1. INTRODUÇÃO
Este trabalho concentra o interesse em ampliar a compreensão acerca de processos de escolarização de crianças pobres, de mulheres e de adultos trabalhadores, destacando as proposições de ensino noturno destinadas a esses grupos, durante o período de circulação do jornal A Federação (1884-1937) no Rio Grande do Sul, Brasil. Em relação à periodização, partimos do exame dos volumes do jornal que estão disponíveis de forma digitalizada na Hemeroteca Digital Brasileira1. A partir disso, verificamos que a Hemeroteca continha todos os anos de circulação do jornal, apesar de não conter todas as edições. Em seguida, concentramos a análise em termos de busca definidos a partir do nosso interesse na escolarização do aluno pobre através do ensino noturno. Assim, foram estabelecidos quatro termos2 que poderiam nos levar a matérias que se relacionassem com o assunto. Nesse sentido, o estudo aqui apresentado integra a historiografia do final do Império e início da República brasileira cuja ênfase recai nos discursos republicanos do jornal A Federação: Orgam do Partido Republicano.
Para tanto, pareceu produtivo o diálogo entre a História da Educação e a História da Imprensa, visto que uma ampla quantidade de estudos vem identificando as potencialidades de utilizar os periódicos como fonte histórica. O uso dos jornais na pesquisa histórica torna-se mais recorrente no final do século XX, em consonância com as ideias da Escola dos Annales, originada na França, e o movimento da História Cultural, quando ficou evidente o esmaecer do projeto de uma História total e o interesse pelo ocasional tornou-se objeto de estudo entre os historiadores que buscavam as singularidades em suas análises.
Todavia, apesar dessa nova perspectiva historiográfica, levou ainda um tempo para que os jornais fossem valorizados como fontes, uma vez que se discutia sua parcialidade e tendenciosidade como entrave para a pesquisa. Aos poucos, a questão da objetividade ou não dos periódicos deixou de ser um problema, visto que foi preciso reconhecer no campo historiográfico que nenhum vestígio do passado está isento de limites, lacunas e vieses. Com a influência de estudos de outras áreas das Ciências Humanas, como o advento dos estudos psicanalíticos, os historiadores se questionaram sobre “as fronteiras de sua própria disciplina, cada vez mais difíceis de precisar” (Luca, 2005, p. 112) e passaram a incorporar uma gama mais variada de possibilidades metodológicas. Por fim, tais questionamentos com relação às fontes enriqueceram as discussões teórico-metodológicas e abriram espaço para o uso dos periódicos como fonte nas pesquisas históricas.
Sendo assim, ficou evidente que “os periódicos não falam sozinhos, eles estão circunscritos em um determinado tempo e lugar, por isso a necessidade de indagá-los e problematizá-los é eminente” (Saraiva, 2017, p. 38). Então o pesquisador reconhece o risco de sua parcialidade, entendendo que os recortes contidos naquelas páginas foram produzidos a partir de algumas escolhas em detrimento de outras, porque “a imprensa periódica seleciona, ordena, estrutura e narra, de uma determinada forma, aquilo que se elegeu como digno de chegar até o público” (Luca, 2005, p. 139).
Assumindo a potencialidade dos periódicos no estudo da História, o jornal A Federação foi escolhido, inicialmente, por ser um periódico muito importante na história do Rio Grande do Sul, visto que foi um jornal de grande circulação e vinculado ao Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Pesou na decisão, evidentemente, também sua disponibilidade na Hemeroteca Digital Brasileira. O noticiário foi fundado em maio de 1884 com a missão de circular o ideário republicano, a princípio, combatendo o regime monárquico e defendendo a criação de uma República Federativa do Brasil. Outro aspecto central foi sua luta abolicionista, pois “os redatores d´A Federação creditavam à escravidão a responsabilidade única pelos conflitos raciais, uma vez que ‘o escravo era o inimigo do senhor, em que ele não enxergava senão o homem que enriquecia a custa do seu trabalho’” (A Federação, 14/05/1891, p.1 como citado em Dihl, 2017, p. 11). No entanto, apesar de seus discursos contra a escravidão, havia uma “invisibilidade dos problemas raciais daquela sociedade, uma vez que mascaravam as reais circunstâncias enfrentadas pelos negros após sua libertação do cativeiro . . ., bem como quanto às relações entre pretos e brancos” (Dihl, 2017, p. 12). Ademais, o periódico estava diretamente vinculado aos ideais positivistas, buscando que suas matérias não fossem apenas para as classes mais altas, mas também para as classes médias. Tendo como um dos principais redatores Júlio Prates de Castilhos, o jornal se envolveu em diversos conflitos políticos ao longo dos anos, sendo o principal deles contra o jornal A Reforma, que defendia a sociedade liberal e o sistema parlamentarista. O jornal A Federação foi fechado em 1937, durante o período do Estado Novo, por conta da extinção dos partidos políticos.
Nesta análise, pareceu proveitoso articular, ainda, elementos que a História dos Conceitos tem a oferecer à discussão dos termos utilizados na pesquisa. Nessa abordagem, investigam-se os conceitos empregados em relatórios, jornais, entre outros documentos que podem dar referências sobre como aquela sociedade e seus personagens se constituíam. Portanto, analisar conceitos em história não corresponde apenas a uma enumeração de significados, mas sim a compreender a polissemia e seus efeitos no corpo social. De acordo com Koselleck (2006):
No conceito, significado e significante coincidem na mesma medida em que a multiplicidade da realidade e da experiência histórica se agrega à capacidade de plurissignificação de uma palavra, de forma que seu significado só possa ser conservado e compreendido por meio dessa mesma palavra. (p. 109)
Sendo assim, é importante esclarecer a diferença entre um conceito e uma palavra. Segundo Koselleck (2006):
É apenas por meio da perspectiva diacrônica que se pode avaliar a duração e o impacto de um conceito social ou político, assim como suas respectivas estruturas. As palavras que permaneceram as mesmas não são, por si só, um indício suficiente da permanência do mesmo conteúdo ou significado por elas designado. (p. 105)
A História dos Conceitos, então, traz importante contribuição aos estudos históricos sobre variados temas, uma vez que o historiador está entre diferentes temporalidades, buscando “dar voz efetiva aos personagens históricos que constituem a sua trama. Ele os analisa, mas concomitantemente permite que falem, às vezes nos seus próprios termos” (Barros, 2017, p. 156). Sendo assim, espera-se que o historiador traga o discurso do “outro” à tona - e não apenas aquilo que foi dito, mas também, suas implicações no corpo social. Importa, igualmente, o que o historiador pensa e o que ele pensa sobre os personagens históricos analisados, podendo-se dizer que o historiador está “suspenso entre duas épocas” (Barros, 2017, p. 157), uma vez que se insere entre os dois tempos - o seu, em que escreve, e o das fontes que analisa. Além disso, apesar de ambos estarem no mesmo idioma, não necessariamente explicitam os mesmos significados. Conforme Barros (2017):
A linguagem das fontes é por vezes traiçoeira: ela se utiliza amplamente das palavras das quais hoje o historiador se utiliza. Mas estas palavras, ancoradas em outra época, podiam ter então outros significados, outros usos, outras entonações, outros modos de terem sido um dia percebidas pelos seus ouvintes e leitores. (p. 158)
Portanto, “os conceitos são vocábulos nos quais se concentra uma multiplicidade de significados” (Koselleck, 2006, p. 109), sendo trabalho do historiador atentar para uma investigação de conteúdos que não são apreensíveis apenas com a análise interna das fontes, sendo necessário identificar como se articulam nos debates de seu tempo. Dessa forma, a História dos Conceitos preocupa-se com os diferentes estratos temporais contidos numa mesma temporalidade, colocando em destaque variações e discrepâncias de significados:
A história dos conceitos põe em evidência, portanto, a estratificação dos significados de um mesmo conceito em épocas diferentes. Com isso ela ultrapassa a alternativa estreita entre a diacronia ou sincronia, passando a remeter à possibilidade de simultaneidade que pode estar contida em um conceito. (Koselleck, 2006, p. 115)
Por fim, na escrita da História é necessário que os conceitos empregados estejam de acordo com aquilo que importava dizer naquela época, não com o que é compreendido nos tempos atuais. Dessa forma,
toda história social que investigue duração, tendências e prazos - só pode ser conseguida com a reflexão sobre os conceitos ali empregados, que por sua vez auxiliam a identificar, do ponto de vista teórico, a relação cronológica entre o acontecimento e a estrutura, ou a justaposição de permanência e alteração. (Koselleck, 2006, p. 117)
Portanto, em consonância com a História dos Conceitos, os termos ‘escola noturna’, ‘curso noturno’, ‘aula noturna’ e, de acordo com a ortografia da época, ‘aula nocturna’ pareceram os melhores termos para compreender as distintas finalidades e características das escolas que funcionavam à noite, conforme aparece mencionado no jornal analisado. Além de examinar suas intenções, buscamos identificar o que se ensinava nesses espaços, o público que frequentava cada uma delas, suas idades e quais os significados possíveis da frequência desse público em cada um desses estabelecimentos.
2. OS SABERES ENSINADOS NA ESCOLA NOTURNA
Compreender os espaços e tempos nos processos de escolarização tem permitido enriquecer o campo de pesquisa que busca associar educação e sociedade em perspectiva histórica. Dessa forma, analisar as instituições escolares com o objetivo de entender o que se passava em seus espaços e qual público era aceito nesses locais, buscando identificar as pretensões socialmente constituídas em relação ao processo de escolarização da população, tem se mostrado necessário para melhor compreender os significados sociais da educação. Ademais, os estudos sobre os públicos escolares e os espaços destinados ao ensino têm contribuído na compreensão de aspectos fulcrais da cultura escolar. Daí nosso interesse em saber como eram as escolas noturnas no período aqui em análise, o que era ensinado nessas instituições e a quais públicos se destinavam.
Pesquisas desenvolvidas em outros estados do Brasil também têm tratado do ensino noturno, como em Gonçalves Neto (2005), que identificou a presença das escolas noturnas no processo de escolarização de Uberabinha, em Minas Gerais, e Castellanos e Castro (2015), que analisaram a escolarização dos trabalhadores no Maranhão durante o século XIX. Ribeiro e Silva (2011) analisaram o ensino noturno destinado à população negra em Uberlândia, Minas Gerais, nos anos 1930. Há também pesquisas enfocando a educação de jovens e adultos através de depoimentos, como em Rodrigues e Rossi (2009). No Rio Grande do Sul, Stephanou (1990) e Peres (2002) se dedicaram a conhecer os espaços que funcionaram à noite para a escolarização de trabalhadores, no primeiro caso referindo-se ao Instituto Parobé de Porto Alegre e, no segundo caso, concentrando os esforços de análise na Biblioteca Pública Pelotense. Esses autores, entre outros, têm mostrado a importância de compreender, a partir da perspectiva do ensino noturno, as tentativas de escolarização de grupos que foram em larga medida excluídos do ambiente escolar.
Em consonância com essas perspectivas de estudo, buscamos aqui aprofundar a compreensão acerca da experiência de escolarização no Rio Grande do Sul, recorrendo à análise dos discursos contidos no jornal A Federação (1884-1937). A partir deles, foi possível identificar como os espaços de escolarização que funcionaram à noite eram descritos no meio social de circulação do jornal, permitindo explicitar alguns dos interesses assentados na oferta de escolas e nos saberes ensinados que se atrelam aos modos de organização da sociedade e às desigualdades historicamente constituídas.
A menção às escolas noturnas no Rio Grande do Sul consta logo no primeiro ano de publicação do jornal, em 1884, quando aparecem os termos ‘curso noturno’ e ‘aula nocturna’. Apresenta-se, na ocasião, anúncio de um curso noturno de desenho geométrico, topográfico, arquitetônico e mecânico publicado quase diariamente no jornal entre o dia 29 de agosto de 1884 e o dia 4 de outubro do mesmo ano, possivelmente correspondendo ao período de matrícula. Esse curso custava a quantia de 10$000 réis mensais, que deveriam ser pagos de maneira adiantada. Não há indicação sobre qual seria seu público-alvo. Cursos similares seguem sendo anunciados ao longo dos anos, como em 1885, quando era oferecido um curso noturno para frequência de adultos, no qual as aulas eram de geografia, aritmética comercial, contabilidade, noções de economia, entre outros, destacando-se o uso comercial dos saberes ensinados. Não há informações sobre o valor do curso ou se seria gratuito.
No início do período analisado, essa característica de vinculação entre o ensino ofertado e os saberes comerciais se manteve predominante. Nos anos de 1894 e 1895, por exemplo, foram oferecidos, respectivamente, cursos de escrituração mercantil e lições de inglês. Possivelmente tinham como público-alvo pessoas adultas, que já estavam inseridas no comércio e que já haviam concluído os estudos básicos. O jornal não informa as idades dos estudantes almejados nem o valor desses cursos.
Apesar de as notícias relacionadas ao termo ‘curso noturno’ se referirem principalmente a aulas de saberes complementares ao trabalho e de, muitas vezes, serem cursos pagos, há menção também às ‘aulas noturnas’, que, em suas primeiras aparições no jornal, já evidenciavam que havia iniciativas de escolas noturnas em que o ensino ofertado era gratuito: “O professor publico Francisco Machado Coelho Filho deixou o cargo de director e professor da aula nocturna municipal, estabelecendo uma escola nocturna gratuita” (A Federação, 04/12/1884, p. 2). Nesses casos, o termo ‘aula noturna’ parece se relacionar ao ensino de saberes elementares3, estando vinculado a escolas e professores municipais. No entanto, também com relação a essas escolas há menção aos saberes complementares ao trabalho que se relacionavam a cursos comerciais, demonstrando como os conceitos determinados para busca são bastante polissêmicos e alteram suas características, inclusive em um mesmo período. Um exemplo dessa situação são os anúncios, publicados entre 1891 e 1894, nos quais se ofertavam ‘aulas noturnas’ de escrituração mercantil. Ainda, em 1894 e 1895, aparecem no jornal ‘aulas noturnas’ diversificando os saberes comerciais, ofertando aulas de escrituração mercantil, ensino de línguas e aritmética comercial. Apenas o primeiro desses anúncios sinalizava o valor das aulas, sendo de 70$000 réis.
Conforme já mencionamos, embora a maioria dos cursos noturnos estivessem, no período, relacionados a saberes especializados, vinculando-se, normalmente, a conhecimentos comerciais, havia também aqueles que diferiam desse padrão. No ano de 1907, aparece pela primeira vez no jornal anúncio de um curso noturno que oferecia lições particulares para meninos e adultos, como demonstra o trecho:
O sr. Octavio Donselviro de Alencastro abriu hoje um curso nocturno para meninos e adultos, em que dará lições fundamentais e complementares, e de diversas materias. O curso será dirigido por dois acadêmicos e funcionará á rua General Auto n. 30. (A Federação,14/02/1907, p. 2)
Os anúncios de cursos noturnos que não se referiam aos saberes especializados apareceram novamente em 1914 e 19154 quando, com a fundação do curso noturno do Ginásio Anchieta, uma escola particular e católica, em 1912, ofertavam-se aulas para escolarizar crianças, adultos e trabalhadores que estivessem impossibilitados de frequentar as aulas diurnas em função do trabalho:
Quarta feira, 17 do corrente, no Gymnasio Anchieta, reabre-se o curso noturno gratuito para operários e meninos pobres. Os candidatos deverão ter um emprego que os impossibilite de frequentar aulas diurnas. A matricula acha-se aberta das 19,30 ás 21 horas no Gymnasio Anchieta. (A Federação, 10/02/1915, p. 3)
Ambas as categorias, ‘aula noturna’ e ‘curso noturno’, passam, aos poucos, a deixar mais evidentes seus objetivos de escolarização dos mais pobres e de trabalhadores. Nos anos seguintes, é noticiada a abertura de diversas aulas noturnas no estado, em sua maioria indicando a gratuidade. Todavia, esses anúncios dificilmente explicitavam o público-alvo, sinalizando apenas o número de matrículas e os nomes dos professores que iriam dirigir as aulas. Apesar disso, foi possível perceber distinções importantes. Para fins de análise, categorizamos os públicos entre: mulheres; adultos e meninos trabalhadores; crianças pobres.
3. OS PÚBLICOS ATENDIDOS NA ESCOLA NOTURNA
Afinal, então, quem ia às escolas noturnas? Qual era a heterogeneidade etária encontrada na sala de aula? As escolas noturnas atendiam a que grupo social? Perscrutando tais aspectos, temos nos interessado em compreender os modos de diferenciação do acesso à escola e sua relação com os sistemas que estruturam desigualdades no processo de escolarização dos mais pobres.
Cronologicamente, o primeiro grupo destinatário do ensino noturno que aparece diretamente citado nas notícias do jornal são adultos saídos da escravidão. Em 1885, ainda no período de vigência do regime escravocrata no Império do Brasil, foram publicadas duas notícias que ofertavam aulas noturnas para adultos:
O professor publico da villa do Arroio Grande pretende estabelecer ali uma aula noturna, denominando - a Escola do Povo. É destinada á frequencia de adultos, principalmente libertos. Louvores aos cidadãos que praticam espontaneamente o dever que os governos obstinanam-se em não cumprir. (A Federação, 11/03/1885, p. 1; destaque no original)
Nesse trecho, é possível perceber que o jornal, com sua característica republicana e abolicionista, fazia notas enaltecendo a participação dos particulares em auxiliar na educação da população liberta, que estaria sendo negligenciada pelos governos. Apenas um ano depois da publicação acima mencionada, mais uma notícia refere-se à educação de recém-libertos, especialmente mulheres:
Dando-vos noticia, cidadãos vereadores, d´esta festa, cumpro um agradavel dever, em primeiro lugar rasgando o véo que encobre a modestia de tão digno cidadão, cujo patriotismo levou-o até o extremo de estabelecer uma aula nocturna para essas infelizes que têm obtido suas cartas de liberdade, sem retribuição alguma, contando já o numero de quarenta alumnas, concorrendo assim para o melhoramento do serviço domestico, que, certamente, muito melhorará quando feito por pessoas de educação litteraria. (A Federação, 09/09/1886, p. 2)
Importante destacar essa menção às mulheres trabalhadoras como grupo ao qual igualmente se deveria ofertar acesso à escola. No entanto, percebe-se que os saberes que deveriam ser ensinados a elas se encontravam na esfera do doméstico, relacionados não aos saberes especializados, mas aos saberes elementares cujo domínio deveria favorecer sua atuação em serviços da casa e do cuidado da família. Ofertar aulas que se concentrassem no ensino do doméstico articula-se aos discursos produzidos na época que, nos diferentes campos do conhecimento, “enfatizavam a argumentação de uma natureza biológica própria que, em última análise, justificava as desigualdades entre homens e mulheres” (Souza, 2000, p. 113). Por muitos anos as mulheres foram consideradas como “seres inferiores” e eram comparadas aos primitivos, às crianças e aos negros (Souza, 2000). No Brasil, a educação de mulheres estava ligada à ideia de que elas deveriam ser educadas com saberes que incluíam economia doméstica e puericultura buscando “preparar uma ‘nova’ mulher, estritamente ligada às funções de mãe e dona de casa” (Souza, 2000, p. 121). A educação feminina não era proposta para o desenvolvimento das potencialidades das mulheres, mas sim para sua função social de educadora de seus filhos e dos filhos da pátria. Evidentemente, há um recorte de classe social que não pode ser desconsiderado. As mulheres pobres deveriam ser preparadas para o trabalho doméstico na casa de outrem e as mulheres ricas e de classe média deveriam aprender a cuidar de suas próprias casas e de sua família.
Passadas algumas décadas, voltam a aparecer no jornal notícias de aulas noturnas para mulheres. Em 1919, há menção à oferta de uma aula que sinalizava explicitamente o público-alvo como sendo mulheres pobres: “A instituição Obras de Santa Izabel, acaba de crear mais uma aula nocturna para senhoras e senhoritas pobres, e que foi installada em uma sala no Grupo Escolar Voluntários da Pátria, cedida pelo dr. Protásio Alves...” (A Federação, 10/07/1919, p. 6). Aos poucos, vai ganhando mais importância, no espaço de possibilidades de escolarização das mulheres, a oferta de cursos profissionalizantes, nem sempre no período noturno5. Os saberes ensinados, nesses casos, não são classificados como domésticos, mostrando que, ao contrário do que foi visto anteriormente, a posição da mulher na esfera social se modificou. De acordo com Louro (1986), o destino das mulheres ainda era considerado como da maternidade e do lar, no entanto, “começa-se a admitir mais amplamente a atividade profissional fora do lar para as que precisavam trabalhar nesta atividade...” (p. 30). Considerando esse cenário, compreende-se melhor quando, em 1925, se publica a notícia de uma aula noturna, ofertada por aquela mesma instituição que ofertou aulas em 1919, também para mulheres pobres:
A Escola Domestica reabriu suas aulas. . . . Continua aberta a matricula para as aulas de escripturação mercantil, desenho e pintura, linguas, stenographia, corte e costura, flores artificiaes, chapeus, lavores femininos e arte culinária. A aula nocturna gratuita funciona com grande numero de alumnas. (A Federação, 16/03/1925, p. 5)
Fica mais evidente a ampliação da necessidade de profissionalização das mulheres, o que se deve, principalmente, à forte industrialização do país. Todavia, aqui também é importante evocar a diferença de classe social, uma vez que para as mulheres da classe média o magistério foi a opção mais recorrentemente ofertada, já que a formação profissional delas era vista “como um aperfeiçoamento do instinto maternal e refletia também no aumento da presença feminina na vida social” (Souza, 2000, p. 122). Para as mulheres pobres, os critérios diferem e é possível afirmar que - a formação para - o magistério, apesar de ter sido sempre gratuito, “não foi dirigido para maioria feminina das classes trabalhadoras, ao contrário o Instituto de Educação foi preponderantemente uma escola para mulheres das camadas médias da sociedade gaúcha” (Louro, 1986, p. 28)6.
Outra notícia encontrada no jornal versa sobre o Colégio Americano de Porto Alegre, uma escola particular e metodista, e retrata a dificuldade de algumas mulheres em completar o ensino básico durante o dia devido às demandas da vida familiar e do trabalho:
Está em organização o curso noturno do Colégio Americano. A organização deste curso, sendo o unico curso noturno feminino, em Porto Alegre, oferece grandes oportunidades ás moças que queiram tirar o curso seriado, mas não podem assistir aulas diurnas. (A Federação, 10/03/1936, p. 2)
Não é mencionado se as aulas seriam gratuitas e, por conseguinte, o curso poderia ter como público pretendido mulheres com algum poder aquisitivo que quisessem finalizar seus estudos.
Além das mulheres, outro grupo foi sinalizado ao longo dos anos como alvo da escola noturna: são adultos, meninos e crianças pobres. Pela análise das notícias do jornal, foi possível perceber uma sutil distinção de espaços que eram considerados próprios para esses três grupos. Normalmente, as aulas ou os cursos destinados aos meninos eram ofertados pelos Ginásios, Institutos e Colégios Elementares7 e buscavam ensinar os saberes elementares e/ou saberes especializados que visavam a dar instrução elementar e profissionalizar esses meninos e meninas, que já estavam inseridos no mundo do trabalho, pretendendo melhorar a força industrial do país, como é possível perceber no trecho a seguir, onde se classifica o Instituto Parobé8 como um “importante instituto de ensino que, cada anno vem prestando reaes serviços para o preparo profissional dos nossos meninos e meninas pobres - o que muito concorrerá para o desenvolvimento industrial do nosso paiz” (A Federação, 20/10/1924, p. 28). Dessa forma, a instrução desses meninos e meninas pobres era considerada essencial para que futuramente houvesse mão de obra em massa para o indispensável desenvolvimento industrial do país. Sendo necessária apenas uma instrução suficiente para deixarem de ser “indigentes” e tornarem-se ação transformadora da nação.
Ainda, uma informação metodológica que merece destaque é que esse último trecho foi retirado de uma das edições do jornal em que se publicavam, além das notícias do dia a dia, os relatórios da Intendência Municipal de Porto Alegre. Entre 1924 e 1928, o jornal A Federação transcreveu tais relatórios, aspecto que contribui para a afirmação de que o jornal funcionou, durante um período, como órgão oficial dos governos do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). As edições que continham os relatórios eram diferentes das edições comuns do jornal, uma vez que havia mais páginas e a parte referente ao relatório estava em letras menores.
Ao enfatizar os meninos como público pretendido pelo ensino noturno, o jornal publica em 1927 - inserida nos relatórios - uma notícia em que o Ginásio Anchieta, uma escola particular e católica, é citado como local de grande número de matrículas de alunos pobres: “Da mesma forma cresceu, a matricula do Curso Noturno Gratuito que o Gymnasio mantém desde o anno de 1912. Mais de 300 meninos pobres, victimas do desamparo e da ignorancia, recebem alli conhecimentos uteis á vida” (A Federação, 15/10/1927, p. 44). No ano seguinte, o jornal noticia, ainda nos relatórios publicados, uma idade mínima para frequentar as aulas noturnas do Instituto Parobé:
No entretanto, para commodidade dos operários que queiram matricular-se no curso nocturno de aperfeiçoamento para operários e menores cuja edade infima seja de 13 annos, a inscripção e matriculas serão feitas das 17,5 ás 19 horas no edificio novo do Instituto. (A Federação, 04/02/1928, p. 4)
A partir dessa notícia, pode-se inferir, pela idade, que meninos eram aqueles que tinham 13 anos ou mais, excluídos os adultos. Percebe-se, nesse caso, uma diferença, ainda que sutil e talvez oscilante, de grupo etário e, possivelmente, também de grupo socioeconômico, entre criança e menino.
Em relação às crianças que frequentavam o ensino noturno, poucas notícias permitem esse tipo de precisão quanto à faixa etária. Por exemplo, em outra informação publicada nos relatórios da Intendência divulgados no jornal, evidencia-se a necessidade de abertura de mais escolas noturnas devido ao alto número de crianças trabalhadoras que não podiam frequentar o ensino diurno:
Observando que grande numero de creanças, especialmente das que se occupavam no serviço de capina das ruas e das que os progenitores eram empregados da Limpeza Publica, não pudesse ter assistencia escolar, - por não poderem frequentar as escolas elementares mantidas pelo Governo do Estado, por funccionarem durante o dia, e em horas que se entregavam ao trabalho para auxiliar com o montante de suas diárias as depezas das respectivas famílias, e assim considerando - resolvi crear uma escola nocturna em um compartimento junto á sede dos serviços de limpeza, a qual denominei ‘Hilário Ribeiro’”. (A Federação, 20/10/1924, p. 29)
Não há, porém, indicação da idade dessas crianças. Note-se, ainda, que esse trecho evidencia a postura do gestor público, que menciona como normalidade o trabalho infantil nas famílias mais pobres dada a necessidade de as crianças auxiliarem na renda.
Outra notícia de oferta de aulas noturnas para crianças aparece em um anúncio em 1926, em que se detalha ser a aula compartilhada com adultos no Colégio Elementar do Parthenon, criado e mantido pelo governo do estado, divulgando a abertura de “uma aula nocturna gratuita para analphabetos do sexo masculino (creanças e adultos)” (A Federação, 23/11/1926, p. 5). Essa é única notícia na fonte analisada que coloca as crianças e os adultos em uma mesma aula, permitindo considerar que essa talvez fosse uma exceção. No entanto, outros estudos evidenciam a frequência conjunta de alunos de diferentes idades - crianças e adultos - na mesma escola (Gil, 2020; Peres, 2002). As demais notícias, em relação às crianças, informam a existência de um curso/aula noturno no estabelecimento, mas afirmam que era durante a tarde que se ofertavam as aulas para crianças pobres:
No Collegio Elementar da Gloria, foi inaugurado pela direcctora, exma. sra. d. Stella Dantas Gusmão, em comemoração á data de 20 de Setembro, um curso nocturno gratuito destinado a instrucção a adultos e meninos de ambos os sexos. Além desse, funciona diariamente no referido estabelecimento, á tarde, uma aula gratuita para as creanças pobres. (A Federação, 30/09/1924, p. 5)
Aqui também é perceptível uma diferença entre os termos menino e criança e a evidência, nesse caso, de que crianças não eram alvo do ensino noturno, possivelmente porque não tinham impedimento para frequentar o ensino comum diurno.
É interessante observar que o ensino noturno não se destinava desde o início à educação de jovens e adultos. No período aqui em análise, como o trabalho infantil era prática recorrente, muitas vezes a oferta do curso elementar à noite destina-se também a crianças. Segundo Peres (2002), no século XIX, as escolas noturnas foram concebidas como espaços “que atendiam clientela de qualquer faixa etária, especialmente trabalhadores” (p. 86, destaques no original). Note-se que a conceituação da infância não é, portanto, atemporal. Por conseguinte, discutir as identidades dos alunos que frequentavam esses espaços nos leva a destacar que a ida à escola afeta a definição dos marcos cronológicos na vida. Assim, importa, para compreensão do ensino noturno, observar que as crianças também estavam nele inseridas, no período aqui em análise.
Nas décadas em que o jornal A Federação circulou, é possível notar significados sobrepostos para a infância e em relação aos tempos de aprender. Conforme ressalta Veiga (2005), “por meio da escola universalizou-se uma faixa etária atribuída ao tempo da infância, bem como uma nova maneira de as crianças se estabelecerem no mundo: como alunos(as)” (p. 78). Porém, importa destacar que as formas de vivenciar e visualizar a infância não eram as mesmas para todas as camadas sociais; sendo assim, não era apenas o tempo cronológico do indivíduo que estava sendo considerado, mas suas identidades de gênero, étnicas e sociais. Sendo adequado, portanto, afirmar que a identidade infantil esteve associada à “condição social da infância, à inserção da criança num grupo social, étnico e de gênero que se superpõe à condição geracional” (Gouveia, 2004, p. 277).
Dessa maneira, nas notícias que situavam o ensino noturno no Rio Grande do Sul, nota-se que a distinção de idade, que caracterizava também uma identidade social, para frequência nas instituições noturnas apresentava diferenciação de público. Por exemplo, as notícias que citavam a criança pobre designavam aquelas crianças que estariam em idade escolar e deveriam estar na escola aprendendo as lições primárias. Por isso, em geral, os cursos e as aulas destinados às crianças eram oferecidos durante o dia, pois esperava-se que elas não tivessem que trabalhar e frequentassem a escola. Todavia, esse cenário se modifica quando se trata dos meninos pobres, que, na maioria das vezes, integravam o público-alvo do ensino noturno, pois eles já estariam fora dos tempos de aprender e dentro da esfera do trabalho. Gouveia (2004), analisando o caso de Minas Gerais, afirma que “os alunos de mais de 14 anos tinham uma presença esporádica e ocasional, revelando que a escola elementar era espaço da infância e meninice e não da mocidade, provavelmente já inserida no mundo do trabalho” (p. 280). Sendo assim, esses meninos visados pela escola noturna eram trabalhadores que não tiveram a oportunidade de frequentar a escola quando eram mais novos, nos seus “tempos de aprender”, sendo necessário que aprendessem as primeiras letras nos “tempos da razão”.
Já para os adultos, os cursos/aulas também eram ofertados por escolas técnico-profissionais como, por exemplo, o Instituto Parobé, que ministrava cursos noturnos (saberes elementares e de aperfeiçoamento) para os operários, que eram diferenciados, sem margem à dúvida, dos meninos, mesmo que esses provavelmente também fossem trabalhadores: “Para operários que trabalham durante o dia e para meninos impossibilitados de frequencia diurna, mantém ainda o Instituto Parobé um curso nocturno elementar e de aperfeiçoamento” (A Federação, 15/10/1925, p. 20). Na maioria das vezes, a oferta desses espaços de ensino para adultos também estava vinculada a iniciativas particulares que buscavam a alfabetização tardia daqueles que não puderam frequentar as aulas durante a infância, possivelmente por sua inserção precoce nos espaços de trabalho. Dessa forma, durante o final do ano de 1924 e em grande parte do ano de 1925, o anúncio de uma “aula nocturna gratuita para adultos analphabetos do sexo masculino” (A Federação, 09/09/1924, p. 4) foi publicado quase semanalmente. Normalmente, essas aulas noturnas de alfabetização eram oferecidas por iniciativas particulares, podendo-se afirmar que frequentemente o projeto de instrução dos mais novos estava a cargo da iniciativa pública e o dos mais velhos da iniciativa particular. No entanto, no espectro das aulas ofertadas para adultos visando o combate ao analfabetismo, notou-se que, ao longo dos anos, os Colégios Elementares, que eram escolas públicas estaduais, também participaram dessa campanha. É o que mostra o anúncio de agosto de 1929 ao indicar que no dia “12 do presente será installada neste Collegio [Colégio Elementar Parthenon] uma aula nocturna para adultos analphabetos que funccionará todas as noutes, excepto aos sabbados e domingos” (A Federação, 09/08/1929, p. 8). E ainda no mesmo mês:
A exma.sra.d. Rita Alberlina Corrêa, directora do Collegio Elementar de Viamão, resolveu de accôrdo com as professoras do mesmo estabelecimento, abrir uma aula nocturna gratuita para, adultos analphabetos do sexo masculino, garantindo a alphabetização dos mesmos em cinco mezes. (A Federação, 14/08/1929, p. 4)
Também algumas diretorias ligadas ao operariado analfabeto participavam dessas campanhas:
Como complemento á adhesão efficiente a esta campanha cívica, a directoria deste bloco franqueou a sua sede social ao Comité Operário 20 de Setembro, para dar incremento ao alistamento eleitoral e tornar effectiva a abertura de uma aula nocturna para analphabetos. (A Federação, 25/09/1929, p. 8)
O que se observa no Rio Grande do Sul estava em consonância com os projetos nacionais de alfabetização criados em 7 de setembro de 1916, no Rio de Janeiro, por iniciativa de Olavo Bilac, Pedro Lessa e Miguel Calmon (Boto, 1994/1995). Esses projetos tinham como objetivo “congregar os brasileiros de todas as classes para edificação da pátria” (Boto, 1994/1995, p. 146). De acordo com seus fundadores, isso se daria através da Liga de Defesa Nacional, que pretendia, com a educação da população, retirar o povo da ignorância e do analfabetismo por meio de campanhas cívicas e profissionais que seriam “indispensáveis à grandeza da nação”(Boto, 1944/1995, p.149). Havia nessas iniciativas uma evidente função pedagógica, afinal “a reconstrução nacional exigia, com urgência, um novo destaque da ética na esfera pública; mais do que isso, urgia uma completa reorganização da ordem partidária com vistas à obtenção da ‘maioridade política’ do país” (Boto, 1994/1995, p. 152). Considerava-se que essa maioridade só poderia ser alcançada através da alfabetização em massa da população para que houvesse uma consciência a ser formada no eleitorado, além de uma ampliação no número de votantes, daí a importância dada à erradicação do analfabetismo no país. Em 1934, foi criada a Liga de Educação no Rio Grande do Sul subvencionada pelo estado para instalar cursos noturnos. Mesmo antes, notícias publicadas no jornal A Federação nas décadas de 1920 e 1930 indicavam a abertura de aulas noturnas que vislumbravam a alfabetização para maiores que tivessem o desejo de votar nas próximas eleições, dado que os iletrados foram impedidos do direito ao voto entre 1881 e 1985. Eram notícias pontuais semelhantes a esta: “[foi criada] uma aula nocturna para anaphabetização de adultos que desejarem alistar-se eleitores” (A Federação, 13/09/1929, p. 6). Ademais, algumas dessas aulas eram oferecidas por particulares ligados ao exército:
O tenente Alvarino Valladares instalou em sua residência, no Crystal, uma aula nocturna com a denominação acima afim de leccionar todo aquelle que deseja qualificar-se eleitor. A aula fornecerá tudo que for necessário, sem despesa alguma aos alumnos. Encarrega-se tambem de qualificação eleitoral. (A Federação, 31/08/1929, p. 3)
Tais notícias permitem perceber algumas das significações dadas ao ensino noturno pelos grupos de elite representados no periódico. Esses significados se articularam a outros já mencionados compondo um quadro temporalmente determinável de ações político-educacionais que, no entanto, apresenta variações de matrizes.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreender a história da escolarização demanda análises mais apuradas sobre as instituições escolares, seus sujeitos, o meio social em que estavam inseridos e os discursos feitos pelos agentes históricos. Dessa forma, este artigo incumbiu-se de averiguar as ações discursivas publicadas no jornal A Federação: Orgam do Partido Republicano, no período de emissão de 1884 a 1937, sobre a escolarização noturna de crianças pobres, mulheres, e adultos e meninos(as) trabalhadores(as). Para tanto, foi produtiva a contribuição teórica de Koselleck (2006) que propõe observar detidamente a polissemia dos conceitos na história. Já na análise empírica do jornal, assumido como fonte histórica, foi possível observar as relações sociais estabelecidas em torno dos conceitos de aula, curso e escola noturna e suas principais características.
Cabe, ainda, destacar que, ao analisar as ocorrências do jornal, muitas vezes a educação noturna aparecia como oferecida por iniciativas de particulares, como igrejas e sindicatos, ou mesmo profissionais liberais, como dentistas e advogados. Logo, a ação desses atores era comum no meio social e muito valorizada como iniciativa pró-República. Outras vezes foram, contudo, de iniciativa pública. Porém, tanto as ações públicas quanto as privadas nos levam a questionar o porquê de haver tanto esforço em fornecer aulas, cursos e escolas noturnas para aqueles mais pobres e trabalhadores. As justificativas, na fonte consultada naquele período, se assemelham bastante, independentemente da origem da iniciativa (pública ou privada). Conforme Peres (2002), que analisa o caso do ensino noturno primário Pelotense, o crime, o roubo e os delitos estavam associados à falta de instrução; dessa forma, o discurso moralista e filantrópico está relacionado com a vontade dos particulares de que o progresso da civilização continuasse. Ainda, com a República, surgiram preocupações sobre como manter a moral e os bons costumes, além de preparar um trabalhador eficiente, e, assim, “o processo de escolarização foi, também, amplamente valorizado como forma de combater o ‘atraso’ em que se encontrava o país . . . trabalho e instrução estavam lado a lado como grandes conquistas a serem alcançadas” (Peres, 2002, p. 92). Todavia, não se pode afirmar que a educação das classes populares e trabalhadoras foi uma iniciativa unicamente das elites, sendo necessário observar a existência de pressões das massas populares por educação e as iniciativas de organização dos próprios trabalhadores. Sendo assim, o ensino noturno deve ser considerado um dos “espaços contraditórios de formação e de oportunidades de organização” (Peres, 2002, p. 94). Nesse sentido, é importante sublinhar que, neste artigo, no entanto, o enfoque da análise está circunscrito a um periódico que colocou em circulação os posicionamentos políticos e sociais de determinado grupo das elites sul-rio-grandenses.