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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187versão On-line ISSN 2183-0452

Rev. Port. de Educação vol.35 no.2 Braga dez. 2022  Epub 02-Mar-2022

https://doi.org/10.21814/rpe.21270 

Artigos Originais

Educação bilíngue para surdos no Brasil e em Portugal: Uma revisão sistemática da literatura

Bilingual education for the deaf in Brazil and Portugal: A systematic review of the literature

Educación bilingüe para sordos en Brasil y Portugal: Una revisión sistemática de la literatura

Wolney Gomes Almeida1 

Anabela Cruz-Santos2 

1Departamento de Letras e Artes, Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Brasil.

2Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC), Instituto de Educação, Universidade do Minho, Portugal.


Resumo

Este artigo tem como objetivo identificar a produção científica sobre a educação bilíngue para surdos no Brasil e em Portugal, tendo em conta o reconhecimento das línguas de sinais/gestuais e as políticas públicas voltadas para um modelo bilíngue de educação de surdos. Portugal e Brasil apresentam semelhanças quanto ao reconhecimento das suas línguas gestuais/de sinais (LGP - Língua Gestual Portuguesa e Libras - Língua Brasileira de Sinais) e quanto à presença de normativas legais que preconizam o atendimento bilíngue aos surdos. Para identificação das produções, foi efetuada uma pesquisa nas seguintes bases de dados: DOAB, SciELO, Scopus, Web of Science e Wiley InterScience, tendo como palavras-chave de busca: educação bilíngue, surdos e surdez. Conclui-se que a baixa produção sobre o tema pode refletir o quão recente é o desenvolvimento das políticas de educação de surdos em ambos os países, bem como pode refletir a recente marca dos movimentos sociais de surdos nos processos de inclusão nos espaços educacionais ao longo de sua história. Após identificação dos trabalhos publicados, esta pesquisa mostrou-se relevante quanto à necessidade de ampliar a produção no campo da educação bilíngue para surdos, não apenas pela importância de discutir as políticas públicas no atendimento educacional, mas também por permitir a problematização das práticas docentes na educação inclusiva.

Palavras-chave Educação bilíngue; Surdos; Surdez; Revisão sistemática da literatura

Abstract

This paper aims to identify scientific production on bilingual education for the deaf in Brazil and Portugal, taking into account the recognition of the sign languages and the public policies aimed at a bilingual model of deaf education. Portugal and Brazil have similarities regarding the recognition of their sign languages (PSL - Portuguese Signal Language and Libras - Brazilian Sign Language) and regarding the presence of legal regulations that recommend bilingual assistance to the deaf. To identify the scientific literature in this area, a search was carried out in the following databases: DOAB, SciELO, Scopus, Web of Science and Wiley InterScience, having as search keywords: bilingual education, deaf and deafness. It is concluded that the low number of papers published in recognized journals on bilingual education in Brazil and Portugal may reflect the recent development of education policies for the deaf in both countries, as well as the recent mark of the social movements of the deaf inclusion processes in educational spaces throughout its history. After identifying the published works, this search proved to be relevant regarding the need to expand the production of knowledge in the field of bilingual education for the deaf, not only because of the importance of discussing public policies in educational settings, but also because it allows to analyze issues related to best teaching practices for an effectively inclusive education.

Keywords Bilingual education; Deaf; Deafness; Systematic review of the literature

Resumen

Este artículo tiene como objetivo identificar la producción científica sobre educación bilingüe para sordos en Brasil y Portugal, teniendo en cuenta el reconocimiento de las lenguas de signos/gestuales y las políticas públicas dirigidas a un modelo bilingüe de educación para sordos. Portugal y Brasil tienen similitudes en cuanto al reconocimiento de sus lenguas de signos/gestuales (LGP - Lengua Gestual Portuguesa y Libras - Lengua Brasileña de Señales) y en cuanto a la presencia de normativas legales que abogan por la atención bilingüe a las personas sordas. Para identificar las producciones, se realizó una búsqueda en las siguientes bases de datos: DOAB, SciELO, Scopus, Web of Science y Wiley InterScience, teniendo como palabras clave de búsqueda: educación bilingüe, sordos y sordera. Se concluye que la baja producción sobre el tema puede reflejar lo reciente que es el desarrollo de las políticas de educación de sordos en ambos países, así como también puede reflejar la marca reciente de los movimientos sociales de sordos en los procesos de inclusión en los espacios educativos a lo largo de su historia. Después de identificar los trabajos publicados, esta investigación se mostró relevante en cuanto a la necesidad de ampliar la producción en el campo de la educación bilingüe para sordos, no sólo por la importancia de discutir políticas públicas en la asistencia educativa, sino también por permitir la problematización de las prácticas docentes en la educación inclusiva.

Palabras clave Educación bilingüe; Sordo; Sordera; Revisión sistemática de la literatura

1. Introdução

A educação inclusiva tem se tornado palco de grande discussão nos espaços acadêmicos, fundamentada na concepção dos direitos humanos fundamentais, fortalecendo a ideia da equidade, da acessibilidade e do direito e pressupondo a eliminação das circunstâncias de exclusão no interior da escola. Torna-se, portanto, pauta fundamental na realidade das leis civis e educacionais em vários países, como é o caso do Brasil e de Portugal, verificando-se um avanço social no campo das políticas públicas, principalmente ao levarmos em consideração o conhecimento histórico de como se configurou a Educação Especial nestes países.

Fruto destes avanços, nota-se uma crescente demanda de atendimento aos alunos que apresentam necessidades educacionais específicas em espaços escolares, desde o campo da educação básica até ao do ensino superior. Neste contexto, destaca-se a inclusão dos estudantes surdos e a grande discussão a respeito dos aspectos comunicacionais entre surdos e ouvintes diante de uma real necessidade de atendimento educacional, de formação docente para este fim, de um currículo e metodologias de ensino aplicadas a esta necessidade, dentre outras questões.

A história da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a história da Língua Gestual Portuguesa (LGP) cruzam-se na medida em que o reconhecimento linguístico destas línguas se torna um constructo entre a resistência histórica sobre sua marginalização e as conquistas para a legitimidade na comunicação de surdos. Esta legitimação se materializa em suas práticas educacionais a partir de métodos e práticas bilíngues que contemplam as especificidades linguísticas dos estudantes surdos, reconhecendo principalmente a mediação entre surdos, e entre surdos e ouvintes, a partir de uma língua de modalidade visual que atende às necessidades comunicacionais deste público. Face à necessidade atual de maior conhecimento sobre o campo da educação de surdos, surge o questionamento sobre como têm se configurado as produções científicas em torno da educação bilíngue para estudantes surdos em idade escolar considerando o contexto das políticas educacionais do Brasil e de Portugal.

Para a realização deste estudo, foram utilizadas, como estratégias metodológicas, técnicas de revisão sistemática de literatura, conforme descritas por Gomes e Caminha (2014). Optou-se por abordar, nesta revisão, a busca por artigos científicos publicados em revistas brasileiras e portuguesas, tendo como idioma de publicação a língua portuguesa e a língua inglesa, partindo-se do pressuposto de que estes filtros refletiriam, em sua essência, resultados de pesquisa com um nível de discussão significativamente aprofundado no tema da educação bilíngue no contexto do português do Brasil e do português europeu.

As bases de dados selecionadas e analisadas foram as seguintes: DOAB, SciELO, Scopus, Web of Science/ISI e Wiley InterScience, tendo em conta os critérios metodológicos exigidos em textos desta natureza, nomeadamente o facto de estas bases contemplarem artigos publicados em revistas de elevado impacto científico, e que fossem analisados no mínimo em três bases de dados (Donato & Donato, 2019).

Elencámos como palavras-chave de busca ‘educação bilíngue’, ‘surdos’ e ‘surdez’, buscando assim ampliar o mapa de publicações sobre o objeto levantado. Optámos por limitar a pesquisa ao termo ‘educação bilíngue’ para que seguíssemos o rigor também no campo conceitual, uma vez que outras nomenclaturas, como ‘biculturalismo’, ‘bimodalismo’, entre outras, podem apresentas dissonâncias conceituais entre o campo semântico educacional e bilíngue construído no Brasil e em Portugal. Desta forma, cada palavra-chave elencada representa, em rigor conceitual e normativo, as mesmas características educacionais nos dois países em estudo.

Os registos de coleta se realizaram no período de 15 de dezembro de 2019 a 12 de fevereiro de 2020. Os passos iniciais para a seleção dos artigos foram: (a) observância da presença das palavras-chave no título, subtítulo e resumo dos artigos; (b) leitura dos resumos e sua observância sobre se os artigos abrangiam a discussão temática da educação bilíngue para surdos, descartando-se aqueles que fugiam ao objeto deste estudo; e (c) leitura completa dos artigos e sistematização dos dados por suas categorias.

Os artigos selecionados foram analisados a partir de três categorias definidas a posteriori, observando, a partir dos seus objetivos, quais abrangências de coletas de dados utilizadas em cada produção publicada. Assim, entendeu-se que os artigos estão segmentados em três grandes grupos metodológicos para discutir a educação bilíngue, a saber: a) pesquisas realizadas no âmbito da formação docente e técnica especializada; b) pesquisas realizadas com estudantes surdos no âmbito do bilinguismo; c) pesquisas realizadas a partir de análises de documentos e materiais bibliográficos.

A pesquisa se restringiu a artigos de acesso livre e não houve filtro quanto ao período das publicações, buscando, assim, contemplar a totalidade de seus registos.

2. Os Caminhos Da Educação Bilíngue No Brasil E Em Portugal

Atualmente, o bilinguismo tem sido discutido na área de educação de surdos em virtude da inclusão destes estudantes em escolas regulares e pela propulsão das políticas públicas que vêm se desenvolvendo em diversos países a favor do reconhecimento linguístico e metodológico no atendimento educacional destes estudantes ao longo dos últimos 10 anos. Lacerda (1998) defende que o bilinguismo na área da surdez propõe um espaço efetivo para que a língua de sinais seja utilizada no trabalho educacional, propondo que sejam ensinadas duas línguas à criança surda: a língua de sinais, por lhe ser de aquisição natural, e a língua oficial do país (no caso do Brasil, a Libras - Língua Brasileira de Sinais e o Português; e, no caso de Portugal, a LGP - Língua Gestual Portuguesa e o Português). Nesse sentido, ao sinalizar, a criança poderá desenvolver sua competência e a capacidade linguística que irá lhe auxiliar na aprendizagem de L2 (segunda língua), tornando-se bilíngue.

Em Portugal, o movimento em torno de uma proposta bilíngue na educação de surdos começa a ganhar forma a partir do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, com a influência das políticas educacionais que visavam a educação de surdos que se desenvolvia nos países da região da Europa setentrional e do Atlântico Norte. Para além disso, o país sofre uma forte influência da Federação Mundial de Surdos (World Federation of the Deaf/WFD) e da União Europeia de Surdos (European Union of the Deaf/EUD) enquanto referências de movimentos associativos mundiais na construção dos documentos legais no contexto português.

O Decreto-Lei n.º 3/2008 refletiu a intenção de promover uma educação de qualidade a partir de uma lógica desenhada por uma escola democrática e inclusiva, propondo um modelo de educação flexível, pautado por uma política global integrada e que atenda à diversidade de características e necessidades educativas especiais para os estudantes.

Em seu artigo 4.º, o Decreto prevê a garantia das adequações de carácter organizativo, instituindo a oferta de “escolas de referência para a educação bilingue de alunos surdos”. Já no artigo 10.º, propõe a elaboração do programa educativo individual, sendo que, para os alunos surdos, deve-se oferecer a participação de um docente surdo no ensino de LGP.

O seu artigo 18.º apresenta a adequação do currículo dos alunos surdos com ensino bilíngue e a define a partir da introdução de áreas curriculares específicas para a primeira língua (L1), segunda língua (L2) e terceira língua (L3), tendo contempladas as seguintes perspectivas: a) a língua gestual portuguesa (L1) do pré-escolar ao ensino secundário; b) o português como segunda língua (L2) do pré-escolar ao ensino secundário; e c) a introdução de uma língua estrangeira escrita (L3) do 3.º ciclo do ensino básico ao ensino secundário1.

Mais adiante, o documento expõe que as crianças e jovens surdos têm direito ao ensino bilíngue, devendo ser dada prioridade à sua matrícula nas escolas de referência mencionadas na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º independentemente da sua área de residência (Decreto-Lei n.º 3/2008).

Esta legislação expõe, em seu texto, que a educação das crianças e jovens surdos deve ser feita em ambientes bilíngues que possibilitem o domínio da LGP e do português escrito, competindo à escola contribuir para o crescimento linguístico dos alunos surdos, para a adequação do processo de acesso ao currículo e para a inclusão escolar e social.

Outro quesito pontuado pelo Decreto se refere às equipes que integram os grupos de trabalho na perspectiva bilíngue, definidas por: a) docentes com formação especializada em educação especial, na área da surdez; b) docentes surdos de LGP; c) intérpretes de LGP; d) terapeutas da fala (Decreto-Lei n.º 3/2008). É de salientar uma preocupação normativa quanto à formação dos profissionais, e principalmente a dos professores que atuam no campo da educação bilíngue, quando expõe que a docência dos grupos ou turmas de alunos surdos é assegurada por docentes surdos ou ouvintes com habilitação profissional para leccionar aqueles níveis de educação e ensino, competentes em LGP e com formação e experiência no ensino bilíngue de alunos surdos.

Uma década depois, em 2018, Portugal institui o Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, sem apresentar novas normativas com relação ao documento anterior no que diz respeito à educação de alunos com surdez, mas que reafirma as orientações já existentes para a educação bilíngue no país, principalmente a de estabelecer como uma das prioridades da ação governamental a aposta numa escola inclusiva onde todos e cada um dos alunos, independentemente da sua situação pessoal e social, possam se constituir enquanto atores sociais em uma sociedade inclusiva, tendo como premissa a sua formação educacional. Esta prioridade política vem concretizar o direito de cada aluno a uma educação inclusiva que responda às suas potencialidades, expectativas e necessidades no âmbito de um projeto educativo comum e plural que proporcione a todos a participação e o sentido de pertença em efetivas condições de equidade, contribuindo assim, decisivamente, para maiores níveis de coesão social.

No Decreto-Lei n.º 54/2018, valoriza-se o atendimento aos surdos em espaços educacionais bilíngues em escolas de referência, garantindo o acesso ao currículo nacional comum para todos os alunos surdos, tendo como premissa o desenvolvimento da língua gestual portuguesa (LGP) como primeira língua (L1) e o desenvolvimento da língua portuguesa escrita como segunda língua (L2), bem como se reforça a formação especializada para os docentes na área da educação especial, surdez, LGP, garantindo o direito de atendimento de terapeutas da fala e de intérprete de LGP, dando continuidade ao desenvolvimento de ambientes bilíngues, o que já vinha a ser legislado desde o Decreto-Lei n.º 3/2008, de forma a que estes alunos tenham acesso a uma educação inclusiva (Decreto-Lei n.º 16/2018, de 11 de maio).

A educação bilíngue de surdos no Brasil está reconhecida pela Lei n.º 10.436/2002, de 24 de abril, e regulamentada pelo Decreto n.° 5.626/2005, de 22 de dezembro, ao determinar, em seu capítulo VI, artigo 22, a organização para a inclusão escolar: a) escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental; b) escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio. ou educação profissional, com docentes de diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade linguística dos alunos surdos, bem como a presença de tradutores e intérpretes de Libras/Língua Portuguesa (Decreto n.° 5.626/2005). Ainda no artigo 22, parágrafo 1.º, este decreto descreve como escolas ou classes de ensino bilíngue “aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam língua de instrução utilizada no desenvolvimento de todo o processo educativo” (Decreto n.° 5.626/2005). O reconhecimento, pela Lei brasileira n.º 10.436/2002, da Libras como Língua abriu o caminho para a educação bilíngue para os surdos e a aceitação da existência de uma marca cultural importante no contexto da diferença linguística para a inclusão dos surdos.

A legitimidade das línguas gestuais aponta para o resultado de frequentes discussões que foram travadas nas últimas décadas, por parte dos movimentos surdos, por uma emergente política inclusiva. Além disso, segundo aponta Coelho (2010), a partir desse reconhecimento “passou a existir um dispositivo legal que, não apenas reconhece a língua de uma comunidade linguística minoritária, como garante o direito ao acesso à educação das crianças surdas através dela” (p. 200). Assim, importante se faz pontuar que estes documentos se configuram como principais conquistas dos movimentos surdos nestes países, implicando, sobretudo, nas questões linguísticas perante uma história, cuja negação de suas línguas determinou inúmeras ações excludentes, não apenas nos países em destaque como também em todo o mundo.

3. Método

Na busca por alcançarmos os objetivos desta pesquisa e levantarmos dados sobre o objeto do estudo, escolhemos como tipo de investigação a revisão sistemática da literatura (RSL), que, segundo os estudos de Galvão e Ricarte (2019), é “uma modalidade de pesquisa que vai além da atividade usual de fazer uma revisão de literatura como parte de um trabalho de pesquisa acadêmica” (p. 57), sendo considerada extremamente útil por beneficiar, com fonte de dados, a literatura sobre determinado tema, assegurar rigor metodológico para identificar os estudos em questão e sintetizar as evidências disponíveis, avaliar a qualidade desses estudos, bem como auxiliar na orientação de investigações futuras.

Coadunam com o pensamento acima as palavras de Gomes e Caminha (2014), quando complementam que a revisão sistemática (RS) consiste numa “síntese criteriosa como opção para não apenas acastelar informações, mas acompanhar o curso científico de um período específico, chegando ao seu ápice na descoberta de lacunas e direcionamentos viáveis para a elucidação de temas pertinentes” (p. 397), o que nos impulsiona a salientar que se trata de um estudo com protocolos específicos e baseado em dados de pesquisas já realizadas para agrupar as evidências e atingir uma conclusão. Assim sendo, acreditamos que a RSL é uma metodologia consistente como proposta para auxiliar a atualização e produção de novos conhecimentos científicos, uma vez que exige um planejamento mais rigoroso e detalhado, com critérios bem estabelecidos, para melhor fornecer as evidências científicas.

Quanto às etapas que constituem o processo de elaboração de um estudo de RS, destacamos, consoante aos estudos de Galvão e Ricarte (2019), a delimitação da questão a ser tratada na revisão; a seleção das bases de dados para consulta e coleta de material; a elaboração de estratégias para busca avançada; a seleção e sistematização de informações encontradas, entre outras, que emergirão da necessidade de evidências.

Sobre as subdivisões da RS, a abordagem adotada é a qualitativa, que, segundo os estudiosos Hoefelmann, Santos, e Moretti-Pires (2012, como citado em Gomes & Caminha, 2014), tem como objetivo precípuo dar importância às similaridades e diferenças entre as pesquisas já realizadas, de modo a ampliar as possibilidades interpretativas dos resultados, construindo, dessa forma, (re)leituras ampliadas. A revisão sistemática qualitativa é, assim, compreendida como uma “síntese rigorosa de pesquisas relacionadas à questão norte do estudo” (Gomes & Caminha, 2014, p. 401), e que, por sua vez, envolve ainda a interpretação dos dados dispostos.

Apresentamos de seguida o Quadro 1 referente às etapas de um estudo de revisão sistemática acrescidas de informações sobre a pesquisa.

Quadro 1: Síntese das Etapas de um Estudo de Revisão Sistemática e Dados da Pesquisa 

Galvão e Ricarte (2019).

A Figura 1, a seguir, mostra a quantidade de artigos produzidos e registrados no banco de dados da DOAB, SciELO, Scopus, Web of Science/ISI e Wiley InterScience, respectivamente, e refinados quanto ao envolvimento dos descritores ‘educação bilíngue’, ‘surdos’ e ‘surdez’, e ao processo de seleção dos artigos para atender metodologicamente aos critérios de análise estabelecidos para esta pesquisa. Esta Figura representa a primeira etapa metodológica deste trabalho, considerando a busca dos artigos para posterior análise, sendo feita a partir da:

  • identificação dos artigos nas bases de dados;

  • triagem para descartar os artigos duplicados e aqueles que, pelo título e resumo, não apresentam convergência com a especificidade do nosso objeto. Ou seja, foram descartados aqueles artigos que não abordam discussões sobre a educação bilíngue para surdos, mas educação bilíngue em outras línguas, bem como foi feito o descarte dos que consideram o bilinguismo em outros países que não o Brasil e Portugal;

  • elegibilidade dos artigos a partir da sua leitura completa; e

  • inclusão dos artigos que atendam aos critérios aqui estabelecidos quanto à observação dos estudos sobre educação bilíngue nos países elegidos.

Figura 1: Fluxograma do Desenho Metodológico da Pesquisa. 

A estrutura metodológica desenhada nos possibilitou organizar tanto os dados desta pesquisa quanto as discussões em etapas que nos permitem analisar o próprio método como parte da investigação, uma vez que as informações estarão organizadas com a finalidade de apresentar a necessidade da produção de conhecimento sobre a educação bilíngue no Brasil e em Portugal em diálogo com a própria estrutura histórica em que estes países se desenvolveram, e ainda vêm se desenvolvendo, frente à dinâmica das políticas públicas de inclusão para a educação de surdos, bem como a crescente marca dos movimentos sociais de surdos, dos estudos linguísticos e do próprio movimento em torno da inclusão das pessoas surdas no mundo.

Com o objetivo de identificar o processo de seleção dos artigos a partir de cada uma das bases de dados, apresentamos a Tabela 1, de seguida. O número identificado em colunas, na Tabela, representa o número de resultado parcial em cada etapa do processo de exclusão e inclusão dos trabalhos analisados.

Tabela 1: Artigos Identificados nas Bases de Dados 

Observa-se que a base de dados com maior número de publicações é a SciELO (n=63), e, assim, tomámo-la como referência para identificar, nas demais bases de dados, aqueles artigos que se encontram duplicados. Importante, também, é destacar a inexistência de artigos que tratem sobre a temática da educação bilíngue para surdos, no caso da base de dados DOAB (n=0), e a pouca quantidade relativa de artigos publicados na base Web of Science (n=1) e ainda na Scopus (n=5), se considerarmos a importância destes indexadores para o campo da produção científica.

Para a triagem inicial, foi realizada uma análise inicial, a fim de identificar a existência de artigos duplicados entre as bases de dados, bem como foi realizada a leitura dos títulos e dos resumos de cada artigo, com o propósito de identificar aqueles que atendem aos critérios estabelecidos para o objeto deste estudo, que é a produção sobre a educação bilíngue no contexto da educação de surdos no Brasil e em Portugal. Assim, foram retirados todos aqueles artigos que tratam de bilinguismo em outros contextos que não o da educação de surdos, bem como os artigos que não retratam esta modalidade no sistema educacional brasileiro e de Portugal. Também foram retirados os artigos que assumem apenas uma discussão sobre temas adjacentes à educação de surdos, tais como: tradução e interpretação, estudos linguísticos, aquisição de linguagem, alfabetização, entre outros. E, por fim, ainda foram desconsiderados aqueles artigos que se configuraram como artigos de revisão sistemática da literatura na abordagem deste objeto de pesquisa. As Tabelas 2 e 3 apresentam o resultado da triagem inicial realizada.

Tabela 2: Artigos Obtidos na Triagem Inicial – Artigos Duplicados 

Tabela 3: Resultado da Triagem Inicial – Títulos e Resumos dos Artigos 

Após a triagem inicial, a leitura dos n=23 artigos foi realizada em sua íntegra, com o objetivo de identificar, em seus resultados, os elementos de elegibilidade para o estudo em questão, considerando a discussão dos dados destes artigos selecionados, figurados, portanto, na Tabela 4, a seguir apresentada.

Tabela 4: Elegibilidade 

Após a finalização deste processo, os 22 artigos que cumpriram todos os critérios de elegibilidade traçados para este artigo (Tabela 4) foram analisados com base nos resultados apresentados, e a respectiva discussão é apresentada na secção seguinte.

4. Resultados E Discussão

Considerando o recorte feito para esta revisão sistemática da literatura, foi possível constatar que as pesquisas sobre educação bilíngue publicadas no contexto do sistema educacional brasileiro e português não são numerosas, principalmente se considerarmos que as discussões políticas e os movimentos sociais de surdos têm sua marca histórica a partir da década de 1980, tanto nestes dois países em questão, quanto em um contexto considerado mais global. A seguir, apresentamos o quadro com a seleção dos artigos após análise do título e do resumo e sua leitura na íntegra, observando aqueles que atendem aos critérios de inclusão sobre os estudos referentes à educação bilíngue no Brasil e em Portugal.

Tabela 5: Artigos Incluídos na Análise (período de pesquisa nas bases de dados: 15 de dezembro de 2019 a 12 de fevereiro de 2020) 

Após a leitura completa de todos os artigos selecionados, observamos que 100% dos artigos foram publicados em revistas científicas brasileiras e que apenas um dos trabalhos aborda a educação bilíngue no contexto do sistema educacional português, publicado, inclusive, em uma revista brasileira, sendo o restante, em sua totalidade, discussões sobre a educação bilíngue em contexto brasileiro. Isto revela que, além de ter sido identificado um quantitativo ainda pequeno de publicações nestas bases de dados, frente à grande necessidade de conhecimento e de pesquisas sobre a escola bilíngue, o Brasil apresenta prevalência, em número de publicações, em comparação às produções portuguesas. Tal não significa que em Portugal não haja práticas bilíngues de educação para surdos, ou que não haja espaços que reconheçam a Língua Gestual Portuguesa para o atendimento educacional dos surdos, nem que não existam políticas inclusivas que atendam às necessidades dos surdos em contexto educacional. Uma questão que podemos levantar é a de que as políticas de educação bilíngue para surdos, em Portugal, previstas em sua legislação, tenham se estabelecido de maneira mais sistemática neste território nacional e as complexidades existentes nas práticas de educação bilíngue para surdos no Brasil sejam de proporção distinta à de Portugal, seja por fatores de extensão territorial, seja por fatores de formação profissional para o atendimento bilíngue, ou ainda por questões históricas frente ao reconhecimento do ensino de língua portuguesa para surdos nestes dois países. De modo objetivo, as realidades políticas e educacionais dos países refletem também uma subjetividade distinta entre as práticas bilíngues, e, portanto, o bilinguismo enquanto questão de investigação entre Brasil e Portugal se apresenta, consequentemente, de modo particular.

Todavia, considera-se importante destacar a produção de conhecimentos sobre o modelo bilíngue para surdos a fim de que as práticas existentes nos espaços escolares possam ser analisadas e as reflexões sobre o contexto da educação bilíngue possam gerar transformações na dinâmica político-educacional e, sobretudo, permitir que os espaços de discussão sejam ampliados mediante a pesquisa científica e a demanda formativa de todos os atores envolvidos no processo educacional.

Outro fator importante a se destacar é o período em que estas produções foram realizadas e publicadas nestes canais de socialização do conhecimento. A consideração aqui feita reflete os marcos históricos em que o Brasil e Portugal se encontram frente às suas dinâmicas políticas e sociais, e de que modo os movimentos sociais dos surdos, assim como tem acontecido em todo o mundo, influenciam no processo de conhecimento sobre as práticas no âmbito da educação bilíngue para os surdos. Assim, a Tabela 6 apresenta uma listagem dos artigos encontrados por anos de pesquisa (de 2005 a 2019).

Tabela 6: Ano de Publicação e Número de Artigos Publicados 

As informações revelam que o início das publicações, nestas bases de dados, coincide com o ano em que o Brasil regulamenta a Lei de Libras no país, demonstrando que o contexto político se configura também como marco para o processo de produção de conhecimento, principalmente porque, como apresentado anteriormente por Coelho (2010), o reconhecimento linguístico representa uma relação dialógica com a realidade político-social para os surdos. Isto se solidifica, uma vez que, a partir de 2002, o Brasil passa a apresentar a Libras como meio legal de comunicação para os surdos e, em 2005, ano da primeira publicação aqui destacada, o país regulamenta a Lei de Libras com o Decreto que determina novas práticas de atendimento educacional para os surdos. Neste contexto, o Decreto prevê sobre o atendimento social e à saúde dos surdos e inclui a Libras como disciplina obrigatória nos cursos de formação de professores em nível superior, bem como a presença obrigatória de intérpretes em todos os espaços de atendimento aos surdos e o reconhecimento da língua portuguesa como segunda língua para este público em contexto educacional – premissa que baseia toda a modalidade de educação bilíngue para surdos.

Os artigos selecionados foram analisados a partir de três categorias definidas a posteriori, observando, a partir dos seus objetivos, quais abrangências de coletas de dados utilizadas em cada produção publicada. O método de análise aqui descrito nos permite inferir que os objetivos traçados no desenvolvimento de cada artigo refletem a discussão apresentada na produção do texto e de cada análise de dados publicados. Dito isso, justificamos aqui a escolha em apresentar o objetivo principal de cada artigo, contextualizando as interpretações sobre as análises dos dados a partir das três categorias definidas. Assim, os artigos estão organizados de forma a permitir analisar a educação bilíngue, nomeadamente através de: a) pesquisas realizadas no âmbito da formação docente e técnica especializada; b) pesquisas realizadas com estudantes surdos no âmbito do bilinguismo; c) pesquisas realizadas a partir de análises de documentos e materiais bibliográficos.

Para a organização dos dados e melhor identificação, os artigos elencados em cada categoria de análise têm como número de referência os artigos intitulados e já discriminados na Tabela 5, apresentada anteriormente.

a) Pesquisas realizadas no âmbito da formação docente e técnica especializada

No contexto brasileiro, a pesquisa na área da formação do professor para educação de surdos vem ganhando destaque nos últimos anos, principalmente a partir do Decreto que regulamenta a Lei de Libras e que institui esta língua na oferta obrigatória de disciplinas nos cursos de formação docente, objetivando uma melhor metodologia no processo de ensino e de aprendizagem oferecido aos estudantes surdos.

Ao pensar na perspectiva bilíngue, a educação de surdos estabelece olhares sobre a diferença destes estudantes, que, embora estejam inseridos num contexto majoritariamente ouvinte, formam uma minoria linguística.

Assim, a revisão sistemática conduzida por esta pesquisa elenca, na Tabela 7, os artigos produzidos no contexto da formação de professores e do quadro técnico no contexto escolar.

Tabela 7: Pesquisas Realizadas no Âmbito da Formação Docente e Técnica Especializada 

Foram encontrados cinco artigos, dos quais quatro tiveram suas publicações registradas no ano de 2016 e uma publicação no de 2019.

Estes artigos expõem a importância de compreender, fomentar e instituir novos olhares sobre a formação docente e de demais servidores no contexto educacional, tendo como ponto de partida a própria percepção destes profissionais sobre o(s) fazer(es) educacional(ais), com vistas à oferta bilíngue na educação de surdos. Tais percepções primam por revelarem não apenas o sentimento destes profissionais frente a uma nova realidade paradigmática na educação, mas, principalmente, por colocarem em questão a necessidade de formação e de instrumentalização profissional que reflitam em práticas mais inclusivas, sobretudo no âmbito da linguagem. A essência desses olhares conduz a novos fazeres pedagógicos e é um dos principais passos para a efetivação de uma educação democrática que respeite as individualidades e suas diferenças.

b) Pesquisas realizadas com estudantes surdos no âmbito do bilinguismo

Quando refletimos que a educação bilíngue para surdos deve enxergar a pessoa surda como elemento principal de todos os processos inclusivos, e para quem todos os objetivos de atendimentos devem servir, entendemos então que não há como pensar as mudanças metodológicas e as práticas consequentes delas sem perceber quais são as reais necessidades e especificidades dos mais interessados neste processo – os surdos. Foi pensando nesta dinâmica, a que a escola bilíngue deve servir, que esta pesquisa trouxe à baila os artigos, fruto da revisão sistemática, que partem de uma pesquisa de campo em que os surdos, enquanto colaboradores da produção científica, se demarcam em seu lugar de fala diante da grande problemática que se insere no contexto da escola bilíngue e do sistema bilíngue como um todo.

A Tabela 8, a seguir, apresenta o número de artigos publicados em atendimento a esta categoria de análise, tendo como componentes organizacionais o objetivo dos artigos e o seu ano de publicação.

Tabela 8: Pesquisas Realizadas com Estudantes Surdos no Âmbito do Bilinguismo 

Os artigos tratam de objetos de pesquisa concernentes à escrita de surdos, à literatura surda e à percepção de surdos quanto ao processo de inserção educacional em contextos bilíngues.

Quando recorremos aos textos de Sassaki (2011) e entendemos o título do documento apresentado pelos surdos às gestões educacionais no Brasil, título este que demarca o lema Nada sobre nós, sem nós, reconhece-se a importância de, a partir dos surdos e de suas necessidades educacionais, entendermos o modelo bilíngue de educação.

Nada nos remete a: nenhum resultado, sejam leis, políticas públicas, serviços de atendimentos, estratégias, programas, ou qualquer ação governamental e não-governamental no campo da educação, da saúde, da cultura, do lazer, etc; sobre nós nos remete a: respeito das pessoas surdas, independente de suas outras condições (raciais, etárias, psicossociais, nacionalidade, de gênero, etc.); sem nós nos remete a: sem a plena participação das pessoas surdas em quaisquer que sejam os programas e projetos que se articulem e tratem da oferta à educação. Ou seja: nenhum resultado a respeito da educação bilíngue para surdos deve ser gerado sem a plena participação das próprias pessoas surdas e suas devidas representações.

Embora não seja objetivo deste estudo realizar uma pesquisa sobre a percepção dos surdos acerca do bilinguismo, mas sim apontar os trabalhos que tratam sobre esta percepção, reconhecemos aqui a importância de produções e de publicações de estudos que revelem as representações e os movimentos sociais dos surdos, dando visibilidade às suas vozes e às suas existências.

c) Pesquisas realizadas a partir de análises de documentos e materiais bibliográficos

As políticas públicas que orientam e conduzem a educação de surdos, principalmente a partir do reconhecimento linguístico, são marcos históricos para transformações no fazer pedagógico e atendimento educacional aos surdos, seja quanto a questões concernentes ao reconhecimento da língua de sinais na promoção de um modelo bilíngue de educação, seja quanto às questões de formação de professores, de formação e atuação dos tradutores intérpretes de línguas de sinais e português, da promoção, formulação e institucionalização de cursos oferecidos por órgãos públicos e privados no atendimento ao público com surdez.

Resultado destas políticas, as pesquisas que surgem no campo do bilinguismo refletem também o momento histórico em que os movimentos surdos ganham espaços e as demandas por uma educação bilíngue se fazem emergentes no contexto brasileiro. Assim, os artigos analisados demonstram a preocupação inicial acerca das políticas bilíngues de educação para surdos, sendo apresentados na Tabela 9.

Tabela 9: Pesquisas Realizadas a Partir de Análises de Documentos e Materiais Bibliográficos 

Dez dos 12 trabalhos referidos na Tabela 9 são compostos por pesquisas cuja metodologia aplicada foi a análise de documentos, sejam institucionais ou documentos públicos que estejam relacionados à logística e à conjuntura estrutural dos espaços de educação bilíngue. Os outros dois artigos partem de pesquisas bibliográficas no campo de estudos de referencial teórico e filosófico sobre o mesmo tema.

Pontua-se, aqui, que o primeiro trabalho registrado como resultado desta pesquisa foi publicado no ano de 2005, ano que corresponde ao Decreto n.º 5.626, no Brasil, e que regulamenta a Lei de Libras do ano de 2002, demonstrando o quanto este marco político inicia sua implicação no contexto científico e na construção de dados referentes à educação bilíngue para surdos no contexto brasileiro.

Desde a primeira publicação, em 2005, à última, em 2018, foi possível observar que houve uma ampliação das publicações no campo das discussões filosóficas sobre o bilinguismo e, principalmente, que os momentos históricos de cada publicação refletem a relação estabelecida entre as políticas públicas de educação de surdos e os movimentos sociais surdos em defesa da inclusão e em defesa de uma perspectiva bilíngue para a educação de surdos. Isso revela a importância tanto das políticas públicas, provocando mudanças reais nos espaços escolares, como também dos chamados “movimentos surdos”, revelando a participação destes atores sociais nas reinvindicações em pautas sociais.

5. Considerações Finais

Os resultados desta revisão sistemática da literatura evidenciam a existência de uma ainda baixa produção de artigos publicados no âmbito da educação bilíngue. Foram encontrados 22 artigos na temática, com predominância para publicações em revistas brasileiras e que têm como objeto de estudo a educação bilíngue também com a equivalente predominância em contexto brasileiro, revelando a baixa expressão de publicações no campo das revistas portuguesas e sobre o universo educacional bilíngue no território português.

Salientamos que tanto o Decreto-Lei n.º 3/2008 e o Decreto-Lei n.º 54/2018 (legislação mais atual em Portugal) abordam as práticas de apoio especializado e apresenta, em seu texto, um capítulo específico sobre as modalidades de educação a serem desenvolvidas, especificamente ao nivel da educação bilíngue de alunos surdos, evidenciando a ligação existente entre o campo da educação especial e o campo da educação de surdos nos regimentos normativos em Portugal, havendo assim uma relação direta entre os dois campos do atendimento educacional.

O Decreto-Lei n.º 54/2018 reforça a importância do que já era preconizado no Decreto-Lei n.º 3/2008, porém não apresenta novos norteamentos para o ‘como’ produzir melhores práticas e atendimentos bilíngues na educação de surdos.

Com isso, presumimos que o baixo número de publicações em Portugal não representa a realidade das políticas públicas sobre a educação bilíngue do país. As análises demonstram que, embora existam políticas públicas para o atendimento bilíngue aos estudantes surdos, não há ainda uma produção científica vasta neste campo, em se tratando dos artigos aqui considerados nas principais bases de dados em espaços acadêmicos da Europa.

Dito isto, torna-se perceptível que, tanto no Brasil quanto em Portugal, as propostas de educação bilíngue para surdos estão vinculadas ao discurso da educação inclusiva – e entendemos aqui a necessidade de que as práticas bilíngues no contexto educacional sejam também inclusivas – e que tais discursos estão subscritos no campo da educação especial, o que se evidencia na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Ministério da Educação, 2008), no caso do Brasil, e no Decreto-Lei n.º 54/2018 no caso de Portugal. Contudo, as produções científicas em circulação nestes dois países ainda demonstram uma carência de olhares por parte dos pesquisados, a fim de que tenhamos novas reflexões sobre o modelo bilíngue na educação para surdos e que, principalmente, as reflexões que possam ser geradas proporcionem novas práticas docentes e atendimentos mais efetivos aos educandos surdos.

Diante desta configuração, e sob a compreensão de que a educação bilíngue se apresenta ainda em processo de formatação nos espaços escolares, e, sobretudo, reconhecendo a importância dos documentos legais para a efetivação destas práticas, principalmente quanto à produção de conhecimento a respeito dos mecanismos necessários para tal efetivação, este trabalho conclui a revisão sistemática da literatura sobre a educação bilíngue no Brasil e em Portugal, com a finalidade de compreendermos qual a configuração destas produções no âmbito acadêmico e, especialmente, o reconhecimento da pesquisa como elemento norteador de novas reflexões, saberes, e de práticas para a efetiva educação bilíngue para surdos.

Assim, foram observadas, a partir desta RSL, lacunas importantes frente à grande necessidade de produção de conhecimento a respeito da educação bilíngue, principalmente quando identificada a quantidade reduzida de produções vinculadas a bases de dados de grande relevância no campo científico, e lacunas ainda maiores quanto ao quantitativo de publicações relacionadas ao contexto de Portugal.

Sem pretensões de finalizar a discussão, apontamos para a necessidade de ampliarmos as produções acadêmicas e de incentivarmos tais publicações, acreditando que o compartilhamento destes conhecimentos contribuirá para mudanças em nossas práticas docentes e mudanças nas relações sociais frente à diferença linguística e frente à grandeza da diversidade humana.

Agradecimentos

Este trabalho foi financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito dos projetos do CIEC (Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho) com as referências UIDB/00317/2020 e UIDP/00317/2020.

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1.O 3.º ciclo do ensino básico em Portugal tem equivalência aos anos finais do ensino fundamental no Brasil, enquanto o ensino secundário equivale ao ensino médio.

Recebido: 21 de Outubro de 2020; Aceito: 02 de Março de 2022

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