1. INTRODUÇÃO
A ideia de um professor que pensa em sua prática pedagógica e revê seus conceitos é defendida por muitos pesquisadores que têm no centro de suas teorias o profissional docente. Entre esses pesquisadores estão Dewey (1933), Schön (1983), Zeichner (1993), Alarcão (2001), Perrenoud (2004), Nóvoa (2007), Tardif (2012), Libâneo (2012), Pimenta (2012), Freire (2018), entre outros. As pesquisas realizadas principalmente por Schön (2000), Nóvoa (1995), Alarcão (2001) e Perrenoud (1993) nortearam os referenciais adotados na elaboração dos documentos oficiais brasileiros de formação de professores nas décadas de 1990 e 2000, época em que os professores que participaram dessa pesquisa concluíram seus cursos de graduação. Entre esses documentos estão os Referenciais para a Formação de Professores (Ministério da Educação do Brasil, 2002) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (Ministério da Educação do Brasil, 2001).
Baseados nos estudos desses autores citados acima, esses documentos propõem uma formação em que a prática reflexiva deve se configurar como uma atitude diária, pois é a partir dela que o professor compreende a realidade da sala de aula e da própria prática.
No documento “Referenciais para a Formação de Professores” (Ministério da Educação do Brasil, 1998), como descreve Mazzeu (2009), a prática reflexiva aparece como:
a) um importante instrumento, recurso ou procedimento metodológico (ao lado da resolução de problemas) para o tratamento dos conteúdos de todos os âmbitos do conhecimento profissional (teórico, experiencial e pedagógico); b) e uma competência, também designada como atividade intelectual, a ser aprendida pelos professores no exercício próprio de suas funções. (p. 10)
Esse documento propõe o desenvolvimento de competências como princípio da formação, e a prática reflexiva como um eixo articulador dessa formação. Isso mostra que, apesar de haver divergência no entendimento do conceito de competências, pois é polissêmico, sua aquisição é necessária para o exercício da docência.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (Ministério da Educação do Brasil, 2001) recomendam que a prática reflexiva esteja articulada ao projeto pedagógico do curso de formação. Em seu Art. 5, parágrafo único, recomenda que o projeto pedagógico do curso de formação deverá levar em conta que “A aprendizagem deverá ser orientada pelo princípio metodológico geral, que pode ser traduzido pela ação-reflexão-ação e que aponta a resolução de situações-problema como uma das estratégias didáticas privilegiadas.” (p.63)
As situações-problema prepararão o professor para confrontar os diferentes obstáculos que o levarão a refletir, experimentar e agir a partir dos conhecimentos que possui. Entretanto, apesar de o Conselho Nacional de Educação do Brasil demonstrar, através desses documentos, uma preocupação quanto à formação reflexiva nos cursos de licenciatura do país, será que os professores desenvolvem uma prática reflexiva, ou essa prática fica só nas orientações documentais? Entendemos que para respondermos a essas perguntas, precisamos investigar a prática pedagógica do professor no seu cotidiano em sala de aula, a metodologia que utiliza, de que forma analisa se sua aula está atendendo à demanda de seus estudantes e quais influências pedagógicas estão por trás da sua prática.
Assim, para investigarmos se os professores de uma escola estadual de São Paulo desenvolvem uma prática reflexiva, solicitamos que quinze de seus docentes, que participavam de oficinas de formação continuada envolvendo a temática Educação Ambiental, respondessem a algumas questões sobre o planejamento, a mudança na dinâmica das aulas e como percebiam quando as aulas eram bem-sucedidas ou não.
As questões fazem parte de uma série de perguntas apresentadas por McKay (2008) para a verificação de um professor reflexivo. Entendemos a importância da reflexão como um instrumento profissional e lembramos que o Currículo Paulista tanto do Ensino Fundamental (Ragonha et al., 2019) quanto do Ensino Médio (Kebbe et al., 2020) coloca que esta deva fazer parte da prática pedagógica do professor.
Esperamos com este artigo contribuir para que a reflexão e a pesquisa da prática auxiliem os professores a pensarem sobre o contexto antes, durante e depois de um trabalho em sala de aula. Que essa reflexão não fique só nos documentos oficiais, mas que faça parte da prática do professor no momento de planejar e ministrar, bem como após o término de sua aula.
2. O CONCEITO DE PROFESSOR REFLEXIVO
O conceito de profissional reflexivo surgiu a partir de um trabalho desenvolvido por Schön, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), sobre a educação profissional, no início dos anos 1970. Seu trabalho teve como objetivo compreender por que os profissionais recém-formados dos cursos de Arquitetura, Desenho e Engenharia não conseguiam responder às questões do cotidiano de suas profissões. Schön percebeu que isso acontecia porque o ensino estava baseado no modelo da racionalidade técnica, em que o perfil do profissional formado é de técnico especialista. Após uma década de estudos envolvendo a educação profissional, Schön planejou e escreveu o livro The Reflective Practitioner, publicado em 1983, em que propõe uma nova epistemologia da prática que pudesse lidar com mais facilidade com as questões do conhecimento profissional (Schön, 1983). Para compor sua obra, Schön buscou nos ensaios teóricos de Dewey (1933) os ensejos de unir a teoria e a prática.
O lançamento do seu livro é considerado por muitos pesquisadores como um marco no renascimento da prática reflexiva na formação docente. Zeichner (2008), Ghedin (2012) e Tardif (2012) colocam esse livro como uma das maiores contribuições para o ensino. Para Imbernón (2010), a rápida difusão das ideias de Schön alcançou o mesmo patamar de outros conceitos já conhecidos.
Suas ideias geraram alvoroço no meio acadêmico. Por muitos anos seguiu-se a tônica de que os professores deveriam desenvolver uma prática reflexiva não só para preparar seus estudantes, mas também para sê-lo. Essa ideia foi utilizada por diversas linhas políticas e ideológicas, tornando-se um termo sem especificidade (Zeichner, 2008).
Muitos autores, dentre eles Militão (2004), Zeichner (2008), Libâneo (2012) e Pimenta (2012), atribuem aos governos neoliberais parte da culpa por contribuírem para tornar o termo professor reflexivo como mais um, com a sua apropriação em reformas educacionais que, muitas vezes, não saíam do papel, ou mesmo como um modismo, perdendo a sua especificidade. Esse pensamento também é incorporado por Tardif e Moscoso (2018) ao alertarem que a ideia do profissional reflexivo corre o risco de banalização, pois nela está implícita uma ideia de reflexão que não pode ser tomada de forma transparente devido ao seu uso desmedido.
Na concepção de Libâneo (2012), há duas linhas principais que influenciam o trabalho docente: a neoliberal e a marxista. Ambas têm origem na reflexividade e podem ter variações. Porém, apresentam algumas características em comum, como a alteração nos processos de produção, a ligação com a ciência e a tecnologia, o empoderamento dos sujeitos e a flexibilidade profissional. Para o autor, é preciso ampliar a capacidade reflexiva para promover a autonomia dos professores. Essa ampliação da capacidade dos professores, como descrevem Feitosa e Bodião (2015), ao valorizar a experiência e a reflexão, tem ligação estreita com a obra de Schön, do professor prático reflexivo.
A conversão dos professores em profissionais reflexivos é criticada por muitos autores, pois, de acordo com Zeichner (2008) e Fagundes (2016), para que isso ocorra é necessário que haja discussão. Antes dessa transformação, é preciso discutir o trabalho docente.Sacristán (2012) argumenta que o professor não tem tempo nem recurso para pensar em sua prática, sendo preferível que não reflita muito em detrimento da sua saúde mental.
A crítica sobre a teoria do professor reflexivo ser adaptada a todos os campos educacionais está condicionada ao modelo para o qual foi idealizada. Sobre esse aspecto Fagundes (2016) aponta que essa adaptação para o campo educacional, em especial na formação de professores, apresenta fragilidades por não considerar os limites em que pode ser aplicada, por ter sido direcionada a uma área diferente para a qual foi moldada.
Com tais adaptações, o conceito de professor reflexivo passou a constar nos currículos educacionais com fragmentação teórica, muitas vezes por não ter um suporte técnico adequado (Militão, 2004; Libâneo, 2012; Fagundes, 2016), o que impossibilita saber a trajetória e o porquê dos debates da reflexão nos meios acadêmicos, os prós e os contras, e se realmente isso tem importância na prática pedagógica e no contexto profissional dos professores.
As dúvidas e discussões em torno da prática reflexiva geraram desconfianças e, muitas vezes, impossibilitaram o trabalho intelectual do professor para que este pudesse ter uma diversificação na escolha e na produção de materiais, levando-o a fazer uso de conteúdos prontos e formatados, contribuindo, assim, para uma prática baseada na racionalidade técnica.
Entretanto, ao se opor à racionalidade técnica do trabalho docente, Schön permite aos professores que não sejam meros aplicadores de diretrizes e implementadores de reformas políticas curriculares, inserindo nesse contexto três conceitos considerados principais na prática reflexiva: a reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação (Pimenta, 2012).
A reflexão na ação e sobre a ação tem sua concepção, segundo Perrenoud (2004), na nossa experiência de mundo. Ao considerar esses dois conceitos de Schön como os mais importantes, a reflexão sobre a ação, que se refere ao pensar no planejamento de uma aula (o antes), e, ao ser executada, pensar no depois, que seria a análise do sucesso ou não da aula (Hartman, 2010), o professor teria um auxílio na melhoria das suas ações futuras. A reflexão na ação seria caracterizada pelo momento em que está acontecendo a aula, correspondendo à observação, ao pausar as atividades para verificar a compreensão e aprendizagem dos alunos.
Ao pensar em sua prática reflexiva, o professor deve estar atento para identificar problemas que acontecem no ensino, pensar sobre as ocorrências em sala de aula, refletir sobre suas ações e aumentar as suas conquistas e as dos seus alunos. Esse é um processo introspectivo, que analisa e avalia de maneira crítica pensamentos, posturas e ações passadas/presentes/futuras, em que o professor procura melhorar o seu desempenho (Hartman, 2010).
O processo reflexivo sobre a prática é fundamental para que professores e pesquisadores possam ter a percepção da autonomia sobre as suas atitudes, que poderão se constituir em uma prática subversiva responsável, compactuadas com a criatividade ao redirecionarem as suas ações educacionais (D’Ambrósio & Lopes, 2015).
A necessidade de o professor pensar de maneira reflexiva é inerente ao fazer pedagógico. Dewey (1933) argumenta que esse pensar reflexivo pode direcionar a um fim educacional ao converter uma ação sem qualquer objetivo em uma ação inteligente. Para que isso ocorra, é preciso compreender os valores que estão implícitos nesse tipo de pensamento.
Todas as pesquisas, ou pelo menos parte delas, envolvendo a temática educacional passam por um estudo pormenorizado do trabalho docente, do Ensino Básico ao Superior. Lessard (2009) acredita que essas pesquisas têm permitido às Ciências da Educação se afastarem de normas de prescrições ao se preocuparem com o exercício profissional real. Porém, D’Ambrósio (2011) alerta para o que chama de gaiola epistemológica, ou seja, o controle político sobre o trabalho docente, que indica uma massificação e proletarização do conhecimento.
Nesse contexto, não podemos afirmar que a ideia do professor reflexivo de Schön (1983) tenha mudado as condições dos professores ou revolucionado o ensino, porém podemos argumentar que essa ideia possibilitou um amplo campo de pesquisa para a formação inicial e continuada sobre a prática do ensino reflexivo.
As pesquisas nos últimos trinta anos têm dado uma contribuição significativa quanto aos avanços na área educacional. Dentre elas estão os processos de pesquisa-ação ligados a procedimentos de ação-reflexão, com um conhecimento mais acentuado da prática reflexiva, corroborando a formação continuada dos professores (Imbernón, 2010). Entre essas pesquisas estão as desenvolvidas por Zeichner (1993), Freire (2018), Pimenta (2012), Selingardi e Menezes (2017), Barbosa e Fernandes (2018), Benites et al. (2019) e Vasconcelos et al. (2019) , além dos citados anteriormente.
Em seu livro A formação reflexiva de professores: Ideias e práticas, Zeichner (1993) traz uma distinção da sua abordagem sobre a questão da prática do ensino reflexivo em comparação com outras pesquisas. Essa distinção envolve três questões básicas. A primeira é sobre a atenção do professor, que está voltada tanto para sua própria prática quanto para as condições sociais que estão por trás de sua prática. A segunda é o reconhecimento da tendência democrática e emancipatória sobre como as questões de desigualdades e injustiças sociais são tratadas pelos professores em sala de aula. A terceira está ligada ao compromisso com a reflexão enquanto prática social.
Paulo Freire, segundo Libâneo (2012), propõe um processo centrado na ação-reflexão-ação, somando-se a este a consciência política. No método Paulo Freire, como ficou conhecido, o ensino se distancia do contexto concreto para analisar criticamente fatos através de representações reais dos alunos, seguidas da decodificação dessas representações, abrindo espaço para a análise crítica da realidade, pelo diálogo entre professor e aluno.
O formato adotado do conceito do professor reflexivo apresenta uma série de problemas no contexto escolar que advém do individualismo da reflexão, a falta de uma reflexão crítica que possibilite a análise dos instrumentos utilizados para o planejamento da prática pedagógica, e a pouca abertura para que a investigação no ambiente escolar aconteça.
Para a resolução desses entraves, concordamos com Pimenta (2012) ao considerar que é necessária uma política de formação que possibilite ao professor uma valorização, e às escolas, a capacidade de articular os saberes científicos, pedagógicos e a experiência, para que assuma um compromisso social capaz de articular os conhecimentos com todas as crianças.
A capacidade de refletir dos professores como uma competência intelectiva, o que sugere que esse modo de pensar vai se incorporando aos discentes, compara esse profissional a um filósofo que conquista o respeito e a admiração de todos no ambiente escolar ao organizar ideias, classificá-las e defini-las (Fazenda, 2008).
O professor, ao refletir criticamente, busca uma solução para problemas que enfrenta e, assim, redireciona a sua prática. Tal afirmativa de Selingardi e Menezes (2017) é apontada na pesquisa por eles desenvolvida com o objetivo de verificar como as ações pedagógicas de uma estagiária poderiam contribuir de maneira reflexiva com a sua prática. Os resultados evidenciaram que a estagiária não conseguiu refletir em todos os momentos, porém os pesquisadores observaram que ela evoluiu ao mostrar preocupação com a sua prática em benefício dos alunos.
Um dos problemas para implementar a reflexão nas escolas é o pouco espaço para pensar sobre a prática. A teoria está apenas no discurso, com uma conotação educacional de cunho neoliberal que não contribui para a formação crítica dos professores. Barbosa e Fernandes (2018), ao analisarem a relação entre a formação continuada de professores, a teoria do professor reflexivo e o materialismo histórico-dialético, observaram que, apesar de a prática ser o eixo central da formação continuada desses professores, isso não indica a aplicação da teoria do Professor Reflexivo.
Benites et al. (2019), em sua pesquisa, buscaram apresentar momentos da reflexão sistematizada da própria prática em um curso de Licenciatura com cinco estagiários de Educação Física. De acordo com os autores, essa experiência foi fundamental no processo de formação, ao oferecer a oportunidade de entender situações que, muitas vezes, passam despercebidas e, ao serem analisadas, contribuíram para a formação de professores como reflexivos.
Vasconcelos et al. (2019) apresentaram uma revisão bibliográfica dos trabalhos sobre a formação de professores, publicados nos últimos três anos no Colóquio Internacional de Educação e Contemporaneidade. Os resultados evidenciaram que, em geral, há necessidade de se rever a formação inicial docente e incorporar um modelo reflexivo.
Dessa forma, é preciso evitar uma visão romântica e individualizada, pois nem toda prática e reflexão docente são assertivas (Garcia et al., 2005). Assim, as pesquisas são importantes para o estudo do trabalho docente e para a formação inicial e continuada dos professores, uma vez que essas análises possibilitam uma apropriação na formação docente e no constructo de uma profissionalidade docente reflexiva.
3.CAMINHO METODOLÓGICO
Utilizamos como abordagem metodológica a pesquisa qualitativa, que, de acordo com Bogdan e Biklen (2007), “exige que o mundo seja examinado com a ideia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo” (p. 49). Como procedimento metodológico, o estudo de caso, que, para Yin (2009), é uma investigação empírica e pode ter diferentes contextos como: explanatório, exploratório e descritivo. Nessa pesquisa, optamos por um estudo de caso do tipo exploratório.
Como instrumento de coleta de dados utilizamos um questionário contendo as seguintes questões abertas, adaptadas de McKay (2008): Como você planeja sua aula?Esta questão contemplou vários itens, como: o que segue, a sequência da aula, tempo dedicado a cada parte, início e término da aula. Quando está ministrando aula, que fatores o(a) levam a mudar a ordem, suprimir ou dedicar mais tempo às atividades desse planejamento? Ao refletir sobre uma aula ministrada, o que o(a) leva a pensar se a atividade foi bem-sucedida ou não?
Participaram dessa pesquisa quinze professores da Educação Básica (Ensino Fundamental Anos Finais e Ensino Médio) das áreas de Códigos de Linguagens (Língua Portuguesa, Inglês, Arte e Educação Física); Ciências da Natureza (Ciências, Química, Física e Biologia); Ciências Humanas (História, Geografia, Filosofia e Sociologia) e Matemática, que estavam participando de um curso de formação continuada em uma escola estadual de São Paulo. Durante esse curso, não discutimos a teoria do Professor Reflexivo. Discutimos somente questões ambientais, uma vez que esta era a temática da formação. Entretanto, de acordo com Jacobi (2005), para o professor articular a educação com o meio ambiente, é necessário que ele tenha uma prática reflexiva.
Os professores dessa pesquisa têm entre 5 e 20 anos de formados e foram identificados como P1, P2...P15.
4. RESULTADOS DA PESQUISA
De acordo com os documentos oficiais brasileiros, como as Diretrizes Curriculares Nacionais de Formação de Professores da Educação Básica (Ministério da Educação do Brasil, 2001, 2015), Diretrizes Curriculares Nacionais de Formação de Professores da educação Básica e a Base Nacional Comum para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica (Ministério da Educação do Brasil, 2019), planejar ações de ensino que resultem em aprendizagem efetiva é uma das competências da prática pedagógica do professor, e esse planejamento deve ser baseado na autoavaliação, na qual o professor identifica os interesses, as estratégias e as metas para alcançar seu objetivo.
Pensando no ato de planejar como uma ação do professor reflexivo, perguntamos aos professores como eles planejavam suas aulas (Questão 1). Para essa questão, McKay (2008) sugere a reflexão de parâmetros sequenciais, como: a sequência (ordem) da aula (questão 1.1), tempo dedicado a cada parte (questão 1.2), início (questão 1.3) e término da aula (questão 1.4). As respostas dos professores a essas perguntas estão apresentadas no Quadro 1.
Essas respostas evidenciaram que os professores, em sua maioria, planejam suas aulas de acordo com o currículo, ou seja, seguem o conteúdo apresentado no caderno do aluno e do professor, fazendo um alinhamento com a política educacional do estado de São Paulo.
O currículo do estado de São Paulo é uma ação adotada pela Secretaria de Educação (SEE/SP) visando à melhoria da qualidade de ensino e sua unificação nas mais de cinco mil escolas da rede estadual. Para a implementação desse currículo, foram distribuídos, para os professores e alunos, materiais gráficos na forma de cadernos (do aluno e do professor), para auxiliarem os docentes no preparo das aulas e direcioná-los quanto ao desenvolvimento de atividades com os alunos dentro das disciplinas (Ragonha et al., 2019).
O caderno do professor orienta que a aula deve seguir a sequência (Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, 2021):
a)Sensibilização: etapa que visa direcionar a atenção do(a) estudante para a temática a ser trabalhada; b) Contextualização: onde o professor vincula o conhecimento à sua origem e aplicação, apresentando aos(às) estudantes os elementos fundamentais de cada temática com atividades que promovam a compreensão do objeto de conhecimento e o aprofundamento dos estudos; c) Problematização: nessa etapa, o professor deve exercitar o pensamento hipotético do(a) estudante a partir de desafios e da busca por soluções; d) Sistematização: etapa que tem como objetivo retomar as habilidades trabalhadas a partir de novas atividades, propiciando a organização dos conhecimentos já adquiridos e oportunizando novas formas de aprofundamento da temática; e) Recuperação: retomada dos conceitos e elementos fundamentais para que o(a) estudante tenha novas oportunidades de aprendizagem, buscando garantir o desenvolvimento das habilidades previstas. f) Avaliação: que deve ser contínua e formativa. (p. 14)
Embora o professor siga o que determina o currículo, ele sabe que o mesmo não é neutro nem aleatório, e os conteúdos que são apresentados no documento têm um motivo para estarem ali, pois representam os interesses de determinado grupo.
Quando o professor diz que segue o currículo, mostra uma incoerência entre o que se deseja da sua prática, com as descrições nos documentos oficiais relacionados com a sua formação, entre eles, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior (Ministério da Educação do Brasil, 2002), e o que determina a SEE/SP, com a implementação de um currículo fechado. As recomendações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica orientam que: “os professores sejam desafiados por situações-problema que os confrontem com diferentes obstáculos, exigindo superação e que experienciem situações didáticas nas quais possam refletir, experimentar e ousar agir, a partir dos conhecimentos que possuem.” (Ministério da Educação do Brasil, 2002, p. 32)
Como podemos observar nessas recomendações, é preciso que o professor seja estimulado a refletir. Seguir o caderno do professor não o estimula à reflexão, uma vez que já está tudo pronto. Entretanto, é preciso ponderar se a utilização desse caderno leva o professor a uma reflexão da sua prática ou se o uso de aulas prontas o desestimula e o leva a se sentir desvalorizado, uma vez que não tem liberdade de escolher seu material pedagógico.
A falta de estímulo do professor pode refletir na aprendizagem dos alunos, que, por sua vez, reflete nos resultados dos exames externos, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), a Prova Brasil (Matemática e Língua Portuguesa) e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)1. Os países que participam da avaliação do PISA e que vêm apresentando bons resultados possuem, de acordo com Oliveira e Moreno (2019), um ponto em comum, que é a valorização do professor. Na Finlândia e na Coreia do Sul, por exemplo, o professor escolhe seu próprio material pedagógico.
A questão de seguir o que determina o currículo do estado de São Paulo é tão importante para a SEE/SP que, por meio da Coordenadoria de Gestão da Educação Básica (CGEB), publicou, em 2016, o Documento Orientador de Observação de Sala de Aula. Este documento orienta a observação da sala de aula por um professor coordenador do núcleo pedagógico. Para a SEE/SP, essa ação possibilita uma ótima maneira de contribuir e abrir espaço para uma reflexão da prática pedagógica, auxiliando na melhoria do ensino, da gestão da sala de aula, de estratégias de ensino e de avaliação da aprendizagem. De acordo com esse documento, a sala de aula é o locus estratégico de observação para que dela surjam as reais necessidades de formação continuada dos professores (Oliveira et al., 2016).
Perguntamo-nos se esse documento é mais um instrumento de controle sobre as práticas pedagógicas dos professores ou se realmente tem a intenção de auxiliá-los em suas aulas. Será que esse instrumento pode representar uma forma repressora do trabalho docente? Esperamos encontrar as respostas a essas perguntas com mais pesquisas sobre o assunto, uma vez que tem uma história recente de implementação pela SEE/SP.
De acordo com Barbosa e Fernandes (2018), os professores coordenadores do núcleo pedagógico se utilizam do discurso do Professor Reflexivo, porém, sem um espaço de reflexão sobre a prática; apenas reforçam o controle educacional pelas políticas neoliberais, o que não contribui para a formação reflexiva dos professores.
É preciso que os professores tenham liberdade para compor suas aulas, que possam usar o material de apoio, como o caderno do aluno e do professor, mas que não seja um padrão, que tenham um espaço para reflexão e discussão da sua prática, individual e coletivamente e possam utilizar seu próprio material, pois a diversificação dos materiais é imprescindível para ajudar no crescimento profissional do professor e diminuir a rotina e o ostracismo.Esta é uma crítica de Militão (2004), Zeichner (2008), Libâneo (2012) e Pimenta (2012) sobre os governos neoliberais que impedem a reflexão crítica desses profissionais, por meio de um controle sobre as suas atividades em um currículo fechado.
Mesmo o currículo sendo fechado, o professor pode construir novas alternativas para a sua prática pedagógica, articulando-a com as necessidades educativas próprias da escola e de seus alunos. D’Ambrósio e Lopes (2015) apontam que esse contexto pode sofrer uma disrupção quando os professores assumem e exercem a prática reflexiva, com a percepção da autonomia sobre as suas atitudes, ao constituírem uma prática subversiva responsável e criativa ao redirecionarem as suas ações educacionais. Dessa forma, sugerimos que os professores tenham uma insubordinação criativa. Isso não quer dizer que os professores deixarão de realizar o currículo, mas que, ao fazê-lo, tenham ações planejadas diferenciadas, com uma criticidade para desenvolver as potencialidades dos discentes sem uma padronização das suas atividades.
A segunda questão teve como objetivo investigar se o professor realiza a reflexão na ação. Essa pergunta foi importante porque, de acordo com o documento Referenciais para a Formação de Professores da Educação Básica (Ministério da Educação do Brasil, 1998), a reflexão na ação é inevitável no trabalho do professor, uma vez que ele precisa constantemente mudar suas ações no cotidiano escolar.
Para essa questão McKay (2008) sugere a reflexão de parâmetros sequenciais que apontam sobre a reflexão na ação. O Quadro 2 mostra as questões e as respostas dos professores.
Como podemos observar, para a maioria dos professores, o aluno é quem sinaliza uma mudança na ordem do seu plano de aula para suprimir ou dedicar mais tempo a uma atividade. Não há problema em considerar a opinião do aluno para uma mudança em seu planejamento, mas o professor deve considerar, além das reações dos alunos, a sua análise, antes, durante e depois das suas ações, para então, refletir sobre o ocorrido em sala de aula, para um replanejamento das atividades.
Uma explicação para essa postura do professor pode ser porque a maioria não faz um plano de aula pormenorizado; faz um planejamento semanal ou mensal para as turmas, pois, na maioria das vezes, segue o caderno do professor, que tem um roteiro das sequências e dos passos. Porém, as turmas são diversificadas e, muitas vezes, esse roteiro não é o mais adequado. É preciso que os docentes recuperem a autonomia, ou pelo menos parte dela, como sugere Pimenta (2009), e sejam protagonistas em sala de aula.
Na concepção de Perrenoud (2004), o tempo da sala de aula é curto e a reflexão ocorre mais comumente para decidir interromper ou não uma conversa, iniciar ou pular um tópico ou um capítulo antes do final da aula, aceitar desculpas ou responder algo descontextualizado. Nesse sentido, Hartman (2010) afirma que quando a reflexão acontece durante a ação, o professor monitora as metas e os objetivos que deseja alcançar com os alunos, pois isso possibilita identificar um problema e, se necessário, intervir para uma nova abordagem, ou fazer uma adequação para impedir que as dificuldades continuem ou aumentem.
Para Hartman (2010), os problemas que acontecem em sala de aula, como a defasagem, o desinteresse e as dúvidas, podem ser identificados por meio da prática reflexiva. Para a autora, esse é um processo introspectivo em que o professor analisa e avalia de maneira crítica pensamentos, posturas e ações passadas/presentes/futuras para melhorar o seu desempenho. Para tanto, o planejamento das aulas deve ser intensificado em uma prática reflexiva.
A terceira pergunta estava relacionada à reflexão sobre uma aula ministrada, o que leva o professor a pensar se a atividade foi bem-sucedida ou não. O Quadro 3 apresenta as respostas dos professores.
Essas respostas indicam que para a maioria dos professores, a reação do aluno é o referencial para entenderem se a atividade foi ou não bem-sucedida. Esse resultado evidencia que, apesar de seguir o planejamento programado no caderno do professor, o que pode indicar que este apenas siga o material proposto pela SEE/SP, o professor, durante sua prática, reflete sobre sua ação a partir da reação do aluno no momento da ação, ou seja, ele está praticando o que Schön (1983) chama de reflexão na ação. Porém, essa ação não é suficiente para que o professor seja reflexivo.
P4 descreveu que só reflete sobre sua aula quando “os alunos, principalmente os bons, não demonstram interesse”. Essa resposta pode indicar que esse professor está fazendo uma distinção a quem ele está direcionando a sua atenção; muitas vezes não é um processo intencional, e sim por não ter o hábito do pensar reflexivo. Para que o professor tenha uma prática reflexiva, segundo Zeichner (1993), a sua atenção deve estar voltada para sua prática e para o compromisso com a reflexão enquanto prática social e não excludente.
Nóvoa (2007) afirma que o professor precisa abandonar o ensino tradicional e dar mais importância à capacidade de refletir e analisar as suas práticas, para aprender a fazer de outro modo. Assim, é importante fazer investigações para delimitar o antes, o durante e o depois de cada aula. Para Carrabetta Júnior (2010), pensar a prática é analisar e refletir sobre o que se pode construir em sala de aula, e esse pensar precisa estar distanciado da ação, para que se possa visualizá-la, analisá-la e entendê-la.
Podemos observar nessas análises que é muito relativo basear-se apenas nas reações dos alunos, porque esse critério está mais relacionado com o senso comum do que com critérios pedagógicos. O professor deve utilizar mais estratégias para que suas aulas sejam avaliadas a partir de critérios, como a problematização, a intencionalidade nas soluções, a experimentação, entre outros.
Ao restringir a análise da aula apenas às reações dos alunos, o professor assume o risco de transitar em espaços conhecidos, em não ousar, repetindo o mesmo enredo, limitando-se às reações pragmáticas de observadores em formação. Não que estas não devam ser ouvidas, porém não podem representar os componentes principais na reflexão da prática, já que não possuem autonomia intelectual e pedagógica. Tardif e Lessard (2020) descrevem que os instrumentos de reflexão não existem prontos, requerem um trabalho, uma preparação, uma responsabilização. Essa atitude dos professores recai nas gaiolas de D’Ambrósio (2011), em que pássaros voam apenas em espaços delimitados por grades.
P13 em sua resposta fez menção de analisar a sua aula por meio de uma análise pessoal e pelas respostas dos alunos. Esse contexto é importante, pois, segundo Hartman (2010), para identificar problemas na prática pedagógica, é preciso refletir sobre as ações, por ser um processo introspectivo que analisa e avalia de maneira crítica. Esse resultado mostra que a equipe gestora dessa escola deve promover discussões para compartilhar as experiências entre os professores, com o objetivo de auxiliá-los a entender o processo de reflexão. Essa discussão pode acontecer nas reuniões de ATPC (Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo) com a equipe gestora e os professores.
As reuniões da ATPC fazem parte da formação continuada no âmbito escolar, que, de acordo com Veiga (2002), deve fazer parte do projeto político pedagógico. Para essa autora, compete à escola:
a) proceder ao levantamento das necessidades de formação continuada de seus profissionais; b) elaborar seu programa de formação, contando com a participação e o apoio dos órgãos centrais no sentido de fortalecer seu papel na concepção, na execução e na avaliação do referido programa (p. 20).
A gestão escolar, ao construir, juntamente com seus professores, o projeto político pedagógico, deve realizar, além do levantamento das necessidades formativas, um estudo aprofundado da prática reflexiva. Dessa forma, será possível entender os processos de ação-reflexão-ação na prática pedagógica. Essa formação auxiliará o professor a considerar vários aspectos da sua aula, que o levarão a avaliar se sua aula foi bem-sucedida ou não.
Os professores, quando se guiam automaticamente pelas observações das reações dos alunos, podem mudar a ordem das atividades, levando a suprimir parte delas pelo excesso de dificuldades, pelo desinteresse ou mesmo pela facilidade, o que mostra a importância que os docentes dão à percepção do aluno. Essa atitude dos professores leva ao que disse Freire (2018) quanto ao trabalho desenvolvido na sala de aula. Para esse autor, o trabalho desenvolvido em sala de aula “não resulta exclusivamente de como atuo, mas também de como o aluno entende como atuo” (Freire, 2018, p. 97). O professor não deve tomar todo o seu tempo nessas considerações, porém, deve ficar atento à leitura que os alunos fazem da atuação do professor.
Todo esse contexto remete ao que Ghedin (2012) apontou sobre a tendência de muitos professores se limitarem à reflexão na aula. Para esse autor, é preciso que o professor vá além dos limites que estão em seu trabalho para superar a visão técnica, por meio da qual só se busca cumprir as metas fixadas pelas instituições, ao se analisar o sentido político, cultural e econômico.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados observados evidenciaram que a maioria dos professores que participaram dessa pesquisa ainda não têm a reflexão como hábito em sua prática pedagógica, uma vez que o sucesso ou não de sua aula está condicionado à expressão de seus alunos. Tal reação, embora importante, não deve ser o único parâmetro utilizado pelo professor e remete apenas a uma reflexão no calor da ação (reflexão na ação).
O professor deve ter mecanismos que sejam pautados na ação-reflexão-ação, em que tenha uma criticidade no trabalho que está sendo desenvolvido em sala de aula. Não se pode ser crítico reflexivo somente observando as reações dos alunos; é preciso ir além, pois eles ainda estão em formação, principalmente buscando uma autonomia intelectual e pedagógica, sem a qual não é possível torná-los responsáveis por indicar o sucesso ou o insucesso de um trabalho.
É preciso possibilitar uma insubordinação criativa, apregoada por D’Ambrósio e Lopes (2015), para não cair no erro do mecanicismo. Se não houver criticidade para investir em projetos inovadores, o professor não conseguirá mudar o seu entorno nem o desenvolvimento integral do aluno.
Dessa forma, a formação continuada que acontece nas ATPC e referendada pelo projeto político pedagógico da escola deve ser intensificada com ênfase nas práticas reflexivas, pois, com as transformações nos últimos anos decorrentes da globalização e com o advento de uma sociedade cada vez mais multimídia, é preciso estar permanentemente apostando em novas maneiras de se trabalhar.
Concordamos com Pimenta (2012) e Libâneo (2012) sobre a importância da formação de professores críticos reflexivos para que eles saibam, acima de tudo, pensar, e não apenas reproduzir o que lhes é determinado. Entretanto, para um processo pautado na reflexão, é preciso que os professores em seu cotidiano tenham tempo, espaço, condições de trabalho e uma remuneração adequada para que possam investir em sua própria formação. Assim, poderão buscar a prática reflexiva que permitirá entender melhor a sua profissão.