1. Introdução
Sabe-se que o bullying é um problema no âmbito educacional. O envolvimento neste fenómeno pode ser influenciado por fatores a nível individual, familiar, comunitário, cultural e principalmente escolar (Barboza et al.., 2009; Espelage & de la Rue, 2013). Assim, fatores de risco e de proteção determinam o impacto do bullying para aqueles que participam da sua ocorrência. Na pesquisa de Khamis (2015), na qual foram analisados fatores individuais e contextuais relacionados à variância da gravidade do bullying, foi verificado que um ambiente escolar positivo, que favoreça a aprendizagem e incentive interações entre os estudantes baseadas na não violência, pode ser um fator de proteção para o não envolvimento nesse fenómeno.
No entanto, em muitos casos, a escola vem mostrando-se um local de produção e reprodução de violências e indisciplinas (Pinheiro et al., 2010; Silva & Pereira, 2008), em que muitas crianças e adolescentes não se sentem seguros ou pertencentes a ela (Glew et al., 2008). Numa pesquisa nacional realizada nos Estados Unidos, verificou-se que todos os dias, quase 160.000 crianças não frequentam a escola porque têm medo de serem intimidadas, de acordo com a Associação Nacional de Educação (Rettew & Pawlowski, 2016). No estudo de Glew et al. (2008), também nos Estados Unidos, 7% dos estudantes que cursavam o 8º ano, ficaram pelo menos um dia por mês em casa, em função do medo de outras crianças na escola. O medo da escola pode ser associado a um baixo desempenho escolar (Barboza, 2015), enquanto um clima escolar positivo pode melhorar a conquista académica dos escolares (Wang et al., 2014).
Assim, estudos produzidos na área da violência escolar vêm anali¬sando a relação entre baixo desempenho e participação no bullying (Bowes et al., 2013; Chang et al., 2013; Costa & Pereira, 2010; Krukowski et al., 2009; Kubwalo et al., 2013; Puhl & King, 2013; Yang et al., 2013), evidenciando que este fenómeno causa efeitos negativos no desempenho escolar de crianças e adolescentes (Albdour & Krouse, 2014; Barboza, 2015; Bilić et al., 2014; Copeland et al., 2013; Shirley & Cornell, 2012). Contudo, a literatura é controversa em relação ao desempenho académico dos participantes que assumem diferentes papéis de participação no bullying. Alguns autores acreditam, por exemplo, que a vitimização pode ocasionar desempenho escolar deficiente, maior evasão escolar e absentismo (Anthony, Wessler & Sebian, 2010; Cardoos & Hinshaw, 2011; Cornell & Mehta, 2011). Por outro lado, Smokowski e Kopasz (2005) identificaram os agressores com maiores problemas escolares, enquanto Gower et al. (2015) acreditam que, independentemente de ser agressor, vítima ou vítima-agressora, o envolvimento no bullying será prejudicial ao desempenho escolar.
A relação entre bullying e desempenho escolar é complexa, pois a intimidação representa apenas um dos fatores que pode contribuir para um baixo desempenho escolar. Desta forma, questiona-se: será que o desempenho escolar varia de acordo com os papéis de participação no bullying? Ou ainda, será que a relação entre desempenho escolar e bullying pode ser influenciada pelo contexto em que os participantes estão inseridos? Com o intuito de responder tais questionamentos o
presente estudo teve como objetivo comparar o desempenho escolar entre os papéis de participação no bullying em dois países (Brasil e Portugal).
2. Método
2.1. Design
Um estudo transcultural de corte transversal de cunho exploratório e amostragem intencional foi realizado na cidade metropolitana de Braga, na Região do Minho, ao Norte de Portugal, e também na cidade metropolitana de Florianópolis, estado de Santa Catarina, na Região Sul do Brasil, entre os meses de novembro de 2014 e maio de 2015. Esta pesquisa faz parte de um macroprojeto aprovada junto ao Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da UDESC sob processo 5439/2011, n° expediente 75/2011 (Brasil), e ao Comitê de Ética de Ciências Sociais e Humanas da Universidade do Minho, segundo o processo número 010/2014 (Portugal).
2.2. Participantes
A seleção das escolas em ambos os países foi intencional, de acordo com aquelas que demonstraram interesse e disponibilidade em participar da pesquisa. Com isso, participaram do estudo quatro escolas públicas municipais e uma escola privada em Braga, e uma escola pública municipal e duas escolas privadas em Florianópolis. Após essa seleção, foram convidadas a participar todas as crianças e adolescentes do 5º ao 6º ano do Ensino Fundamental, de ambos os sexos, matriculadas no período vigente do estudo.
Participaram deste estudo 376 participantes, 197 (156 de escola pública e 41 de escola privada) em Portugal e 179 (128 de escola pública e 51 de escola privada) no Brasil. Em termos de caracterização, apresentaram idade no intervalo compreendido entre 9 e 14 anos, média de 10,93 anos em Portugal e 10,81 anos no Brasil, distribuídos em 45,5% no 5º ano e 54,5% no 6º ano.
O único critério de exclusão adotado no recrutamento dos participantes foi apresentar alguma deficiência intelectual que impedisse a compreensão do instrumento, com base na indicação do Atendimento Escolar Especial (AEE) das escolas.
2.3. Variáveis
O desempenho escolar foi avaliado pelas médias finais obtidas pelos alunos ao final do ano letivo. Foram selecionadas quatro disciplinas, as quais coincidiam em ambos os países nos respetivos anos escolares. As disciplinas foram: português, matemática, língua estrangeira (inglês) e ciências. Com as notas dessas quatro disciplinas também foi calculada uma média final para os participantes de ambos os países.
Já a participação no bullying, deu-se através de um exame socio métrico, denominado escala sociométrica (Levandoski & Cardoso, 2013), que foi construído a partir de diversos outros estudos (Freire, Simão, & Ferreira, 2006; Levandoski & Cardoso, 2013; Olweus, 1994; Pereira et al., 2004; Smith, 2004). Este instrumento é constituído por perguntas do cotidiano da sala de aula relacionadas a comportamentos característicos de estudantes envolvidos em situações de bullying escolar, seja como vítima e/ou agressor. Cada participante indica o nome de três colegas de classe que mais se encontraram envolvidos nas situações descritas. Assim, todos os alunos tiveram dois escores, sendo um para agressão (somatório das questões 1, 3, 5, 7, 9 e 11) e outro para vitimização (somatório das questões 2, 4, 6, 8, 10 e 12), gerados pelo número de vezes em que foram citados em cada bloco de perguntas. Como o número de participantes por sala variou uma em relação a outra, para estabelecer os escores utilizaram-se os valores padronizados pelo Escore Z. A partir desses escores, foi possível estabelecer uma classificação de participação no bullying, segundo o método estabelecido por Coie et al. (1982) para mensuração de medidas sociométricas. Neste método os participantes são qualificados como adequados para tipos extremos de status dentro do grupo de pares, sendo que esses tipos de status podem ser pensados em termos de setores dentro de uma grade bidimensional formado pela preferência social e impacto social. O método aponta as relações entre as dimensões de preferência social e impacto social e os cinco tipos de grupos de status que foram comparados no estudo de Coie et al. (1982), sendo que um grupo de status médio foi identificado para fornecer um grupo de referência com quem os grupos mais extremos poderiam ser comparados. A questão básica a ser abordada neste método diz respeito a diferenças potenciais (percebidas pelos pares) nos padrões de comportamento entre os cinco grupos de status.
Os nomes das categorias utilizadas por Coie et al. (1982) foram adaptadas nesse estudo, de acordo com os perfis de participação no bullying. Os participantes foram então classificados em cinco categorias: a) não participa - alunos que não foram citados pelos colegas ou aqueles citados de forma esporádica em situações de agressão ou vitimização (53,7% dos participantes); b) grupo médio - alunos citados de maneira moderada em situações de agressão e vitimização, mas não de forma acentuada para serem classificados como um dos papéis de participação no bullying (6,4% dos participantes); c) vítimas - alunos citados de forma acentuada para questões de vitimização 17,8% dos participantes); d) agressores - alunos citados de forma acentuada para questões de agressão (11,2% dos participantes); e) vítimas-agressoras - alunos que citados de forma acentuada para questões de vitimização e agressão (10,9% dos participantes). Com o intuito de atender ao objetivo de identificar características dos papéis assumidos pelos envolvidos diretamente no bullying, os participantes do grupo médio foram excluídos das análises. A Escala Sociométrica apresentou um nível de consistência interna moderado, com um alfa de Cronbach igual a 0.744.
2.4 Procedimentos
Previamente à coleta dos dados, os pais e as crianças e adolescentes receberam informações detalhadas sobre a pesquisa. Os participantes foram devidamente esclarecidos sobre o estudo e explicitaram a sua anuência em participar da mesma através do Termo de Assentimento (TA), o qual foi elaborado em linguagem clara e acessível para os menores de idade. Da mesma forma foi enviado aos pais e/ou responsáveis o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), documento no qual é explicitado o consentimento do responsável legal da criança. Após a entrega dos termos de assentimento e consentimento assinados, todos os participantes responderam individualmente à escala sociométrica (Levandoski, 2013) sobre a participação dos colegas no bullying escolar, na qual cada participante indicou quais eram os pares que vivenciavam mais situações como agressores e vítimas. Essa etapa foi aplicada e supervisionada por dois pesquisadores capacitados para esclarecer qualquer dúvida dos participantes. Ao final do ano letivo em cada país, foram recolhidas com a direção da escola as notas finais dos participantes naquele ano escolar, sendo que, no Brasil, as notas foram recolhidas em dezembro, enquanto em Portugal, as notas foram recolhidas no final de julho, em função dos calendários escolares serem diferentes em cada país.
2.5 Análise estatística
Os dados foram analisados inicialmente pela estatística descritiva (média, desvio-padrão). A normalidade dos dados foi verificada através do teste Kolmogorov-Smirnov. A comparação das médias das variáveis foi realizada através do teste Kruskal-Wallis. Quando o teste foi significativo, comparações de dois em dois grupos foram realizadas para encontrar as diferenças, utilizando U de Mann-Whitney. Em todas as análises adotou-se o nível de significância de 5%, utilizando o programa estatístico SPSS, versão 20.0.
3. Resultados
Quando analisados todos os participantes, verificaram-se diferenças significativas no desempenho escolar entre os papéis de participação no bullying em todas as disciplinas analisadas, bem como na média final. De acordo com os achados deste estudo, as vítimas apresentaram melhores resultados em todas as disciplinas quando comparadas aos outros papéis de participação no bullying (p=0,001; p=0,015; p<0,001; p=0,003; p<0,001) (Tabela 1).
Ao analisar separadamente os participantes de Portugal, também foram encontradas diferenças significativas entre os papéis de participação no bullying em todas as médias analisadas. De acordo com os resultados, em português, as vítimas apresentaram melhor desempenho que os agressores e vítimas-agressoras (p=0,019). Já em matemática, língua estrangeira (inglês), ciências e média final, as vítimas apresentaram melhores resultados, tanto em relação aos agressores e vítimas-agressoras, quanto em relação aos que não participam do bullying (p=0,001; p=0,010; p=0,003; p=0,001, respetivamente) (Tabela 2).
Por fim, quando analisados os participantes brasileiros, não foram encontradas diferenças significativas entre o desempenho escolar e os papéis de participação no bullying (Tabela 3).
4. Discussão
Este estudo teve como objetivo comparar o desempenho escolar entre os papéis de participação no bullying em dois países (Portugal e Brasil). Dentre os principais achados, destaca-se que, ao analisar todos os participantes de modo geral, as vítimas tiveram melhor desempenho escolar em todas as disciplinas quando comparadas aos agressores e vítimas-agressoras. Ao separar os participantes pelo país de origem, verificou-se que em Portugal as vítimas continuaram apresentando melhor desempenho em relação aos agressores e vítimas-agressoras, também em todas as disciplinas. Já no Brasil não foram encontradas diferenças significativas no que tange ao desempenho escolar entre os papéis de participação no bullying.
Estes resultados trazem uma nova perspetiva para os pesquisado¬res da área. A maior parte dos estudos relacionados com as variáveis desempenho escolar e bullying, apontam que baixo desempenho encontra-se associado à vitimização, parecendo haver um consenso na literatura sobre tal associação (Barboza, 2015; Busch et al., 2015; Lam et al., 2015; Wang et al., 2014). Alguns poucos estudos indicaram que desempenho escolar deficiente estava associado ao papel de agressor (Nansel et al., 2001; Smokowski & Kopasz, 2005), ou que não foram encontradas associações entre desempenho escolar e envolvimento no bullying (Khamis, 2015). Contudo, os estudos que verificaram associações entre baixo desempenho escolar e o perfil de vítimas no bullying, ainda não foram capazes de afirmar se um baixo rendimento torna as crianças e os adolescentes mais propensos a tornarem-se vítimas pelos agressores, ou se, em função da violência sofrida, as vítimas tendem a ter uma queda no desempenho escolar. Todavia, os dados do presente estudo não confirmam essa associação, questionando o consenso dessa relação e as suas possíveis explicações, tendo em vista que os resultados apresentados inclinam as hipóteses para outra direção, nas quais a relação está entre melhor desempenho académico e vitimização em determinados contextos.
Alguns estudos trazem evidências do que poderia explicar essa si¬tuação nesta pesquisa. Numa meta-análise realizada por Nakamoto e Schwartz (2010), para verificar as associações entre vitimização pelos pares e desempenho académico, foi encontrada uma associação negativa fraca, sugerindo que nenhuma conclusão ainda pode ser tirada em relação ao desempenho escolar inferior por parte das vítimas. De acordo com os pesquisadores, mais estudos são necessários, tendo em vista a existência de outras variáveis nessa relação que podem atuar ora omitindo, ora exacerbando tais associações. Para Bilić et al. (2014), apenas vitimização física foi associada a menor desempenho académico, o que vai ao encontro dos achados de Wang et al. (2014), os quais sugerem que nem toda vitimização terá um impacto negativo sobre as notas escolares, pois as diferenças na frequência e nos tipos de vitimização podem ser fatores determinantes para prever características do desempenho escolar de crianças e adolescentes vitimizados.
Por outro lado, no estudo de Al-Bitar et al. (2013), os autores destacaram que 35% dos participantes relataram sofrer algum tipo de bullying por ter notas boas. Essa informação vai ao encontro dos resultados deste estudo, no qual constatou-se melhor desempenho das vítimas em Portugal. Tais informações não permitem inferir a origem dessas relações, mas levam a criação de novas hipóteses para explicá-las. Assim, sugerem-se duas vertentes, uma na qual as vítimas podem buscar no desempenho escolar um reforço para superarem ou enfrentarem a vitimização sofrida, e outra seria que o fato das crianças e adolescentes obterem melhores resultados na escola faz com que eles se tornem alvos dos agressores.
Entretanto, não se pode afirmar que essa seria uma característica universal das vítimas de bullying, por exemplo, essa relação não foi encontrada neste estudo. Uma possível explicação para essa diferenciação entre estudos realizados nos dois países (Brasil e Portugal) pode estar relacionada à qualidade de ensino em cada país. Em grande parte, as situações de bullying ocorrem quando há uma disparidade entre os pares em relação a alguma variável, por exemplo, o nível socioeconômico que constitui um fator para a vitimização quando há crianças e adolescentes com diferentes níveis sociais dentro do mesmo contexto escolar. Desta forma, se pensarmos que a educação brasileira possui, por exemplo, a progressão continuada, em que não há reprovação em alguns anos escolares, talvez a variável desempenho escolar não seja tão importante para identificar o bullying no Brasil quanto é em Portugal.
A segunda hipótese é controversa na literatura que estuda a res¬peito dos sujeitos com altas habilidades/sobredotação. Por exemplo, Galvão (2009) destaca que os estudantes que possuem inteligência maior que a média da população, geralmente possuem dificuldades de relacionamentos sociais, timidez e falta de confiança, o que potencialmente os tornam alvos mais fáceis de bullying. Entretanto, Dalosto e Alencar (2013) identificaram que os estudantes com altas habilidades/sobredotação se envolviam em situações de bullying não apenas como vítimas, mas também como agressores e testemunhas. Esse estudo indica que um alto desempenho escolar ou um desenvolvimento intelectual superior não representa uma condição exclusiva para se tornar uma vítima de bullying.
Por outro lado, Wang et al. (2014) sugerem que vítimas de bullying em escolas com um clima escolar menos favorável (maior insegurança, fraco relacionamento entre professores e alunos, entre outros), tendem a apresentar notas mais baixas do que os pares de escolas com um clima escolar mais positivo. Contudo, independente de afetar ou não o desempenho escolar, sabe-se que a vitimização pelo bullying pode causar prejuízos em diversas outras esferas da vida dessas crianças e adolescentes (Bilić et al., 2014).
Entretanto, os achados dessa pesquisa ressaltam a importância de maior atenção por parte dos pesquisadores também aos outros participantes do bullying. Os resultados indicaram que agressores e vítimas-agressoras tendem a apresentar menores médias no que tange ao desempenho escolar. Sabe-se que agressores e vítimas-agressoras externalizam mais comportamentos problemáticos, o que pode contribuir para baixa competência académica (Barboza, 2015; Lam et al., 2015). De modo similar ao que acontece em relação à literatura sobre a vitimização, os estudos produzidos sobre a associação entre baixo desempenho escolar e comportamentos agressivos, também não são capazes de determinar as relações de causalidade entre as variáveis, em função da sua metodologia transversal (Zequinão et al., 2017).
Contudo, apesar de ainda não se poder afirmar que o baixo de¬sempenho vulnerabiliza os estudantes à prática de agressões contra colegas na escola, ou que o envolvimento nessas situações prejudica o desempenho, sabe-se que, em grande parte, dificuldades de aprendizagem se apresentam associadas a outros problemas, principalmente de ordem comportamental e emocional (Elias, 2003; Martini & Boruchovitch, 1999; Stevanato et al., 2003). As crianças com dificuldades de aprendizagem e de comportamento, geralmente caracterizam-se como menos envolvidas com as tarefas escolares do que os seus colegas sem dificuldades, além de constituírem um grupo vulnerável, com desenvolvimento prejudicado na adolescência (Santos & Marturano, 1999; Stevanato et al., 2003), podendo ser um fator para o envolvimento no bullying escolar (Huepe et al., 2011; Lopes Neto, 2005). Assim, mais estudos visando analisar e compreender as características do desempenho escolar de agressores e vítimas-agressoras, bem como as relações de causa e efeito, são necessários.
Outro aspeto relevante deste estudo foi que o desempenho escolar parece ser uma característica mais importante na diferenciação dos envolvidos no bullying em Portugal do que no Brasil. A falta de estudos transculturais que investiguem as diferenças entre os países no que tange à relação entre desempenho escolar e bullying, limitam a interpretação dos resultados. Entretanto, em alguns estudos transculturais desenvolvidos a respeito do bullying, verificou-se que, independentemente do tipo de vitimização experimentada, nem todas as vítimas foram igualmente afetadas emocionalmente em diferentes países da Europa (Ortega et al., 2012), e que as diferenças de vitimização em crianças alemãs e inglesas podem ser explicadas por diferentes sistemas escolares em ambos os países (Wolke et al., 2001).
Com isso, acredita-se que tais diferenças encontradas nestes estudos transculturais, podem ser decorrentes de diferenças nas características culturais, nas políticas educacionais, entre as próprias escolas investigadas (Harel-Fisch et al., 2011; Smith-Khuri et al., 2004; Wolke et al., 2001) e nas rendas desiguais entre os países (Harel-Fisch et al., 2011), fatores que podem ter influência sobre fenómenos como o bullying. Assim, todos os envolvidos no meio escolar precisam identificar os fatores de risco e proteção associados a este fenómeno, para que seja possível estabelecer modelos mais sensíveis culturalmente, que contribuam para a avaliação, prevenção e intervenção do bullying (Khamis, 2015). Isso ressalta a relevância dos resultados do presente estudo, os quais apontam indícios de que o desempenho escolar pode ser uma variável importante nesse processo, principalmente em Portugal.
Como limitações desse estudo destacam-se: 1) a realização de uma pesquisa não probabilística não permite que os resultados encontrados possam ser estendidos de maneira geral a toda a população de ambos os países; 2) embora tenham sido encontradas algumas associações entre as variáveis analisadas, o delineamento transversal do estudo impede estabelecimento de causalidades. Pesquisas futuras podem adotar delineamento longitudinal em estudos transculturais, possibilitando o acompanhamento do fenómeno ao longo do tempo, de modo a compreende¬rem a relação entre desempenho escolar e os perfis dos participantes de bullying, identificando assim, relações de causa e efeito nos diferentes países.
5. Considerações finais
Os resultados apresentados reforçam a relevância do bullying no ambiente educacional, pois confirmam as indicações de que ele se encontra presente em praticamente todas as escolas do mundo, independentemente de diferenças regionais ou culturais (Craig et al., 2009). Assim, identificar o bullying escolar nas suas diferentes formas de manifestação e o modo como afetam a vida das crianças e adolescentes, é fundamental para oferecer o suporte necessário. A esse respeito, em relação ao desempenho escolar, especificamente, os resultados identificados nesta investigação foram divergentes àqueles apresentados pela maior parte da literatura, por identificarem os estudantes portugueses vítimas de bullying com as melhores notas, quando comparados aos agressores e às vítimas-agressoras. Assim, os dados deste estudo indicam que o desempenho escolar parece ser uma variável mais importante no estabelecimento dos papéis de participação no bullying em Portugal do que no Brasil, demonstrando que a relação entre essas variáveis não pode ser considerada uma característica padrão entre os envolvidos neste fenómeno em diferentes países.
Os resultados obtidos neste estudo podem colaborar na elabora ção de programas de intervenção que tenham como objetivo a promoção de boa convivência e de uma cultura de paz nas escolas. Intervenções direcionadas à prevenção e/ou ao enfrentamento do bullying escolar são importantes para auxiliar a modificar trajetórias escolares e de desenvolvi mento pessoal dos estudantes que envolvam a participação em comporta mentos violentos. O ideal, inclusive, é que tais intervenções estabelecendo redes integrais e articuladas de apoio e proteção, de modo a envolverem a equipe escolar na sua totalidade, as famílias dos estudantes e outros setores sociais como a saúde e os sistemas de proteção à criança e ao adolescente. É importante também considerar-se ações interventivas que sejam sensíveis às particularidades das diferentes realidades socioculturais nas quais as escolas estejam realizadas, tal como demonstrado pelos resultados deste estudo, de modo a serem mais contextualizadas e, portanto, mais efetivas.