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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187versão On-line ISSN 2183-0452

Rev. Port. de Educação vol.35 no.2 Braga dez. 2022  Epub 23-Maio-2022

https://doi.org/10.21814/rpe.20839 

Artigos Originais

Crenças de autoeficácia em professores referentes aos saberes docentes para a educação inclusiva

Creencias de autoeficacia de profesores en relación con los saberes docentes para la educación inclusiva

Self-efficacy beliefs in teachers regarding teacher’s knowledge for inclusive education

Gislaine Semcovici Nozi1 

Celia Regina Vitaliano2 

1Universidade Estadual de Londrina, Brasil.

2Universidade Estadual de Londrina, Brasil.


Resumo

Crenças de autoeficácia em professores se referem ao quanto eles se julgam capazes de implementar ações em sala de aula com o objetivo de afetar a autoeficácia, a motivação e o desempenho dos alunos. Tendo em vista a importância deste constructo motivacional em professores, esta pesquisa teve por objetivo: investigar as crenças de autoeficácia em professores regentes de classe comum do Ensino Fundamental I para a execução de ações pedagógicas relacionadas aos saberes procedimentais indicados pela literatura para favorecer o processo de inclusão de alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE). O método adotado foi a pesquisa de levantamento. A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas e os dados foram organizados em uma categoria e 10 subcategorias. Como resultados identificamos que as professoras participantes do estudo apresentaram crenças de autoeficácia mais positivas para: desenvolver um clima emocional e afetivo positivo em sala de aula em relação aos alunos com NEE; atuar de forma colaborativa com outros profissionais; avaliar e organizar o espaço físico da sala de aula; e identificar as dificuldades dos alunos com NEE. E apresentaram crenças de autoeficácia insuficientes para avaliar a aprendizagem dos alunos com NEE e organizar atividades pedagógicas inclusivas. Os resultados apontam que o domínio de saberes procedimentais para a educação inclusiva interfere na crença de autoeficácia de professores para trabalhar com alunos com NEE e que a crença da autoeficácia dos professores influencia no modo como eles organizam a prática pedagógica junto aos alunos com NEE.

Palavras-chave Educação inclusiva; Alunos com necessidades especiais; Autoeficácia docente

Abstract

Self-efficacy beliefs in teachers are related to their judgment of being able to implement actions in the classroom aiming at affecting students’ self-efficacy, motivation, and performance. Given the importance of this motivational construct in teachers, this research aimed to investigate self-efficacy beliefs in regular teachers of Elementary School regarding the performance of pedagogical practices related to the literature-based procedural knowledge to favor the inclusion process of students with Special Educational Needs (SEN). It was adopted the survey method. The data was collected through semi-structured interviews and then organized into one category and 10 subcategories. The results identified that the self-efficacy beliefs of the participating teachers were more positively related to: developing a positive emotional and affective climate within the classroom regarding SEN students; working collaboratively with other professionals; evaluating and organizing the physical space of the classroom; and identifying the difficulties of SEN students. Low self-efficacy beliefs were also identified when it relates to evaluating the learning of SEN students and organizing inclusive pedagogical activities. The results indicate that mastering the procedural knowledge for inclusive education interferes with the teachers' self-efficacy belief of working with SEN students and that the teachers' self-efficacy belief influences how they organize pedagogical practice with SEN students.

Keywords Inclusive education; Students with special needs; Teacher self-efficacy

Resumen

Las creencias de autoeficacia de profesores se refieren a cuánto creen que son capaces de implementar acciones en la sala de clases con el fin de afectar la autoeficacia, la motivación y el rendimiento de los alumnos. Dada la importancia de este constructo motivacional en los profesores, esta investigación tuvo como objetivo: investigar las creencias de autoeficacia de profesores regulares de la Educación Primaria I para la ejecución de acciones pedagógicas relacionadas con los conocimientos procedimentales indicados por la literatura para favorecer el proceso de inclusión de alumnos con Necesidades Educativas Especiales (NEE). El método adoptado fue el de la investigación por encuesta. Los datos se reunieron mediante entrevistas semiestructuradas y se organizaron en una categoría y 10 subcategorías. Como resultados, identificamos que las profesoras participantes presentaron creencias de autoeficacia más positivas para: desarrollar un clima emocional y afectivo positivo en la clase en relación con los estudiantes con NEE; actuar de forma colaborativa con otros profesionales; evaluar y organizar el espacio físico de la sala de clases; y identificar las dificultades de los alumnos con NEE. E presentaron creencias de menor autoeficacia para evaluar el aprendizaje de los alumnos con NEE y organizar actividades pedagógicas inclusivas. Los resultados muestran que el dominio de saberes procedimentales para la educación inclusiva interfiere con la creencia de autoeficacia de profesores para trabajar con alumnos con NEE y que la creencia de autoeficacia de los profesores influye en la forma en que ellos organizan la práctica pedagógica con los alumnos con NEE.

Palabras clave Educación inclusiva; Alumnos con necesidades especiales; Autoeficacia docente

1. Introdução

A educação inclusiva tem se constituído como campo profícuo de pesquisas sobre os aspectos legais, práticos e atitudinais. Sabemos que as transformações necessárias para que as escolas se tornem inclusivas não dependem apenas das ações de seus gestores e professores; é preciso que as políticas públicas e sociais estejam intimamente atreladas às mudanças que a escola requer (Carvalho, 2018).

Neste contexto, damos destaque para os estudos voltados para a formação de professores e o desenvolvimento dos saberes considerados importantes para práticas pedagógicas inclusivas. De modo especial neste estudo, nos debruçamos sobre uma das características pessoais dos professores que é o senso de autoeficácia, tomando como base a Teoria da Autoeficácia de Bandura (1997) e os saberes docentes para a inclusão (Nozi, 2013; Rodrigues, 2008).

2. Referencial Teórico

Numa definição própria de Bandura (1997, p. 3 traduação nossa), “autoeficácia percebida refere-se às crenças sobre as próprias capacidades de organizar e executar os cursos de ação exigidos para produzir determinados resultados”. O autor explica que, para se envolver numa atividade, não basta uma pessoa possuir habilidades, mas é preciso, além disso, acreditar que as possui (é o senso de autoeficácia).

Quando às crenças de autoeficácia de professores, Tschannen-Moran e Hoy (2007) explicam que elas se referem ao quanto os professores julgam as próprias capacidades de exercer ações em sala de aula com o objetivo de afetar a autoeficácia, a motivação e o desempenho dos alunos. Vale ressaltar que, por não se referir ao nível real de competência para o ensino, mas à percepção que o professor tem para ensinar, essa autopercepção pode variar de modo que a crença de autoeficácia do professor pode ser mais ou menos robusta em relação à avaliação de suas habilidades por agentes externos, como figuras de liderança da escola e colegas de trabalho, por exemplo.

As crenças de autoeficácia dos indivíduos são formadas a partir da interpretação de quatro fontes principais: experiência de domínio (ou experiências diretas), experiência vicária, persuasões sociais e estados somáticos e emocionais, que tomam determinado significado a partir de diferentes combinações. Experiência de domínio é a fonte mais influente para a interpretação dos resultados de comportamentos anteriores. Experiência vicária resulta da observação de modelos sociais a executar tarefas com êxito. Persuasões sociais configuram-se em influências verbais e à exposição de julgamentos vindos de outras pessoas, que concorrem para a criação e o desenvolvimento de crenças de autoeficácia. Estados somáticos e emocionais são reações emocionais que dão presciência de sucesso ou fracasso na realização de uma tarefa e possibilitam ao indivíduo referências sobre as crenças de autoeficácia (Pajares & Olaz, 2008).

Bzuneck (2017) explica que as crenças de autoeficácia dos professores são alimentadas quando o professor percebe que está a obter bons resultados, quando seus alunos aprendem, progridem ou apresentam comportamentos mais adequados nas aulas, ou seja, esses resultados são, para os professores, evidências de que possui capacidades para obter sucesso em situações futuras. Porém, quando os professores só observam fracassos, é mais provável que apresentem crenças de autoeficácia fracas quanto à sua capacidade de obter êxito em situações semelhantes no futuro. Ou seja, as experiências diretas do professor com as estratégias utilizadas para manejo da classe, as tarefas propostas aos alunos e as relações interpessoais vividas no contexto escolar têm grande influência sobre a sua percepção de autoeficácia para o ensino (Iaochite, 2014).

Identificamos que essas questões apresentam estreita relação com os conhecimentos, habilidades e atitudes dos professores, aspectos que são geralmente denominados de saberes docentes. Os saberes docentes são compreendidos em três dimensões: conhecimentos, habilidades e atitudes inerentes ao exercício do magistério; esses saberes são oriundos das experiências pessoais, da formação profissional e das experiências profissionais dos professores, e são condicionados por questões de ordem histórica, social, política e cultura profissional, pelo contexto de trabalho do professor, bem como pelas suas características pessoais, etc. (Freire, 1996; Nozi, 2013; Pimenta, 1996; Rodrigues, 2008; Saviani, 1996; Tardif, 2014).

Dentre as dimensões dos saberes docentes, destacamos as habilidades, as quais também são denominadas de competências referentes ao “saber-fazer”, aqui neste estudo denominadas de saberes procedimentais (Nozi, 2013). Por saberes procedimentais entendemos “o conhecimento específico que o professor deve ter para conduzir, com sucesso, processos de intervenção em contextos assumidamente diversos” (Rodrigues, 2008, p. 13). Esses saberes estão relacionados à capacidade do professor de avaliar, planejar e intervir junto aos seus alunos. Portanto, podemos derivar várias ações do professor referentes a esses saberes, entre elas: como identifica as Necessidades Educacionais Especiais (NEE) de seus alunos; como planeja e desenvolve suas práticas pedagógicas para favorecer as aprendizagens de todos os alunos em sala e, em especial, daqueles que apresentam NEE; entre outras. Ao considerar que essas são habilidades específicas, necessárias aos professores em sua prática docente, elas foram tomadas como base para a identificação de suas crenças de autoeficácia.

A partir dessas considerações, objetivamos, com este estudo, investigar as crenças de autoeficácia em professores regentes de classe comum do Ensino Fundamental I no que se refere à execução de ações pedagógicas relacionadas aos saberes procedimentais indicados pela literatura para favorecer o processo de inclusão de alunos com NEE.

3. Método

Considerando os objetivos do nosso estudo, adotamos os procedimentos do delineamento de levantamento e a abordagem qualitativa, de natureza descritiva. Usher e Pajares (2008) propuseram que uma compreensão mais rica das crenças de autoeficácia e de suas fontes será obtida com estudos qualitativos, como por meio de estudos de caso ou de entrevistas semiestruturadas.

3.1 Procedimentos éticos

Os procedimentos necessários para o atendimento aos aspectos éticos das pesquisas envolvendo seres humanos foram adotados neste estudo, com aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos.

3.2 Participantes e local

Participaram do estudo 20 professoras regentes de classes comuns do Ensino Fundamental I, de turmas do 1.º ao 5.º ano, que lecionavam em sete diferentes escolas de uma rede municipal de educação do Estado do Paraná e que tinham nas suas turmas alunos com NEE. Quanto à distribuição das professoras por ano: cinco professoras eram regentes de turmas do 5.º ano, quatro professoras eram regentes de turmas do 4.º ano, quatro professoras tinham turmas do 3.º ano, quatro professoras do 1.º ano e três professoras eram regentes de turmas do 2.º ano.

O grupo de professoras apresentava idade entre 28 e 56 anos e tempo de experiência docente entre quatro e 37 anos. Em relação à formação inicial e cursos de pós-graduação, a maioria das professoras eram Pedagogas (80%) com especialização nas áreas da Educação Especial, Psicopedagogia e Gestão Escolar. Duas professoras tinham formação em nível de mestrado acadêmico na área da educação. No total, a pesquisa abrangeu professores de 45 alunos que apresentavam NEE com diagnósticos de deficiências, transtornos, síndromes e dificuldades específicas de aprendizagem.

3.3 Procedimentos e instrumentos para coleta de dados

Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada. O roteiro de entrevista foi organizado a partir de orientações técnicas para entrevistas semiestruturadas e orientações teóricas para a avaliação da autoeficácia (Bzuneck, 2017; Pajares & Olaz, 2008) e foi composto por perguntas divididas em duas partes. Na primeira parte foram agrupadas as perguntas que visaram levantar as variáveis pessoais e profissionais dos professores (oito perguntas). A segunda parte do roteiro foi composta por 10 perguntas que objetivaram investigar a crença de autoeficácia dos professores para a atuação pedagógica no contexto educacional inclusivo a partir dos saberes procedimentais para a inclusão identificados por Nozi (2013). Na ocasião, após cada resposta das participantes que descreviam em que medida se julgavam capazes, foi solicitado também que descrevessem exemplos de situações vivenciadas a respeito da questão; esses exemplos e descrições nos permitiram identificar algumas fontes de autoeficácia dos professores em relação aos saberes procedimentais para a inclusão de alunos com NEE e condições para a sua construção.

Neste trabalho iremos apresentar os resultados referentes à segunda parte do roteiro de entrevista, que objetivava investigar o nível das crenças de autoeficácia dos participantes em relação aos saberes procedimentais para a inclusão de alunos com NEE a partir dos fundamentos dos saberes docentes para a educação inclusiva (Nozi, 2013) e exemplos de situações que embasaram as crenças de autoeficácia relatadas.

Para a elaboração das perguntas que visaram avaliar as crenças de autoeficácia dos professores, guiamo-nos pelas orientações de Pajares e Olaz (2008, p. 110) ao afirmarem que, “para que sejam explicativas e preditivas, as medidas de autoeficácia devem ser projetadas especificamente para as áreas do funcionamento que serão analisadas e devem refletir as exigências variadas dentro da área”; para tanto, faz-se necessária a criação de perguntas específicas para cada capacidade investigada. No caso deste estudo, foram investigados os saberes procedimentais. Como exemplo, uma pergunta do roteiro de entrevista foi: “Você é capaz de avaliar a aprendizagem dos alunos com NEE?”.

3.4 Tratamento dos dados

Iniciamos o tratamento dos dados por meio da solicitação de avaliação de dois pesquisadores1, estudiosos da Teoria Social Cognitiva, no que concerne à análise do conteúdo do roteiro de entrevista após a coleta de dados, a fim de identificar a congruência dos itens do roteiro em relação ao constructo teórico de autoeficácia docente.

Tendo obtido a validação do instrumento de coleta de dados, procedemos à análise do material coletado seguindo as orientações de Bardin (1977) para a análise de conteúdo. Foi organizada a categoria temática “Crenças de autoeficácia das professoras para a atuação pedagógica no contexto educacional inclusivo”, a qual foi dividia em 10 subcategorias analíticas referentes às crenças de autoeficácia das participantes acerca dos saberes procedimentais identificados na literatura como favorecedores de práticas pedagógicas inclusivas:

  • autoeficácia para trabalhar com alunos com problemas de ordem comportamental associados às dificuldades de aprendizagem;

  • autoeficácia para identificar as dificuldades dos alunos com NEE;

  • autoeficácia para identificar as potencialidades dos alunos com NEE;

  • autoeficácia para atender as necessidades dos alunos com NEE;

  • autoeficácia para avaliar a aprendizagem de alunos com NEE;

  • autoeficácia para organizar atividades pedagógicas inclusivas;

  • autoeficácia para trabalhar colaborativamente com outros profissionais;

  • autoeficácia para estabelecer relações entre teoria e prática;

  • autoeficácia para desenvolver um clima emocional e afetivo positivo em sala de aula em relação aos alunos com NEE;

  • autoeficácia para avaliar e organizar o espaço físico da sala de aula.

A classificação do nível das crenças de autoeficácia das professoras se deu a partir da análise qualitativa, por meio da inferência das respostas dadas às perguntas iniciadas com as expressões: “Você consegue...”, “Você se julga capaz...”, Você se sente...”, “Você se considera”. Para respostas como “Sim”, “Posso”, “Consigo”, “Sempre”, etc., consideramos que a crença de autoeficácia para tarefa era positiva. Para respostas nas quais as professoras deram indícios de dúvida e insegurança usando expressões como “Às vezes”, “Nem sempre”, etc., classificamos a resposta como de crença de autoeficácia ocasional. Respostas nas quais as professoras se julgaram incapazes de realizar determinadas tarefas, dando respostas como “Não”, “Não consigo”, “De jeito nenhum”, classificamos como crença de autoeficácia insuficiente. Portanto, se, por exemplo, uma participante respondesse à questão “Você se julga capaz de identificar as dificuldades de aprendizagem de seus alunos com NEE?” com “Sim, eu consigo”, essa resposta era classificada como positiva. Caso respondesse “Às vezes consigo, às vezes não”, a resposta foi classificada como ocasional. No caso de responder “Não consigo, dificilmente”, a classificamos como insuficiente.

4. Resultados E Discussão

Apresentamos na Tabela 1 o resultado das subcategorias das crenças de autoeficácia das professoras em relação aos saberes procedimentais organizadas de modo decrescente em termos de frequência de respostas, partindo da incidência das crenças de autoeficácia positivas.

Tabela 1: Classificação e Frequência da Percepção de Autoeficácia das Professoras de Acordo com as Categorias dos Saberes Procedimentais 

Elaborada pelas autoras.

As subcategorias que se destacaram em relação à prevalência de crenças de autoeficácia positivas dos professores foram, respectivamente: Autoeficácia para desenvolver um clima emocional e afetivo positivo em sala de aula em relação aos alunos com NEE (18 professoras); Autoeficácia para trabalhar colaborativamente com outros profissionais (16 professoras); Autoeficácia para avaliar e organizar o espaço físico da sala de aula (15 professoras); Autoeficácia para identificar as dificuldades dos alunos com NEE (13 professoras).

As subcategorias nas quais as professoras apresentaram maior incidência de crenças de autoeficácia ocasionais foram: Autoeficácia para organizar atividades pedagógicas inclusivas (apenas seis professoras apresentaram crenças de autoeficácia positivas e 11 professoras apresentaram crenças de autoeficácia ocasionais, nesta categoria); e Autoeficácia para avaliar a aprendizagem de alunos com NEE (apenas cinco professoras apresentaram crenças de autoeficácia positivas e 12 professoras apresentaram crenças de autoeficácia ocasionais). As subcategorias com maior incidência de crenças de autoeficácia insuficientes foram: Autoeficácia para estabelecer relações entre teoria e prática (sete professoras apresentaram crença de autoeficácia insuficiente); e Autoeficácia para ensinar alunos com problemas de ordem comportamental associados às dificuldades de aprendizagem (cinco professoras apresentaram crença de autoeficácia insuficiente).

A seguir, apresentaremos cada subcategoria seguindo a ordem das que tiveram maior incidência de crenças positivas para as que tiveram menor incidência de crenças positivas, conforme apresentamos na Tabela 1. Ressaltamos que, para a identificação das professoras na apresentação dos relatos, indicaremos a letra P (professora) seguida de um número, que corresponde à ordem em que elas foram entrevistadas no processo de coleta de dados.

4.1 Autoeficácia para desenvolver um clima emocional e afetivo positivo em sala de aula em relação aos alunos com NEE

Essa foi a subcategoria na qual as professoras apresentaram maior incidência de crenças de autoeficácia positiva. Perguntamos às professoras: “Você consegue intervir em relação à aceitação dos alunos com deficiência em sala de aula?”. A maior parte das professoras (90%) apresentou crença de autoeficácia positiva em relação a esta habilidade e 5% delas apresentaram crença ocasional em relação à capacidade de intervir junto à sua turma visando eliminar barreiras atitudinais. Nenhuma professora apresentou crença insuficiente e uma professora (5%) não respondeu a essa questão.

Todas as professoras relataram que em algum momento do ano letivo tiveram que fazer intervenções, fosse a título de sensibilização e conhecimento da turma sobre as características dos colegas com NEE ou porque alguns alunos apresentavam atitudes de rejeição ou superproteção em relação aos colegas com NEE. A maior parte delas conseguiu desenvolver estratégias para conscientizar seus alunos sobre a importância do cuidado e do respeito entre todos. Uma das estratégias mais comuns citadas pelas professoras foi a retirada do aluno com NEE da sala de aula ou aproveitar um dia de sua ausência para discutir sobre as características dele. Vídeos e livros para explorar temas relacionados à diversidade, o respeito e a aceitação em sala de aula foram os recursos mais usados.

Duas professoras que apresentaram crença positiva afirmaram que esbarraram com frequência em atitudes preconceituosas em suas turmas, mesmo após intervenções, conforme relatos: “eles gostam de ajudar, gostam de ser colegas, mas quando você fala: ‘equipe, o P. sempre fica excluído!’, e tenho que falar: ‘gente, vocês esqueceram de alguém! Vamos lá, vamos fazer equipe de novo!’” (P11).

Sim, nós precisamos conversar, eu precisei pedir para a professora de apoio retirar as crianças porque eu tive uma aluna que entrou esse ano que não conhecia os alunos de inclusão e que ela não gostava. Ela tinha nojo, ela verbalizou: “eu tenho nojo dela”; aí eu expliquei e tudo mais. Mas dentro desse contexto ela pareceu aceitar a explicação, mas no momento individual, quando ninguém percebia, ela não aceitava. (P16)

Foi possível constatar que estratégias simples e pontuais, que fazem parte do repertório das professoras para lidar com conflitos e emoções em sala de aula, em alguns casos, como os relatados pela P11 e pela P16, podem não ser o suficiente para promover a aceitação de crianças com deficiência no contexto escolar. O conhecimento de teorias como a das Habilidades Sociais, por exemplo, pode dar aos professores subsídios para intervenções no desenvolvimento de relações saudáveis entre os alunos e para explorar elementos fundamentais das relações sociais, como interdependência, aceitação e solidariedade (Del Prette & Del Prette, 2017).

Atuar na perspectiva da educação inclusiva significa compreender que a tarefa educativa não está circunscrita apenas ao desenvolvimento acadêmico dos alunos; é necessário proporcionar também condições para o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social, etc. Para que esse desenvolvimento global aconteça, é necessário que os alunos estejam imersos num contexto emocional e afetivo de valorização das diferenças e da diversidade e de cooperação. Além disso, é importante criar estratégias e adotar atitudes para que esse clima positivo seja presente em salas de aula inclusivas, aspectos que dependem de ações efetivas do professor.

4.2 Autoeficácia para trabalhar colaborativamente com outros profissionais

Pesquisas recentes têm mostrado que o modelo de coensino ou ensino colaborativo é um dos suportes mais promissores à inclusão (Mendes et al., 2018). Sabendo que atuar de forma colaborativa e cooperativa na escola constitui-se um dos saberes procedimentais considerados importantes para a inclusão escolar, perguntamos às professoras: “Você consegue solicitar e receber apoio, compartilhar seus conhecimentos, dúvidas e necessidades com seus colegas de trabalho a respeito do atendimento aos seus alunos com NEE?”. Identificamos que 80% delas se julgaram capazes de implementar ações colaborativas na escola. Nesta categoria, as experiências vicárias apareceram como a fonte de autoeficácia mais importante para as professoras.

Apesar de se considerarem capazes de trabalhar colaborativamente com outros profissionais da escola, as professoras explicitam que não existem momentos sistematizados para atuação colaborativa em suas escolas. P12, por exemplo, destacou a importância da parceria com a professora de apoio de seu aluno com deficiência visual; no entanto, ressaltou que momentos de trocas não são sistemáticos, acontecem muito rapidamente dentro da sala de aula mesmo ou fora do horário de trabalho, por meio de conversas via aplicativos de celular.

Duas das professoras que apresentaram crenças de autoeficácia ocasional justificaram que faltam oportunidades na escola para trocas de experiências sobre os alunos com NEE. P15 explicou que, embora haja espaços coletivos para discussão, como o Conselho de Classe, eles são tomados por interesses e necessidades individuais de cada professor. Também lamentou o fato de que, de modo geral, não há interesse na escola pelos temas relacionados aos alunos com NEE, que apenas os professores que compartilham das mesmas dificuldades despertam para o assunto.

Apesar deste contexto, os resultados são positivos, pois o interesse dos professores é uma condição importante para que o trabalho colaborativo aconteça e os relatos apontam para essa possibilidade. Silva e Silva (2015, p. 100) consideram que os professores que se julgam mais capazes de implementar ações para as quais foram designados também se sentem mais capazes de partilhar suas experiências e de aprender a atuar de forma colaborativa, o que aprimora sua capacidade de ensino.

4.3 Autoeficácia para avaliar e organizar o espaço físico da sala de aula

Nesta categoria, buscamos identificar as crenças de autoeficácia das professoras para avaliar e organizar o espaço físico da sala de aula para atender às necessidades dos alunos com NEE. Para tanto, perguntamos às professoras: “Você consegue organizar a sala de aula de formas diferenciadas?”. A maior parte das professoras (75%) apresentou crença de autoeficácia positiva em relação a esse saber-fazer, 15% das professoras apresentaram crença ocasional, 5% crença de autoeficácia insuficiente e uma professora (5%) não respondeu essa questão.

Para as professoras que apresentaram crenças positivas, como P1, a organização da sala de aula varia de acordo com o objetivo e com as atividades propostas, sendo mais frequentes arranjos diferenciados em atividades lúdicas. Para P7, organizar a turma em arranjos diferenciados é também uma forma de prender a atenção dos alunos e de manejar comportamentos. P8 destacou que não gosta de trabalhar com a disposição tradicional da sala de aula em fileiras e que costuma organizar a sala de modo que os alunos possam trocar experiências e se ajudar mutuamente. Segundo P11, que apresentou crença ocasional: “Não dá para ser com muita frequência, porque a gente tem um currículo e tem que dar conta, mas na medida do possível a gente tenta”.

P9 foi a única professora que apresentou percepção de autoeficácia insuficiente nesta categoria. Ela afirmou que foi orientada pela professora da Sala de Recursos Multifuncionais a organizar atividades nas quais a turma pudesse trabalhar a partir de arranjos variados; no entanto, após várias tentativas frustradas, resolveu trabalhar de forma tradicional em virtude de seus alunos com NEE serem excluídos pelos demais.

Ferreira (2017, p. 87) afirma que, ao evitar os problemas, o professor enfraquece sua crença de autoeficácia e deixa de ter experiências que podem ajudá-lo a desenvolver “a capacidade de escolher as melhores estratégias para atingir determinados resultados, favorecendo o engajamento do estudante e melhorando o uso das estratégias instrucionais”, ou seja, perde oportunidades de aumentar a sua crença de autoeficácia para o ensino.

O planejamento do professor e as estratégias e recursos que pretende utilizar passam pela organização do espaço físico da sala de aula. Desenvolver essa habilidade é importante na medida em que a forma como se organiza a disposição do mobiliário na sala de aula pode favorecer a interação entre os alunos, a disposição das carteiras pode promover o trabalho cooperativo ou a tutoria por pares e, além disso, a forma como a sala de aula é organizada propicia ou não uma sensação de proximidade e de acolhimento entre os alunos e com o professor.

4.4 Autoeficácia para identificar as dificuldades dos alunos com NEE

Uma das habilidades mais importantes para o professor de alunos com NEE é a identificação das dificuldades que o aluno apresenta para acessar o currículo escolar. Esse trabalho, que visa conhecer em detalhes as demandas educacionais dos alunos, é o ponto de partida para as ações pedagógicas que devem ser subsequentes a essa identificação. Visando identificar a percepção de autoeficácia das professoras em relação a essa habilidade, perguntamos para elas: “Você consegue identificar as dificuldades de seus alunos com NEE?”. A maior parte das professoras (65%) apresentou crenças de autoeficácia positivas e 35% delas apresentaram crenças ocasionais em relação a esse saber procedimental. Nenhuma professora apresentou crença de autoeficácia insuficiente para essa tarefa.

As experiências diretas junto aos alunos, avaliando, observando, acompanhando a realização das atividades em sala de aula, em situações individuais e coletivas, foram os momentos mais importantes citados pelas professoras para a identificação das dificuldades dos alunos com NEE, conforme exemplificamos com o relato de P7, que apresentou crença positiva:

Eu acho que no dia a dia que eu percebo isso. Quando eu lanço uma proposta, uma atividade, e que de primeiro momento aquela criança não conseguiu fazer de um jeito e eu dou outras possibilidades, eu percebo em qual ela conseguiu fazer aquilo melhor, em que momento, com qual objeto, com que interação, né? Em que momentos ela conseguiu? Em dupla será que ela vai melhor pra fazer aquela atividade? Com um objeto de apoio, com material visual, eu acho assim, no dia a dia e baseado também em questões de estudo, mesmo. (P7)

Especialmente os procedimentos relatados por P7 encontram respaldo nas orientações do Ministério da Educação (2006), que explica que a avaliação para identificação das NEE não deve ser reduzida aos momentos formais de avaliação e aos instrumentos e técnicas com esse fim; deve ser alvo de avaliação todo o contexto em que o aluno está inserido, o clima da sala de aula, os recursos utilizados, o espaço físico, os apoios, os objetivos. P7 apresenta elementos, em seu relato, que evidenciam que há um processo contínuo de reflexão sobre as estratégias por ela empregadas, que favoreceram ou não os alunos em determinadas atividades. Takahashi (2011) constatou que professores com senso positivo de autoeficácia aproveitam os resultados obtidos com a avaliação dos alunos para refletir sobre seus métodos e estratégias de ensino e recursos utilizados como forma de aprimorar o processo de ensino e aprendizagem.

Em relação às sete professoras que apresentaram crenças ocasionais para identificar as dificuldades dos alunos com NEE, por meio de seus relatos ficou evidente que suas observações se centralizaram nas dificuldades do aluno, sem a devida reflexão sobre se o contexto favoreceu ou desfavoreceu a aprendizagem. Para o Ministério da Educação (2006), a observação é um dos principais e mais recomendados instrumentos para coletar dados no contexto escolar e a sala de aula é o cenário onde se dá o desenvolvimento da participação e aprendizagem, por isso a falta de tempo para avaliação de forma individualizada não pode ser aceita como justificativa para o desconhecimento das dificuldades dos alunos com NEE. Acompanhar o modo como o aluno realiza as atividades, as dificuldades enfrentadas, os comandos adicionais necessários, os recursos utilizados depois de se propor uma atividade é um momento não sistematizado de avaliação, mas que oferece dados contextuais importantes sobre as dificuldades e ajustes que precisam ser feitos para atender às necessidades do aluno. Para que se possam remover barreiras para a aprendizagem e para a participação dos alunos, é necessário primeiramente identificá-las e compreender os fatores que estão relacionados a elas (Carvalho, 2018).

4.5 Autoeficácia para estabelecer relações entre teoria e prática

Os professores são requisitados constantemente a estabelecerem relações entre os saberes que possuem ou a buscar por novos conhecimentos em função do contexto prático e dinâmico da profissão docente, especialmente quando se tem na sala de aula alunos com deficiências. Uma das perguntas feitas às professoras foi se elas conseguiam aplicar os conhecimentos aos quais tiveram acesso nos cursos de formação à prática profissional junto aos alunos com NEE. Metade das professoras entrevistadas (50%) apresentaram crença de autoeficácia positiva para o estabelecimento de relações teórico-práticas, 35% apresentaram crença de autoeficácia insuficiente e 10% crença ocasional. Uma professora (5%) não respondeu essa questão. Para as professoras que apresentaram crenças positivas, os cursos de formação continuada foram apontados como os que mais colaboram. Exemplificamos com o relato de P1:

Mais na pós-graduação, porque na pós eu já estava atuando como docente, então eu já via a necessidade deste conhecimento na prática. Eu até me arrependo, porque na faculdade a impressão é que a gente não dava valor naquilo que estava sendo passado. Não é nem não dar valor no sentido pejorativo, mas de ver a importância que a formação teve. (P1)

P1 fez uma observação importante: é mais fácil para o professor se apropriar de conhecimentos que estejam diretamente ligados com situações práticas que ele vivencia enquanto profissional e, poderíamos dizer também, enquanto professor em processo de formação inicial. Rodrigues (2008, 2014) e Vitaliano e Manzini (2010) recomendam que os alunos dos cursos de licenciatura tenham oportunidades formativas para a atuação em contextos educacionais inclusivos desde a formação inicial, por meio dos estágios.

Tschannen-Moran et al. (1998) garantem que o investimento no desenvolvimento das crenças de autoeficácia em futuros professores e em professores no início da carreira terá resultados duradouros, já que Bandura (1997) postulou que a autoeficácia é mais maleável no início da aprendizagem e, uma vez estabelecida, parece ser um pouco mais resistente às mudanças. Ainda segundo os autores, quando futuros professores são expostos a experiências reais de ensino, a prática tem maior impacto na crença de autoeficácia (Tschannen-Moran et al. (1998).

Duas professoras apresentaram crença ocasional para aplicar na prática os conhecimentos adquiridos ao longo do processo de formação em prol do trabalho junto aos alunos com NEE. Para P5, por exemplo, os cursos de formação de professores apresentam conteúdos de cunho mais teórico e pouco prático, e a experiência profissional e a busca por parcerias são as estratégias que mais colaboraram com o seu trabalho. Sete professoras apresentaram crenças insuficientes e disseram que não recorrem aos conhecimentos de cursos de formação para enfrentar os desafios da prática profissional. Para elas, a internet é a principal fonte de pesquisa, por apresentar estratégias mais modernas e diversificadas. Destacamos a importância das análises de Vitaliano e Manzini (2010) e Rodrigues (2014), que defendem que todo o currículo de formação de professores deve ser permeado de conteúdos relacionados às práticas de ensino junto aos alunos com NEE.

4.6 Autoeficácia para identificar as potencialidades dos alunos com NEE

Perguntamos às professoras: “Você consegue identificar as potencialidades de seus alunos com NEE?”. Nessa subcategoria apenas 45% das professoras apresentaram crença de autoeficácia positiva para identificar as potencialidades dos seus alunos com NEE; 30% apresentaram crença ocasional; 10% crença insuficiente; e 15% não responderam à pergunta direcionada a esse saber-fazer.

Para as professoras que apresentaram crenças positivas, as experiências diretas foram as fontes mais importantes na percepção de suas capacidades para avaliar as potencialidades de alunos com NEE, como: estar atenta ao modo como o aluno realiza as atividades; observar os comportamentos que o aluno apresenta diante das atividades propostas; captar informações a partir do que o aluno diz em sala de aula; observar o tipo de arranjos da sala de aula, de recursos e estratégias pedagógicas que mais favorecem o aluno. Estas são algumas das ações que elas relataram que, para elas, colaboram para que identifiquem as potencialidades dos alunos com NEE.

Para P1, uma das professoras que apresentou crença ocasional, é difícil saber as potencialidades dos alunos em diversas áreas. Essa descoberta vai se dando ao longo do trabalho e as possibilidades vão sendo testadas na medida em que as atividades vão sendo desenvolvidas, ou seja, de forma mais pragmática e embasada nas suas intuições.

Apenas duas professoras apresentaram crença de autoeficácia insuficiente para identificar as potencialidades de seus alunos com NEE. Curiosamente, o pouco que conseguem identificar não advém da experiência direta junto aos alunos com NEE, mas dependem do feedback e observação do trabalho da professora de apoio à inclusão que acompanha seus alunos. P9 atribui a dificuldade de identificar as potencialidades de seus alunos com NEE ao fato de eles serem diagnosticados com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade mas não serem medicados e, em decorrência disso, demandarem mais tempo e atenção que os demais alunos, coisa que ela diz não conseguir dispensar a eles. A professora também relatou que se sentia frustrada por não conseguir identificar as potencialidades de seus alunos em função de eles estarem numa sala de aula muito conturbada e algumas atividades se tornarem inviáveis.

Pajares e Olaz (2008) ressaltam que um indivíduo pode se sentir impedido de implementar ações em virtude de limitações factuais ou fruto de suas suposições. No caso desta professora, ela justifica que limitações sociais, como a ausência de apoio da escola e os comportamentos inadequados dos alunos, dificultam a realização do trabalho junto aos alunos com NEE.

4.7 Autoeficácia para atender as necessidades de cada aluno

As professoras foram solicitadas a avaliar se se julgavam capazes de atender as necessidades dos alunos com NEE. Apenas 40% das professoras apresentaram crença de eficácia positiva para essa tarefa, 30% apresentaram crença ocasional, 20% crença de autoeficácia insuficiente e 10% das professoras não responderam a essa questão.

As situações que mais favoreceram o incremento da percepção de autoeficácia das professoras com crença positiva foram o conhecimento de recursos e estratégias de ensino diversificadas, o conhecimento das especificidades dos alunos com NEE e a parceria com a professora de apoio à inclusão. P19, no entanto, expôs um dilema comum à maior parte dos professores de turmas inclusivas: como promover o desenvolvimento e autonomia dos alunos com NEE e dos demais alunos ao mesmo tempo? Ela reconheceu que sozinhos os alunos não conseguem avançar e que precisam de intervenção; dessa forma, destacou como fundamental estabelecer parceria com as famílias.

Sete professoras apresentaram crenças de autoeficácia ocasional para atender as necessidades dos alunos com NEE. De modo geral, elas relataram que nem em todos os momentos da aula conseguem fazer o que é necessário para ajudá-los a superar as dificuldades. Quatro professoras apresentaram crenças insuficientes e relataram que identificar o que é necessário fazer para atender às necessidades dos alunos com NEE é um grande desafio. As dificuldades são atribuídas ao fato de as salas de aula serem numerosas e de elas não terem formação específica.

Nesta subcategoria, enquanto as professoras que apresentaram crença de autoeficácia positiva expressaram sentimentos de satisfação e alívio quando conseguem identificar o que é preciso fazer para atender as necessidades de seus alunos com NEE, as professoras com crença de autoeficácia insuficiente experimentavam sentimentos de despreparo e frustração. Krug et al. (2019) também constataram em professores sentimentos de medo, insegurança e angústia diante do sentimento de despreparo ou falta de capacitação para lidar com alunos com deficiência. A partir da Teoria da Autoeficácia (Bandura, 1997), é possível compreender que baixa crença de autoeficácia faz com que as pessoas pensem que as coisas são mais difíceis do que realmente são; provoca ansiedade, estresse, depressão e limita a capacidade da pessoa em encontrar alternativas para resolver problemas (Pajares & Olaz, 2008).

4.8 Autoeficácia para ensinar alunos com problemas de ordem comportamental associados às dificuldades de aprendizagem

Nesta categoria, sete professoras (35%) apresentaram crença positiva, sendo que apenas uma professora mencionou o uso de técnicas embasadas em teorias, como as relacionadas à motivação para a aprendizagem. P7 expressou reconhecer que a teoria fornece subsídios importantes para o professor organizar a sua prática pedagógica e que essa organização interfere nos comportamentos e motivação dos alunos para aprender. Seis professoras (30%) expressaram dúvidas sobre suas próprias capacidades para ensinar alunos com problemas de ordem comportamental aliados às dificuldades de aprendizagem. A falta de vínculo com a aprendizagem, por parte dos alunos, e o apoio da escola foram apontados pela P16 como fatores que impactam nesse julgamento. Cinco professoras (25%) apresentaram crença de autoeficácia insuficiente sobre suas capacidades de ensinar alunos com problemas de ordem comportamental e duas professoras (10%) não responderam à questão. Destacamos a fala de P3, que nos dá dimensão do quanto experiências negativas interferem e colaboram para uma baixa percepção de autoeficácia.

Não, não e não! Eu tive uma experiência não como professora, mas na coordenação, que foi quando a nossa escola recebeu três autistas de uma vez. Foi no ano retrasado. Foi enlouquecedor. Foi desesperador, foi a pior situação educacional que eu já vivi na minha vida . . . Então eu não sei se eu vou me recuperar disso, eu acredito que sim, mas eu acho que, se eu chegar a pegar um aluno autista com os problemas que eu vivenciei na supervisão, eu não suportaria . . . Olha, a escola não tem respaldo. Não tem respaldo, G. O que nós vivemos foi doentio, foi enlouquecedor... Aí, a secretaria vem, fica um dia e some. Não tem. Quem sabe o que tá passando é o professor em sala de aula e a escola, quando a direção e coordenação são parceiras. Para o professor é desesperador. Desesperador. (P3)

Outro aspecto apresentado no relato é o sentimento de desamparo e abandono por parte das instâncias administrativas que o professor enfrenta ao ter que lidar com casos mais difíceis. A literatura aponta que sob os ombros do professor da classe comum é que recai o maior “peso” da educação inclusiva (Rodrigues, 2014). P3 explicitou de forma contundente a sua angústia frente às dificuldades que a escola enfrenta para incluir alunos com problemas comportamentais graves e a ausência ou insuficiência de apoio institucional para lidar com essas situações. O relato de P3 evidencia o quanto crenças de autoeficácia insuficientes incidem em aspectos motivacionais e emocionais, o que corrobora com as análises de Betz (2004): “baixas crenças de autoeficácia poderão fazer-se acompanhar de um discurso interno negativo e de respostas de ansiedade, as quais interferem na concentração na tarefa a desempenhar, prejudicando o desempenho. A baixa autoeficácia poderá ser, de fato, uma profecia auto-realizada” (p. 342, como citado em Azzi & Polydoro, 2006, p. 49).

4.9 Autoeficácia para organizar atividades pedagógicas inclusivas

A maior parte das professoras (55%) apresentou crenças de autoeficácia ocasional, 30% explicitaram crenças de autoeficácia positivas e 15% crenças de autoeficácia insuficiente para organizar atividades inclusivas. Observamos, em relatos de professoras que apresentaram crenças positivas, que há a preocupação delas em adaptar as atividades para que os alunos com NEE participem dos mesmos conteúdos e atividades que os demais alunos da turma. As professoras que apresentaram crenças de autoeficácia ocasionais para organizar atividades pedagógicas inclusivas afirmaram que nem sempre conseguem fazer as adaptações necessárias para contemplar os alunos com NEE, conforme explicou P14: “Acho que a gente sempre pensa, né?, na hora de fazer. Mas realmente, todos os dias, você não contempla. Mas, de maneira geral, eu sim”.

Três professoras responderam que não se sentem capazes de organizar atividades pedagógicas que atendam às necessidades de seus alunos com NEE. Para P10, faltam-lhe conhecimentos específicos e a presença de um professor de apoio à inclusão. Mendes et al. (2018) explicam que, em virtude dos desafios que a inclusão escolar impõe ao professor, é comum que ele requeira o apoio de outros profissionais e de especialistas para avançar na construção de práticas inclusivas.

P18 relatou que não era possível propor atividades para a turma que seu aluno com paralisia cerebral conseguisse fazer, ele geralmente realizava atividades distintas. Situação semelhante foi constatada nas pesquisas desenvolvidas por Rocha e Deliberato (2012) e Vitaliano (2019). É importante destacarmos que a organização de atividades pedagógicas inclusivas diz respeito à possibilidade de os alunos com NEE participarem das mesmas atividades junto com os demais alunos da turma. Nesse sentido, não podemos considerar inclusivas atividades nas quais há adaptações de tal modo que o aluno com NEE as realiza separadamente dos demais colegas da turma.

Pajares e Olaz (2008) mencionam que possuir conhecimentos e habilidades é importante para as crenças de autoeficácia, pois, sem eles, por mais que exista uma alta crença de autoeficácia, o desempenho de sucesso não é possível. Neste caso, identificamos a necessidade de formação dos professores a respeito de como desenvolver as atividades de modo inclusivo.

4.10 Autoeficácia para avaliar a aprendizagem de alunos com NEE

A avaliação da aprendizagem se constitui, ao nosso ver, num dos maiores desafios da educação inclusiva, pois esbarra na ausência de orientações específicas no campo da legislação educacional e precariedade de fundamentos da literatura da área da Educação Especial sobre como avaliar aos resultados obtidos durante um processo de ensino-aprendizagem de alunos com NEE em contextos escolares inclusivos. Os resultados a seguir analisados evidenciam esse fato. Identificamos que a maior parte das professoras apresentaram crenças de autoeficácia ocasional em relação à avaliação da aprendizagem dos alunos com NEE, representando 60% do total. Crença positiva apenas 25% e crença insuficiente 15% das professoras.

P7 e P14, por exemplo, que apresentaram crenças positivas, explicaram que costumavam perceber quando um instrumento era adequado ou não para avaliar os alunos com NEE e se preocupavam em adaptar as estratégias avaliativas para identificar as conquistas e dificuldades dos alunos. P7 explica que no dia a dia as professoras adaptam suas práticas pedagógicas às necessidades dos alunos, mas nas avaliações em larga escala os alunos com deficiências precisam realizar a mesma prova que os demais alunos, sem considerar que eles são alunos que têm adaptação curricular, condição esta que deveria garantir que tivessem as provas também adaptadas. Dessa forma, ela avalia ser uma prática incoerente as provas virem sem adaptação para esses alunos, ao se referir às avaliações externas como a Provinha Brasil, por exemplo.

Observamos, nos relatos das professoras que apresentaram crenças ocasionais, que as que enfrentam maior dificuldade são aquelas que precisam atribuir nota para os alunos bimestralmente. Na rede de ensino na qual foi realizado este estudo, apenas no 4.º ano e no 5.º ano os alunos realizam avaliações cujos resultados são analisados quantitativamente para fins de atribuição de nota. Até o 3.º ano, as professoras aplicam avaliações diagnósticas que colaboram para a elaboração dos pareceres descritivos semestrais.

Três professoras apresentaram crenças insuficientes para avaliar a aprendizagem dos alunos com NEE. P13, por exemplo, explicou que sente necessidade de mais orientações e de formação específica para avaliar os alunos com NEE. Ela acredita que quando o professor recebe orientações estas se revertem em práticas pedagógicas adequadas para os alunos.

Essa categoria foi a que apresentou menor incidência de crenças de autoeficácia positiva e maior frequência de crenças de autoeficácia ocasional, refletindo um dos aspectos mais nebulosos quando pensamos na inclusão dos alunos com NEE, sobretudo devido ao desconhecimento da comunidade escolar das poucas orientações existentes (Ministério da Educação, 2003, 2006), até o momento, sobre a avaliação da aprendizagem de alunos com NEE e à carência de estudos que apontem como ela ocorre no contexto escolar inclusivo.

5. Conclusões

Os resultados do estudo apontam que, apesar da política educacional inclusiva, as escolas ainda não conseguiram organizar suas práticas a fim de atender as particularidades dos alunos com NEE, bem como explicitam fragilidades na formação de professores e na organização da estrutura e dinâmica escolar que impactam diretamente no cotidiano e nas práticas dos professores.

Acreditamos que as variáveis pessoais dos professores devem estar nas pautas dos cursos de formação de professores, já que elas parecem guardar uma relação com as crenças de autoeficácia docente. Sugerimos que práticas formativas sejam organizadas com o objetivo de aumentar as crenças de autoeficácia dos professores; partir de situações práticas nas quais eles precisam articular conhecimentos teóricos e práticos para pensar e rever estratégias pedagógicas pode contribuir para o fortalecimento de suas crenças.

Consideramos que os resultados confirmam a nossa hipótese de que o domínio de conhecimentos teóricos e práticos para a inclusão é importante para o desenvolvimento das crenças de autoeficácia dos professores; que crenças de autoeficácia robustas resultam em professores mais confiantes, motivados e que, possivelmente, adotam práticas pedagógicas consideradas mais adequadas e inclusivas, ao passo que crenças de autoeficácia mais fracas tendem a levar os professores a se sentirem mais ansiosos, angustiados, despreparados, e mais propensos a adotar práticas pedagógicas menos inclusivas.

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1.Professor Doutor José Aloyseo Bzuneck (http://lattes.cnpq.br/2005887658677506) e Professora Doutora Sueli Edi Rufini (http://lattes.cnpq.br/6644979998092116).

Recebido: 02 de Setembro de 2020; Aceito: 23 de Maio de 2022

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