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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187versão On-line ISSN 2183-0452

Rev. Port. de Educação vol.35 no.2 Braga dez. 2022  Epub 07-Jan-2022

https://doi.org/10.21814/rpe.21371 

Artigos Originais

Processos de participação de estudantes do ensino técnico integrado: Estudo da realidade de uma instituição de ensino no Estado do Amazonas, Brasil

Participation processes of integrated technical education students: Study of the reality of an educational institution in the State of Amazonas, Brazil

Procesos de participación de estudiantes de educación técnica integrada: Estudio de la realidad de una institución educativa en el estado de Amazonas, Brasil

Nádia Maciel Falcão1 

Martha Lima Reis Victor2 

Ada Raquel da Fonseca Vasconcelos3 

1Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Amazonas, Brasil.

2Secretaria Municipal de Educação de Manaus - SEMED, Brasil.

3Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Amazonas, Brasil.


Resumo

O estudo analisa limites e possibilidades da participação de estudantes do ensino técnico integrado – modalidade de oferta do ensino médio articulado à educação profissional – no âmbito dos órgãos colegiados implantados em uma das unidades de ensino de uma instituição pertencente à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (REPECT), situada na Cidade de Manaus, no Estado do Amazonas, Brasil. A metodologia, de abordagem qualitativa, contemplou: revisão da literatura de referência sobre a temática; análise da legislação que trata do princípio da gestão democrática do ensino público no Brasil e da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica; e análise de documentos da instituição pesquisada, tais como: Estatuto e Regimento Geral, Estatuto do Código Eleitoral do Conselho Superior, Organização Didático-Pedagógica, Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e Regulamento do Conselho de Classe. Contemplou, ainda, a aplicação de entrevista semiestruturada a estudantes e profissionais que atuavam como representantes de seus segmentos em instâncias colegiadas da instituição. Os resultados evidenciam que a instituição possui normas para implantação de órgãos colegiados, todavia, verificam-se entraves à efetivação destes canais de participação. Observam-se processos embrionários de participação estudantil, sendo o Conselho de Classe o único colegiado com assento para estudantes já implantado naquela unidade da instituição. Na dinâmica de funcionamento deste órgão, a participação esbarra na cultura centralizadora, cabendo aos estudantes e demais sujeitos da comunidade escolar o engajamento para construção de práticas e pautas alinhadas ao princípio da gestão democrática.

Palavras-chave Participação estudantil; Gestão democrática; Ensino técnico integrado

Abstract

The study analyzes limits and possibilities of the participation of students of integrated technical education – a provision of secondary education modality articulated to professional education – in the collegiate bodies sphere implanted in one of the teaching units of an institution belonging to the Federal Network of Professional, Scientific and Technological Education – REPECT, located in the City of Manaus, in the State of Amazonas, Brazil. The methodology, with a qualitative approach, included: review of the reference literature on the subject; analysis of the legislation that deals with the principle of democratic management of public education in Brazil and of the Federal Network of Professional, Scientific and Technological Education; and analysis of documents of the researched institution, such as: Statute and General Regulations, Statute of the Electoral Code of the Superior Council, Didactic-Pedagogical Organization, Institutional Development Plan (PDI) and Regulation of the Class Council. It also included the application of semi-structured interviews to students and professionals who acted as representatives of their segments in collegiate instances of the institution. The results show that the institution has rules for the implementation of collegiate bodies, however, there are obstacles to the accomplishment of these participation channels. Embryonic processes of student participation are observed, as the Class Council is the only collegiate with a seat for students already implanted in that unit of the institution. In the dynamics of this body's operation, participation comes up against the centralizing culture, with students and other subjects in the school community being responsible for engaging in the construction of practices and guidelines aligned with the principle of democratic management.

Keywords Student participation; Democratic management; Integrated technical education

Resumen

El estudio analiza los límites y posibilidades para la participación de los estudiantes en la educación técnica integrada – un tipo de oferta del bachillerato vinculado a la educación profesional – en el ámbito de los órganos colegiados ubicados en una de las unidades docentes de una institución perteneciente a la Red Federal de Educación Profesional, Científica y Tecnológica – REPECT, ubicada en la Ciudad de Manaus, en el Estado de Amazonas, Brasil. La metodología, con un enfoque cualitativo, incluyó: revisión de la literatura de referencia sobre el tema; análisis de legislación que trata sobre el principio de gestión democrática de la educación pública en Brasil y de la Red Federal de Educación Profesional, Científica y Tecnológica; y análisis de documentos de la institución investigada, tales como: Estatuto y Reglamento General, Estatuto del Código Electoral del Consejo Superior, Organización Didáctico-Pedagógica, Plan de Desarrollo Institucional (PDI) y Reglamento del Consejo de Clase. También incluyó la aplicación de entrevistas semiestructuradas a estudiantes y profesionales que actuaron como representantes de sus segmentos en instancias colegiadas de la institución. Los resultados muestran que la institución cuenta con normas para la implementación de los órganos colegiados, sin embargo, existen obstáculos para la efectividad de estos canales de participación. Se observan procesos embrionarios de participación estudiantil, siendo el Consejo de Clase el único colegiado con asiento para alumnos ya implantado en esa unidad de la institución. En la dinámica del funcionamiento de este órgano, la participación choca con la cultura centralizadora, dejando a los estudiantes y otros sujetos de la comunidad escolar involucrados en la construcción de prácticas y lineamientos acordes con el principio de gestión democrática.

Palabras clave Participación estudiantil; Gestión democrática; Educación técnica integrada

1. Introdução

O artigo dedica-se à temática da participação estudantil nos processos de gestão escolar, tendo como lastro empírico os resultados de uma pesquisa realizada em uma das unidades de ensino de uma instituição pertencente à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica situada na cidade de Manaus, no Estado do Amazonas, Brasil.

A pesquisa refere-se ao período compreendido entre os anos de 2016 e 2018, recebendo a chancela do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas, com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), cercando-se dos cuidados preconizados pelo Comitê de Ética na Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Amazonas.

O recorte proposto centra-se nos cursos técnicos integrados, os quais ocupam lugar de destaque no quantitativo de matrículas da instituição pesquisada. Situando brevemente o lócus da pesquisa, destaca-se que se trata de uma unidade de ensino vinculada a um Instituto Federal multicampi, instituído a partir da Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008, no contexto de criação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

Na atual conjuntura, o Instituto possui 15 Campi, três situados na cidade de Manaus, a capital do Estado do Amazonas, e os demais nos Municípios de Coari, Lábrea, Maués, Manacapuru, Parintins, Presidente Figueiredo, São Gabriel da Cachoeira, Tabatinga, Humaitá, Eirunepé, Itacoatiara e Tefé.

Neste estudo, são destacados apontamentos referentes aos mecanismos institucionais presentes na estrutura de gestão da instituição pesquisada que preveem a representação estudantil. A abordagem guia-se pela seguinte indagação: quais os limites e as possibilidades da participação dos estudantes do ensino técnico integrado nos processos de gestão desta unidade de ensino?

O conteúdo deste artigo organiza-se em seções que se complementam entre si, visando articular a descrição e a leitura dos dados da pesquisa aos aportes teóricos e metodológicos do campo da educação sobre a temática da participação estudantil, nos marcos da gestão democrática do ensino público.

2. O Sentido Da Participação Estudantil No Âmbito Da Gestão Democrática Do Ensino Público

A contextualização do objeto no âmbito das políticas públicas que trazem suportes para a participação estudantil na gestão democrática do ensino público, bem como a compreensão das novas configurações da educação profissional técnica de nível médio, foram importantes para entender em que medida estão garantidas possibilidades da participação estudantil enquanto pressuposto da gestão democrática no âmbito da modalidade de ensino abordada na pesquisa.

Os estudos sobre a participação dos diferentes segmentos da comunidade escolar e local na gestão escolar não podem desconsiderar a inflexão provocada pelos dispositivos legais que dispõem sobre o princípio da gestão democrática do ensino público, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil (1988), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996) e do Plano Nacional de Educação (Lei n.º 10.172, de 9 de janeiro de 2001, e Lei n.º 13.005, de 25 junho de 2014), embora não se possam ter garantias de que somente por intermédio destes haja a implementação de processos democráticos na gestão escolar.

Para Dourado (2013), a democratização da escola passa pela democratização do acesso, da permanência e da gestão. O autor destaca ainda o caráter educativo das práticas de gestão democrática, cujos efeitos extrapolam os limites da escola e apresentam contribuições à prática social. Assim define Dourado (2013) a gestão democrática:

processo de aprendizado e de luta política que não se circunscreve aos limites da prática educativa, mas vislumbra, nas especificidades dessa prática social e de sua relativa autonomia, a possibilidade de criação de canais de efetiva participação e de aprendizado do “jogo” democrático e, consequentemente, do repensar das estruturas de poder autoritário que permeiam as relações sociais e, no seio dessas, as práticas educativas. (p. 99)

Nessa perspectiva, seja por legalidade ou aporte teórico, a gestão democrática da escola pública atende de forma mais integral as necessidades da gestão escolar atual, pois reconhece a escola como organismo vivo que pode e deve ser gerido por sua comunidade, a fim de que consiga responder aos anseios desta, colocando-a em relação de igualdade com a realidade que está a ela imposta, não pela força econômica ou política, mas pela problematização da realidade por intermédio da mediação crítica do conhecimento acumulado pela humanidade com vistas à formação integral dos sujeitos que nela são formados.

Sobre esse processo, no entanto, Coutinho e Lagares (2017) argumentam que, a partir da década de 1990, em prol do avanço e manutenção do capitalismo, entrou em vigor o que denominam de Nova Gestão Pública, que, dentre outras ações, utiliza-se de conceitos que antes eram restritos à perspectiva de um viés participativo, reflexivo e transformador da sociedade fortalecido pelo levante democrático de 1980, como, por exemplo, democracia e participação, porém ressignificando-os aos seus padrões, e que, por isso, é preciso “um esforço dialético . . . . O percurso dialético é, então e sobretudo, democrático, pois não há antítese sem escuta, sem observação, sem consideração ao outro” (Coutinho & Lagares, 2017, p. 839).

Nardi (2015) diz que as ações pensadas e executadas pela escola são significativos atos de participação e que, por isso, são uma aposta mesmo num contexto em que a escola precisa cada vez mais preocupar-se em atender as demandas da qualidade e eficiência preditas pelos interesses contrários a essa reflexão.

Assim, é necessário proteger-se da polissemia encerrada no termo participação, demarcando que, no arco conceitual da gestão democrática, o sentido político da atuação dos diferentes sujeitos nos processos decisórios deve superar o entendimento da participação enquanto mera presença nos fóruns deliberativos. “Ressaltamos, então, que não se perder, dentre outras coisas, implica a necessidade de discernir entre as demandas sociais e as demandas mercadológicas do interesse de uma minoria privilegiada” (Coutinho & Lagares, 2017, p. 843).

Neste sentido, faz-se necessária a significação da participação nas práticas de gestão escolar, já que, conforme Marques (2006), “a institucionalização da gestão democrática pode representar avanços na forma de condução do dia-a-dia da escola, tendo em vista que as políticas educacionais ganham materialidade no lócus de sua implementação” (p. 512).

Embora o termo participação implique uma ampla e diversa conceituação, neste trabalho tomamos por base o que apontam Dayrell e Carrano (2014): “Em um sentido mais restrito, a noção de participação nos remete à presença ativa dos cidadãos nos processos decisórios da sociedade” (p. 121). Os autores ainda argumentam que é preciso ter tempos e espaços para a experiência da participação dentro do contexto escolar.

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), o conceito de participação se inscreveu pela primeira vez no cenário da educação nacional. Em seguida, no Plano Nacional de Educação (Lei n.º 10.172, de 9 de janeiro de 2001), V- Financiamento e Gestão, 11.2 Diretrizes (p. 70), são delineados inicialmente os atores sociais que fariam parte desse processo, os instrumentos a serem utilizados, bem como a amplitude dessa forma de gestão:

Finalmente, no exercício de sua autonomia, cada sistema de ensino há de implantar gestão democrática. Em nível de gestão de sistema na forma de Conselhos de Educação que reunam competência técnica e representatividade dos diversos setores educacionais; em nível das unidades escolares, por meio da formação de conselhos escolares de que participe a comunidade educacional e formas de escolha da direção escolar que associem a garantia da competência ao compromisso com a proposta pedagógica emanada dos conselhos escolares e a representatividade e liderança dos gestores escolares. (Lei n.º 10.172, de 9 de janeiro de 2001)

No entanto, se considera que é no Plano Nacional de Educação de 2014 (Lei n.º 13.005, de 25 junho de 2014), na Meta 19, Estratégias 19.4, 19.5 e19.6, que se podem ver com maior expressividade seus constituintes:

19.4. Estimular, em todas as redes de educação básica, a constituição e o fortalecimento de grêmios estudantis e associações de pais, assegurando-se-lhes, inclusive, espaços adequados e condições de funcionamento nas escolas e fomentando a sua articulação orgânica com os conselhos escolares, por meio das respectivas representações;

19.5. Estimular a constituição e o fortalecimento de conselhos escolares e conselhos municipais de educação como instrumentos de participação e fiscalização na gestão escolar e educacional, inclusive por meio de programas de formação de conselheiros, assegurando-se condições de funcionamento autônomo;

19.6. Estimular a participação e a consulta de profissionais da educação, alunos(as) e seus familiares na formulação dos projetos político-pedagógicos, currículos escolares, planos de gestão escolar e regimentos escolares, assegurando a participação dos pais na avaliação de docentes e gestores escolares. (Lei n.º 13.005, de 25 junho de 2014)

O documento estabelece algumas das diretrizes da Educação Nacional, fóruns permanentes de educação no alinhamento de propostas nos âmbitos federal, estadual e municipal; nomeia alguns órgãos colegiados para a participação de pais e discentes; reforça a importância dos Conselhos Escolares; propõe efetivação da autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira na educação pública, dentre outras, mostrando assim tempos, espaços e sujeitos dessa prática dentro e fora do contexto escolar.

No entanto, com o propósito de consolidar o objetivo deste trabalho, tomaremos por base a participação na educação escolar num contexto discente. Em análise sobre os apontamentos da legislação educacional acerca do tema da participação estudantil, Reis e Falcão (2016) concluem que as conquistas no campo legal pós-Constituição Federal de 1988 construíram uma plataforma básica para criação e funcionamento de mecanismos que fomentam a participação estudantil na gestão escolar. Destacam ainda que a tarefa, na atualidade, é prosseguir com a regulamentação da matéria da gestão democrática, mas, principalmente, construir práticas correspondentes nos sistemas de ensino.

Dayrell e Carrano (2014), ao referendarem processos necessários à educação dos jovens brasileiros num contexto de uma educação pública, afirmam ser a participação um dos constructos da formação para a democracia. Para os autores, faz-se necessário que a escola oportunize a formação teórica e prática da vida cidadã, o ensino de “valores, conteúdos, cívicos e históricos da democracia, das regras institucionais, etc. – e, também a criação de espaços e tempos para a experimentação cotidiana do exercício da participação democrática” (Dayrell & Carrano, 2014, p. 120).

Ao discutir a participação dos estudantes na gestão escolar, Araújo (2009) destaca o Grêmio estudantil, o Conselho Escolar, o Conselho de Classe, o Contrato Pedagógico de sala de aula, a Assembleia Geral da escola e o Projeto Político-Pedagógico como os principais mecanismos e canais que devem ser assegurados à participação discente na perspectiva da gestão democrática. O autor considera estes mecanismos enquanto canais político-pedagógicos de participação e chama a atenção para a necessidade de se trabalhar a autonomia dos sujeitos que os compõem, em especial dos estudantes, enquanto seres sócio-históricos, políticos e em condições de intervir nesses espaços. Na mesma direção, García-Pérez & Montero (2017) contribuem afirmando “la participación del alumnado como un conjunto de procesos (diálogo, toma de decisiones y acción) que favorecen que los alumnos y las alumnas construyan y se hagan protagonistas de su educación” (p. 7).

Entender como deve se dar essa participação frente aos espaços e mecanismos criados é o que dá sentido à participação estudantil diante de suas demandas e realidades. É esse jovem sentir-se protagonista de sua educação, mesmo diante da representatividade de seus pares, para abrir diálogos que nortearão sua tomada de decisão e lhe proporcionarão a possibilidade de ação (García-Pérez & Montero, 2017). Pois, conforme orientam Dayrell e Carrano (2014), a oportunidade de participação do jovem nos processos decisórios da vida escolar podem potencializar o aumento de sua capacidade argumentativa frente às diferentes realidades, o interesse pela aprendizagem em suas mais diferentes instâncias e o seu engajamento participativo dentro e fora do contexto escolar, o que, por sua vez, contribui significativamente paraconstrução e execução de projetos de vida baseados em seus interesses reais e não impostos pela dura realidade exploratória que o cerca.

3. Metodologia

No campo metodológico, investiu-se na abordagem qualitativa, elegendo-se a dialética como método, por buscar, segundo Minayo (2016), “encontrar, na parte, a compreensão e a relação com o todo; e a interioridade e a exterioridade como constitutivas dos fenômenos” (p. 25).

Utilizaram-se fontes de natureza bibliográfica, documental, e a entrevista semiestruturada. No levantamento documental, analisou-se a legislação que trata do princípio da gestão democrática: Constituição da República Federativa do Brasil (1988); Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996); Plano Nacional de Educação (Lei n.º 10.172, de 9 de janeiro de 2001, e Lei n.º 13.005, de 25 junho de 2014). Analisou-se ainda a legislação referente à criação dos Institutos Federais: Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008. E também os seguintes documentos da instituição pesquisada: Estatuto e Regimento Geral da Instituição; Estatuto do Código Eleitoral do Conselho Superior; Organização Didático-Pedagógica; Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI); e Regulamento do Conselho de Classe.

A ida a campo evidenciou que apenas o Conselho de Classe e a Comissão Disciplinar estavam em funcionamento na unidade de ensino pesquisada. A partir destes dados definiram- os seguintes sujeitos para participarem da fase de entrevistas: dois docentes, um técnico administrativo e cinco discentes do ensino técnico integrado que atuavam como membros do Conselho de Classe. As entrevistas seguiram um roteiro com questões relacionadas à dinâmica de funcionamento e ao modo como ocorrem os processos de participação nos órgãos colegiados.

Os estudantes que participaram da pesquisa vinculam-se aos três cursos oferecidos no ano inicial da pesquisa (Agroecologia, Agropecuária e Paisagismo). Foram entrevistados dois representantes do curso de Agropecuária, dois representantes do curso de Paisagismo e um estudante de Agroecologia. Foram ainda ouvidos os relatos de dois docentes e de um técnico administrativo membros deste mesmo Conselho. Toda a identificação dos entrevistados é fictícia, sendo guardadas em sigilo suas identidades.

O tratamento de dados e informações seguiu técnicas qualitativas de análise. O conteúdo advindo dos documentos e depoimentos orais coletados por entrevista foi analisado a partir das questões de pesquisa, buscando-se recorrências que favorecessem a compreensão do objeto de estudo, mediado por categorias analíticas que articulam os conceitos estruturantes aos dados da pesquisa.

4. Mecanismos E Espaços De Participação Estudantil Na Instituição Pesquisada

Criados em 2008 para atuarem na promoção da educação profissional e tecnológica, os Institutos Federais constituíram-se em instituições de educação superior, básica e profissional. Segundo Bentes (2015), “essas instituições públicas nasceram como parte integrante do Plano de Desenvolvimento da Educação em vigor desde o ano de 2007” (p. 14).

Muitos dos novos Institutos Federais surgiram da integração de diferentes instituições federais que atuavam na educação profissional. Este processo de criação de novas institucionalidades desencadeou reações de diferentes naturezas por parte das comunidades educativas diretamente afetadas e, consequentemente, motivou o debate acadêmico sobre o tema.

Embora não haja aqui espaço para aprofundar este debate, é importante sinalizar o alinhamento da leitura aqui proposta com perspectivas críticas que trazem o entendimento da criação dos Institutos Federais como expressão da política educacional construída nos marcos do processo de modernização conservadora do capitalismo brasileiro (Gouveia, 2016; Nogueira & Mourão, 2016).

Ao integrar o novo modelo de instituição de ensino superior, educação básica e profissional, “a unidade de ensino que compõe a estrutura organizacional de instituição transformada ou integrada em Instituto Federal passa, de forma automática, independentemente de qualquer formalidade, à condição de Campus da nova instituição” (Art.º 5.º, § 2.º, Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008).

No que tange ao aspecto da identidade e da vocação construída ao longo de anos de funcionamento pelas diferentes instituições de origem, ainda que não tenham sido completamente sufocadas no processo de integração, pode-se dizer que foram seriamente ameaçadas na nova estrutura, em nome de uma identidade que agora é do Instituto Federal e não de cada campi (Otranto, 2013). Corroborando com esta conclusão, Frigotto (2018), reforça que, apesar dos debates que se estabelecem dentro dos Institutos a respeito desta questão, “por ora sua identidade é apenas jurídica e administrativa, cujos traços comuns são formalmente a verticalidade e o status de universidade” (p. 136).

Nos marcos da nova institucionalidade, a estrutura organizacional do Instituto Federal em análise na pesquisa é composta por órgãos superiores e órgãos executivos. Os órgãos superiores são o Conselho Superior e o Colégio de Dirigentes. Como órgãos executivos encontram-se: a Reitoria, as Pró-Reitorias, Diretorias Sistêmicas e Diretorias-Gerais dos Campi.

Na estrutura organizacional do Instituto, os Campi possuem certa autonomia para definição de sua estrutura organizacional e dos colegiados locais. Verificou-se que os Campi se encontram em diferentes processos e fases de implantação de órgãos colegiados.

A organização geral do Instituto contempla dois órgãos colegiados: o Conselho Superior e o Colégio de Dirigentes. O Conselho Superior, de caráter consultivo e deliberativo, é o órgão máximo da instituição e observa, na sua composição, o princípio da gestão democrática, na forma da legislação em vigor (Instituto Federal do Amazonas, 2009a). Presidido pelo Reitor da instituição, tem como membros representantes do corpo docente, discentes e técnicos administrativos, contando também com assentos para egressos da instituição, representantes da sociedade civil e do Ministério da Educação.

A representação estudantil, de acordo com o Art. 9.o do Estatuto (Instituto Federal do Amazonas, 2009b), tem a seguinte configuração:

III - representação de 1/3 (um terço) do número de Campi, destinada ao corpo discente, sendo o mínimo de 2 (dois) e o máximo de 5 (cinco) representantes e igual número de suplentes, eleitos por seus pares, na forma regimental.

O Estatuto da instituição enfatiza, no Art. 9.º § 3.º (Instituto Federal do Amazonas, 2009b), que o Conselho Superior poderá ter, no máximo, um representante por Campus e um total máximo de cinco representantes, que correspondem a 1/3 do total de Campi. Esta delimitação, quando considerada a quantidade de Campi e a distância ou dificuldade de comunicação e articulação de uma categoria tão numerosa, pode ser insuficiente.

O Código Eleitoral do Conselho Superior dispõe, no seu Art. 4.º – III, que somente poderá candidatar-se a representante estudantil “aluno regularmente matriculado em curso presencial por, no mínimo, 2 (dois) semestres letivos e maior de 18 (dezoito) anos de idade, contados a partir da data de publicação deste código eleitoral” (Instituto Federal do Amazonas, 2016). Esta restrição dificulta a participação da maior parte dos estudantes do ensino técnico integrado ao ensino médio, uma vez que a faixa etária média dessa etapa de ensino é de 15 a 17 anos.

O Colégio de Dirigentes, como o próprio nome sugere, conta com a participação dos dirigentes da instituição: Reitor, Pró-Reitores e Diretores-Gerais dos Campi. Este colegiado não conta com assento para estudantes e demais membros da comunidade escolar e local.

O Regimento Geral do Instituto enfatiza a organização macro da instituição e deixa para os Campi a responsabilidade de criar e implementar os colegiados que lhes forem necessários. Apresenta a seguinte estrutura organizacional, em seu “Capítulo I – Dos órgãos Colegiados”:

Art. 3.º O Conselho Superior, de caráter consultivo e deliberativo, é o órgão máximo. . ., tendo a sua composição e competências definidas no Estatuto do Instituto.

Art. 4.º Para apoiar a gestão administrativa e acadêmica, . . . conta com os seguintes colegiados consultivos:

I - No âmbito da organização sistêmica:

1. Colégio de dirigentes;

2. Conselho de ensino, pesquisa e extensão;

3. Comitê de administração;

4. Comitê de ensino;

5. Comitê de extensão;

6. Comitê de pesquisa, pós-graduação e inovação tecnológica;

7. Comitê de desenvolvimento institucional;

8. Comitê de gestão de pessoas;

II - No âmbito da unidade gestora - Campus:

1. Conselho educacional;

2. Conselho de curso. (Instituto Federal do Amazonas, 2011)

Nesta configuração há previsão de nove colegiados no âmbito da organização sistêmica do Instituto, além do Conselho Superior e dois colegiados no âmbito das unidades gestoras (Campus). Dos colegiados da organização sistêmica, apenas o Conselho Superior resguarda assento para representação estudantil.

No Art. 17.º do Regimento fica explícito que em cada Campus o Conselho Educacional deve dispor de dois representantes do corpo discente, além de representantes do corpo técnico-administrativo, docentes, pais de alunos, representantes da sociedade civil, e os diretores de ensino, administração e de pesquisa, além do diretor geral do Campus (Instituto Federal do Amazonas, 2011). A escolha desses representantes ocorre por meio de eleição de seus pares, designados por portaria do Reitor.

Durante a pesquisa verificou-se que o Conselho Educacional encontra-se em processo de implantação na unidade de ensino pesquisada. Neste Campus, foi possível identificar somente o funcionamento de dois colegiados: Conselho de Classe e Comissão Disciplinar, especificados no Regulamento da Organização Didático-Acadêmica (RODA) (Instituto Federal do Amazonas, 2015).

De caráter consultivo e deliberativo, o Conselho de Classe é o único órgão colegiado implementado na Escola que conta com representação estudantil, tendo a seguinte composição, de acordo com a Resolução n.º 94 do CONSUP/IFAM, de 23 de dezembro de 2015, no seu Art. 21.º:

I – Coordenador de Ensino/Curso/Área/Eixo Tecnológico;

II – Equipe Pedagógica e demais profissionais de apoio ao discente;

III – todo o corpo docente da turma; e

IV – 02 (dois) representantes discentes de turma, preferencialmente, o representante de turma e o vice. (Instituto Federal do Amazonas, 2015)

Presidido pelo Diretor de Ensino, o Conselho de Classe tem por principais competências, conforme aponta o Art. 222.º da mesma Resolução n.º 94:

I – analisar dados referentes ao desenvolvimento do ensino e da aprendizagem, à relação docente-discente, ao relacionamento entre os próprios discentes e a outros assuntos específicos das turmas;

II – propor medidas didático-pedagógicas para superar as dificuldades detectadas; e

III – deliberar a respeito da promoção final dos discentes, respeitando-se as normativas e legislações vigentes. (Instituto Federal do Amazonas, 2015)

Nos caminhos da pesquisa, diante da lacuna observada entre aquilo que está previsto nos documentos normativos em termos de mecanismos institucionais para participação estudantil, e aquilo que efetivamente se implementou na unidade de ensino pesquisada, restou direcionar o olhar à participação estudantil no Conselho de Classe, enquanto órgão colegiado em funcionamento e com assento assegurado para representação discente do ensino técnico integrado ao ensino médio.

5. Resultados

Os resultados da pesquisa podem ser classificados em duas categorias, considerando-se o procendimento de coleta de dados adotado nas distintas fases. A primeira categoria diz respeito aos dados obtidos por meio da análise de documentos, os quais permitiram esboçar a configuração institucional da gestão, o funcionamento de órgãos colegiados e as normativas que regem a participação estudantil.

A segunda categoria de resultados provém dos dados obtidos mediante a aplicação de entrevistas aos sujeitos da pesquisa, por meio das quais se pode fazer uma análise dos processos de participação estudantil nos colegiados implantados na instituição. Decerto, estes dados se complementam enquanto resultados de pesquisa, e aqui optou-se por apresentá-los de modo articulado.

O Instituto Federal em análise, em normativa exarada pelo seu Conselho Superior, insere como direito dos discentes, no Art. 240º:

III – participar da ação colegiada, votando e sendo votado, para escolha de representantes, na forma deste Regulamento;

IV – apresentar sugestões aos setores competentes, que visem ao aprimoramento da Instituição e à melhoria da qualidade de ensino. (Instituto Federal do Amazonas, 2015)

Enquanto direito registrado nos documentos oficiais da instituição, todo estudante tem a possibilidade de votar e ser votado para representação de seus pares, configurando um dos pilares democráticos, que é a participação de todos na escolha de seus representantes. Segundo Cardozo (2012), “participação rima com igualdade de oportunidades, com processos de colaboração de mão dupla e de construção coletiva de um projeto que pertença a todos” (p. 176).

O contexto de participação impresso nos documentos é evidente nos relatos dos discentes entrevistados em relação a escolherem e poderem ser escolhidos como representantes. Quando perguntados sobre a forma como foram instituídos como representantes de classe, todos afirmaram que foi por meio de eleição, onde todos poderiam candidatar-se ou mesmo indicar alguém.

Conforme o Art. 3.o, § 1.º do Regulamento Interno do Conselho de Classe do Instituto, o processo eleitoral de escolha dos representantes discentes, de responsabilidade da equipe técnico-pedagógica, deverá ocorrer nos primeiros 30 dias do ano letivo, com mandato a ser encerrado no último dia do referido ano (Instituto Federal do Amazonas, 2013). A norma também dispõe sobre as competências do Conselho de Classe, nos seguintes termos no Art. 5.º, Parágrafo Único:

Constituir-se-á em um espaço pedagógico de compartilhamento de observações da aprendizagem dos alunos e de socialização de experiências docentes neste sentido, sendo também espaço de decisões tomadas com seriedade e critérios definidos acerca dos futuros procedimentos pedagógicos a serem adotados para o bom andamento das turmas. (Instituto Federal do Amazonas, 2013)

Os relatos dos entrevistados recorrem sempre para o mesmo caminho, revelando a dinâmica do desenvolvimento das reuniões do Conselho, partindo continuamente da socialização das demandas dos alunos, para posterior fala dos docentes e finalizando com as deliberações por parte do corpo docente e de técnicos administrativos/pedagógicos, como vemos nos relatos a seguir:

Eles pedem pra cada representante falar; eles dão um papel na verdade, pra gente conversar com a turma, aí nesse papel está perguntando se a sala é colaborativa, se muita gente dorme na sala, pede o comportamento dos alunos na sala e de alguns professores também. E, quando chegamos lá, eles pedem que nós leiamos o que a sala falou; caso tenha alguma outra coisa que queiramos acrescentar, a gente acrescenta. Aí, depois é dada a oportunidade para o professor. (Jean, representante discente, 2.º ano)

O Conselho adota um formulário para que os estudantes sistematizem suas participações no Conselho. Este formulário, entregue pelo setor pedagógico aos representantes, visa nortear suas falas, todavia os estudantes vêm resignificando este formulário e sua participação no Conselho:

O formulário serve como uma espécie de colinha para eles não se perderem no que vão expor. Então, acontece esse momento, geralmente eles extrapolam o formulário, eles falam questões que nem constam no formulário, mas eles sentem essa necessidade e falam. (Carlos, representante docente)

A metodologia utilizada para condução das reuniões do Conselho contempla uma fala inicial dos representantes discentes, que consiste na leitura de um formulário-padrão que é preenchido pelos representantes junto com as questões pertinentes a sua turma. O problema é que a participação estudantil se resume a este momento, pois os estudantes não permanecem na reunião para o processo deliberativo.

Quando indagada sobre o porquê de os estudantes não poderem permanecer nas reuniões até ao final, uma representante discente afirma: “É só para conselheiros e pedagogas e coordenação de curso” (Juliana, representante discente, 3.º ano). Desse modo, o espaço que deveria ser democrático e participativo torna-se restritivo, pois “se os sujeitos não estão dispostos ao diálogo, pouco espaço restará, de fato, à democracia” (Souza, 2019, p. 274).

Uma representante dos técnicos administrativos e pedagógicos, conselheira há quatro anos, afirma não concordar com essa metodologia, pois os estudantes deveriam continuar nas reuniões até ao final e muito aprenderiam com isso. Contudo, justifica:

A preocupação dos professores é tratar de algumas coisas que possam ser ventiladas indevidamente nas turmas, quando vai se tratar de algum caso específico de alguns alunos, mas isso é um ponto que a gente precisa ajudá-los também a amadurecer. Esse é um espaço para eles [professores] amadurecerem as questões éticas. (Márcia, representante técnico-administrativa;

Relatos com conteúdo semelhante são recorrentes entre os conselheiros não discentes, remetendo à ideia de que os estudantes não estão preparados para ouvir, opinar ou mesmo guardar informações em sigilo. Contudo, Nardi (2015) afirma que essa é uma das questões mais importantes a serem vencidas quando se pretende uma eficiente participação: aprender a participar. “A participação da comunidade, como todo processo democrático, é um caminho que se faz ao caminhar e que demanda reflexão acerca dos obstáculos e potencialidades no campo da ação” (Nardi, 2015, p. 658).

Essa conduta de participação restrita dos representantes discentes apenas em parte das reuniões do Conselho de Classe não encontra fundamentos no documento que norteia o funcionamento deste Conselho:

Art. 10º As reuniões dos Conselhos de Classe, Diagnóstico e Prognóstico terão os seguintes procedimentos:

I. Relato da turma, pelo representante discente, acompanhado pelo docente conselheiro, considerando as condições da aprendizagem;

II. Relato de cada docente quanto ao trabalho pedagógico desenvolvido;

III. Relato de cada docente quanto ao desempenho dos estudantes, de um modo geral, e apresentação do prognóstico do plano de trabalho a ser realizado;

IV. Relato do Gerente de Ensino/Coordenador de Ensino/Curso/Área/Eixo Tecnológico quanto ao desenvolvimento do curso e das turmas e encaminhamentos propostos adotados;

V. Relato dos representantes da Equipe Técnico-Pedagógica quanto ao acompanhamento do processo pedagógico e demandas mais identificadas durante os atendimentos;

VI. Registro, em Ata, dos relatos e das determinações estabelecidas;

VII. Assinatura na Ata e na lista de presença por todos os participantes, ao final das reuniões. (Instituto Federal do Amazonas, 2013)

Vemos então que, de acordo com o Regulamento Interno do Conselho de Classe, os procedimentos previstos para a condução das reuniões asseguram a necessária presença dos representantes estudantis até ao final da reunião. Conforme Souza (2019), para que haja transformação nesse tipo de relação de poder, é necessário que a democracia penetre e transforme as relações sociais concretas “e isso demanda colocar a democracia em ação, vale dizer, para além do princípio, implica considerá-la como procedimento” (p. 273).

Outra questão investigada foi a dos canais de comunicação existentes entre os representantes estudantis e seus pares. Os entrevistados foram unânimes em afirmar que, institucionalmente, não há um meio de comunicação criado para a interlocução entre representantes e demais alunos, mas que os mesmos criaram seus próprios veículos. Juliana, por exemplo, utilizou um aplicativo na Internet como ferramenta e afirma:

A gente criou um grupo de whatsapp só da turma. Todo mundo fala direto. Às vezes, quando não podem vir pra aula, eles já avisam lá e eu passo para o professor. Agora a gente está mais falando sobre a formatura, mas já teve informação que passei pra eles lá no grupo. A eleição mesmo pra representante e para conselheiro foi discutida por lá. (Juliana, representante discente, 3.o ano)

Podemos perceber, no relato da estudante, que decisões importantes que dizem respeito à turma são discutidas nesse canal criado pela representante. Os grupos são exclusivos dos discentes, conforme atesta o relato de uma estudante:

Com os professores lá, eu acho que ninguém teria coragem de ficar falando nada. Por vergonha mesmo ou até por medo mesmo de, tipo, o professor chamar atenção ou penalizar com ponto, etc. (Juliana, representante discente, 3.º ano)

Esse relato aponta um nível de autonomia e independência que esses jovens estudantes têm buscado para se comunicarem sem a interferência de um professor ou de alguém da Direção. Também é perceptível o medo de repressão nessa relação de poder, medo de serem penalizados por estarem expressando suas opiniões.

Outro canal de comunicação muito eficaz é o contato presencial entre representante e sua turma por meio de reuniões, tanto nos intervalos de aula quanto durante as aulas, mesmo com a paralisação das atividades naquele momento, como exemplifica o aluno Jean:

Quando tem alguma informação para passar, eu peço autorização de algum professor que está na sala e pergunto se posso dar o aviso. Se ele dá autorização, então eu aviso a turma de algo importante. E, também, quando os alunos querem alguma informação, eles me passam e eu vou diretamente onde está relacionada a questão que eles querem que eu resolva. (Jean, representante discente, 2.º ano)

Outros representantes também fazem reuniões com suas turmas e consideram esse mecanismo de comunicação mais eficaz. Essas reuniões devem ser realizadas com protagonismo dos alunos, independente da presença ou não de um docente, como enfatiza o aluno Paulo:

Sempre que surgir um problema a gente tem que parar e reunir e decidir o que fazer juntos. Eu vou trabalhar pra que todo mundo participe. E, se for preciso, a gente vai chamar o conselheiro, sim, para participar da nossa reunião. (Paulo, representante discente, 1.º ano)

Segundo relatos de uma docente coordenadora de curso, não há espaço ou mecanismo institucional garantido para articular essa comunicação entre alunos e seus representantes, mas isso acontece naturalmente; devido a estarem em um curso de período integral, ficam tempo demais diariamente juntos, então ela acredita que essa articulação entre alunos do técnico integrado é tão forte que até dispensa intervenção da instituição. O que já não é visto com os mesmos olhos pela Ana, representante no Conselho e que também faz parte da diretoria do Grêmio estudantil, ao afirmar que faz falta ter um espaço específico para assembleias e reuniões discentes:

Os auditórios não podem ser usados durante o intervalo de almoço, por exemplo, sem a presença de um técnico, e nenhum técnico deixaria seu horário de almoço para atender a solicitação de um grupo de estudantes. Então, é bem complicado a gente reunir a maioria dos alunos enquanto grêmio. (Ana, representante estudantil do 3.º ano)

É possível perceber a criatividade em inventar meios para aprimorar a comunicação, sem deixar de ouvir todos os alunos, mas também fica evidente o quanto faz falta à representação estudantil apoio em relação aos espaços e disponibilidade de tempo para que a categoria se organize enquanto coletivo. As reuniões precisam ser feitas em intervalos do almoço, provavelmente para não parar as aulas.

Acerca das pautas levadas pelos estudantes ao Conselho de Classe, verificou-se que as principais questões relacionam-se à metodologia dos professores, à infraestrutura de laboratórios e salas de aula e à relação interpessoal em sala, tanto entre os próprios alunos como entre professores e alunos.

No rito que vem sendo adotado no Conselho de Classe, os representantes apenas relatam o que acontece ou o posicionamento da turma diante dos fatos, não são convidados a opinar ou mesmo assistem os debates sobre tais temas. Ficam na expectativa de receber alguma devolutiva após a reunião, por parte dos demais conselheiros.

Olhar para os Conselhos requer, portanto, perspectiva crítica, pois, ainda que os estudos apontem o potencial que representam para o estabelecimento do diálogo entre os diferentes sujeitos dos processos educativos, também não se pode negar que apresentam limitações no entendimento de seu potencial no campo político e técnico, tendo uma atuação ainda marcada pela tarefa de formalizar decisões já tomadas pela direção escolar ou pelo grupo dominante na política escolar (Souza, 2019).

Acerca das pautas suscitadas pelos estudantes, a visão dos representantes docentes é do acolhimento majoritário às demandas dos alunos, enfatizando que os mesmos são sempre ouvidos. Contudo, na perspectiva dos estudantes, nem sempre são consideradas suas reivindicações. Segundo afirma Marcos, representante estudantil do 2.º ano, “nem todas as coisas que a gente passa para eles eles acatam, e a gente também não fica sabendo o porquê”.

Averiguou-se, também, como os sujeitos da pesquisa avaliavam a participação dos representantes estudantis nas reuniões do Conselho de Classe. Vemos então que, apesar da restrita participação dos representantes discentes na primeira parte da reunião, a unanimidade prevalece, no sentido de todos os entrevistados considerarem que, na medida das limitações impostas, os estudantes não se anulam, mas participam à medida que lhes dão possibilidades:

Eu vejo os alunos atores, não meros espectadores. Claro que nem todas as demandas deles são atendidas, por uma série de fatores que aí não cabe a mim, mas tem a questão de recurso e outros fatores que esbarram, mas é muito enriquecedor eu ver que o aluno não é só um espectador, ele participa disso. (Carlos, representante docente)

A percepção dos representantes estudantis é um pouco mais rigorosa. Muitos afirmam que poderiam participar de modo mais efetivo e consideram que têm muito a contribuir, porém não é dado esse espaço.

Como se pode perceber, os processos de participação estudantil nos espaços institucionalizados da instituição pesquisada se encontram em fase embrionária, esbarrando nos determinantes de uma cultura centralizadora ainda presente na instituição. O fortalecimento desta participação requer o contínuo engajamento dos diferentes sujeitos que compreendem a urgência do rompimento com estas velhas lógicas e, sobretudo, dos estudantes, pois, como afirma Sposito (2000), “na escola formal, sempre haverá resistência às interferências nas rotinas e estruturas de poder que professores, funcionários e técnicos estão habituados a manter” (p. 75), sendo necessários espaços de aproximação e construção coletiva por parte dos jovens estudantes.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados documentais levantados na pesquisa apontaram que a instituição pesquisada dispõe de uma estrutura organizacional de gestão colegiada e assume, no plano formal, o compromisso com os princípios democráticos. A participação estudantil é garantida, nos documentos, como um direito do corpo discente, devendo ser estimulada pela direção e corpo docente. São ainda garantidos como espaços de participação estudantil os órgãos colegiados de gestão da instituição.

A escuta dos sujeitos enriqueceu os resultados da pesquisa, permitindo um delineamento dos processos de participação dos estudantes a partir dos espaços garantidos nos documentos oficiais. Contudo, também evidenciou entraves à gestão democrática aquando da redução do número desses colegiados a apenas um com assento garantido, especificamente, a alunos do ensino técnico integrado; os demais colegiados em funcionamento definem critérios para representação, dentre os quais a idade desses representantes, o que vem a excluir os estudantes do ensino técnico integrado.

Outro entrave encontrado é a restrita participação desses estudantes (apenas na parte inicial) nas reuniões deliberativas do Conselho em que participam como membros efetivos, restando ao corpo técnico e docente a segunda parte, que diz respeito às tomadas de decisões.

Quanto às concepções e espaços de participação, para além da abertura dos colegiados já existentes à participação dos estudantes do ensino técnico integrado, há necessidade de que todos os colegiados previstos nos documentos oficiais sejam postos em funcionamento, ampliando assim a participação estudantil nos diversos setores da gestão, conforme apontam os dados coletados.

A pesquisa permitiu a apreensão da realidade a partir de diferentes olhares – da legislação, dos próprios jovens e dos gestores da instituição –, evidenciando aquilo que os estudos sobre participação estudantil vêm indicando: cada vez mais os jovens reivindicam espaços de escuta e intervenção, porém, muitas vezes, não são chamados a emitir opiniões e a interferir, até mesmo nas questões que lhes dizem respeito diretamente.

A superação dessa tendência implica, principalmente, no rompimento com a cultura política de ordem patrimonialista, por meio da qual os espaços públicos ainda são vistos pelos usuários como propriedade do governo ou do pessoal que nele atua. No caso da escola, “diretores, professores e funcionários, com prevalência dos primeiros, ainda monopolizam os foros de participação” (Mendonça, 2001, p. 87).

Neste estudo percebemos que, mesmo depois de quase 30 anos da inscrição do princípio da gestão democrática na Constituição Federal, o maior desafio é a sua transposição no campo prático, ou seja, a implementação de uma gestão democrática em instituições e sistemas de ensino hierarquicamente organizados e fundados sobre concepções e práticas de organização e gestão opostas ao princípio da gestão democrática.

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Recebido: 04 de Novembro de 2020; Aceito: 07 de Janeiro de 2022

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