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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187versão On-line ISSN 2183-0452

Rev. Port. de Educação vol.35 no.2 Braga dez. 2022  Epub 07-Nov-2022

https://doi.org/10.21814/rpe.19123 

Artigos Originais

Humanidades Digitais e ensino da História: O projeto 25 AprilPTLab

Digital Humanities and History Teaching: The 25AprilPTLab Project

Humanités numériques et enseignement de l’Histoire: Le projet 25AprilPTLab

Pierre Marie1 

Pedro Réquio2 

Dionisia Laranjeiro3 

1Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Portugal.

2Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, Portugal.

3Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores, Universidade de Aveiro, Portugal.


Resumo

O presente artigo tem como propósito apresentar o projeto 25AprilPTLab, que visa criar uma plataforma online com conteúdos dedicados à história contemporânea portuguesa, mais particularmente a compreendida de 1958 a 1982. O artigo plasma os processos iniciais desenvolvidos no âmbito do projeto, nomeadamente os inquéritos realizados a professores com o intuito de apurar as suas dificuldades no lecionar das temáticas ligadas ao período supracitado, de que tipo de suportes necessitam e em que medida a plataforma se compromete a responder a estas problemáticas. Em simultâneo, o artigo almeja valorizar novos métodos de ensino, pesquisa e assimilação do saber histórico, articulando-os com os desafios propostos pela atualidade.

Palavras-chave Ensino; História de Portugal; Humanidades digitais; Plataformas online

Abstract

This article aims to present the 25AprilPTLab project, which demands to create an online platform with content dedicated to Portuguese contemporary history, particularly to the period between 1958 and 1982. The article displays the early processes developed within the scope of the project, namely the surveys carried out with teachers in order to determine their difficulties in teaching the themes related to the aforementioned period, what kind of supports they need and to what extent the platform will respond to these problems. Simultaneously, the article aims to value new methods of teaching, research and assimilation of historical knowledge, articulating these practices with the challenges proposed by the present time.

Keywords Teaching; History of Portugal; Digital humanities; Online platforms

Résumé

Cet article vise à présenter le projet 25AprilPTLab, qui a pour objectif la création d’une plateforme digitale de contenus d’archives dédiés à l’histoire contemporaine du Portugal, plus précisément de 1958 à 1982. L’article présente les premiers développements réalisés dans le cadre du projet, notamment le questionnaire conduit auprès de professeurs afin de connaître les principales difficultés dans l’enseignement des thématiques à la période susmentionnée, les types de supports nécessaires, ainsi que les apports de la plateforme pour répondre à ces problématiques. Parallèlement, l’article cherche par ailleurs à valoriser de nouvelles méthodes d’enseignement, de recherche et d’assimilation du savoir historique en les articulant aux défis actuels.

Mots clés Enseignement; Histoire du Portugal; Humanités numériques; Plateformes digitales

1. Introdução

O desenvolvimento das novas tecnologias nas escolas abriu oportunidades valiosas para o ensino e a construção de ferramentas educativas, constituindo uma área em forte expansão. As Humanidades Digitais apresentam potencialidades não apenas para a investigação mas também para o ensino. Vários projetos de inclusão de tecnologias nas escolas atestam a pertinência de utilizar recursos e ferramentas digitais na atividade letiva, para ir ao encontro dos interesses dos alunos (UNESCO, 2011). São muitas as vantagens encontradas na utilização da tecnologia na sala de aula. Caetano (2015) sumaria algumas: têm impacto positivo na aprendizagem e nos resultados alcançados; quando se integram recursos tecnológicos na sala de aula, os alunos estão mais motivados e concentrados, empenham-se e participam mais, têm melhor comportamento; o uso da tecnologia desenvolve competências de colaboração e comunicação, ao mesmo tempo que favorece a aprendizagem independente, autónoma e diferenciada. Com as tecnologias, pode-se flexibilizar o currículo e ampliar espaços de aprendizagem. Os conteúdos e ferramentas didáticas disponíveis na internet permitem ao professor realizar atividades de aprendizagem ricas, complexas e diversificadas, promovidas na sala de aula e prolongadas em casa. O professor pode adaptar os conteúdos aos seus alunos, trazer novas experiências e enriquecer o repertório do grupo (Moran, 2004). Há, no entanto, que ter em conta constrangimentos na integração de tecnologias no ensino, tais como dificuldades dos professores devido a falta de tempo e de equipamentos, falta de formação e de confiança na utilização das tecnologias na sala de aula (Rodrigues, 2014), e também a resistência à mudança, a dificuldade de alguns professores na construção de recursos digitais e a necessidade de cumprimento de programas curriculares longos (Correia & Cavadas, 2019).

Nos últimos anos tem havido investimento público em iniciativas para equipar escolas com computadores e acesso à internet, criando condições para a utilização da informação online em atividades de ensino-aprendizagem, para enriquecimento temático, disciplinar e social dos professores e dos alunos – o programa ‘Internet@EB1’; o projeto ‘Competências Básicas em TIC nas EB1’; a iniciativa ‘Escolas, Professores e Computadores Portáteis’ (Carvalho, 2007); o ‘Plano Tecnológico da Educação’ (Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação, 2008); e, mais recentemente, o programa ‘Escola Digital’ (Portugal Digital, 2020). Existem inúmeros sites de conteúdos e ferramentas gratuitas para criar, colaborar, comunicar e publicar conteúdos. O importante não é acumular conhecimentos, mas saber selecionar, transformar e reutilizar em novas situações. Neste contexto, importa que os professores escolham recursos e ferramentas digitais que saibam usar com intencionalidade educativa para criar situações que envolvam os alunos na aprendizagem (Carvalho, 2007). E, neste sentido, é fulcral a formação dos professores. Há um conjunto de orientações, modelos e referenciais que defendem que a formação não deve ser focada na tecnologia, mas na sua integração pedagógica em atividades letivas, com exemplos concretos de aplicação para cada disciplina (Costa, 2008; Koehler & Mishra, 2009; Redecker, 2017). Em Portugal, o Plano Tecnológico da Educação, aprovado pelo XVII Governo em 2007, para modernização tecnológica das escolas portuguesas até 2010, integrou o Projeto Competências TIC, um sistema de formação e certificação de competências TIC para professores, preparando-os para aplicarem os conhecimentos tecnológicos nas suas práticas pedagógicas em sala de aula, com vista a melhorar a aprendizagem dos alunos. O estudo de implementação do projeto (Costa, 2008) refere que as TIC devem ser integradas em todas as áreas disciplinares e reitera a importância de recursos de qualidade, diversificados e adequados ao currículo; a seleção das tecnologias apropriadas aos objetivos e aos alunos; a criação de projetos que permitam aos professores colaborarem e partilharem conteúdos entre si.

Na disciplina de História, o desenvolvimento tecnológico e a web 2.0 aumentaram a produção, o diálogo e a partilha de conhecimento histórico. Na aprendizagem, as ferramentas tecnológicas facilitam a pesquisa histórica, o acesso a fontes, acontecimentos históricos, a organização de arquivos e imagens, a sistematização de factos através de linhas cronológicas ou mapas conceptuais. O software de edição multimédia pode ser usado para produzir narrativas, com texto, áudio, vídeo, imagens, tanto pelos alunos, na realização de trabalhos, como pelos professores, na vertente instrucional. As plataformas sociais podem servir objetivos educacionais, como a discussão e disseminação de ideias. Algumas organizações oferecem recursos pedagógicos pertinentes1 (Costa et al., 2012). Apesar disso, estudos mostram que na disciplina de História ainda está muito enraizado o ensino transmissivo, centrado na figura do professor com utilização do manual escolar (Silva et al., 2015), e que há necessidade de formar professores de História, autónomos e proativos, para implementar mudanças pedagógicas (Melo, 2015) e para a utilização eficaz das tecnologias no ensino da disciplina (Dias & Pimenta, 2016).

O projeto ‘25AprilPTLab – Laboratório Interativo da Transição Democrática Portuguesa’ visa criar uma plataforma online sobre a história do período de transição para a democracia portuguesa, onde se disponibilizam documentos de arquivos aos professores do ensino básico e secundário, para consulta, utilização e criação de atividades digitais adequadas à sua disciplina e nível de ensino. Este projeto de investigação está a ser desenvolvido no Centro de Estudos Sociais e no Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, com financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. O projeto é coordenado por Rui Bebiano e a equipa de investigação é composta por Natércia Coimbra, Pierre Marie, Pedro Réquio e Dionisia Laranjeiro.

O 25AprilPTLab pretende construir um espaço de aprendizagem sobre a história contemporânea de Portugal. O uso das tecnologias da informação e de comunicação através da construção da plataforma poderá permitir aprofundar os conhecimentos sobre o Estado Novo, o processo revolucionário iniciado a 25 de abril e a consolidação da democracia em Portugal. O projeto pretende facilitar o acesso a documentos de arquivos, incentivar atividades interdisciplinares nas escolas e promover a reflexão sobre as bases da democracia portuguesa. Neste espaço, os professores encontram recursos educacionais digitais selecionados, organizados e classificados que podem usar para construir os seus materiais pedagógicos para os alunos e partilhar numa comunidade com professores para reutilização e construção de novos recursos. O objetivo central do projeto consiste em contribuir para o desenvolvimento do conhecimento histórico e crítico dos alunos.

O presente artigo visa apresentar o projeto ‘25AprilPTLab – Laboratório Interativo da Transição Democrática Portuguesa’ e as potencialidades das Humanidades Digitais para o ensino da História nas escolas portuguesas. Na primeira parte, serão apresentados os levantamentos prévios realizados com vista a fundamentar o projeto. A segunda parte será dedicada à descrição do desenvolvimento tecnológico da plataforma. Na última parte serão focadas as potencialidades pedagógicas da plataforma para o ensino da História nas escolas.

2. Fundamentos do projeto

O projeto 25AprilPTLab nasceu da vontade de disponibilizar documentos de arquivos aos professores do ensino básico e secundário e ao público em geral, para ultrapassar algumas dificuldades que se destacam no ensino deste período. Antes da construção da plataforma, fizeram-se trabalhos preparatórios para fundamentar o projeto de investigação, ir ao encontro das necessidades dos professores e conhecer os desafios que enfrentam no ensino deste período histórico. Este estudo preliminar consistiu no levantamento e análise dos conteúdos dos manuais escolares de História e dos documentos de apoio apresentados; no inquérito a professores para conhecer as práticas educativas no ensino do período e as suas necessidades e expectativas em termos de acesso aos documentos e funcionalidades da plataforma; e finalmente na pesquisa de plataformas já existentes para o ensino.

2.1. Levantamento dos manuais

O manual escolar constitui uma ferramenta fundamental para a atividade letiva dos professores. Trata-se de uma fonte de documentos que também contribui para a organização de narrativas históricas. Com vista a fundamentar o trabalho científico do projeto 25AprilPTLab, realizou-se um levantamento dos manuais escolares de História em vigor no 6.º e 9.º anos do ensino básico e no 10.º e 11.º anos do ensino secundário, anos em que o período contemporâneo consta nos programas. Foram analisados 14 manuais, editados entre 2009 e 20182. Foi possível destacar uma narrativa comum nos textos destes manuais, bem como nos documentos apresentados. Estes manuais escolares foram eleitos para o estudo tendo em conta que foi necessário analisar a forma como período da transição democrática portuguesa (1958-1982) é conduzido através dos mesmos.

Nos manuais escolares analisados existe uma repetição de fontes e de documentos apresentados. Os capítulos dedicados ao Estado Novo mobilizam sobretudo discursos de António de Oliveira Salazar e a iconografia de propaganda do regime (“Portugal não é um país pequeno”; “A Lição de Salazar”). Nas páginas sobre o processo revolucionário, encontram-se repetidamente as mesmas capas de jornais e fotografias de militares no 25 de abril de 1974. Nota-se uma escassez de documentos apresentados e uma diversidade reduzida, apesar de existirem bastantes documentos nos arquivos ainda por explorar.

A escassez de documentos conduz à simplificação dos períodos do Estado Novo, do processo revolucionário e da transição democrática portuguesa. Os manuais tendem a reduzi-lo a confronto maniqueísta entre uma “via revolucionária” e uma “via democrática”. Os textos dos manuais escolares não conseguem restituir a densidade do período revolucionário. Esta simplificação oculta diferenças fundamentais entre os diversos projetos que se confrontaram para definir o futuro político, económico e social de Portugal e não permitem valorizar as mudanças locais sentidas pela população.

As limitações dos documentos apresentados pelos manuais propiciam ausências significativas para o estudo do período. Destaca-se a ausência quase total dos movimentos sociais, apesar do seu papel preponderante ao longo do processo revolucionário. Os manuais escolares desenvolvem sobretudo uma visão institucional do período, deixando de lado o intenso movimento popular constituído por Comissões de Moradores, Comissões de Trabalhadores, fábricas autogeridas, Reforma Agrária, entre outros. Quando estão referidos, estes movimentos são objeto de um tratamento enviesado. São raras as referências à diversidade da participação da população durante o período revolucionário.

Estas limitações nos manuais escolares têm consequência na definição de democracia que apresentam. Num dos manuais do 6.º ano, a democracia é definida como “tipo de regime político em que os cidadãos têm a liberdade de escolher os seus governantes” (Matias et al., 2017, p. 51). Os manuais analisados limitam a democracia aos mecanismos da democracia representativa, reduzem o cidadão à figura do eleitor e limitam a democracia à participação periódica em atos eleitorais. Os manuais traduzem, assim, uma visão institucional da democracia.

Os manuais escolares de História propiciam uma limitação e uma simplificação do processo revolucionário pela escassez de documentos apresentados. Traduzem uma narrativa dominante que tende a apagar outras narrativas e constitui um desafio para o ensino da História. As conclusões deste levantamento dos manuais mostram a necessidade de disponibilizar uma diversidade de documentos de arquivos, com vista a ultrapassar a narrativa dominante e a permitir outras interpretações deste período complexo.

2.2. Levantamento das necessidades dos professores

Tendo como propósito conhecer melhor as práticas educativas dos professores no ensino deste período, foi construído um inquérito que permitisse destacar as dificuldades encontradas pelos professores, mas também as suas necessidades. Este inquérito foi composto de perguntas de escolha múltipla, de escala, mas igualmente de perguntas com respostas abertas. O inquérito foi organizado em quatro partes temáticas: os conteúdos que estavam a ser ensinados sobre o período; os recursos usados para esta atividade letiva; as dificuldades e necessidades sentidas pelos professores; as funcionalidades que gostariam de encontrar na plataforma do 25AprilPTLab.

Para responder a este inquérito, foram contactados três agrupamentos de escolas e duas escolas secundárias do concelho de Coimbra3, e ainda um conjunto de professores que tinha demonstrado interesse no projeto. Esta amostra incluiu professores que não lecionavam diretamente o período, mas que abordavam temas com ele relacionados. Dos 91 professores que responderam ao inquérito, 33% lecionam a disciplina de História, 17% uma disciplina sobre Cidadania, 12% Língua ou Literatura Portuguesa e 8% outras disciplinas das Humanidades e Ciências Sociais. Estes professores ensinam em turmas do 5.º ao 12.º ano. Dos inquiridos, 85% são do sexo feminino e as faixas etárias mais avançadas são bastante representadas, com 54% de professores com idades entre os 51 e os 60 anos e 22% com mais de 60 anos.

O 25 de abril e o período que vai do Estado Novo à transição democrática motivam atividades nas escolas a 87% dos professores inquiridos. São sobretudo organizadas exposições, conferências, trabalhos de alunos, e ainda a difusão de filmes e documentários. Na sua atividade letiva, os professores usam, na sua grande maioria, os manuais e os recursos multimédia disponibilizados pelos editores e sites na internet. Nota-se pouco recurso a documentos de arquivos, a testemunhos e elementos de história oral ou a visitas a locais históricos e a museus.

As dificuldades encontradas pelos professores na sua atividade letiva podem ser divididas em quatro grupos. As primeiras têm a ver com o próprio tema, que aparece, para muitos docentes, como complexo, com muitos acontecimentos e datas, e por se tratar também de história recente, o que dificulta ainda mais o seu estudo. As segundas dificuldades relacionam-se com os programas e a organização do ensino. A escassez de tempo para a preparação das aulas e para a atividade letiva é sublinhada, bem como o comprimento dos programas e a abordagem superficial e repetitiva dos manuais. De notar que os conteúdos relacionados com o 25 de abril encontram-se no fim dos programas, o que torna a escassez de tempo ainda mais perceptível.

A terceira categoria está relacionada com o perfil dos alunos, que, na sua maioria, mostram pouco interesse e motivação na abordagem a estes conteúdos. Os professores inquiridos também destacam a falta de conhecimentos históricos, de maturidade e de formação política dos seus alunos para melhor perceber a densidade do período.

Finalmente, o quarto grupo lida com o material, com a dificuldade de aceder a documentos de arquivos e fontes sobre o período, e com as condições técnicas encontradas nas escolas no funcionamento dos computadores ou da rede internet. Os professores exprimem a vontade de ter acesso a documentos adequados à idade dos alunos, nomeadamente filmes e documentários de pequena duração, arquivos da época e documentos iconográficos. A falta de textos de apoio, bem como de guiões para análises de filmes e fotografias, foi igualmente mencionada. Os professores necessitam também de cronologias e esquemas para sustentar a sua atividade letiva, ideias e jogos pedagógicos e interativos. Finalmente, os docentes destacam a dificuldade em ter de procurar documentos e fontes em vários suportes.

Relativamente aos conteúdos da plataforma, 84% dos inquiridos referem como muito importante o acesso a documentos, principalmente os disponibilizados pelo Centro de Documentação 25 de Abril (62%), e 63% acham muito importante a presença de fichas pedagógicas na plataforma. O 25AprilPTLab surge como uma oportunidade para encontrar recursos diferentes (muito importante para 77% dos inquiridos) e fiáveis (muito importante para 72% dos inquiridos), bem como para motivar os alunos (muito importante para 77% dos inquiridos). Sobre potenciais constrangimentos na utilização da plataforma, 77% dos inquiridos destacam a falta de tempo e 72% o acesso à internet nas escolas.

2.3. Levantamento das plataformas existentes

Outro estudo prévio ao desenvolvimento tecnológico foi o levantamento de plataformas digitais existentes no mercado, que teve como objetivo conhecer a oferta nacional e internacional de plataformas com objetivos semelhantes e identificar, analisar e sintetizar as informações mais importantes de cada uma, como apoio à definição da nova plataforma. Assim, procurou-se compreender quais são as funcionalidades recorrentes e mais importantes nas plataformas existentes, os conteúdos mais procurados e mais usados, as abordagens mais inovadoras e as lacunas encontradas. Para este estudo, recorreu-se à pesquisa na web com o motor de busca Google, fazendo cruzamentos de vários termos, tais como: ‘Repositories’, ‘History’, ‘Humanities’, ‘Social Studies’, ‘Educational Resources’, ‘Educational activities’. Paralelamente, foram consultados blogs, revistas digitais e sites de tecnologias na educação (http://www.freetech4teachers.com; https://www.educatorstechnology.com; http://www.edudemic.com; http://www.edtechroundup.org), para ler artigos sobre as plataformas e opiniões dos especialistas da área. Dos resultados de pesquisa, foram selecionadas 14 plataformas de ensino-aprendizagem, pela afinidade que tinham com os objetivos do projeto 25AprilPTLab.

Nos sites oficiais das plataformas selecionadas recolheu-se informação oficial e criaram-se contas gratuitas para testes. Evitando uma exposição exaustiva de todas as plataformas, fez-se uma análise global, destacando os resultados de maior relevo. A nível internacional, há um conjunto de plataformas que disponibilizam conteúdos multimédia para a comunidade escolar e, adicionalmente, ferramentas para os utilizadores criarem os seus conteúdos digitais educativos e os disponibilizarem online. Para além de áreas de repositório e criação de conteúdos, têm funcionalidades de pesquisa e filtragem, registo, login e página pessoal do utilizador com os seus contributos (e.g., Curriki [www.curriki.org] e CK12 Foundation [https://www.ck12.org]). As plataformas são muito completas, mas também complexas na estrutura e quantidade de informação associada a cada conteúdo. Em particular para os professores que têm falta de disponibilidade, este excesso poderá ser uma limitação, pela exigência de tempo para consultar ou criar novos conteúdos. De uma maneira geral, as plataformas disponibilizam conteúdos de várias disciplinas e níveis de ensino, do pré-escolar ao ensino superior. Há, no entanto, a destacar duas plataformas focadas apenas nas Humanidades – DocsTeach e Edsitement. O DocsTeach (https://www.docsteach.org) permite pesquisar documentos históricos dos EUA, refinando a pesquisa por período (desde 1774 até ao presente) e por tipo de documento (texto, imagem, mapa, vídeo, entre outros). Usando esta base documental, os utilizadores podem criar atividades para os alunos constituídas por pequenas interatividades, como comparar duas imagens, analisar documentos, fazer exercícios. O Edsitement (https://edsitement.neh.gov) posiciona-se como o site de referência na área de Humanidades para a comunidade escolar, oferecendo conteúdos de línguas, literatura, história, sociologia, arte e cultura. Apresenta planos de aulas e atividades para os estudantes, com exposição de matéria, perguntas orientadoras, avaliação, entre outros. Embora o site não tenha ferramentas online para a criação de conteúdos, os professores podem inscrever-se e contribuir com recursos educativos digitais. Pese embora a quantidade e diversidade de recursos disponibilizados nestas plataformas, a língua inglesa pode ser ainda um constrangimento para professores portugueses, que têm de os traduzir e adaptar aos programas curriculares do país, bem como para alunos que não dominam o inglês como segunda língua.

A nível nacional, destaca-se o Portal das Escolas (http://www.portaldasescolas.pt), do Ministério da Educação, um repositório de conteúdos educativos, para todos os níveis de ensino e disciplinas, e para o qual todos os professores podem fornecer recursos da sua autoria. De realçar, também, a existência de um portal colaborativo de recursos digitais desenvolvidos por professores, na área das ciências exatas – a Casa das Ciências (https://www.casadasciencias.org). Na área das Humanidades, não se encontrou nenhuma plataforma portuguesa orientada para a comunidade escolar que disponibilize recursos de qualidade e ferramentas de criação e colaboração, pelo que a plataforma 25AprilPTLab virá suprir uma necessidade de mercado.

3. Desenvolvimento tecnológico da plataforma

Os levantamentos prévios permitiram perceber melhor as dificuldades e as necessidades dos professores e assim fundamentar a construção da plataforma. O laboratório interativo do 25AprilPTLab visa disponibilizar documentos de arquivos mas também envolver os professores na elaboração de conteúdos partilhados. Os documentos disponibilizados na plataforma seguem uma classificação que facilita o seu potencial educativo. Foram também elaboradas funcionalidades com o intuito de desenvolver uma comunidade de docentes através de ferramentas colaborativas.

3.1. Descrição das fontes e documentos de arquivos

A plataforma pretende facilitar o trabalho dos docentes ao organizar os recursos de forma intuitiva e eficaz para a sua atividade letiva. A acessibilidade constitui um dos grandes objetivos do projeto, dada a generalizada escassez de tempo disponível dos professores para pesquisas em arquivos. Os documentos disponibilizados na plataforma assentam no princípio de Open Access e seguem vários níveis de organização e classificação.

O primeiro nível de classificação dos documentos do 25AprilPTLab prende-se com o tipo de conteúdo disponibilizado. O objetivo de diversificar os documentos usados nas salas de aulas visa também promover a utilização, por parte dos professores, de tipos de conteúdo diversos, como forma de os alunos adquirirem novas competências. Os documentos de arquivos serão, assim, organizados por tipo de material, para facilitar a sua integração no programa letivo dos professores: textos, imagens, conteúdos áudio e vídeos.

As principais mais-valias do projeto 25AprilPTLab em termos de classificação dos Recursos Educacionais Abertos prendem-se com os dois últimos níveis de organização. De notar que o projeto contempla um período amplo, que vai da campanha presidencial do General Humberto Delgado, em 1958, à primeira revisão da Constituição da República Portuguesa, em 1982. Este intenso período de 24 anos foi segmentado cronologicamente em quatro períodos: 1) o surgimento de novos movimentos de oposição ao Estado Novo, de 1958 a 1969; 2) a “Primavera Marcelista”, com Marcelo Caetano primeiro–ministro, de 1969 a 1974; 3) o processo revolucionário iniciado a 25 de abril de 1974 e que corre até à entrada em vigor da Constituição, em 1976; 4) a consolidação da democracia portuguesa, de 1976 a 1982.

Além da organização cronológica dos recursos, a plataforma pretende oferecer uma classificação temática dos documentos. Este nível de classificação permitirá trabalhos interdisciplinares nas escolas e incentivar projetos temáticos. Destacam-se 12 temáticas que permitem cobrir a integralidade do período contemplado pelo projeto: 1) Cidadania, Constituição e Direitos Humanos; O regime do Estado Novo; 3) Oposições ao Estado Novo; 4) Da guerra colonial à descolonização; 5) Migrações políticas e económicas; 6) Os militares no quartel e na rua; 7) Conquistas da liberdade: culturas, costumes e valores; 8) Movimentos sociais e organizações populares; 9) Partidos, movimentos políticos e instituições; 10) A contra-Revolução; 11) A Revolução na comunicação social; e 12) Transformações económicas.

3.2. Descrição da plataforma

A plataforma divide-se em três áreas principais: repositório de documentos, atividades educativas e ferramenta de autoria, para criação de atividades. No repositório de documentos encontra-se uma coleção de recursos selecionados e tratados pela equipa de investigação, com a validade documental e o rigor histórico necessário para serem usados pela comunidade educativa. Na área de atividades educativas, os utilizadores podem consultar atividades criadas e partilhadas por professores. Estas atividades são classificadas de acordo com as faixas etárias, as disciplinas lecionadas pelos professores e os programas oficiais de ensino. Os recursos estão organizados por nível de ensino, do 1.º ano do ensino básico até ao 12.º, do ensino secundário, e por disciplinas lecionadas (História, Língua Portuguesa, Humanidades, Ciências Sociais).

O acesso ao repositório de documentos e às atividades educacionais é livre, ou seja, qualquer utilizador pode consultar. O registo é necessário apenas para ter uma página pessoal e aceder à terceira área, a ferramenta de autoria. Com esta ferramenta, os professores podem criar as suas atividades educativas juntando documentos disponíveis no repositório 25AprilPTLab e conteúdos próprios, como textos, perguntas, sugestões de exploração, imagens e vídeos. As atividades criadas podem ser guardadas na sua página pessoal, para uso próprio, ou partilhadas com os outros professores, na área de atividades educativas. Estas funcionalidades são reforçadas com um serviço de pesquisa e filtro de informação, para mais facilmente se encontrar os conteúdos que se procura. Em complemento, a plataforma oferece ferramentas auxiliares para suporte à sua utilização [da plataforma] e exploração em sala de aula, como por exemplo: “lista de palavras-chave usadas no repositório” ou “como analisar um documento histórico em formato de áudio”.

3.3. A plataforma como contributo para a cultura participativa

A plataforma foi concebida para fornecer aos utilizadores documentos credíveis, e de informação científica atualizada, que lhes permitirà ampliar os seus próprios conhecimentos e, ao mesmo tempo, criar de forma simples conteúdos sobre o período do 25 de abril, adequados à sua disciplina (História, Língua Portuguesa, Educação Visual, Educação Musical…) e ao grau de ensino (1.º CEB, 2.º CEB, 3.º CEB, Secundário), retratando os seus conhecimentos e interpretações pessoais. Ao oferecer ferramentas para a publicação e partilha dos conteúdos, a plataforma permite aos utilizadores contribuir ativamente para o enriquecimento dos recursos educativos online, nomeadamente sobre a temática do 25 de abril, e incita ao diálogo e ao reforço das convicções democráticas das novas gerações. A utilização de Recursos Educacionais Abertos (REA) é fundamental para o dinamismo da plataforma. Para contribuir com conteúdos próprios, os professores têm constrangimentos associados à falta de tempo, aos custos e à complexidade inerente ao desenvolvimento de recursos multimédia, que podem incluir textos, áudio, imagens, vídeos e interatividade (Shearer, 2013). Os REA vêm colmatar este problema. São recursos livres em termos de acesso, transformação e partilha, que podem ser alterados, ampliados e enriquecidos continuamente (Coelho et al., 2014), e de forma reflexiva, adaptados a diferentes objetivos e contextos. Trazem novas possibilidades aos professores para construir mais facilmente os recursos, sem a preocupação de infringir os direitos de autor. Os REA têm a possibilidade de ser melhorados continuamente, uma vez que são partilhados e validados por quem lhes acede, os consulta e usa (Torres et al., 2012). Deste modo, a plataforma contribui para a cultura participativa, fornecendo uma base de informação rigorosa e ferramentas para a construção coletiva de conhecimento, tornando a aprendizagem mais acessível e global.

4. Potencialidades pedagógicas do projeto

O projeto 25AprilPTLab surge como forma de preencher algumas das lacunas existentes no ensino da História do período 1958-1982 e das temáticas transdisciplinares que dele vertem, tendo como principal objetivo a edificação de uma ferramenta didática que auxilie os professores na recolha, seleção e tratamento de informação. Ao mesmo tempo, a plataforma também considera a sua utilização por parte dos alunos, servindo como auxílio à formação dos mesmos.

4.1. Diversificar os documentos de arquivos

Como foi apresentado na primeira parte do artigo, a repetição dos documentos e dos suportes gerais presentes nos manuais escolares favorece a simplificação da história do período e das narrativas veiculadas. É justamente com o propósito de colmatar essa brecha, auxiliar o trabalho do professor e elevar a formação do aluno que o projeto 25AprilPTLab surge.

A diversificação do material disponibilizado pela plataforma irá aumentar a pluralidade das temáticas a serem estudadas pelos alunos ou lecionadas pelos professores. Ao mesmo tempo, o utilizador da plataforma, ao poder usufruir de uma página pessoal que lhe permite agregar os mais variados documentos, tem autonomia para desenvolver um perfil próprio.

Na ótica do professor, a plataforma poderá ter grande utilidade, tanto como fonte de acesso a informação, como para aplicação de metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Tendo em conta a complexidade da época, a vastidão de eventos e o mosaico intricado de ligações e cisões entre partidos políticos, militares e organizações populares de base, é natural que alguns docentes não dominem, ou até desconheçam, muitas das temáticas e eventos relacionados com o período e que estão asseguradas no repositório da plataforma. Por outro lado, as ferramentas e os suportes fotográficos e audiovisuais permitem a realização de atividades diversificadas, centradas nos alunos, que vão ao encontro dos seus interesses e motivação (Moran, 2004). Tome-se o exemplo da vontade do aluno de realizar uma pesquisa e criar um pequeno arquivo pessoal, com a finalidade de desenvolver um trabalho escolar, acerca das eleições constituintes de 1975. A plataforma, ao providenciar um vasto manancial de suportes distintos, permite que o aluno aborde temáticas particulares com uma profundidade considerável, pois ser-lhe-á possível, mediante o recurso a documentos textuais, compreender e enquadrar no seu trabalho os principais acontecimentos que matizavam a época abordada. Ao mesmo tempo, uma forte base visual, onde consta mormente a iconografia partidária, também lhe estará acessível: pinturas de murais, logótipos de organizações políticas, cartazes de propaganda e fotografias de manifestações ou comícios.

Em concomitância, o recurso a uma documentação variada e plural, criteriosamente selecionada e fundamentada, suscitará em professores e alunos a capacidade e o interesse de desenvolver perspetivas renovadas acerca da transição democrática portuguesa. Os manuais escolares procedem a saltos temporais que dificultam a compreensão de um período tumultuoso e simplificam excessivamente os projetos políticos concorrentes durante o período de 1974-1976. Nota-se a ausência quase completa dos movimentos populares de base. Espera-se, portanto, que com a utilização da plataforma 25AprilPTLab os alunos consigam renovar e assimilar perspetivas diferentes das que se encontram plasmadas nos manuais escolares.

4.2. Novas competências para os alunos e professores

Uma das preocupações cimeiras no planeamento deste projeto relaciona-se com a premência de desenvolver o espírito crítico e autonomia dos alunos do ensino básico e secundário. Trata-se de dotar os alunos de capacidades metodológicas que lhes permitam apurar a veracidade da informação com que se defrontam (recorrendo à prospeção e à contraposição de fontes, por exemplo) e, em simultâneo, interpretar cada uma destas fontes enquanto elementos essencialmente narrativos, ou seja, não inteiramente desvinculados da subjetividade de quem os produz. Está subjacente o princípio pedagógico da autonomia, no sentido que se pretende dar condições ao aluno para criar as suas representações do mundo e os seus argumentos, o que é fundamental para a construção de uma sociedade democrática e participativa (Freire, 1998). Julga-se, ainda, que, colocando os alunos no papel de investigadores, pode contribuir-se para uma construção mais coesa das competências definidas no Estatuto do Aluno.

De acordo com o Ministério da Educação (2001/2002), e, neste caso particular, com as prerrogativas aplicadas aos alunos de História A, da área de Humanidades do ensino secundário, as finalidades pedagógicas determinam como objetivos o desenvolvimento de “atitudes de curiosidade intelectual, de pesquisa e de problematização” (p. 6) e aumentar a “capacidade de autocrítica, de abertura à mudança, de compreensão pela pluralidade de opiniões e pela diversidade de modelos civilizacionais” (p. 6). Ainda de acordo com estas normas, através do recurso a “instrumentos de análise das ciências sociais”, os alunos desenvolverão a capacidade de “identificar os factores que condicionam a relatividade do conhecimento histórico” e de “interpretar o diálogo passado-presente como um processo indispensável à compreensão das diferentes épocas” (Ministério da Educação, 2001/2002, p. 6). Permitindo, assim, a compreensão da “dinâmica histórica como um processo de continuidades, mudanças e ritmos de desenvolvimento condicionados por uma multiplicidade de factores” (Ministério da Educação, 2001/2002, p. 6).

A plataforma fornecerá, igualmente, a possibilidade de ampliar e interpenetrar diversas áreas de estudo. Ao colocar à disposição do aluno os mais variados recursos e tipos de suporte (textuais, visuais e sonoros), permite uma reconstrução mais profusa das realidades abordadas. Ao mesmo tempo, os recursos não textuais podem constituir um complemento didático a outras disciplinas. Tome-se o exemplo de um aluno ou professor de Artes Visuais que queira abordar a estética da pintura de mural ou do cartaz partidário, ou de um discente ou docente de Educação Musical que pretenda apresentar um trabalho relacionado com a música de intervenção portuguesa.

Regressando ao âmbito histórico, a plataforma constitui uma ferramenta informativa de enorme importância, na medida em que entronca com as principais competências a serem desenvolvidas no decurso da formação do aluno e fornece-lhe um vasto manancial de fontes alternativas ou complementares aos manuais escolares. De ter em conta que, entre as competências a serem desenvolvidas, encontram-se, no programa do Ministério da Educação (2001/2002), as de “pesquisar de forma autónoma mas planificada, em meios diversificados, informação relevante para assuntos em estudos, organizando-a segundo critério de pertinência” (p. 7), bem como de “analisar fontes de natureza diversa, distinguindo informação, implícita e explícita, assim como os respectivos limites para o conhecimento passado” (p. 7) e “utilizar as tecnologias de informação e comunicação, manifestando sentido crítico na selecção adequada de contributos” (p. 7).

Paralelamente, a plataforma servirá como auxílio e simplificação do trabalho de pesquisa do professor, tendo em conta que se encontra estruturada por separatas que permitirão uma busca rápida e eficaz. Ao possibilitar a criação de perfis pessoais, qualquer utilizador, professor ou aluno, poderá guardar e organizar toda a informação que seja do seu interesse, utilizando-a depois para a criação de fichas pedagógicas ou outras funcionalidades análogas de apoio ao estudo. A plataforma colocará os professores e os alunos em contato direto com as fontes, atribuindo-lhes o papel de investigadores e contribuindo para novas problematizações e perspetivas acerca das temáticas subordinadas ao período da transição democrática portuguesa.

Este projeto procura, assim, alargar os horizontes e as competências de cada aluno e professor, proporcionando uma pesquisa e uma construção epistémica interdisciplinar ampla que contribui para uma formação escolar mais enriquecedora. Ao mesmo tempo, ao permitir que cada aluno tenha a possibilidade de se dedicar a um tema por si escolhido, cimenta-se o princípio pedagógico da autonomia (Freire, 1998).

4.3. Educação para a cidadania

De referir, ainda, as linhas orientadoras da Educação para a Cidadania, definidas pela Direção-Geral da Educação (2012), segundo as quais a formação escolar deverá ter como corolário o desenvolvimento do aluno enquanto cidadão, ser consciente e imerso nos valores do progresso social e humano.

A prática da cidadania constitui um processo participado, individual e coletivo, que apela à reflexão e à ação sobre os problemas sentidos por cada um e pela sociedade. O exercício da cidadania implica, por parte de cada indivíduo e daqueles com quem interage, uma tomada de consciência, cuja evolução acompanha as dinâmicas de intervenção e transformação social. A cidadania traduz-se numa atitude e num comportamento, num modo de estar em sociedade que tem como referência os direitos humanos, nomeadamente os valores da igualdade, da democracia e da justiça social. . . . A escola constitui um importante contexto para a aprendizagem e o exercício da cidadania e nela se refletem preocupações transversais à sociedade, que envolvem diferentes dimensões da educação para a cidadania, tais como: educação para os direitos humanos; educação ambiental/desenvolvimento sustentável; educação rodoviária; educação financeira; educação do consumidor; educação para o empreendedorismo; educação para a igualdade de género; educação intercultural; educação para o desenvolvimento; educação para a defesa e a segurança/educação para a paz; voluntariado; educação para os media; dimensão europeia da educação; educação para a saúde e a sexualidade. (Direção-Geral da Educação, 2012, p. 1)

Seguindo esta linha de pensamento, e valorizando a formação pedagógica enquanto prática que transcende a mera conversão do educando num recetáculo de informação, a plataforma 25AprilPTLab contribuirá para otimizar as práticas escolares que visem consensualizar os valores da cidadania no tecido social.

Atualmente, as preocupações pedagógicas incluem a necessidade de integrar mais profundamente o indivíduo na sociedade circundante. A frequente referência a que se vive numa sociedade individualista cria a necessidade de consciencializar as crianças e os jovens “para a não demissão” (Fonseca, 2009, p. 9), que, em “contexto escolar pode ser alcançada promovendo, no âmbito das diferentes áreas curriculares as dimensões cívicas e de cidadania que queremos que cada um dos alunos desenvolva” (Fonseca, 2009, p. 9). Assim sendo, urge definir em traços largos em que consiste a cidadania. Em primeiro lugar, importa referir que não é um conceito estático, podendo, portanto, sofrer alterações consoante o contexto espaço-temporal em que se insere. Sintética e estatutariamente, cidadão é alguém que goza de direitos políticos e cívicos, bem como de deveres, para com o Estado-Nação em que se insere. Se esta definição lata de cidadão se encontra ancorada e limitada pela subordinação do indivíduo a um estado livre, com o princípio do século XXI e a intensificação da globalização e dos contactos inter-humanos, muitos pensadores e académicos defenderam a necessidade de ampliar este conceito, tornando-o apto a aceitar a cidadania enquanto ‘concidadania’, articulando-o com diversas camadas: locais, nacionais e globais, e pressupondo uma totalidade de direitos. O cidadão do século XXI será aquele que seja dotado de uma capacidade de pensamento abstrato e “autónomo face a qualquer grupo, instituição ou Estado” (Fonseca, 2009, pp. 9-11). O processo educativo terá, portanto, de contemplar a formação para a cidadania e contribuir para a constituição de educandos responsáveis, autónomos e solidários que conheçam e exerçam os “seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros” (Direção-Geral da Educação, 2012, p.1).

Tentando estabelecer articulações entre o estudo da História, a utilização da plataforma a ser desenvolvida pelo projeto 25AprilPTLab e a formação para a cidadania do aluno, presume-se que os dois primeiros elementos, operando em paralelo, contribuam para uma formação mais profunda dos valores e das capacidades necessárias para a edificação de um sujeito civil individual e coletivo capaz de responder às necessidades sociais do presente.

Regressando às prerrogativas consagradas no programa de Educação para a Cidadania, tomar-se-ão dois exemplos. A Educação para os Direitos Humanos, que exige o estabelecimento de uma consciência democrática, centrada “essencialmente, nos direitos e nas responsabilidades democráticas e na participação ativa nas esferas cívica, política, social, económica, jurídica e cultural da sociedade” (Direção-Geral da Educação, 2012, p. 3), encontrará no estudo da transição democrática portuguesa um caso que poderá fornecer importantes dados para a solidificação dos valores necessários para uma coexistência sadia entre povos, etnias e culturas. Mediante uma análise incisiva de fenómenos como o colonialismo, a guerra colonial, a verificação das condições de vida das classes desfavorecidas durante o Estado Novo, a censura e a repressão política, o aluno terá ao seu dispor uma série de dados que lhe permitirão um contato mais direto com a época abordada e com as problemáticas que a mesma engloba, consolidando assim um sentimento de valorização para com as culturas, povos e pessoas que foram submetidos a processos estruturais de subalternização.

O segundo exemplo é o da Educação para os Media, que:

pretende incentivar os alunos a utilizar e decifrar os meios de comunicação, nomeadamente o acesso e utilização das tecnologias de informação e comunicação, visando a adoção de comportamentos e atitudes adequados a uma utilização crítica e segura da Internet e das redes sociais” (Direção-Geral da Educação, 2012, p. 4)

Este segmento terá igualmente como apoio o estudo do período consagrado pela plataforma. Recorrendo ao conhecimento da censura em contextos ditatoriais e à formação do espírito crítico individual, o aluno terá a capacidade de, quando confrontado com situações diárias de exposição a narrativas falsas ou enviesadas (como fake news ou discursos políticos populistas), comparar, destrinçar e analisar minuciosamente toda a informação com que se depara.

5. Conclusão

O projeto 25AprilPTLab tomou como ponto de partida uma análise empírica das dificuldades com que os professores que abordam, direta ou indiretamente, o período e as temáticas decorrentes da transição democrática portuguesa se deparam no decurso do lecionamento das suas aulas, entroncando-as de seguida com as lacunas verificadas nos manuais escolares referentes à época em questão. O principal propósito do projeto, no que se refere aos docentes, será, então, o de conduzir os esforços na superação das dificuldades constatadas e contribuir para um ação educativa mais profusa e frutífera. Longe de restringir o escopo da plataforma à disciplina de História, procurou-se ampliar ao máximo a permeabilidade da mesma às diversas disciplinas existentes no ensino básico e secundário.

Também a formação escolar do aluno constitui, em paralelo com o auxílio ao trabalho do professor, a razão de ser desta iniciativa. Tendo em conta as exigências dos programas escolares, a necessidade da edificação de um sujeito civil geral, as novas políticas de ensino que procuram consensualizar os saberes interdisciplinares nos ambientes escolares pré-universitários, bem como a necessidade de renovar os métodos educacionais, crê-se que a plataforma 25AprilPTLab representará um contributo notável e inovador para as práticas letivas.

Agradecimentos

Este artigo baseia-se no trabalho efetuado no âmbito do projeto “25AprilPTLab - Laboratório Interativo da Transição Democrática Portuguesa”, financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, ref.ª PTDC/COM-CSS/29423/2017. Os autores agradecem a participação dos professores e das escolas envolvidas, pelo seu prestável contributo no desenvolvimento do projeto.

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1.Exemplos disso são o Centro de Documentação 25 de Abril, em Portugal, ou o National Archives Foundation, nos Estados Unidos da América.

3.A equipa do projeto agradece a participação do Agrupamento de Escolas Coimbra Centro, do Agrupamento de Escolas Rainha Santa Isabel, do Agrupamento de Escolas Eugénio de Castro, da Escola Secundária Dom Dinis e da Escola Secundária Infanta D. Maria.

Recebido: 20 de Dezembro de 2019; Aceito: 07 de Novembro de 2022

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