1. Introdução
A participação dos pais no Conselho Geral das Escolas (CGE), enquanto órgão colegial de direção estratégica, é o objeto da pesquisa do presente trabalho. Quisemos saber a natureza e o sentido da participação na organização e funcionamento do órgão, como se processa o mecanismo de deliberação, qual o foco principal da ação, como se organiza o processo de interação entre representantes e representados, qual a relevância percecionada do órgão e que relação existe entre os pais representantes e o diretor. O texto organiza-se em oito sequências: breve enquadramento normativo e teórico do modelo de direção e gestão das escolas públicas, questões de investigação, objeto de estudo e metodologia adotada, caraterização dos participantes, descrição do instrumento de recolha de dados, procedimentos referentes ao processo de administração e recolha dos dados, apresentação dos resultados, discussão à luz do quadro teórico e conclusões.
2. Breve enquadramento normativo e teórico
Para conhecermos a visão dos pais sobre o CGE do qual fazem parte, importa ter presente o enquadramento normativo que regula a criação e o funcionamento do órgão, as especificidades da escola enquanto organização.
2.1. Enquadramento normativo que regula a criação e o funcionamento do CGE
A base normativa do governo das Escolas e dos Agrupamentos de Escolas é instituída pelo Decreto-Lei nº 75/2008 de 22 de abril que a si próprio se justifica com a necessidade de perseguir 3 objetivos: a) reforçar a participação das famílias e comunidades na direção estratégica dos estabelecimentos de ensino; b) reforçar as lideranças das escolas; c) reforçar a autonomia das escolas.
Em termos de estrutura orgânica, o nº 2 do art.º 10 define como órgãos de direção, administração e gestão a) O conselho geral; b) O diretor; c) O conselho pedagógico; d) O conselho administrativo.
O conselho geral é o órgão de direção estratégica responsável pela definição das linhas orientadoras da atividade da escola, sendo constituído por representantes docentes e não docentes (até um máximo de 50% dos membros), pais e encarregados de educação, alunos, município e comunidade local, não podendo exceder 21 elementos.
Neste contexto ideológico, a revisão do ordenamento jurídico visa instituir normas que garantam e promovam o reforço progressivo da autonomia e a maior flexibilização organizacional e pedagógica das escolas, condições essenciais para a melhoria do sistema público de educação, acreditando-se que tal desiderato se conseguirá com a) reestruturação da rede escolar, b) a consolidação e alargamento da rede de escolas com contratos de autonomia, c) a hierarquização no exercício de cargos de gestão, d) a integração dos instrumentos de gestão, e) a consolidação de uma cultura de avaliação e f) o reforço da abertura à comunidade.
Considera ainda o legislador ser necessário proceder ao reajusta mento do processo eleitoral do diretor, conferindo-lhe maior legitimidade através do reforço da exigência dos requisitos para o exercício da função [formação especializada para o exercício do cargo] e com uma constituição técnica do conselho pedagógico.
2.2. Identidade organizacional da escola
Neste enquadramento político e normativo, importa considerar que a escola é simultaneamente um sistema de reprodução normativa e cultural sendo também produtora de “políticas, orientações e regras” (Lima, 1992, p. 55), sendo aconselhável uma diversidade de focos de análise dada a coexistência de dois planos - o das orientações para a ação e o da própria ação.
Reconhecendo que a escola é uma organização social entretecida pelos atores, marcada pela polifonia e pela copresença de diversas perspetivas, é relevante ter presente que (Lima, 1997):
os actores escolares não se limitam ao cumprimento sistemático e integral das regras hierarquicamente estabelecidas por outrem, não jogam apenas um jogo com regras dadas a priori, jogam-no com a capacidade estratégica de aplicarem selectivamente as regras disponíveis e mesmo de inventarem e construírem novas regras (p. 87).
Este jogo é condicionado pela lógica burocrática marcada pela centralização do poder de decisão, extensa cadeia hierárquica, divisão e fragmentação do trabalho, impessoalidade das relações interpessoais, uniformidade e padronização dos currículos e sistema de avaliação.
A pregnância e a persistência deste modelo ideológico e organiza cional pode ser explicada pelo facto de oferecer “aos indivíduos uma muito feliz combinação de independência e segurança” (Crozier, 1963, p. 253), ao mesmo tempo que desresponsabiliza os agentes perante a resolução dos problemas concretos, sendo o preço a pagar pela falta de autonomia e liberdade.
Numa perspetiva política, a organização escolar é “uma arena onde a política domina e os detentores de influência rivalizam entre si e perseguem fins pessoais” (Mintzberg, 1986, p. 545), o que gera dinâmicas de coligação e de conflito quer entre fações ou grupos internos quer entre estes e grupos externos em competição para alcançar recursos e influência, procurando proteger os seus interesses através de trocas, regateio e negociação.
Neste contexto de arena política ganha relevância convocar as ba ses de poder dos atores. Segundo French e Raven (1959), pioneiros na definição de diferentes tipos e bases, o poder assume múltiplas dimensões, aqui se destacando o poder de especialista resultante do domínio técnico das operações a que se dedica a organização e o poder autoritário decorrente de posição hierárquica detida pelos sujeitos. Formosinho (1980), refere que o poder normativo é o contexto de legitimação dos vários tipos de poder, sobretudo do autoritário e destaca ainda o poder cognoscitivo (ou de especialista) tendo como base os conhecimentos adquiridos através de estudo, treino e experiência. Já numa perspetiva neo-institucional, as práticas de escolarização são caracterizadas pela débil conexão entre estruturas e atividades, pela escassa avaliação e controlo do processo e dos resultados da instrução, pelo reduzido exercício da autoridade sobre o trabalho da instrução.
Esta situação deve-se, sobretudo, à função prioritária da escola consistir em responder às normas, aos valores e às expectativas da sociedade, estando, por isso, em causa a legitimação da sua própria existência (Costa, 1996), e agindo para reforçar o seu estatuto de legitimidade institucional (Lima, 2006).
Neste contexto, as estruturas formais, os regulamentos e os dis cursos assumem-se como dispositivos de legitimação, como significantes que pretendem fazer crer que a escola cumpre a sua missão instrutiva e educacional, procurando-se ocultar ou tornar invisíveis os sinais da sua ineficácia (Alves, 1999).
Por outro lado, para dissimular a escassa conexão e congruência entre discursos, decisões e as ações e a débil coesão intraorganizacional, a dinâmica da ação é caracterizada pela “lógica da confiança” que corresponde ao pressuposto de que cada indivíduo confia na competência e no trabalho dos outros.
Para além desta interação, a escola é simultaneamente uma insti tuição debilmente articulada (Weick, 1976) caraterizando-se pela fragilidade das articulações curriculares verticais e horizontais, pela debilidade entre os fins proclamados e as funções realmente praticadas, pela escassa colaboração entre docentes e débil conexão entre todas as variáveis que constituem o sistema organizacional (agrupamento de alunos, espaços, tempos, tecnologias, estratégias de ensino e avaliação).
Em síntese, a integração dos pais no CGE tem de considerar o con texto de uma centralização burocrática do poder, a ficção de uma direção estratégica legitimada pela natureza de representação da comunidade educa tiva presente no conselho geral, a assimetria dos vários poderes e interesses e a coexistência de múltiplas lógicas de ação organizacional.
3. Questões de investigação, objeto e método de pesquisa
O objeto de estudo é conhecer as perceções dos representantes dos pais no conselho geral das escolas localizadas em território continental português, no sentido de (i) conhecer o papel e a natureza da intervenção dos pais ao nível do CGE; (ii) conhecer o tipo e a natureza das interações dos pais com o(a) di retor(a) e (iii) identificar propostas dos pais para a melhoria do modelo de direção e gestão das escolas. Com este propósito, foi utilizada uma pesquisa de orientação quantitativa, através da aplicação de um inquérito por questioná rio. Salienta-se que todos os procedimentos observaram os princípios da ética investigativa formulada pela Sociedade Portuguesa das Ciências da Educação. O consentimento informado foi apresentado a cada um dos participantes, a fim de clarificar o âmbito e natureza do estudo, bem como os seus objetivos, pro cedimentos e garantia de anonimato e da possibilidade de abandonar a investigação a qualquer momento. Como se depreende das questões de inves tigação, apenas se pretendeu inquirir sobre a perceção dos pais enquanto membros do CGE, não tendo sido viável recolher dados de outros elementos, nem do presidente do órgão. Anota-se ainda que os dados recolhidos e que vão ser analisados e discutidos têm de ser considerados na sua natureza probabi lística uma vez que não foram triangulados com outros atores do conselho geral e se inscrevem numa representação sobre a realidade e não numa análise de práticas.
3.1. Participantes
Participaram neste estudo 213 pais, na condição de representantes em esco las, agrupadas e não agrupadas - Norte (N=90; 42,3%), Lisboa e Vale do Tejo (N=42; 19,7%), Centro (N=25; 11,7%) e Algarve (N=3; 1,4%), representando cerca de 10% do universo de pais representantes no conselho geral. Destes, 115 (54%) são do género feminino e 98 (46%) do género masculino, com idades compreendidas entre 25 e 70 anos, com maior incidência no grupo dos 40 anos de idade. No campo das habilitações literárias (Tabela 1), apura mos que mais de metade dos pais é licenciado (N= 112, 52,6%). As profissões dos participantes foram organizadas por categorias do sector de atividade profissional, a partir da Classificação Portuguesa das Profissões mais atual (Tabela 1). A maioria dos pais integra a categoria dos “Técnicos e profissões de nível intermédio” (N=81; 38%), seguido por “Especialistas das atividades intelectuais e científicas” (N=60; 28,2%).
O gráfico da figura 1apresenta o número de anos em que os parti cipantes assumem o papel de representantes dos pais no CGE, sendo possível perceber que a maioria se situa entre zero e cinco anos de experiência neste papel.
3.2. Instrumento
Nesta pesquisa, a matriz de análise da informação decorre da aplicação de um questionário (ver Anexo) aos representantes dos pais com o propósito de obter dados sistematizados tendo em vista os objetivos enunciados. Estru turalmente, o questionário é composto por duas secções: sociodemográfica (sexo, idade, habilitações literárias, região, setor de atividade profissional) e vinte e oito questões onde se solicita o grau de acordo dos pais representantes, numa escala de Likert de seis pontos (de um a 6): discordo totalmente, discordo bastante, discordo, concordo, concordo bastante e concordo totalmente podendo também optar pela resposta não sei/não respondo.
O instrumento foi objeto de reflexão falada junto de cinco repre sentantes de pais e da análise junto de três especialistas em administração e gestão escolar, tendo-se procedido a aperfeiçoamentos de pormenor na formulação de alguns itens.
3.3. Procedimentos
Para o acesso a número expressivo de representantes, obteve-se o acordo e o apoio da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP) que enviou para a sua base de dados uma hiperligação que permitia o acesso ao instrumento, dando-se conta das questões de investigação, objetivo, forma de resposta, temporalização. O questionário foi enviado, em suporte digital, através de e-mail, utilizando a plataforma “questionários do Google”, entre 18 de dezembro de 2017 a 26 janeiro de 2018. A amostra disponível acabou por se situar em 213 representantes, num universo situado entre 2400 e 2500 sujeitos. Dada o procedimento adotado, não foi tecnicamente possível inquirir os presidentes dos conselhos gerais das escolas/agrupamentos a que pertenciam os respondentes, como já se referiu.
3.4 Tratamento de dados
Os dados recolhidos foram alvo de tratamento através de procedimentos de estatística descritiva simples, tendo-se identificado a frequência, a média e o desvio padrão das respostas, para cada questão e para cada categoria.
O tratamento obedeceu à técnica de análise categorial, situação que nos permitiu realizar uma abordagem compreensiva e interpretativa das posições e representações dos pais.
Para além disto, procurou-se perceber a existência ou não de associação entre variáveis intervalares, ou testar diferenças entre grupos de variáveis ordinais e nominais mediante cada categoria do questionário. Mais concretamente, recorreu-se ao Coeficiente de Correlação de Pearson, ao Teste T para amostras independentes e à ANOVA unifatorial.
4. Apresentação dos resultados
Os resultados apurados resultam das respostas de 213 pais a um questionário composto por duas secções - características socio demográficas e representa ções dos pais organizadas em 28 questões.
No plano sociodemográfico percebemos que os representantes dos pais possuem maioritariamente habilitação superior e integram ocupações socialmente relevantes o que parece criar condições para potenciar a partici pação efetiva e ativa na agenda e ação dos conselhos gerais.
Tendo em atenção os objetivos e a matriz de análise assumida, or ganizamos os 28 itens em seis categorias: Participação, Deliberação, Focaliza ção, Divulgação, Relevância e Relação Diretor-Pais.
É relevante sublinhar que: (i) em média, o índice de não resposta é na ordem dos 10% e (ii) o desvio padrão (DP) atinge um valor menor de dis persão na “Q24. O conselho geral deveria ter mais competências de delibera ção sobre os principais assuntos de natureza educativa da escola/agrupamento” (DP=1.000) revelando uma tendência de acordo e o valor maior na “Q9. As atas do Conselho Geral são divulgadas junto dos eleito res que elegeram os diferentes membros” (DP=1.689), circunstância que per mite visualizar o nível de dispersão entre os resultados e realizar a análise crítica por via da problematização e previsibilidade dos resultados a seguir apresentados.
Iremos de seguida apresentar os resultados da estatística descriti va para cada uma das categorias do questionário, e posteriormente os resulta dos dos testes de estatística inferencial realizados.
4.1. Análise das respostas aos itens do questionário
Participação
No primeiro conjunto de respostas a propósito das questões da par ticipação (Tabela 2), aferimos que a tendência geral apresenta uma dispersão de resultados.
Analisando item a item percebe-se que ao nível da participação há questões a reter: embora os respondentes afirmem uma presença ativa e par ticipativa, há um número significativo de sujeitos que reconhece uma não participação na definição da agenda do CGE (42%) e 16 sujeitos não sabem ou não respondem. Já no domínio da propositura de assuntos para discussão, uma expressiva maioria (72%) afirma essa prática ainda que 16 sujeitos declarem que não sabem/não respondem. Quanto à questão da participação ativa, os su jeitos afirmam inequivocamente esta prática (95%), embora se deva sublinhar que esta atividade pode ser problematizada pelo relativo domínio dos profes sores e do diretor. De facto, os respondentes afirmam maioritariamente (60%) que os professores não dominam a agenda do CGE, mas 40% afirma que sim. As posições de fronteira na escala são também relevantes: 83 discordam sobre o domínio e 54 afirmam a concordância. Tendência semelhante se pode obser var em relação ao domínio do diretor sobre o funcionamento do CGE: 60% discordam e 40% concordam quando ao domínio do diretor, o que configura discordância débil e um reconhecimento do seu poder. Inquiridos sobre se “os representantes da autarquia e dos alunos não deviam integrar o CGE” (Q22 e Q23), a média de respostas foi no sentido da concordância, ficando claro que na composição do CGE, os representantes da autarquia (83%) e os alunos (83.5%) não deveriam, na opinião destes pais, integrar este órgão. Esta rejei ção dos representantes autárquicos e dos alunos parece configurar um governo de escola limitado a pais e professores.
Deliberação
São quatro as questões que compõem esta categoria. Da tabela 3 sobressai um índice de concordância dos pais em relação às questões em aná lise. Há assuntos que merecem ser sublinhados desde logo na questão 4 em que uma expressiva maioria de respondentes (74.8%) afirma que “os repre sentantes dos pais tomam posições muitas vezes contrárias aos demais repre sentantes no CGE”, revelando uma fratura de posição no interior do órgão. Por outro lado, os respondentes acabam por reconhecer a “grande influência do diretor nas decisões do CGE” (65%), problematizando-se deste modo a ques tão do (não) domínio assinalada na questão 20. Percebe-se ainda que o modo de deliberação do órgão é de natureza consensual (87% dos respondentes assim o afirma). Por fim, os representantes dos pais reconhecem, de forma im plícita que o órgão tem escassos poderes de deliberação, já que uma grande maioria (92.9%) afirma que o “conselho geral deveria ter mais competências de deliberação sobre os principais assuntos de natureza educativa”, o que poderá significar que as que possui não são suficientes, de acordo com as per ceções dos inquiridos. Articulando esta resposta com a posição face à compo sição do órgão parece emergir uma visão de escola limitada ao seu interior.
Focalização
A Tabela 4 apresenta as questões relativas à categoria da focaliza ção, concordando os pais respondentes (N= 154, 80.2%) que “as decisões tomadas pelo CGE têm influência na melhoria das práticas pedagógicas da escola”). No entanto, este posicionamento é problemático.
De facto, 77% dos respondentes reconhecem que devido à falta de “preparação técnica de alguns dos seus membros, [o CGE] não reúne condições para se assumir como o órgão de definição da orientação estratégica da escola”. Por outro lado, 67% reconhece que “o CGE não tem competências e atribuições que lhe permitam assumir-se como o espaço de definição das linhas de orientação estratégica da escola”. E um número expressivo, 46.4% admite que o CGE se foca sobretudo em questões administrativas e burocráti cas. Pode, pois, admitir-se que, na visão dos pais respondentes, o CGE assume sobretudo uma dimensão burocrática, estando assim ausente uma ação estra tégica e tornando problemática a melhoria das práticas educativas.
Divulgação
No campo de divulgação, os respondentes expressam maioritaria mente a sua concordância face aos três enunciados: divulgam-se as atas junto dos eleitores (embora 16.9% não saibam e 38.9% afirmem o contrário), os “representantes dos pais reúnem pelo menos uma vez por período com os pais que os elegeram” (embora 43.7% discordem) e 72.3% dos respondentes afirme a divulgação regular do que se passa no CGE.
Não obstante este perfil de positividade nas práticas de partilha de informação, ressalta a ideia da dispersão de visões, indiciando uma expressiva heterogeneidade de práticas.
Relevância
Na categoria Relevância” as questões são cinco, ver Tabela 6.
Nesta categoria é de considerar uma autoperceção elevada em re lação à centralidade educativa das decisões que toma (89.5% dos responden tes afirma que sim), a grande relevância das orientações estratégicas que enuncia (74.7%), a representação da democracia em ação (78.5%).
Não obstante esta visão positiva do seu papel, não deixa de ser interpelante o reconhecimento maioritário da menorização sentida face à intervenção do Ministério da Educação (55%), e mesmo uma secundarização relativa face à ação e interação do diretor. Embora, a maioria negue esta pre ponderância do diretor (56.6%), o facto é que 81 respondentes, correspon dendo a 43.3%, confirmam a secundarização percebida.
Poderá, pois, admitir-se, que no plano ideológico das representa ções do órgão, a imagem não pode deixar de ser positiva. Mas reconhecendo a ação concreta da intervenção do Ministério da Educação e do diretor esta representação começa a vacilar.
Relação Diretor-Pais
Nos itens que constituem a categoria Relação Diretor-Pais, a tabela 7 evidencia concordância em relação aos itens “Os pais membros do conselho geral reúnem regulamente com o diretor” (50.2%) e as “As principais preocu pações dos pais são debatidas em reunião com o diretor (69%). Note-se, no entanto, a grande dispersão de posição nestes dois itens, sobretudo na questão 25. Registamos, contudo, que relativamente ao item “Os pais são ouvidos frequentemente por iniciativa do diretor” as respostas vão no sentido da discordância (51.7%), embora os pais percecionem que o diretor valoriza o seu papel e participação e as preocupações dos pais sejam debatidas com o órgão de execução das políticas educativas.
Da análise feita às diferentes categorias é possível convocar uma série de questionamentos, nomeadamente ao nível das categorias em estudo, a base para a discussão dos resultados que a seguir se apresenta.
4.2. Relações entre variáveis
Procurou-se compreender se as respostas a cada categoria do questionário estavam associadas ou variaram/apresentaram diferenças em função de um conjunto de variáveis sociodemográficas consideradas relevantes com base na literatura: i) variáveis específicas dos participantes (sexo, categoria profissio nal, habilitações literárias, número de anos no papel de representante no CGE); ii) variáveis do(a) Diretor(a) da escola dos filhos dos participantes (sexo, anti guidade no papel de Diretor(a)); e iii) variáveis do contexto escolas disponíveis (tipologia da escola, região da escola).
Foram realizados ajustes em algumas variáveis para a melhor realização dos testes estatísticos. Quanto à variável categoria profissional dos participantes, optou-se por considerar os participantes das categorias “Agri cultores e trabalhadores qualificados da agricultura, da pesca e da floresta”, “Reformado/Desempregado”, e “Profissões das Forças Armadas” como res postas omissas, uma vez que contabilizavam entre um e três participantes, impedindo a realização de Testes Post-Hoc, se necessário, sendo também o seu número muito díspar dos restantes grupos. Pelo mesmo motivo, na variável habilitações literárias dos participantes, considerou-se como omisso o único participante com Ensino Básico.
Focando primeiro nas variáveis específicas dos participantes deste estudo, foram encontradas diferenças significativas entre participantes do sexo feminino e masculino quanto à sua perceção nas categorias Focaliza ção (t(205) = -.206, p= .041) e Relevância (t(205) = -.233, p= .021). Em ambos os casos, os participantes do sexo masculino têm uma média superior aos par ticipantes do sexo feminino nestas duas categorias. Testamos diferenças também mediante a categoria profissional dos participantes e as suas habilita ções literárias, não tendo sido encontradas diferenças significativas em nenhuma categoria do questionário para estas duas variáveis sociodemográfi cas. Procurou-se ainda perceber se existe uma associação entre as categorias do questionário e o número de anos com experiência no CGE. Os resultados apontam para a existência de uma correlação positiva significativa entre o número de anos de experiência como pai representante no CGE e as seguintes categorias do questionário: Deliberação (r =.25, p <.001), Focalização (r =.27, p <.001), Divulgação (r =.17, p = .016), Relevância (r =.27, p <.001) e Relação Diretor-Pais (r =.22, p = .002) - apenas a categoria Participação não apresen tou uma associação significativa a esta variável.
No que concerne às variáveis do(a) Diretor(a) da escola cujo CGE os participantes integram, não foram encontradas diferenças significativas na perceção dos pais mediante o sexo dos Diretores. Por outro lado, foram encon tradas diferenças estatisticamente significativas nas categorias Participação (F(4,197) = 2.47, p = .047) e Divulgação (F(4,197) = 3.14, p = .016). O Teste Post-Hoc Gabriel revelou que, na categoria Participação, as diferenças encon tram-se entre os grupos de Diretores com até um ano de tempo no cargo e mais de um a quatro anos (p = .039), sendo que os participantes de CGE com Direto res no cargo há mais de um até quatro anos uma média significativamente superior na categoria Participação, em comparação aos participantes de CGE com Diretores até um ano no cargo. Já na categoria Divulgação, as diferenças foram encontradas entre os grupos mais de 8 a 15 anos e mais de 15 anos (p = .012), tendo os participantes de CGE com Diretores no cargo há mais de 15 anos uma média significativamente superior na categoria Divulgação, em compara ção com os participantes de CGE com Diretores há mais de 8 a 15 no cargo.
Finalmente, foram realizados testes estatísticos, atendendo a variáveis das escolas (região e tipologia da escola), e não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em nenhuma das categorias do ques tionário.
5. Discussão dos dados
Os dados revelam um posicionamento interpelante e paradoxal por parte dos pais que integram o CGE. De facto, no campo da participação, a maioria afirma ter uma participação ativa na definição da agenda, na formulação de propostas, na discussão dos assuntos, mas reconhecem que os atores dominantes são o Ministério, e tendencialmente o/a Diretor/a e os Professores. Estes dados ilus tram o paradoxo de uma posição que reconhece que as bases de poder (auto ritário e cognoscitivo) lhes não pertencem, estando situadas fora da escola e em determinados atores que possuem o poder de especialista. Por outro lado, parece tender a ser uma participação divergente, pois a maioria afirma assu mir posições contrárias aos demais membros do CGE. No entanto, esta diver gência enunciada coexiste com uma deliberação onde predomina o consenso. Curiosa também a conceção de democracia restrita que expressam: para a maioria, nem os alunos, nem a autarquia deveriam integrar o conselho.
A visão dos pais parece, pois, situar-se num contexto institucional de autovalorização do órgão, de aparente participação ativa, reconhecendo que o poder real não está ao seu alcance - encontra-se dentro da escola (ao nível do diretor e por extensão do conselho pedagógico constituído exclusiva mente por técnicos da educação, maioritariamente professores) e fora da escola (ao nível do ME).
No campo da deliberação, regista-se alguma dissonância nos modos de ver o processo. A maioria concorda que os pais tomam posições muitas vezes contrárias aos demais representantes no CGE, embora se admita que as deliberações se tomam por consenso. Os dados parecem revelar um certo estatuto de menorização, não obstante a estratégia dos “pais ser a de escolher como seus representantes elementos que possam estar à altura de disputar o jogo, nessa arena política, em igualdade de circunstâncias”, como referem Lima e Sá (2002, p. 69), o que também é confirmado pelo estatuto social dos respondentes, que se situam na classe média, média-alta.
Reforça-se, subtilmente, uma participação divergente e acentua-se a natureza de arena política do órgão. Por outro lado, um ator que participa nas reuniões, mas não é membro - o diretor - é percecionado como tendo uma expressiva influência na ação e na decisão do órgão, decorrente do seu poder de autoridade e de especialista, para além de ser, simultaneamente superior hierárquico dos funcionários e dos professores que integram o CGE. Por outro lado, ainda num registo paradoxal, a maioria dos respondentes afirma que o órgão deveria ter mais competências de deliberação, mas parece não assumir plenamente as que tem. Também Rosa Neto (2018, p. 159) assinala que a intenção do legislador “não tem reflexos na prática”, nos dois agrupamentos que integraram o seu estudo. Anota ainda a mesma autora que as competên cias mais estratégicas consignadas na legislação tendem a não ser exercidas (Neto, 2018):
O que caracteriza este conjunto [de competências] é o facto de implicarem, da parte do Conselho Geral, uma atitude que não é ape nas reativa, mas ativa. Com efeito, promover o relacionamento com a comunidade, dirigir recomendações são ações que implicam uma atitude de iniciativa que, no caso dos Agrupamentos que in tegra ram o nosso estudo, não aconteceu durante o tempo em que decorreu a nossa investigação. (p. 161)
Registe-se ainda a hipótese provável de um número considerável de pais desconhecer mesmo as competências consignadas na legislação, cons tatação também feita por Neto (2018).
Quanto ao foco da ação, regista-se alguma dispersão de resultados quanto à natureza dos assuntos debatidos em sede de CGE. Embora uma ligeira maioria rejeite a ideia de que o órgão se focaliza em assuntos de natureza administrativa e burocrática, o facto é que um número expressivo de respon dentes assume essa referência. Quanto ao ser ou não ser um órgão de deliberação estratégica, os respondentes tendem a assumir que o órgão toma decisões importantes, chegando a pensar que tem sido um órgão fundamental na definição das linhas de orientação estratégica, embora, paradoxalmente, também sustentem que dada a falta de preparação técnica de alguns dos seus membros, não reúne condições para se assumir como o órgão de definição da orientação estratégica.
A autoperceção de que as decisões tomadas pelo conselho geral têm influência na melhoria das práticas pedagógicas poderá ser lida à luz da teoria neo-institucional da presunção de competência, sendo um olhar provavel mente ficcionado pois o poder real de influência estará nos professores, no diretor e no conselho pedagógico, para já não referir o poder decisivo externo centrado no Ministério da Educação, como também se confirma no estudo de Neto (2018).
Quanto aos procedimentos de divulgação, comunicação e presta ção de contas àqueles a quem representam é de registar um défice significativo. Há uma grande dispersão de resultados na Q9 (divulgação das atas), na Q17 e 18. Embora apresente globalmente uma tendência positiva infere-se uma conexão débil entre os representantes e os representados, inserindo-se no quadro geral de um sistema debilmente articulado e de desarticulação entre ideologias, decisões e ação própria de uma hipocrisia organizacional (Brunsson, 2006; Lima, 2006).
No campo da relevância percecionada, os representantes dos pais filiam a sua visão numa perspetiva institucional. A maioria expressiva reco nhece que o órgão toma decisões importantes, mas, o mais certo, é serem de natureza administrativa e formal pois quem prepara e condiciona as decisões é o diretor, o conselho pedagógico, os professores. Anote-se, ainda, o reconhe cimento da debilidade do poder cognoscitivo que limita o papel dos pais na tomada de uma decisão ativa. E, no mesmo sentido, afirmam que é um órgão fundamental nas linhas de orientação estratégica, embora tenhamos já assina lado que provavelmente ignoram as competências prescritas, não assumem as mais relevantes para a vida organizacional e reconhecem a menorização do órgão praticada pelo ME. Quanto ao símbolo da democracia, que a maioria afirma reconhecer, é também paradoxal cruzar com a posição de que os alunos e os representantes da autarquia não deveriam integrar o conselho geral. No mesmo sentido, vai o posicionamento face ao papel do diretor: a maioria dos sujeitos (N= 106) discorda que o órgão seja secundarizado dada a centralidade atribuída ao diretor pela legislação. No entanto, 81 respondentes afirmam que sim e 26 não têm posição sobre a matéria o que denota uma divisão clara de visões.
Quanto à relação entre os pais que integram o CGE e o diretor torna-se evidente que se trata de uma relação privilegiada. As principais preocupa ções dos pais são debatidas em reunião com o diretor, há reuniões regulares e o diretor, na ótica dos pais, valoriza o papel dos pais na escola, provavelmente por serem uma base importante de proteção e confrontação potencial com o poder externo sediado no ME.
Em síntese, o CGE é, no plano da retórica legislativa e na autoperce ção discursiva dos pais um órgão relevante para a regulação e melhoria da vida escolar. No entanto, esta visão é atravessada por significativos dissensos, e vários paradoxos fazendo da autonomia da escola e da sua gestão democrática uma ficção legal (Barroso, 2004) face à lógica de submissão do órgão seja por ação externa seja por várias debilidades internas. (Lima, Sá e Silva, 2017, p. 243)
A visão e as perceções dos pais são assim atravessadas pelas con tradições que são constitutivas do modo de existir de um órgão que só retoricamente orienta a ação educativa das escolas.
6. Conclusão
Dado o exposto, pode concluir-se que os pais presentes nos Conselhos Gerais revelam:
Uma expressiva heterogeneidade nos modos de ver o papel e a ação do CGE, dominando a dispersão e o dissenso, podendo sustentar-se a existência de um certo “diálogo de surdos”, já anotado por Vieira (1996);
As respostas obtidas não variam em função do estatuto soci oprofissional dos respondentes, indiciando uma relativa homogeneidade de estatuto e de visão sobre a agenda escolar. Os sujeitos do sexo masculino possuem uma visão mais positiva em relação à focalização e relevância perce cionada em relação à ação que desenvolvem. Os anos de experiência no exercício de funções no CGE influenciam na construção de uma visão positiva sobre a ação do Conselho;
Uma convicção maioritária de uma participação ativa na agenda e na ação do CGE, mas provavelmente ilusória, dado que está subordi nada aos poderes externos do Ministério da Educação e aos micropoderes internos assumidos pelos professores e pelo diretor, podendo a este propósito evocar-se a metáfora da “quinta roda da carroça” referida por Virgínio Sá (2005):
Uma participação tendencialmente divergente, parecendo revelar que as preocupações dos pais não coincidem com os demais membros do CGE, embora, paradoxalmente, os pais acabem por operar através de uma deliberação por consenso, reforçando a ideia da existência de uma “arena política”, sistematicamente referida por diversos autores, designadamente, Lima e Sá (2002), Sá (2004), Lima, (2006);
Uma visão algo restritiva de comunidade e de democracia pois a maioria dos respondentes defende uma exclusão dos representantes da autarquia e dos alunos, provavelmente para reforçar o protagonismo num palco com menor número de atores;
A deliberação assumida ao nível do CGE é condicionada pelos poderes centralistas do Ministério da Educação e pelo poder cognoscitivo dos professores e do diretor, sendo os pais remetidos para um lugar secundário, como a investigação tem vindo a revelar (Sá, 2005, Silva, 2002);
Uma posição mais reativa do que ativa, uma vez que os prin cipais documentos de orientação estratégica são elaborados no seu exterior por professores, limitando-se o CGE a aprovar de modo aparentemente con sensual;
Uma representação que confirma a posição “de ofício da classe média”, procurando, pelo estatuto social, competir com os atores [desig nadamente professores] que detêm um status social elevado e uma base de poder fundada no conhecimento da organização escolar;
Uma visão de legitimação da escola enquanto comunidade educativa assumida de forma restritiva, provavelmente para fazer emergir, no pano formal, o papel dos pais;
Uma débil articulação entre os representantes dos pais e os representados, indiciando-se um défice de comunicação e de representação, e configurando um sistema debilmente articulado caraterístico de uma “hipocri sia organizacional” estudada por Brunsson (2006);
Uma fratura entre um autoconceito de ação estratégica e as múltiplas dependências a que está submetido, denotando uma relativa ficção de comunidade educativa e de ação estratégica e até um posicionamento pró ximo do “lugar do morto” (Houssaye, 2007, Nóvoa, 2014) em que a presença é indispensável ao jogo, mas onde não desempenha um papel relevante.
Assim, a visão dos pais parece estar refém de uma ilusão de influ ência e de regulação da vida escolar, indiciando que o CGE serve de instância de legitimação dos poderes centrais do Ministério da Educação e dos micropo deres de especialista, em regra detidos pelos professores e pelo diretor.
O estudo realizado revela a necessidade de qualificar os pais e os demais elementos do CGE no sentido de os capacitar para a construção de uma comunidade educativa mais sensível e mais consciente, capaz de ativar diálo gos construtivos e polifónicos. A formação na ação, o reforço da interação entre representantes e representados, a construção de agendas mais participativas, a assunção plena das competências legalmente consignadas são caminhos que podem ser percorridos se quisermos que os pais assumam a quota parte da responsabilidade na educação das jovens gerações.