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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187versão On-line ISSN 2183-0452

Rev. Port. de Educação vol.34 no.1 Braga jun. 2021  Epub 20-Abr-2022

https://doi.org/10.21814/rpe.19604 

ARTIGOS

A supervisão como espaço de transformação - um estudo no contexto do estágio

Supervision as a space for transformation - a study in the practicum context

La supervisión como espacio de transformación - un estudio en el contexto de prácticas

iInstituto de Educação da Universidade do Minho, Braga, Portugal

iiEscola Superior de Educação, Instituto Politécnico do Porto, Porto, Portugal

iiiEscola Superior de Educação, Instituto Politécnico do Porto, Porto, Portugal


Resumo

O presente artigo apresenta um estudo de caso de natureza interpretativa cuja finalidade foi investigar o papel da supervisão pedagógica na (re)construção da disciplina de Formação Musical, no âmbito do estágio do Mestrado em Ensino de Música do Instituto Politécnico do Porto. Procurou-se compreender em que medida a supervisão em estágio favorece uma visão transformadora da disciplina e do desenvolvimento profissional dos futuros professores. A recolha de dados foi feita através do inquérito (por questionário e entrevista) e da análise seletiva de relatórios de estágio, envolvendo todos os atores do estágio de Formação Musical no ano letivo de 2015/16: 10 estagiários, 10 professores cooperantes das escolas e 2 professores supervisores da instituição de formação. Apresentam-se resultados parciais relativos às suas perceções sobre as competências profissionais desenvolvidas no estágio, os desafios que se colocam à prática pedagógica, o impacto da supervisão e o perfil dos orientadores. Conclui-se que a supervisão neste contexto assume uma orientação tendencialmente transformadora, embora se observem desfasamentos entre conceções ideais e vivências das práticas, assim como entre as perceções dos orientadores e dos estagiários, o que configura o estágio como um espaço de formação complexo que exige uma abordagem reflexiva e dialógica.

Palavras-chave: formação inicial de professores; estágio; supervisão pedagógica; transformação

Abstract

This paper presents an interpretative case study whose purpose was to investigate the role of pedagogical supervision in the (re) construction of the school subject Aural Training and Music Theory, within the practicum of the Master's Degree in Music Teaching at the Polytechnic Institute of Porto. We tried to understand to what extent supervision in the practicum favors a transformative view of the subject and of the future teachers’ professional development. Data collection was done through questionnaires, interviews, and the selective analysis of practicum reports, involving all actors of the practicum in 2015/16: 10 student teachers, 10 cooperating teachers from schools and 2 faculty supervisors. Partial results are presented regarding their perceptions about the professional competences developed in the practicum, the challenges that arise in pedagogical practice, the impact of supervision, and the profile of supervisors. It is concluded that supervision in this context tends to be transformative, although there are discrepancies between ideal conceptions and practical experiences, as well as between the perceptions of supervisors and student teachers. This configures the practicum as a complex teacher education space that requires a reflective and dialogical approach.

Keywords: initial teacher education; practicum; pedagogical supervision; transformation

Resumen:

Este artículo presenta un estudio de caso interpretativo cuyo propósito era investigar el papel de la supervisión pedagógica en la (re) construcción de la disciplina de Formación Musical, en las prácticas del Máster en Enseñanza de Musica del Instituto Politécnico de Porto. Tratamos de comprender hasta qué punto la supervisión en las prácticas favorece una visión transformadora de la disciplina y del desarrollo profesional de los futuros maestros. El estudio utilizó la encuesta (por cuestionario y entrevista) y el análisis selectivo de los informes de prácticas, involucrando a todos los actores de las prácticas en el año escolar 2015/16: 10 alumnos en prácticas, 10 mentores escolares y 2 supervisores de la institución de formación. Se presentan resultados parciales con respecto a sus percepciones sobre las competencias profesionales desarrolladas en las prácticas, los desafíos que surgen en la práctica pedagógica, el impacto de la supervisión y el perfil de los supervisores. Se concluye que la supervisión en este contexto tiende a ser transformadora, aunque existen discrepancias entre las concepciones ideales y las experiencias, así como entre las percepciones de los mentores y los aprendices, lo que configura las prácticas como un espacio complejo de formación que requiere un enfoque reflexivo y dialógico.

Palabras-clave: formación inicial del profesorado; prácticas; supervisión pedagógica; transformación.

Introdução

O presente texto baseia-se num estudo de doutoramento conduzido pela primeira autora (Pais-Vieira, 2019) e orientado pelos outros autores, no qual se investigou o papel da supervisão pedagógica na (re)construção da disciplina de Formação Musical, no contexto do estágio do Mestrado em Ensino de Música desenvolvido pela Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo (ESMAE) e a Escola Superior de Educação (ESE) do Instituto Politécnico do Porto (IPP).1

A disciplina de Formação Musical integra o Ensino Artístico Especializado de Música, um sistema de ensino não obrigatório em Portugal e para a qual não existem programas nacionais. A história do ensino da música foi durante muitos anos marcada pela dependência pedagógica entre escolas, nomeadamente a dependência pedagógica das escolas públicas ao Conservatório Nacional e das escolas particulares aos conservatórios públicos, prevalecendo uma tradição pedagógica inicialmente orientada pela finalidade de ensinar a ler e escrever música. A autonomia pedagógica conferida a nível nacional ao Ensino Artístico Especializado de Música a partir de 2013 (Decreto-Lei 152/2013, de 4 de novembro)2 parece constituir um desafio estratégico ao desenvolvimento da disciplina, mas pode representar também um potencial obstáculo à consolidação da sua identidade, seja pela fragmentação excessiva de conceções e práticas, seja pela manutenção de tradições cristalizadas. Neste cenário, importa saber como é realizada a formação inicial de professores, o que motivou a realização do estudo aqui relatado. A sua finalidade foi compreender em que medida a supervisão no contexto do estágio pode assumir uma orientação transformadora ao nível do desenvolvimento profissional dos futuros professores e das práticas educativas da disciplina. Trata-se de um estudo de caso de natureza interpretativa, cujos dados foram recolhidos em 2016 através do inquérito (por questionário e entrevista) e da análise de relatórios de estágio, envolvendo todos os atores do estágio de Formação Musical do ano letivo de 2015/16: 10 estagiários, 10 professores cooperantes das escolas e 2 professores supervisores da instituição.3 Embora o conhecimento construído no estudo não se possa dissociar do seu contexto e apenas se reporte a um curso, poderá ser relevante em contextos análogos através do que Bassey (1999, pp. 11-12) designa como ‘generalização imprecisa’ (fuzzy generalization), contribuindo para a compreensão de potencialidades e limitações da supervisão no estágio da formação inicial de professores.

O texto estrutura-se em três partes. Apresentam-se inicialmente alguns pressupostos teóricos relativos a uma perspetiva transformadora da supervisão (ponto 1). Segue-se a descrição do contexto, objetivos e metodologia do estudo (ponto 2), e por fim dá-se conta de resultados parciais do estudo, incidentes nas perceções dos participantes acerca das competências profissionais desenvolvidas, dos desafios que se colocam à prática pedagógica, do impacto da supervisão e do perfil dos orientadores (ponto 3). Nas considerações finais, referimos as principais conclusões e implicações dos resultados apresentados.

1. Para uma visão transformadora da supervisão pedagógica

A finalidade da supervisão pedagógica é apoiar o desenvolvimento profissional e a melhoria das práticas educativas. O seu potencial transformador residirá na reconceptualização crítica do pensamento e da ação do professor, com implicações na renovação das culturas escolares. Contudo, esse potencial depende da conjugação de inúmeros fatores que configuram a supervisão como uma atividade particularmente complexa: fatores moderadores ou condições contextuais, fatores mediadores ou estratégias de intervenção e mecanismos de mudança ou resultados da aprendizagem profissional (Milne, Aylott, Fitzpatrick, & Ellis, 2008). O modo como estes fatores se manifestam e articulam entre si é muito variável nos contextos de formação, dando origem a práticas de supervisão muito diversificadas (v. Zepeda & Ponticell, 2019). Apesar dessa diversidade, reconhece-se desde há muito a necessidade de formar profissionais reflexivos e capazes de responder criativamente aos desafios da prática, e é neste sentido que Carroll (2010) defende a centralidade da reflexão na promoção de uma “aprendizagem transformadora”, sublinhando que a supervisão não é algo que o supervisor faz ao formando, mas antes “a super way of visioning” que gera novas formas de olhar, perceber e agir: “Supervision is a strategic withdrawal to meditate, contemplate, and think about our work. In the attention to and the reflection on, we learn how to do our work differently and better” (p. 13).

Os processos de reflexão e aprendizagem profissional no estágio são frequentemente dilemáticos, podendo ocorrer tensões entre as conceções e expectativas dos estagiários e as dos seus orientadores, ou dificuldades de implementação de mudanças pedagógicas no seio de culturas escolares tendencialmente conservadoras. As dissonâncias e conflitos que caracterizam a construção da identidade profissional do futuro professor podem trazer emoções negativas e ameaças ao seu crescimento profissional, mas também podem constituir desafios ao desenvolvimento da sua agência, desde que sejam criados ambientes de supervisão promotores do diálogo e da negociação de perspetivas (Arvaja & Sarja, 2020; Yuan, Liu, & Lee, 2019). A este propósito, num estudo de revisão de literatura sobre competências de supervisão clínica, Falender, Shafranske e Ofek (2014) salientam a importância de uma “aliança supervisiva” forte entre o orientador e o formando, caracterizada por atitudes de empatia, autenticidade e apoio, pela transparência dos papéis desempenhados e das relações de trabalho, pela colaboração na definição de metas e tarefas, e pela resolução conjunta de potenciais problemas e tensões (pp. 399-400). Essa aliança encontra barreiras na assimetria estatutária dos intervenientes do estágio, a qual pode gerar comportamentos passivos ou adversativos que limitam as possibilidades de democratização das relações supervisivas e o potencial transformador da supervisão (Waite, 1995, 1996). Daí a necessidade de atender aos estilos supervisivos e à sua adequação nas situações de formação, numa perspetiva desenvolvimentalista que pode partir de posturas mais diretivas para outras mais colaborativas, à medida que os estagiários vão desenvolvendo a sua capacidade de decisão e intervenção nas situações educativas (Glickman, Gordon, & Ross-Gordon, 2017).

A complexidade da supervisão também advém da amplitude dos seus propósitos, na medida em que, numa aceção ampla, implica estabelecer relações entre formação profissional, qualidade da educação e desenvolvimento das escolas (Alarcão, 2002; Cohen, 2014; Glickman, Gordon, & Ross-Gordon, 2017; Mesquita & Roldão, 2017; Sullivan & Glanz, 2013; Zepeda & Ponticell, 2019). Um dos fatores que mais determina a natureza dessas relações é a visão de educação que subjaz às práticas supervisivas, ou seja, a sua dimensão ideológica. No presente trabalho, defende-se uma supervisão baseada em valores humanistas e democráticos, capaz de interrogar e reconstruir conceções e práticas dominantes, e de promover a autonomia dos professores e dos seus alunos (Moreira, 2014; Vieira, 2009, 2010a, b; Vieira & Moreira, 2011). Adotamos aqui o conceito de autonomia proposto por Jiménez Raya, Lamb e Vieira (2017), que a definem como a “competência para [o professor ou o aluno] se desenvolver como participante autodeterminado, socialmente responsável e criticamente consciente em (e para além de) ambientes educativos, por referência a uma visão da educação como espaço de emancipação (inter)pessoal e transformação social” (p. 17). Esta visão de educação tem implicações nos processos de reflexão e desenvolvimento profissional, entendendo-se que o seu potencial transformador dependerá, principalmente, do questionamento do que a cada momento torna as práticas educativas insatisfatórias, irracionais ou injustas, e também do desenvolvimento da agência dos professores (Kemmis, 1999; Tom, 1985; Smyth, 1989; Zeichner, 1993, 2019). Desta perspetiva, a mudança desenvolve-se em contracorrente face a culturas pedagógicas dominantes e a autonomia dos professores constrói-se à medida que desenvolvem a sua capacidade de enfrentar constrangimentos e explorar práticas alternativas. Uma supervisão de orientação transformadora desenvolverá competências profissionais que lhes permitam posicionar-se criticamente face aos contextos e intervir na melhoria da pedagogia, tornando a sua ação educativa “mais consciente, deliberada e suscetível à mudança” (Vieira, 2009, pp. 200-201). No Quadro 1 (adaptado de Pais-Vieira, 2019), distingue-se esta orientação da supervisão de uma orientação mais reprodutora, defendendo-se que a formação em estágio deverá favorecer a autodeterminação e a iniciativa, a reflexividade, a colaboração profissional e a reconstrução e inovação das práticas.

Quadro 1 Orientações reprodutora e transformadora da supervisão pedagógica 

Ao longo do tempo, tem-se vindo a verificar uma ampliação das funções formativas da supervisão, em parte devido à complexificação do papel do professor nas escolas. Refira-se, por exemplo, no contexto português, a importância conferida à colaboração profissional (Alarcão & Canha, 2013; Baptista, Costa, & Almeida, 2014) e à investigação das práticas (Flores, Vieira, Silva, & Almeida, 2016; Moreira, Paiva, Vieira, Barbosa, & Fernandes, 2010; Vieira, Flores, Silva, & Almeida, 2019), as quais pressupõem uma conceção do professor como gestor do currículo e agente de mudança, assim como a adoção de uma abordagem dialógica e indagatória nos processos de formação profissional (Alarcão, 1996; Mesquita, Formosinho, & Machado, 2012; Nóvoa, 2017; Vieira & Moreira, 2011; Smyth, 1989; Waite, 1995, 1996; Zeichner, 1993). É neste enquadramento que propomos no Quadro 2 (baseado em Pais-Vieira, 2019) um conjunto de funções formativas da supervisão associadas ao desenvolvimento de competências relativas à melhoria das práticas pedagógicas e ao desenvolvimento das disciplinas, mas também à promoção da identidade profissional, de relações de intercompreensão e de uma postura indagatória face à profissão.

Quadro 2 Funções da supervisão e competências a desenvolver no estágio 

No que diz respeito ao desenvolvimento das disciplinas e das suas didáticas, importa considerar as finalidades das disciplinas, o tipo de competências a desenvolver nos alunos e o tipo de atividades que melhor favorecem essas competências. No caso da Formação Musical, apresenta-se no Quadro 3 (baseado em Pais-Vieira, 2019) uma proposta que relaciona esses elementos e que pode apoiar a planificação e a lecionação de aulas, assim como a sua observação e a reflexão sobre as mesmas.

Quadro 3 Relação entre finalidades da disciplina, competências dos alunos e tipos de atividades 

Embora todas as finalidades, competências e tipos de atividade sejam consideradas importantes, um foco prioritário em competências técnico-musicais pressupõe uma visão funcionalista e tradicional da disciplina: funcionalista, porque é o seu desenvolvimento que permite ao aluno evoluir nas diferentes disciplinas do Ensino Artístico Especializado de Música; tradicional, porque o foco nessas competências se tornou um traço identitário da disciplina ao longo da sua evolução. Assim, uma supervisão transformadora deverá promover a consciencialização da diversidade de opções pedagógicas, daquilo que as fundamenta e do modo como configuram determinadas visões do ensino e da aprendizagem.

As ideias explanadas ao longo desta secção orientaram a realização do estudo que passamos a apresentar, no qual se procurou compreender em que medida está presente uma orientação transformadora da supervisão no contexto de estágio investigado, a partir das vozes dos seus atores.

2. O estudo: contexto, objetivos, participantes e metodologia

O Mestrado em Ensino de Música da ESMAE-ESE do IPP forma professores de Formação Musical para os ensinos básico e secundário. Tem a duração de dois anos (120 ECTS) e integra as quatro componentes de formação comuns a todos os mestrados em ensino em Portugal: formação na área de docência (neste caso, a área da música), formação educacional geral, formação em didáticas específicas e iniciação à prática profissional. A iniciação à prática profissional integra o estágio ou prática de ensino supervisionada em escolas cooperantes, ao longo do segundo ano, com 30 horas de componente de seminário e 300 horas de componente de estágio. O estágio integra períodos de observação e de lecionação em turmas do professor cooperante, sendo acompanhado por este e por um professor supervisor da instituição. De acordo com o regulamento interno, cabe a ambos orientar as planificações e as reflexões sobre as aulas, observar aulas, promover a auto/heteroavaliação e avaliar os estagiários (ESMAE-ESE, 2015, p. 5). Estes elaboram um relatório de estágio a defender em provas públicas, com um peso de 40% na sua classificação final, onde refletem sobre a experiência de estágio e relatam um projeto de investigação ou de intervenção4.

O estudo de caso realizado foi concebido como “an empirical inquiry that investigates a contemporary phenomenon (the ‘case’) in depth and within its real-world context, especially when the boundaries between phenomenon and context may not be clearly evident” (Yin, 2014, p. 16). O fenómeno estudado foi o papel da supervisão na (re)construção da disciplina de Formação Musical, procurando-se analisar: i) conceções e práticas de ensino e aprendizagem da disciplina; ii) conceções e práticas de supervisão no desenvolvimento profissional dos professores; iii) contributos das conceções e práticas pedagógicas e supervisivas para a construção da identidade da disciplina; iv) constrangimentos e desafios do desenvolvimento curricular da disciplina e do desenvolvimento profissional dos professores. Recorreu-se a diversas estratégias de recolha de informação, justificadas pela busca de amplitude, profundidade e robustez dos dados (cf. Bassey, 1999, pp. 58-62; Fortin, 2009, p. 164; Yin, 2014, pp. 19-20). Utilizou-se o inquérito por questionário junto de todos os intervenientes (n=22), seguindo-se um aprofundamento em 4 subcasos (núcleos de estágio) representativos da diversidade de contextos de ensino da Formação Musical, nos quais foram realizadas entrevistas aos estagiários e orientadores, tendo sido ainda analisados os relatórios dos estagiários. Como fontes de informação secundária, foram observadas as aulas de Metodologia e Didática da Formação Musical e as defesas de relatórios. Em todas as fases da investigação, foram seguidos procedimentos que garantissem o seu rigor ético, nomeadamente o consentimento informado dos intervenientes, o seu anonimato e a confidencialidade da informação recolhida. Foi obtida autorização oficial para realizar o estudo e identificar a instituição de formação.

A recolha de dados foi efetuada em 2016 no segundo semestre de estágio e após o estágio, envolvendo os estagiários (n=10), os professores cooperantes (n=10) e os professores supervisores (n=2) do ano letivo de 2015/16. Os professores supervisores detinham uma longa experiência de ensino e de supervisão, lecionavam a disciplina de Metodologia e Didática da Formação Musical e ambos desempenhavam funções supervisivas junto do grupo de estagiários. Os professores cooperantes lecionavam em contextos diversificados (escolas públicas e escolas privadas e/ou cooperativas; ensino vocacional e profissional; regimes integrado, articulado e supletivo), possuíam graus académicos e formação profissional diferenciados (bacharelato, licenciatura, mestrado e pós-graduações), e as suas áreas de habilitação académica eram também diversas (Instrumento, Teoria e Formação Musical, Composição e Musicologia). O tempo de lecionação destes professores variava entre 9 e 35 anos e a sua experiência de orientação de estágio variava entre 0 e 4 anos letivos. A maioria dos estagiários tinha entre 20 e 30 anos de idade, havendo dois com idade superior. Todos possuíam o grau de licenciatura (em Instrumento, Formação Musical ou Educação Musical). Apenas dois não tinham o estatuto de trabalhador estudante e 8 detinham experiência de ensino prévia (em Expressão Musical, Educação Musical, Instrumento e/ou Formação Musical).

Dada a extensão do estudo, no ponto seguinte centramo-nos em resultados de um questionário sobre conceções e práticas de ensino e supervisão, administrado a todos os participantes (n=22), cruzando pontualmente esses resultados com resultados da análise de outras fontes (entrevistas e relatórios). O questionário era essencialmente constituído por perguntas de resposta fechada com escalas ordinais de tipo Likert, apresentando-se em três versões semelhantes destinadas aos estagiários, aos professores cooperantes e aos professores supervisores, o que permitiu confrontar as suas perceções. Incidiremos em perceções sobre as competências profissionais desenvolvidas, os desafios que se colocam à prática pedagógica, o impacto da supervisão e o perfil dos orientadores de estágio. Na apresentação dos resultados, consideraremos as frequências de resposta e os valores da mediana e da média, obtidos pela conversão das escalas ordinais em escalas numéricas de 1 a 4.

3. Resultados do estudo

Nos quatro relatórios de estágio analisados (subcasos), os estagiários refletem sobre o seu desenvolvimento profissional e associam-no a competências de experimentação de novas estratégias e de indagação pedagógica. Todos fazem uma apreciação positiva da experiência de estágio, valorizando o conhecimento dos contextos, a observação de aulas, a planificação, a lecionação e a reflexão sobre a prática. Contudo, a análise das perceções dos 22 participantes permite-nos obter uma visão mais detalhada e crítica do estágio enquanto espaço potencialmente transformador.

Começando pelas competências profissionais desenvolvidas, o questionário abrangia cinco dimensões de competência que podem favorecer uma formação de orientação transformadora - Conhecimento de/ adequação aos contextos, Conhecimento didático, Capacidades de investigação e atualização, O eu profissional a ação pedagógica, e Colaboração pedagógica (cf. Quadro 2 acima). A Tabela 1 apresenta as perceções dos orientadores (supervisores e cooperantes) quanto à importância que lhe atribuíam na sua ação supervisiva e as perceções de satisfação dos estagiários com o seu desenvolvimento no estágio. Indicam-se os valores obtidos em cada uma das cinco dimensões, calculados a partir dos valores obtidos nos respetivos itens do questionário.

Tabela 1 Supervisão e desenvolvimento de competências profissionais 

Dimensões Itens do questionário (competências) Importância (orientadores) Satisfação (estagiários)
Md Me Md Me
Conhecimento de/ adequação aos contextos Conhecimento da/integração na escola de Estágio Conhecimento dos alunos com quem trabalha Participação em atividades educativas de âmbito escolar 3 3,19 3 3,07
Conhecimento didático Conhecimento de diversas abordagens de ensino Capacidade de planificar e lecionar aulas Capacidade de avaliar aprendizagens 4 3,86 3 3,03
Capacidades de investigação e atualização Capacidade de realizar pesquisas teóricas Capacidade de inovar Capacidade de observação e reflexão Capacidade de investigação da prática 4 3,54 3 2,98
O eu profissional e a ação pedagógica Desenvolvimento de um estilo de ensino próprio Desenvolvimento de propostas adequadas aos alunos Promoção do progresso dos alunos nas aprendizagens Avaliação formativa do desempenho 4 3,56 3 3,00
Colaboração pedagógica Diálogo/partilha com outros professores da escola Diálogo/partilha entre colegas do Mestrado Diálogo/partilha com os orientadores Apoio dos orientadores 3 3,44 3 3,18

Legenda: Md --Mediana (de 1 a 4); Me - Média (de 1 a 4, calculada a partir das escalas de importância e satisfação: 1 - nada importante/ insatisfatória; 2 - pouco importante/ pouco satisfatória; 3 - importante/ boa; 4 - muito importante/ muito boa).

Embora o foco nestas competências seja reconhecido pelos atores na sua experiência, o grau de satisfação dos estagiários é menor do que o grau de importância que lhes é atribuído pelos orientadores, o que sinaliza desfasamentos entre o investimento supervisivo e as vivências da formação, menor no caso das competências relativas ao conhecimento de/ adequação aos contextos, onde as perceções dos dois grupos são mais convergentes. Note-se, ainda, que é na dimensão das capacidades de investigação e atualização que as perceções dos estagiários são menos positivas comparativamente às restantes dimensões consideradas.

Numa maior aproximação aos processos de desenvolvimento profissional no estágio, o questionário apresentava um conjunto de desafios que se podem colocar à planificação e lecionação de aulas, agrupados em três dimensões - Promoção das aprendizagens dos alunos, Desenvolvimento profissional autodeterminado e Integração de orientações externas. A Tabela 2 apresenta as perceções dos 22 participantes sobre a importância que esses desafios deverão ter idealmente e a importância que assumiam na prática de estágio, assim como as suas perceções sobre aqueles que apresentavam maiores dificuldades aos estagiários (+Dif).

Tabela 2 Desafios da planificação e lecionação de aulas  

Dimensões Itens do questionário (desafios) + Dif (f) Importância
Ideal Na prática
Me Me Me Me
Promoção das aprendizagens dos alunos Adequar as práticas às características dos alunos 12 3,95 3,91 3,62 3,64
Garantir que os alunos aprendem e progridem 7 3,91 3,76
Promover a autonomia dos alunos na aprendizagem 5 3,91 3,57
Motivar os alunos para a disciplina 5 3,86 3,62
Desenvolvimento profissional autodeterminado Adotar abordagens atuais e inovadoras 12 3,45 3,26 3,24 3,20
Melhorar o desempenho profissional pessoal 2 3,44 3,38
Alcançar uma boa classificação no estágio 0 3,05 3,24
Ser fiel às convicções e ideais pedagógicos pessoais 3 3,00 2,95
Integração de orientações externas Respeitar as orientações da escola/do departamento 1 3,41 3,33 3,19 3,18
Integrar as indicações dos orientadores 1 3,38 3,23
Corresponder às expectativas dos orientadores 3 3,19 3,10

Legenda: +Dif - Mais dificuldades; f - Frequência; Me - Média (de 1 a 4, calculada a partir da escala de importância: 1 - nada importante; 2 - pouco importante; 3 - importante; 4 - muito importante).

Podemos observar que todas as dimensões são valorizadas, mas a importância que lhes é idealmente atribuída é superior à importância percebida nas práticas, sobretudo no caso da promoção das aprendizagens, sendo nessa dimensão que um maior número de inquiridos assinala dificuldades de concretização, com destaque para o desenvolvimento de um ensino adequado às características dos alunos. Também são assinaladas maiores dificuldades na adoção de abordagens atuais e inovadoras, o que pode ser relacionado com o menor grau de satisfação dos estagiários relativamente ao desenvolvimento de capacidades de investigação e atualização, assinalado acima (cf. Tabela 1).

A promoção das aprendizagens e a adoção de abordagens inovadoras não se dissociam do tipo de atividades didáticas desenvolvidas na disciplina. As respostas dos participantes sobre a importância dos diversos tipos de atividades consideradas (cf. Quadro 3 acima), sintetizadas na Tabela 3, permitem concluir que são valorizadas, mas também que existe algum desfasamento entre conceções ideais e perceções das práticas, sendo estas menos favoráveis a uma pedagogia transformadora. Por outro lado, a análise dos relatórios de estágio nos subcasos evidenciou o predomínio das atividades não contextualizadas, tanto nas aulas observadas (88,1%) como nas planificações dos estagiários (88,6%), o que poderá sinalizar o reforço de uma tradição técnica no âmbito da disciplina.

Tabela 3 Tipos de atividades didáticas 

Tipos de atividades Importância ideal Importância na prática
Md Me Md Me
Atividades não contextualizadas Enfoque em competências técnico-musicais 3,0 2,91 3,0 3,14
Atividades contextualizadas Enfoque em competências interpretativo-musicais 4,0 3,64 4,0 3,59
Atividades multidisciplinares Enfoque em competências sociais, culturais e humanas (desenvolvimento artístico, cultural e de competências transversais ao currículo, por ex. autonomia, espírito crítico, cidadania...) 3,5 3,41 3,0 2,86
Atividades de aprender a aprender 3,5 3,45 3,0 3,14

Legenda: Md - Mediana (de 1 a 4); Me - Média (de 1 a 4, calculada a partir da escala de importância: 1 - nada importante; 2 - pouco importante; 3 - importante; 4 - muito importante).

Na Tabela 2 acima apresentada, sobre desafios da planificação e lecionação de aulas, observa-se que os sujeitos valorizam simultaneamente um desenvolvimento profissional autodeterminado e a integração de orientações externas, o que parece configurar a coexistência de tendências transformadoras e reprodutoras na prática pedagógica e no desenvolvimento profissional. Este resultado é reforçado pelas respostas a uma outra pergunta do questionário acerca do impacto da supervisão, sintetizadas na Tabela 4, na qual se pretendia conhecer perceções sobre o papel do estágio na construção da identidade profissional.

Tabela 4 Impacto da supervisão pedagógica na construção da identidade profissional 

Experiência de estágio... Itens do questionário (síntese) Perceções dos orientadores (concordância) Perceções dos estagiários (concordância)
Md Me Md Me
... marcada pela visão pedagógica pessoal As aulas e reflexões dos estagiários traduzem as suas convicções; existe convergência entre as suas convicções e as dos seus orientadores. 3 2,64 3 3,06
... marcada por influências externas As orientações fornecidas pelos orientadores influenciam positivamente as aulas dos estagiários; a observação de aulas é útil para o seu desenvolvimento profissional; a sua atuação é condicionada pelo facto de serem observados e avaliados. 3 3,30 3 3,04
... marcante para a futura atividade profissional As aprendizagens do estágio são úteis para o futuro; o estágio motiva os estagiários a continuarem a observar aulas e a serem observados no seu futuro profissional; a experiência de orientação de estágio é útil para o desenvolvimento profissional dos orientadores. 4 3,61 3 3,40

Legenda: Md - Mediana (de 1 a 4); Me - Média (de 1 a 4, calculada a partir da escala de concordância: 1 - discordo; 2 - concordo pouco; 3 - concordo; 4 - concordo totalmente).

Observa-se que tanto os orientadores como os estagiários reconhecem a importância das orientações externas e das visões pessoais dos estagiários na construção da sua identidade profissional. O facto de os estagiários reconhecerem também o papel marcante do estágio na sua futura atividade profissional, o que foi corroborado na análise das entrevistas e dos relatórios de estágio, parece sugerir que validam as orientações externas e que não existirá conflito entre essas orientações e as suas próprias visões do ensino, ou que potenciais divergências serão resolvidas e acomodadas. Assim, apesar das assimetrias que caracterizam as relações orientador-estagiário, parece existir uma “aliança supervisiva” no sentido proposto por Falender et al. (2014), propícia ao diálogo e à negociação de perspetivas, o que poderá favorecer o desenvolvimento de uma identidade profissional própria. A não existência de um programa nacional também pode ser um fator de maior liberdade pedagógica e, portanto, atenuador de potenciais tensões. A este propósito, um dos professores cooperantes afirma o seguinte na entrevista: “(...) nós estamos regularmente a fazer um estudo do que é importante, exatamente porque não há um programa nacional. Porque se houvesse nós tínhamos de nos reger por aquilo e era o que era. Alguém tinha estudado isso, em princípio, e tinha definido que o melhor era aquilo”. Este testemunho sublinha a importância da autonomia pedagógica das escolas e o papel dos orientadores e dos professores como gestores do currículo, apesar de não ser muito claro, como vimos, que as atividades de sala de aula se tenham afastado significativamente das tradições da disciplina.

A criação de um clima supervisivo favorável ao diálogo e à reflexão depende do perfil dos orientadores. A Tabela 5 apresenta esse perfil com base nas vivências dos participantes, por referência a um conjunto de competências pessoais e interpessoais, enunciadas no questionário em forma de nuvem de palavras e aqui organizadas de acordo com a sua orientação transformadora ou reprodutora. Aos orientadores foi solicitado que caracterizassem globalmente o seu papel, e aos estagiários que caracterizassem globalmente o papel dos seus orientadores, podendo ser sublinhadas uma ou mais das características enunciadas.

Tabela 5 Perfil dos orientadores 

Competências pessoais Competências interpessoais
Itens T f Itens R f Itens T f Itens R f
Atualizado 8 Desatualizado 0 Prom. de autonomia 15 Controlador 1
Inovador 3 Conservador 0 Facilitador 2 Autoritário 0
Experiente 8 Inexperiente 0 Formador 7 Avaliador 3
Reflexivo 15 Pouco reflexivo 0 Colaborativo 21 Diretivo 1
Profissional 14 Pouco profissional 0 Solidário 7 Indiferente 0

Legenda: T - Orientação para a Transformação; R - Orientação para a Reprodução; f - frequência

Com raras exceções, as perceções dos inquiridos situam-se no polo da transformação, o que indica uma representação positiva das competências dos orientadores. Note-se, ainda assim, a baixa ocorrência do adjetivo “inovador” (f=3), o que vem reforçar outros indícios anteriores de possíveis limitações nesta dimensão da experiência de estágio. Nas características mais assinaladas emergem a reflexão, a colaboração e a promoção da autonomia, dimensões da supervisão também referidas nas entrevistas e potencialmente transformadoras do ensino (cf. Quadro 1 acima). Contudo, nas entrevistas, os orientadores abordaram a autonomia dos estagiários numa perspetiva desenvolvimentalista, na linha do que é proposto por Glickman et al. (2017). A abertura à autonomia do estagiário dependerá da sua competência pedagógica, nomeadamente da sua capacidade de promover aprendizagens significativas nos alunos, e também da sua capacidade de autoquestionamento e de tomada de decisões. A preocupação de assegurar a qualidade da pedagogia parece ser tão importante como a iniciativa e a criatividade do estagiário, o que pode explicar e justificar a valorização simultânea de posturas heterodeterminadas e autodeterminadas, como vimos acima. Uma supervisão dialógica assente na colaboração, na linha do que Waite (1995) advoga, parece facilitar a conciliação dessas posturas aparentemente antagónicas e evitar a passividade ou a adversidade por parte dos formandos. Nas vozes dos entrevistados, a colaboração não se dissocia da reflexão e é uma condição indispensável ao desenvolvimento da identidade profissional do professor, sublinhando-se a sua importância no confronto de ideias, na problematização, fundamentação e renovação das práticas, e também na ampliação das conceções sobre a disciplina.

O questionário incluía uma pergunta final aberta sobre o papel do estágio no desenvolvimento (melhoria, consolidação, inovação...) da disciplina de Formação Musical. Dos 22 participantes, apenas dois professores cooperantes não responderam de forma afirmativa, num dos casos indicando a falta de inovação que tem observado nas abordagens adotadas, e no outro assinalando a dificuldade em identificar uma articulação direta entre o estágio e a reconstrução da disciplina, entendendo o estágio como uma experiência essencialmente centrada no desenvolvimento do estagiário. Nas restantes respostas, tal como nas entrevistas, foram apontados diversos fatores para justificar a convicção de que o estágio pode potenciar o desenvolvimento da disciplina: o confronto com diferentes perspetivas pedagógicas, a colaboração profissional, a experimentação de novas estratégias, a reflexão e a pesquisa. Um dos professores supervisores salienta, ainda, que o facto de os estágios se realizarem em escolas onde o estagiário não é docente permite um maior distanciamento crítico face a práticas estabelecidas, e que a presença de elementos externos nos júris de defesa dos relatórios promove uma “abertura para o exterior”. Em suma, a perspetiva dos participantes reforça o nosso pressuposto de que a supervisão poderá ter repercussões na reconfiguração das disciplinas escolares, o que também é evidenciado pela valorização da dimensão reflexiva e dialógica da formação.

Considerações finais

Os resultados apresentados parecem retratar a supervisão pedagógica como um espaço potencialmente transformador no que diz respeito às competências profissionais desenvolvidas, aos desafios e atividades da prática, e ao perfil e funções dos orientadores. Contudo, também são evidenciadas zonas de maior incerteza ou ambiguidade, sobretudo patentes nos desfasamentos observados entre conceções ideais e vivências da prática. Embora do estudo se possa inferir a existência de ambientes supervisivos favoráveis ao desenvolvimento profissional, esses desfasamentos parecem indiciar tensões latentes entre o desejado e o vivido, exigindo a expansão de processos de explicitação de constrangimentos e dilemas, e de negociação de perspetivas e possibilidades de ação (cf. Arvaja & Sarja, 2020; Yuan et al., 2019).

Por outro lado, apesar de se valorizar a inovação e se reconhecer o impacto positivo do estágio na renovação da disciplina, não é claro que as atividades didáticas observadas e desenvolvidas nos subcasos analisados apresentem traços inovadores. Pelo contrário, existem indícios do predomínio de atividades não contextualizadas, deixando antever uma preocupação com o desenvolvimento de competências técnicas, numa orientação aparentemente mais reprodutora do que transformadora. As conceções pedagógicas dos sujeitos parecem ser mais progressistas do que as práticas de sala de aula, importando efetuar outros estudos para compreender melhor os fatores que impulsionam ou dificultam a inovação no contexto do estágio.

Reforçar a dimensão investigativa da formação em estágio, nomeadamente através de projetos de investigação-ação, apoiaria uma maior inovação das práticas (Flores et al. 2016; Moreira et al., 2010; Vieira et al., 2019). Apesar de estes estagiários desenvolverem um projeto, este pode centrar-se mais na pesquisa teórica e não assume necessariamente caraterísticas de investigação-ação, ou seja, a relação entre ensino e investigação pode ficar diluída, como se observou nos relatórios analisados. A investigação pedagógica tende a estar pouco presente nos estágios dos cursos de formação inicial de professores (v. Jacobs, Hogarty, & Burns, 2017), mas existe evidência empírica da sua relevância no desenvolvimento da qualidade da pedagogia e da reflexividade e autonomia do futuro professor (BERA-RSA, 2014; Vaughan & Burnaford, 2016). O facto de os participantes do estudo valorizarem simultaneamente o desenvolvimento profissional autodeterminado e a integração de orientações externas, não sendo impeditivo da promoção da reflexividade e da autonomia, também pode sinalizar a necessidade de maior envolvimento dos estagiários em processos de investigação em sala de aula. A investigação das práticas favorece uma conceção do ensino como “motor epistémico”, ou seja, como uma atividade capaz de produzir conhecimento prático (Loughran, 2009, p. 200), elevando a criticidade da reflexão e a agência do professor nos processos de mudança.

Apesar das limitações observadas, o estudo revela que a supervisão encerra um potencial transformador. Contudo, faltam estudos que mostrem claramente quais são as repercussões da experiência de estágio nas práticas subsequentes dos estagiários e que fatores podem facilitar ou dificultar a sua atuação e integração nas escolas. Destacamos, a este propósito, a importância conferida pelos participantes à reflexão, à colaboração e à autonomia, que podem constituir pilares de uma formação emancipatória no contexto do estágio e para além dele, sobretudo tendo em conta a situação de crescente autonomia pedagógica conferida às escolas. Trata-se de uma autonomia real, com espaços de emancipação e inovação, ou de um ‘slogan’ (Contreras, 2003) que não chega a ser verdadeiramente vivenciado?

Compreendendo a formação profissional e a mudança educativa como processos sempre sujeitos a tensões e constrangimentos, reconhecemos que eles se situam entre um real e um ideal, ou seja, num espaço re(ide)alista de possibilidades (Jiménez Raya et al., 2017). Nesse espaço intermédio, de transição, o potencial transformador da supervisão depende da sua orientação prospetiva e também da sua própria renovação: “Trata-se de uma supervisão que se move lentamente entre o que a educação é e o que deve ser, explorando o possível, mas duvidando sempre do seu próprio valor, e encontrando nessa dúvida a sua principal razão de ser” (Vieira, 2009, p. 202). Assim, e embora a investigação externa sobre as práticas de supervisão, de que é exemplo o presente estudo, possa apoiar a sua compreensão e eventual reconfiguração, será igualmente importante que os orientadores estudem o que fazem, o que implica entender a supervisão como uma prática não só formativa mas também investigativa, e reconhecer que os orientadores, tal como os professores, poderão ser agentes de mudança nas instituições onde trabalham.

Agradecimentos

Agradecemos aos participantes no estudo pela sua colaboração. Este trabalho é financiado através de fundos nacionais da FCT/MCTES-PT, pelo CIEd (Centro de Investigação em Educação, projeto UID/CED/01661/2019), Universidade do Minho.

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1Em Portugal, os mestrados em ensino são cursos de formação inicial de professores com a duração de três ou quatro semestres, criados em 2007 no âmbito da Reforma de Bolonha (Decreto-Lei 43/2007, de 22 de fevereiro). O mestrado em causa tem a duração de quatro semestres (120 ECTS). O acesso aos mestrados requer o grau de licenciado e um mínimo de créditos de formação na área de docência. Todos os mestrados integram um estágio anual em escolas cooperantes, sobre o qual deve ser elaborado um relatório defendido em provas públicas.

2Antes de 2013, algumas escolas privadas e/ou cooperativas já haviam obtido autonomia pedagógica. Só com este decreto se estabelece essa autonomia para todas as escolas.

3Embora a designação consagrada na legislação nacional seja “orientador cooperante” e “supervisor”, usamos as designações utilizadas no regulamento de estágio da instituição: “professor cooperante” e “professor supervisor”; para nos referirmos aos dois grupos neste contexto, usamos o termo “orientadores”.

4A realização de projetos não é uma componente obrigatória do estágio nos mestrados em ensino, embora ocorra em muitas instituições como forma de reforçar a dimensão investigativa da formação. No entanto, o tipo de projeto é variável (por ex., pesquisa teórica sobre um tema didático, estudos de sondagem em pequena escala nas escolas, ou investigação em sala de aula).

Recebido: 04 de Março de 2020; Aceito: 20 de Março de 2021

Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Flávia Vieira. E-mail: flaviav@ie.uminho.pt

Luísa Pais-Vieira é Doutorada em Ciências da Educação - Supervisão Pedagógica. Professora no Conservatório de Música da Maia e Assistente convidada na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto. E-mail: luisapaisvieira@ese.ipp.pt

Flávia Vieira é Doutorada em Educação. Professora Catedrática do Instituto de Educação da Universidade do Minho. Investigadora do CIEd. E-mail: flaviav@ie.uminho.pt

Jorge Alexandre Costa é Doutorado em Sociologia da Educação e da Cultura. Professor adjunto da Unidade Técnica Científica de Música da Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto. Investigador do INET - md | CIPEM. E-mail: jacosta@ese.ipp.pt

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