1. Introdução
A sociedade contemporânea tem suscitado o desenvolvimento de qualidades individuais como a flexibilidade e a autonomia na busca pela própria aprendizagem, bem como de atributos coletivos como o compartilhamento de informações e a colaboração (Mack et al., 2016). A presente configuração social também apresenta importantes implicações educacionais. As instituições de ensino têm sido convidadas a repensar suas estruturas curriculares e práticas de ensino, fundamentadas na fragmentação dos conteúdos e na centralidade do conhecimento do professor, em prol de uma visão mais humanizada e integradora da aprendizagem, na qual o estudante seja posicionado no centro do processo educativo (Barr & Tagg, 1995).
Na formação inicial (FI) em Educação Física, determinadas investigações realizadas nas últimas décadas têm buscado explorar a avaliação de aspetos como estrutura curricular, atividades de pesquisa e extensão, recursos humanos e estruturais (Mendes et al., 2006; Salles et al., 2013), aspetos metodológicos das disciplinas (Bezerra et al., 2014; Rocha & Rezer, 2015) e ações pedagógicas dos professores (Iza & Souza Neto, 2014; Pereira et al., 2018). A preocupação em investigar a qualidade da FI dos futuros profissionais de Educação Física parece acompanhar o processo de reconfiguração promovido a partir da vigência das diretrizes curriculares mais recentes que orientam a organização dos cursos de Bacharelado e de Licenciatura em Educação Física (Brasil, 2018). De modo geral, identifica-se que a FI em Educação Física tem apresentado problemas como a baixa articulação dos conteúdos (Mendes et al., 2006; Salles et al., 2013) e a adoção excessiva de estratégias de ensino prescritivas pelos professores (Milistetd et al., 2018), o que parece estar relacionado ao baixo envolvimento dos estudantes nas atividades de ensino-aprendizagem (Mendes et al., 2006).
Diante destes aspetos, é possível observar que as alterações curriculares propostas pelas diferentes diretrizes, de forma isolada, parecem não ser capazes de contribuir para mudanças efetivas na FI (Costa & Nascimento, 2006). Considerando que diversos fatores podem interferir na dinâmica de um curso de graduação, a investigação do ambiente de FI torna-se importante para subsidiar a tomada de decisões mais acertadas a respeito das ações e estratégias a serem implementadas (Enright et al., 2017; MacPhail et al., 2014). Destaca-se que o ambiente de FI é constituído por fatores organizacionais da própria estrutura universitária, bem como por fatores pessoais e sociais relacionados às características dos professores e estudantes. Neste sentido, tais fatores englobam as atividades de ensino, pesquisa e extensão, os papéis assumidos pelos estudantes diante das orientações conceituais adotadas pelos professores e a dinâmica do poder no processo de ensino e aprendizagem (Nascimento, 1998).
Como os estudantes vivenciam cotidianamente os reflexos das propostas curriculares, acredita-se que o diagnóstico das perceções destes indivíduos sobre o ambiente de FI tem o potencial de ampliar a compreensão sobre a configuração atual do processo de ensino-aprendizagem. Complementarmente, este diagnóstico pode orientar o desenvolvimento de ações e estratégias institucionais que tornem este período mais alinhado às necessidades e expectativas da comunidade acadêmica, assim como às demandas da sociedade contemporânea. Embora tenham socializado informações importantes sobre a FI em Educação Física, as investigações anteriormente realizadas se restringiram à coleta de informações com estudantes das fases finais (Mendes et al., 2006), egressos (Salles et al., 2013) ou determinados estudantes do curso de Bacharelado (Milistetd et al., 2018), o que dificulta o diagnóstico de um perfil geral do ambiente de FI. Assim, o objetivo do estudo foi investigar o ambiente de FI percebido por estudantes universitários dos cursos de Bacharelado e Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública de Santa Catarina.
2. Método
O estudo possui caráter descritivo-exploratório e adota abordagem quantitativa (Thomas, Nelson, & Silverman, 2012). O projeto de pesquisa a partir do qual a investigação foi desenvolvida foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos de uma universidade pública de Santa Catarina (Parecer nº 2.345802/2017).
A população alvo foi composta por 491 estudantes universitários dos cursos de Bacharelado e Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública de Santa Catarina. A universidade investigada foi selecionada pelo critério de conveniência, considerando-se seu reconhecimento em nível nacional pela oferta da FI em Educação Física e o interesse investigativo neste ambiente por estudos precedentes (Mendes et al., 2006; Milistetd et al., 2018; Salles et al., 2013). De acordo com o Projeto Político Pedagógico (Fensterseifer et al., 2005a, 2005b), a instituição oferece duas habilitações (Bacharelado e Licenciatura) para o exercício profissional em Educação Física, em conformidade com as resoluções CNE nº 1 (Brasil, 2002a), CNE nº 2 (Brasil, 2002b) e CNE nº 7 (Brasil, 2004), com entradas distintas e carga horária de 3.480 horas/aula, sendo aproximadamente 1.800 horas/aula de tronco comum entre os cursos.
Inicialmente, realizou-se levantamento junto à coordenação dos cursos para identificar os estudantes regularmente matriculados no segundo semestre de 2018. Na sequência, agendaram-se com determinados docentes datas e horários específicos para realizar a coleta de dados presencialmente em sala de aula. Na oportunidade, os investigadores explicitaram os objetivos e os procedimentos a serem adotados na coleta de dados, destacando o caráter voluntário de participação e a garantia do anonimato. Aos interessados, solicitou-se a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Foram convidados a participar do estudo todos os estudantes universitários de Educação Física regularmente matriculados no segundo semestre de 2018. Não foram incluídos os discentes de intercâmbio provenientes de outras instituições. De acordo com os critérios estabelecidos, 326 estudantes universitários preencheram inicialmente o instrumento de coleta de dados. Destes, foram excluídos os participantes que não preencheram de forma completa ou adequada o instrumento (missing data). Assim, participaram do estudo 273 estudantes universitários dos cursos de Bacharelado (n=150) e Licenciatura (n=123) em Educação Física, do sexo masculino (n=187) e feminino (n=86), com média de idade de 23,1±5,3 anos.
Para a avaliação do ambiente de aprendizagem percebido, utilizou-se versão adaptada do Questionário de Avaliação do Ambiente Percebido da Formação Inicial em Educação Física (Nascimento, 1999). O instrumento foi elaborado a partir dos pressupostos teóricos da abordagem ecológica de Bronfenbrenner (1987) para avaliar o ambiente imediato de formação, bem como foi testado quanto à sua objetividade, clareza de linguagem e fidedignidade, revelando níveis aceitáveis de estabilidade dos escores (0,72) e de validação para aplicação na realidade brasileira.
O questionário é composto por questões fechadas que requerem respostas em escala Likert de quatro pontos, as quais contemplam as perceções discentes sobre os seguintes aspetos: (a) frequência das atividades de ensino (e.g. aula expositiva; aula/vivência prática; discussões em grupo; seminário teórico; experiência de ensino; experiência de laboratório; experiência de observação; avaliação teórica escrita; avaliação prática; avaliação pareada; e autoavaliação) (nunca=1, poucas vezes=2, muitas vezes=3 e sempre=4); (b) frequência dos papéis assumidos enquanto estudante (e.g. estudante-acadêmico; estudante-técnico; estudante-prático; estudante-crítico; estudante-pessoa) (nunca=1, poucas vezes=2, muitas vezes=3 e sempre=4); (c) nível de participação discente no processo de ensino-aprendizagem (totalmente passivo=1, parcialmente passivo=2, parcialmente ativo=3 e totalmente ativo=4); (d) grau de envolvimento de docentes e discentes na tomada de decisões sobre o processo de ensino-aprendizagem (decisões totalmente centradas no professor=1, decisões parcialmente centradas no professor=2, decisões em conjunto entre professor e aluno=3, decisões parcialmente centradas no aluno=4 e decisões totalmente centradas no aluno=5).
O preenchimento do instrumento ocorreu de forma individualizada e consumiu tempo aproximado de 15 a 20 minutos. Durante o procedimento, o pesquisador responsável pela aplicação permaneceu em sala de aula para solucionar eventuais dúvidas que surgiram a partir do seu preenchimento. Com a finalidade de abranger os estudantes que não se encontravam em sala de aula durante a coleta presencial, estruturou-se uma versão online do questionário por meio da ferramenta Formulários do Google. A versão online do instrumento foi encaminhada para os endereços eletrônicos (e-mails) dos participantes, juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Os dados provenientes dos questionários foram inseridos em planilha do programa Microsoft Excel e importados ao programa estatístico R. Neste processo, foram excluídos os instrumentos preenchidos de maneira incorreta e/ou incompleta (missing data). A partir deste critério, consideraram-se para análise 273 questionários.
Adotaram-se categorizações binomiais para as variáveis dependentes atividades de ensino (nunca=0, sempre=1), papéis assumidos (nunca=0, sempre=1), nível de participação discente (predominantemente passivo=0, predominantemente ativo=1) e grau de envolvimento (tomada de decisão predominantemente centrada no professor=0, tomada de decisão predominantemente centrada no aluno=1), e para a variável independente curso (Bacharelado=0, Licenciatura=1).
Utilizaram-se recursos estatísticos descritivos (frequência absoluta e relativa) para identificar as prevalências de atividades de ensino desenvolvidas nas disciplinas da FI, dos papéis assumidos pelos estudantes, do nível de participação e do grau de envolvimento discentes. Para verificar a associação entre as variáveis, aplicaram-se modelos de regressão logística binária, cujos resultados foram apresentados por valores de razão de chance (Odds Ratio - OR), e seus respetivos intervalos de confiança (IC) de 95%. Os modelos foram obtidos por meio do pacote “glm”, na linguagem estatística R (R-Core-Team, 2014).
3. Resultados
Os dados considerados nas análises foram provenientes de 273 estudantes (média de idade de 23,1±5,3 anos), sendo 150 do Bacharelado e 123 da Licenciatura, 187 do sexo masculino e 86 do sexo feminino. A Tabela 1 apresenta informações sobre a frequência de ocorrência das atividades de ensino e os papéis assumidos pelos estudantes universitários, considerando o curso de graduação. Quanto às atividades de ensino, os estudantes investigados perceberam maior frequência de aulas/vivências práticas e avaliações teórico-escritas e menor frequência de autoavaliações, experiências de laboratório, avaliações pareadas, experiências de observação, avaliações práticas e experiências de ensino em ambos os cursos. A maioria dos estudantes do Bacharelado percebeu a ocorrência mais frequente de aulas expositivas (52,0%) e menor frequência de seminários teóricos (61,3%), enquanto as discussões em grupo foram percebidas como mais frequentes por 67,5% dos estudantes da Licenciatura.
Com relação aos papéis assumidos, verificou-se que adquirir conhecimentos e dominar conteúdos, aprender pela prática ou por observação, desenvolver perceções de si próprio e transformar a si mesmo e aprender pela prática e desenvolver atitude reflexiva apresentaram maior frequência no processo de aprendizagem, ao passo que adquirir habilidades e dominar técnicas ocorreram com menor frequência.
Variáveis | Bacharelado n (%) | Licenciatura n (%) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Nunca ou poucas vezes | Muitas vezes ou sempre | Nunca ou poucas vezes | Muitas vezes ou sempre | |||
Atividades de Ensino | ||||||
Aula expositiva | 72 (48,0) | 78 (52,0) | 62 (50,4) | 61 (49,6) | ||
Aula/vivência prática | 40 (26,7) | 110 (73,3) | 31 (25,2) | 92 (74,8) | ||
Discussões em grupo | 75 (50,0) | 75 (50,0) | 40 (32,5) | 83 (67,5) | ||
Seminário teórico | 92 (61,3) | 58 (38,7) | 59 (48,0) | 64 (52,0) | ||
Experiência de ensino | 96 (64,0) | 54 (36,0) | 67 (54,5) | 56 (45,5) | ||
Experiência de laboratório | 131 (87,3) | 19 (12,7) | 112 (91,1) | 11 (8,9) | ||
Experiência de observação | 118 (78,7) | 32 (21,3) | 89 (72,4) | 34 (27,6) | ||
Avaliação teórica escrita | 47 (31,3) | 103 (68,7) | 35 (28,5) | 88 (71,5) | ||
Avaliação prática | 107 (71,3) | 43 (28,7) | 88 (71,5) | 35 (28,5) | ||
Avaliação pareada | 134 (89,3) | 16 (10,7) | 102 (82,9) | 21 (17,1) | ||
Autoavaliação | 140 (93,3) | 10 (6,7) | 109 (88,6) | 14 (11,4) | ||
Papel Assumido | ||||||
Adquirir conhecimentos e dominar conteúdos | 38 (25,3) | 112 (74,7) | 29 (23,6) | 94 (76,4) | ||
Adquirir habilidades e dominar técnicas | 79 (52,7) | 71 (47,3) | 71 (57,7) | 52 (42,3) | ||
Aprender pela prática ou por observação | 41 (27,3) | 109 (72,7) | 34 (27,6) | 89 (72,4) | ||
Aprender pela prática e desenvolver atitude reflexiva | 62 (41,3) | 88 (58,7) | 36 (29,3) | 87 (70,7) | ||
Desenvolver percepções de si próprio e transformar a si mesmo | 52 (34,7) | 98 (65,3) | 30 (24,4) | 93 (75,6) |
Na Tabela 2, apresentam-se informações sobre o nível de participação dos estudantes nas atividades de ensino e sobre o grau de envolvimento docente e discente percebido pelos investigados em relação às tomadas de decisão sobre o processo de ensino-aprendizagem. Os resultados revelam que o nível de envolvimento discente com o curso era predominantemente ativo e que as tomadas de decisão sobre o processo de ensino-aprendizagem estavam maioritariamente centradas no professor.
Variáveis | Bacharelado n (%) | Licenciatura n (%) | ||
---|---|---|---|---|
Nível de participação | ||||
Predominantemente passivo | 68 (45,3) | 57 (46,3) | ||
Predominantemente ativo | 82 (54,7) | 66 (53,7) | ||
Grau de envolvimento | ||||
Tomada de decisão centrada no professor | 130 (86,7) | 102 (82,9) | ||
Tomada de decisão centrada no aluno | 20 (13,3) | 21 (17,1) |
Os resultados da análise bruta dos modelos de regressão logística binária, considerando as atividades de ensino, os papéis assumidos, o nível de participação discente e o grau de envolvimento nas tomadas de decisão percebidas pelos estudantes investigados (Tabela 3) revelaram que as discussões em grupo, os seminários teóricos e o papel de aprender pela prática e desenvolver atitude reflexiva mostraram-se associados ao curso de graduação. Especificamente, os estudantes da Licenciatura apresentaram maiores chances de perceber a ocorrência de discussões em grupo (OR=2,07) e de seminários teóricos (OR=1,72), bem como de aprender pela prática e desenvolver atitude reflexiva (OR=1,70) em seu ambiente de formação do que os estudantes do Bacharelado.
Variáveis | Efeitos Fixos OR (IC 95%) | p-valor | |
---|---|---|---|
Bacharelado | Licenciatura | ||
Atividades de ensino | |||
Aula expositiva | 1.00 | 0.91 (0.56;1.46) | 0.69 |
Aula/vivência prática | 1.00 | 1.08 (0.63;1.87) | 0.78 |
Discussões em grupo | 1.00 | 2.07 (1.27;3.42) | <0.01 |
Seminário teórico | 1.00 | 1.72 (1.06;2.80) | 0.03 |
Experiência de ensino | 1.00 | 1.49 (0.91;2.42) | 0.11 |
Experiência de laboratório | 1.00 | 0.68 (0.29;1.46) | 0.33 |
Experiência de observação | 1.00 | 1.41 (0.81;2.46) | 0.23 |
Avaliação teórica escrita | 1.00 | 1.15 (0.68;1.94) | 0.61 |
Avaliação prática | 1.00 | 0.99 (0.58;1.68) | 0.97 |
Avaliação pareada | 1.00 | 1.72 (0.86;3.52) | 0.13 |
Autoavaliação | 1.00 | 1.80 (0.77;4.32) | 0.18 |
Papel assumido | |||
Adquirir conhecimentos e dominar conteúdos | 1.00 | 1.10 (0.63;1.93) | 0.74 |
Adquirir habilidades e dominar técnicas | 1.00 | 0.81 (0.50;1.32) | 0.40 |
Aprender pela prática ou por observação | 1.00 | 0.98 (0.58;1.68) | 0.95 |
Aprender pela prática e desenvolver atitude reflexiva | 1.00 | 1.70 (1.03;2.84) | 0.04 |
Desenvolver percepções de si próprio e transformar a si mesmo | 1.00 | 1.64 (0.97;2.82) | 0.07 |
Nível de participação | |||
Predominantemente ativo | 1.00 | 0.96 (0.59;1.55) | 0.87 |
Grau de envolvimento | |||
Tomada de decisão centrada no aluno | 1.00 | 1.34 (0.69;2.62) | 0.39 |
4. Discussão
O objetivo do estudo foi investigar o ambiente de FI percebido por estudantes universitários de Educação Física. De modo geral, identificou-se que os discentes de ambos os cursos perceberam de maneira similar a frequência de ocorrência das atividades de ensino. Especificamente, percebeu-se maior ocorrência (muitas vezes ou sempre) de atividades como aulas/vivências práticas (>70% em ambos os cursos) e avaliações teóricas (>65%), ao passo que atividades como experiências de laboratório (>87%), experiências de observação (>72%), avaliações práticas (71%), avaliações pareadas (>82%) e autoavaliações (>88%) ocorreram nunca ou poucas vezes.
As aulas/vivências práticas foram predominantes em ambos os cursos, o que pode ser explicado pela própria natureza teórico-prática de boa parte das disciplinas ofertadas, bem como pela inserção das Práticas Pedagógicas como Componente Curricular (PPCCs) na estrutura curricular (Fensterseifer et al., 2005a, 2005b). A adoção deste tipo de estratégia de ensino é recomendada pela literatura por seu potencial de despertar a motivação discente e de favorecer reflexões e significados pessoais a partir do que foi vivenciado (Cronin & Lowes, 2016; Marcon, Graça, & Nascimento, 2011; Milistetd et al., 2017). A perceção do estudante universitário é fundamental para que as atividades práticas sejam valorizadas em sua formação, de modo que não se tornem apenas práticas com caráter desportivizado e acrítico, que sobrevalorizem o saber-fazer como condição para poder ensinar (Darido, 1995). Neste sentido, ao explorarem seu potencial de despertar maior significância nos estudantes, as atividades práticas podem se configurar como estratégias importantes à construção do conhecimento pedagógico do conteúdo dos futuros professores (Marcon, Graça, & Nascimento, 2012; Nascimento et al., 2009; Shulman, 1987), bem como na formação da identidade profissional (Pires et al., 2017).
As avaliações escritas foram predominantes na perceção dos estudantes investigados, ao passo que tanto as avaliações práticas quanto as autoavaliações foram pouco utilizadas. A baixa utilização de formas alternativas de avaliação, tais como a prática, a pareada e a autoavaliação, pode resultar em um ambiente formativo escasso de situações propícias ao desenvolvimento crítico e reflexivo dos estudantes (Weimer, 2002). Em estudo com estudantes universitários e professores de quatro universidades Portuguesas, Barreira et al. (2017) investigaram a perceção das práticas de avaliação no contexto do ensino superior e verificaram que os estudantes não são frequentemente envolvidos em situações em que têm que avaliar o seu próprio trabalho e/ou o dos seus colegas. De outro modo, no estudo sobre o processo avaliativo no curso de Medicina de uma instituição pública, Zimmermann, Silveira, & Gomes (2019) constataram que na perspetiva da maior parte dos estudantes universitários e professores investigados, a autoavaliação configura-se como um importante processo de reflexão do desempenho para que se alcance a excelência da aprendizagem, possibilitando aos estudantes ter plena consciência a respeito de suas próprias qualidades e defeitos.
De fato, a perspetiva reducionista da avaliação como mera geradora de notas necessita ser substituída por uma conceção formativa, na qual a avaliação seja estimuladora e sustentadora da aprendizagem e do desenvolvimento discente (Barr & Tagg, 1995), pois desta forma ela auxilia o estudante no aperfeiçoamento de habilidades profissionais. A autoavaliação, por exemplo, pode ser realizada por meio de relatos ou apresentações orais em que os estudantes expressem suas ideias, argumentem e questionem uns aos outros (Neira, 2017). Para Romão (2019), o processo crítico e reflexivo da autoavaliação se verifica quando os estudantes passam a ter consciência dos próprios limites, buscando sua superação.
No que se refere às experiências com observações, a maioria dos estudantes investigados percebeu que estas ações ocorrem com frequência muito baixa. A observação se constitui como recurso importante para promover a aprendizagem (Roberts, 2010). Ao observarem atentamente situações e contextos de prática profissional, os estudantes podem avaliar com relativo distanciamento as potencialidades e os aspetos problemáticos do local e do profissional, tendo a oportunidade de aprender lições importantes com os erros e acertos alheios e aumentar a própria confiança para executar a tarefa ou participar de situações semelhantes à observada (Bandura, 2001).
Os professores podem utilizar este tipo de atividade durante a realização das PPCCs, as quais devem assegurar a indissociabilidade teórico-prática e rentabilizar vivências em diferentes contextos desde o início da FI (Brasil, 2004, 2015). As observações podem ser estratégias utilizadas tanto nos cursos de Licenciatura como no Bacharelado, sob a forma de oficinas, laboratórios, projetos, estudos de caso, análise de aulas ministradas entre os pares e outras ações que permitam aos estudantes aplicar o conhecimento adquirido no decorrer da FI (Marcon, Graça, & Nascimento, 2011; Nascimento et al., 2009). Tais atividades são mais expressivas quando realizadas em situações contextualizadas e próximas das realidades com as quais os profissionais se deparam em seu cotidiano (Bandura, 2001).
Apesar da semelhança entre o perfil do ambiente percebido pelos estudantes universitários, neste estudo foi possível encontrar maior chance destas atividades acontecerem no curso de Licenciatura quando comparado ao Bacharelado. Estudos realizados com propostas de ensino que priorizam as discussões em grupos (Keller-Franco & Masetto, 2018; Oliver & Oesterreich, 2013; Rangel-Betti & Galvão, 2001) sugerem que os estudantes adquirem uma postura reflexiva, tornando-se capazes de fazer e ouvir críticas, além de analisar suas próprias aulas durante o processo de formação inicial.
A realização de seminários teóricos, por sua vez, possibilita a superação dos sentimentos de insegurança decorrentes destes momentos, o que se apresenta como positivo ao processo de formação pessoal e profissional considerando a necessidade de se aprender a lidar com as constantes disjunções da sociedade (Jarvis, 2014). Quando os estudantes assumem o protagonismo do processo de ensino nestas atividades, a responsabilidade e a autonomia pela própria aprendizagem são estimuladas (Collier & Souza, 2017; Weimer, 2002). Assim, é possível observar que os estudantes do curso de Licenciatura participantes do estudo têm sido mais bem preparados neste quesito em comparação aos do Bacharelado, pois revelam participar de mais atividades de ensino estimuladoras da criticidade, reflexão e autonomia.
No que diz respeito à perceção discente sobre o grau de envolvimento de estudantes e professores nas tomadas de decisão relativas ao processo de ensino-aprendizagem, é possível perceber que, em ambos os cursos, esta é centrada no professor (>80%). De acordo com Weimer (2002), para que se crie um ambiente mais propenso ao desenvolvimento da aprendizagem discente, é necessário que o professor propicie mais oportunidades para que o estudante assuma protagonismo pela própria aprendizagem. O maior equilíbrio do poder na sala de aula, em que o estudante seja corresponsável pela tomada de decisão, evita que o ensino seja autoritário e diretivo, contribuindo para maior envolvimento e motivação intrínseca discente pela aprendizagem (Enright et al., 2017; Monteiro et al., 2010; Weimer, 2002).
5. Conclusões
Os resultados encontrados neste estudo evidenciam a predominância de realização de aulas/vivências práticas e de avaliações teóricas na FI em Educação Física oferecida pela IES investigada, ao mesmo tempo que sinalizam a pouca frequência de experiências de laboratório e de observação, bem como de propostas avaliativas alternativas como a avaliação pareada e a autoavaliação. Os discentes do curso de Licenciatura perceberam a ocorrência mais frequente de discussões em grupo e de seminários teóricos, além de revelarem aprender mais pela prática e desenvolver mais atitudes reflexivas do que os estudantes do Bacharelado. Finalmente, a maior parte dos discentes de ambos os cursos percebeu que os professores centralizam as decisões referentes à organização geral do processo de ensino-aprendizagem.
Como limitação deste estudo, deve-se considerar que foi utilizada apenas a perceção dos estudantes, o que não tornou possível a confirmação empírica as informações coletadas. Deste modo, recomenda-se que futuras investigações explorem outras técnicas de coleta de informação, tais como observações sistemáticas das aulas e entrevistas com determinados estudantes e professores, a fim de se obterem informações mais detalhadas e complementares sobre o ambiente de FI em Educação Física da IES investigada.
Em síntese, os achados deste estudo indicam a necessidade de se estruturarem tempos e espaços de aprendizagem mais convidativos à participação e à agência discente, de modo que se contribua com maior efetividade para o desenvolvimento da autonomia dos estudantes e para a formação de futuros profissionais mais bem preparados para lidar com as demandas da sociedade contemporânea. Especificamente, podem ser exploradas com maior frequência atividades de ensino que exijam maior envolvimento e a assunção de mais responsabilidades pelos discentes, o que resultará em equilíbrio dinâmico do poder e no aumento do potencial do impacto da FI sobre a preparação dos futuros profissionais de Educação Física.