o ensino a distância acentua as desigualdades sociais e impede a aplicação de medidas compensatórias que os sistemas educativos têm vindo a adotar. Importa, pois, eliminar os fatores potenciadores da exclusão, os quais aparecem associados à disponibilidade dos meios tecnológicos e das soluções específicas encontradas para interagir pedagogicamente com os alunos.
Acresce ainda o facto de os resultados obtidos evidenciarem a existência de formas e ritmos diferenciados de reação à mudança provocada pela pandemia, o que eventualmente pode ser imputado à existência no sistema de lógicas diferentes de capacitação organizacional. Mais concretamente, os horários deverão apresentar maior grau de flexibilidade em relação aos diferentes ritmos de aprendizagem, tendo em conta uma articulação adequada entre as atividades síncronas e atividades assíncronas, evitando uma excessiva fragmentação ou atomização dos trabalhos solicitados aos alunos. Será ainda importante reorganizar programas de estudos, reavaliar o tempo de aprendizagem, criar medidas ou material pedagógico de apoio, para determinar as causas do (in)sucesso e, em consequência, adaptar a intervenção pedagógica.
Por outro lado, embora a colegialidade tenha sido valorizada pelos participantes, é importante reforçar a existência de equipas de apoio que, para além da dimensão técnica e instrumental, possam apoiar as atividades pedagógicas em regime de ensino a distância. Deste ponto de vista, é fundamental que a formação digital dos professores se centre nas questões de natureza pedagógica, designadamente nas estratégias de ensino e de avaliação das aprendizagens, reforçando as dinâmicas de investigação, partilha e construção colaborativa de conhecimento. Importa, pois, que a formação de professores concorra para constituir e reforçar a existência de “comunidades de aprendizagem”, a partir das quais os diversos atores construam respostas consistentes, inovadoras e inclusivas.