1. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, as instituições de ensino têm enfrentado o enorme desafio da incorporação das tecnologias digitais nas suas práticas. A era digital, marcada pelos avanços e inovações tecnológicas, originou mudanças significativas na sociedade trazendo, também, novas configurações à educação (Domingo & Marqués, 2011). Se, por um lado, as crianças/alunos são utilizadores ativos, diários e autónomos de telemóveis e outras tecnologias digitais, por outro, os docentes, nascidos noutras gerações, necessitam de estímulo à sua integração nas práticas profissionais e pedagógicas (Devi & Saravanakumar, 2018). Da parte das instituições de Ensino Básico e Secundário há, em vários países, incluindo Portugal, as que defendem a sua integração e outras que criam barreiras ou proíbem os telemóveis no recinto escolar (Carrega, 2011; Kirkland & Sutch, 2009). Nesta dicotomia, surge o Plano de Capacitação Digital de Docentes (PCDD), que vai ao encontro das diretrizes do Quadro Europeu de Competência Digital para Educadores (DigCompEdu) (Lucas & Moreira, 2018), cuja finalidade é o desenvolvimento da literacia e das competências digitais dos docentes, que se espera venha a traduzir numa melhor promoção da capacitação e das competências dos seus alunos. As tecnologias móveis, em particular os telemóveis, permitem o acesso ao conhecimento em qualquer momento e em qualquer lugar, possibilitando um ensino mais individualizado e uma educação mais dinâmica. Os dados do estudo Barómetro de Telecomunicações da Marktest, de 2018, indicavam que 97% dos portugueses possuíam telemóveis e, destes, 75% utilizavam-no para aceder à Internet. Na população mais jovem, mais especificamente entre os 10 e os 17 anos, 94% são detentores destes equipamentos (Grupo Marktest, 2022). Com o contexto pandémico vivido nos últimos dois anos, estudos como o da Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), de 2020, vêm realçar um aumento significativo no tráfego de voz móvel e na utilização de dados móveis, portanto, um aumento enorme da utilização destes equipamentos móveis. Cada vez mais, as tecnologias digitais alteram a forma como pensamos e nos comportamos, em particular, as crianças e jovens que vivem num mundo onde as tecnologias digitais são ubíquas, por isso, é necessário que a escola evolua e desenvolva novos formatos e métodos pedagógicos para o ensino (Lucas & Moreira, 2018). Esta evidência coloca os docentes no centro da mudança.
Este estudo tem como objetivos: (1) Identificar as funcionalidades dos telemóveis utilizadas pelos docentes portugueses; e (2) Conhecer as perceções dos docentes quanto à integração dos telemóveis em contexto de ambiente educativo formal (sala de aula/sala de atividades). A integração dos telemóveis nos processos de ensino e de aprendizagem e as funcionalidades que os professores mais utilizam nos seus equipamentos são indicadores que parecem estar correlacionados positivamente (Cardoso et al., 2007).
Assumindo o papel fundamental da escola na promoção do acesso às tecnologias e ao desenvolvimento das competências digitais dos seus alunos, assiste-se a um abrir de portas aos benefícios e aos desafios desta era digital, conscientes dos riscos e das oportunidades que pode trazer para todos os intervenientes no processo educativo.
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
A convergência tecnológica e a crescente miniaturização dos equipamentos têm conduzido ao desenvolvimento de novas formas de utilização dos dispositivos digitais, tirando partido da sua portabilidade, sobretudo no acesso móvel à informação pela Internet. Os jovens, em particular a geração Z, estão no centro desta verdadeira revolução digital que trouxe, de modo irreversível, um novo paradigma de socialização, baseado no virtual e nas redes sociais. Calcula-se que em 2023, a Europa Ocidental tenha cerca de 370 milhões de utilizadores da Internet (87% da população) e, destes, 365 milhões irão utilizar dispositivos móveis (Cisco, 2020). A União Internacional de Telecomunicações (UIT) da Organização das Nações Unidas (ONU) referiu também que, em 2019, a situação pandémica provocada pela Covid-19 provocou um crescimento atípico de 10% do número de utilizadores da Internet em todo o mundo, o maior dos últimos 10 anos. É, por isso, expectável que os atributos de usabilidade, versatilidade, adaptabilidade e difusão, que caracterizam os dispositivos móveis, levem a que estes se utilizem, também, em ambientes educativos, no contexto da modalidade de aprendizagem m-learning. O m-learning apresenta-se como uma abordagem aos processos de ensino e de aprendizagem que possibilita a aquisição de todo o conhecimento, a qualquer hora e em qualquer lugar (Kang, 2021; Carvalho & Ferreira, 2015; Thomas et al., 2014). Os dispositivos portáteis - computadores portáteis, PDAs tablets, telemóveis - possuem o potencial de fornecer as informações certas para as pessoas certas, ou seja, permitem o acesso ao conhecimento a favor da educação (Devi & Saravanakumar, 2018; Behera, 2013).
A adoção de tecnologia móvel para promover aprendizagem ubíqua (Domingo & Marqués, 2011; Hung & Zhang, 2012) faz com que muitos entendam esta nova modalidade como uma evolução natural do e-learning (Georgiev et al., 2004), ou o cruzamento entre a computação móvel e o e-learning (Chee et al., 2017), dando sempre ênfase à mobilidade e à aprendizagem personalizada orientada para o trabalho colaborativo (Vázquez-Cano, 2014). O m-learning tem sido mais relacionado com as abordagens socioconstrutivistas e conetivistas, que derivam do trabalho de Vygotsky (1998), e implica um trabalho centrado em práticas colaborativas e não no paradigma de transmissão de informação. Os estudos relacionados com a sua utilização têm incidido mais sobre a motivação, perceções e atitudes dos alunos, do que sobre as representações e atitudes dos professores (Chee et al., 2017). Em Portugal, poucos estudos têm sido feitos com foco no uso de dispositivos móveis ou estratégias de m-learning em contextos educativos formais (Pedro et al., 2015).
2.1 TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA
Na gama de dispositivos relacionados com o m-learning, o telemóvel é, sem dúvida, aquele que vem causando maior impacto, quer pela sua portabilidade, quer pelo elevado grau de funcionalidade que lhe conferem milhares de aplicações disponíveis, que os transformam no que vulgarmente designamos por smartphones (Thomas et al., 2014). Estes telemóveis multifuncionais acrescentam às capacidades de comunicação básicas sem fios, as capacidades de computação e processamento de aplicações através de ecrãs tácteis (Lee et al., 2012).
Os telemóveis são considerados o canivete suíço da era digital e, se por um lado, as suas funcionalidades são inquestionáveis, por outro lado, não falta quem lhes aponte atributos tão negativos como causador de adição, de défices de atenção, de hipertensão, de obesidade, de ansiedade, de depressão, de perturbações da personalidade, de agressão, de insatisfação com a vida e de solidão (Spitzer, 2015). A sua utilização em contextos educativos está, pois, longe de ser consensual, havendo escolas que simplesmente o proíbem, outras que o toleram e mesmo outras que o adotam no âmbito de projetos pedagógicos, muitas vezes no quadro da autonomia pedagógica que gradualmente tem vindo a ser implementada, nomeadamente, no sistema educativo português (Carrega, 2011).
O telemóvel é, muitas vezes, apontado como um elemento distrator na sala de aula (Thomas et al., 2014), havendo estudos que indicam existir uma correlação negativa entre a sua utilização (dispositivos eletrónicos em geral) e o desempenho académico (Andreassen, 2015; Lepp et al., 2014; Siebert, 2019). Uma das principais razões parece ser a de se constituir como um facilitador do multiprocessamento, o media multitasking, referido por Wallis (2010) e, consequentemente, como gerador de impactos negativos no processo de aprendizagem: o always elsewhere. Outros estudos realçam, também, o caráter negativo da utilização dos media sociais no desempenho académico (Wood et al., 2012), referindo que os alunos não são capazes de transferir as suas competências para a sala de aula, se bem que, muitas vezes, o utilizem para aceder a materiais ou a cursos (Cuckle et al., 2000).
Saber se o recurso aos smartphones melhora a aprendizagem, ou se representa uma interferência no ensino em sala de aula está dependente de muitos fatores. Porém, é um facto que os alunos parecem disponíveis para usar os seus smartphones para aceder a material didático por conveniência, pela portabilidade, para obter experiências abrangentes de aprendizagem, para aceder a múltiplas fontes e até para interagir com os professores fora das aulas e gerir as suas tarefas colaborativas. Relativamente aos docentes, parece evidente que as ferramentas digitais, em geral, e os smartphones, em particular, alteram o papel do professor e da escola e impõem novas exigências ao design instrucional nestes contextos (Asplund et al., 2018; Fathurrohman et al., 2021; Holmberg, 2014). Um outro fator relevante parece ser a insuficiente preparação dos professores (Sung et al., 2016), no que diz respeito à adoção de metodologias de ensino diferentes, mais centradas no aluno (Firmansyah et al., 2020) e no desenvolvimento de práticas colaborativas, em linha, aliás, com as características dos dispositivos móveis. Thomas et al. (2014) remete mesmo para a existência de dificuldades, por parte dos professores, em vislumbrarem a utilidade destes equipamentos em contexto de sala de aula e, talvez por isso, não os integrem nas suas práticas. Nesta matéria, e ao contrário de outros países, Portugal não adotou uma política restritiva e generalizada às escolas, da utilização dos telemóveis nestes contextos, mas “as regras que ditam as restrições estão, de modo geral, plasmadas nos regulamentos internos dos agrupamentos de escola” (Lobo, 2019, p. 6). Lima (2019) realça que “a escola não deve assumir um lugar na retaguarda da evolução da sociedade, ou seja, o que a sociedade permite (em exagero), a escola proíbe”. À margem destes dilemas, é inegável o potencial educativo da tecnologia e do acesso à Internet em contexto escolar, tornando mais frequente o aparecimento de boas práticas de utilização do telemóvel como recurso didático-pedagógico com sucesso para a aprendizagem. Tais estudos sugerem que a utilização das diversas funcionalidades e potencialidades dos telemóveis promove o desenvolvimento de competências próprias do século XXI (Cuban, 2001; O’Bannon & Thomas, 2015). Entre elas, a diferenciação na instrução e o desafio às práticas convencionais de ensino, respeitando o aluno como um mobile learner (Kukulska-Hulme, 2007), o trabalho colaborativo centrado no aluno, em formatos adequados aos dispositivos móveis (Corbeil & Valdes-Corbeil, 2007), a capacidade de envolver os alunos em ambientes de aprendizagem autênticos a partir de qualquer lugar (Traxler, 2009), ou até, a própria criação de conteúdos (Hartnell-Young & Vetere, 2008).
Em Portugal, alguns estudos apontam para uma predisposição dos alunos para a utilização do telemóvel como ferramenta mediadora da aprendizagem (Moura, 2010), beneficiando o seu empenho e motivação (Maia-Lima et al., 2016), mas também, para uma verdadeira necessidade de formação dos docentes na área das tecnologias digitais (Santos, 2018). Assim, para aferir o nível de proficiência dos docentes e integrá-los em formação especializada e adequada ao desenvolvimento das suas competências digitais, o Ministério da Educação concebeu o Plano para a Capacitação Digital de Educadores que previa, na sua fase inicial, a aplicação de um questionário de diagnóstico e autorreflexão Check-In. A este questionário responderam 99381 docentes, cuja Proficiência Global na sua maioria (88%), se localizou nos níveis A2, B1 e B2, estando, o maior número (41%), no nível de integrador (Tabela 1).
Nível de proficiência | Frequência | Percentagem | Percentagem acumulada |
A1 - Recém-chegado | 3479 | 3 | 3 |
A2 - Explorador | 22596 | 23 | 26 |
B1 - Integrador | 41038 | 41 | 67 |
B2 - Especialista | 23570 | 24 | 91 |
C1 - Líder | 7531 | 8 | 99 |
C2 - Pioneiro | 1167 | 1 | 100 |
Total | 99381 | 100 |
Fonte: Ministério da Educação
Com todo este processo, e com as exigências da própria sociedade do conhecimento, dos próprios colegas e dos alunos, estão os docentes desafiados a criar um ambiente de ensino atraente e motivador e, ao mesmo tempo, contrariar a natural tendência dos alunos para se distraírem. Por isto mesmo, a integração dos telemóveis num ambiente de aprendizagem, em contexto de sala de aula, é uma tarefa importante, mas, ao mesmo tempo, criativa e desafiadora.
3. PROPÓSITO DO ESTUDO
As enormes potencialidades dos telemóveis como recurso de acesso ao conhecimento em contexto de aprendizagem parece não ser uma ideia unânime entre os educadores e professores. A utilização destes recursos tecnológicos exige também que estes profissionais, enquanto mediadores da aprendizagem, possuam destreza suficiente para que os possam incluir nas suas práticas pedagógicas. Portanto, para este estudo, foram traçados dois objetivos: (1) Identificar as funcionalidades dos telemóveis utilizadas pelos docentes portugueses; e (2) Conhecer as perceções dos docentes quanto à integração dos telemóveis em contexto de sala de aula.
4. MÉTODO
4.1 DESENHO DA INVESTIGAÇÃO
O desenho da investigação tinha como objetivo identificar as funções de utilização, pelos docentes, dos seus telemóveis, assim como conhecer as suas perceções sobre a integração destes equipamentos nos processos de ensino e de aprendizagem, em contexto de sala de aula. Neste sentido, dada a vasta informação a recolher, a intenção de recolher um número elevado de respostas para que a investigação se pudesse traduzir num contributo importante para a comunidade científica, a necessidade de alcançar altas taxas de resposta confiáveis num curto espaço de tempo, conforme recomendações de vários investigadores (e.g., Brewer, 2009; Creswell & Creswell, 2017; Hiebl & Richter, 2018), adotamos uma metodologia de investigação do tipo survey.
4.2 PARTICIPANTES
Os participantes neste estudo são educadores de infância e professores dos Ensino Básico, Secundário e de Cursos Profissionais, num total de 443 docentes em exercício pleno das suas funções, em escolas situadas na zona norte de Portugal. Estes docentes, em formação contínua à data da recolha dos dados, compunham uma amostra por conveniência, constituída por 19 educadores de infância (4%), 134 professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico (CEB) (30%), 81 professores do 2.º CEB (19%), 92 professores do 3.º CEB (21%), 98 professores do Ensino Secundário (22%) e 19 professores a lecionar, maioritariamente, em cursos profissionais (4%). A formação inicial de 438 docentes centrava-se, em 151 dos casos, no currículo generalista (Educação de Infância, 1.º CEB e Educação Especial) (34%), 139 em Línguas e Ciências Sociais e Humanas (32%), 102 nas Ciências Exatas e Económicas (23%) e 46 nas Expressões (11%). As características do grupo de participantes neste estudo apresentam paralelismo com as registadas em Portugal para o universo de docentes. A Pordata, uma plataforma do Ministério da Educação (ME) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), sob a responsabilidade da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, apresenta dados reais do país do ano de 2020, no qual a classe docente em Portugal é constituída, tal como no deste estudo, por 78% de mulheres (N=345). Ainda, de acordo com a mesma plataforma, 87% são docentes do Ensino Público sendo que, neste estudo, nestas instituições lecionam 81% dos participantes. É importante realçar que 266 docentes tinham mais de 20 anos de tempo de serviço (62%) e 201 tinham 50 ou mais anos de idade (48%). A média das idades dos participantes era de 49 anos, com desvio padrão de 8 anos, verificando-se também paralelismo, conforme a Figura 1, com a média das idades dos docentes portugueses, de acordo com o relatório sobre o perfil docente 2019/2020 da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência.
4.3 INSTRUMENTO DE RECOLHA DE DADOS
O inquérito por questionário aplicado aos participantes foi uma adaptação à realidade portuguesa de um questionário desenvolvido e aplicado por dois investigadores americanos, Blanche W. O’Bannon e Kevin Thomas (2015), cuja utilização para este estudo foi previamente autorizada pelos autores. O questionário utilizado foi, mesmo assim, submetido a um crivo científico por quatro peritos na área das Tecnologias Educativas que, de forma individual, sugeriram alterações incluídas na versão final do documento. Foi, posteriormente, testado com 10 docentes, para identificar possíveis interpretações erróneas ou problemáticas associadas a uma futura análise de dados. O questionário, constituído por 14 questões, permitiu recolher informações sobre o nível sociodemográfico dos docentes (questões abertas), o tipo de telemóvel que possuíam e qual a sua utilização nas situações pessoais e profissionais, assim como, sobre as suas perceções quanto à utilização deste recurso nos processos de ensino e de aprendizagem. Nestas duas últimas tipologias, as questões são de caráter aberto, ou recolhendo os níveis de intensidade da opinião, seguindo para tal, a escala de Likert de 5-pontos (DT-Discordo Totalmente, D-Discordo, N-Neutro, C-Concordo, CT-Concordo Totalmente).
4.4 MÉTODO DE RECOLHA E ANÁLISE DOS DADOS
Foram convidados a participar neste estudo os formandos de um conjunto de ações de formação contínua, desenvolvidas de modo presencial em diversos Agrupamentos de Escolas ou Centros de Formação, durante o ano civil de 2019 e até março de 2020. O convite à participação foi acompanhado de um esclarecimento sobre os objetivos do estudo, o anonimato, a confidencialidade dos dados recolhidos e do referido questionário em papel. Os docentes que aceitaram participar devolveram o questionário preenchido no final da ação de formação que frequentavam. Na análise das respostas, considerou-se resposta válida quando a informação estava disponível de forma inequívoca, ou seja, excluíram-se respostas em branco, rasuradas e respostas múltiplas nas questões de seleção única. Os dados recolhidos foram analisados e tratados estatisticamente, utilizando o programa informático IBM® SPSS® Statistics for Windows, versão 25.0 (IBM Corp., Armonk, N.Y., USA). Numa primeira fase, com vista a descrever e a caracterizar a amostra, foi feita uma análise descritiva dos dados, em função da natureza das variáveis em estudo. De acordo com a natureza das variáveis em análise (qualitativas ou quantitativas), calcularam-se as seguintes medidas: frequências absolutas (número de casos válidos - n.º); frequências relativas (percentagem de casos válidos - %); estatísticas descritivas de tendência central - média (M), mediana (Md) e moda (Mo); de dispersão - desvio padrão (DP); e ainda, os valores extremos (mínimo e máximo). Nas questões de resposta múltipla, as percentagens de resposta apresentadas (% de casos), são relativas ao total de casos válidos. A exploração numérica dos dados foi acompanhada, sempre que considerado pertinente, de representações gráficas.
5. RESULTADOS
A interpretação dos resultados, aqui apresentados, carece de um conhecimento da perceção dos docentes em relação à sua proficiência em tecnologia móvel, de um modo geral, que poderá ter um impacto na exploração das potencialidades dos equipamentos móveis. Assim, remetendo para a última questão do questionário, considerando 440 respostas válidas, numa escala de 5 pontos (1-aprendiz, 5-especialista), a maioria dos docentes situou-se no nível 3 (215 ou 49%) no domínio da tecnologia, havendo 6 que se consideraram aprendizes (1%), 27 que se posicionaram no nível 2 (6%), 170 no nível 4 (39%) e 22 como especialistas (5%), valores com M ± DP de 3.4±0.7. Para além desta questão da proficiência em tecnologia, o equipamento que os docentes possuem pode ser, também, um inibidor ou facilitador da utilização de programas, apps, participação em redes sociais, executar uma determinada ação, enfim, de um conjunto de tarefas que podem ter significado em contextos de aprendizagem. Assim, regista-se que três docentes não possuem telemóvel (1%) e 72 possuem um telemóvel que não é um smartphone (16%) tendo acesso, deste modo, apenas a funcionalidades mais elementares de um telefone. A maioria dos docentes (369) possui um smartphone representando, assim, 83% da amostra recolhida. Houve participantes que desconheciam se o seu equipamento era um smartphone.
5.1 FUNCIONALIDADES DO TELEMÓVEL UTILIZADAS PELOS DOCENTES
Uma das questões colocadas aos docentes solicitava a seleção das ações que utilizavam no telemóvel para além de receber e efetuar chamadas. As respostas consideradas válidas (438 docentes), visíveis na Tabela 2, revelaram as seguintes funções mais utilizadas: enviar e receber mensagens de texto (96%), ver as horas ou utilizar o despertador (89%), tirar fotografias (89%), utilizar o calendário ou a calculadora (86%), enviar ou receber emails (78%), fazer pesquisas na Internet (74%) e gravar ou ver vídeos ou sons (71%). Com uma percentagem abaixo dos 20% dos utilizadores estão a reprodução de podcasts (9%) e enviar ou receber tweets (5%). Nas outras ações, apenas um professor referiu a utilização do bloco de notas, o preenchimento de sumários, ver televisão, fazer exercícios e editar documentos.
Funções | n.º | % |
enviar/receber mensagens de texto | 419 | 96 |
ver as horas, utilizar o despertador/cronómetro | 392 | 89 |
tirar ou ver fotografias | 389 | 89 |
utilizar o calendário ou calculadora | 376 | 86 |
enviar/receber e-mails | 341 | 78 |
fazer pesquisas na Internet | 325 | 74 |
gravar ou ver vídeos, gravar ou ouvir sons | 311 | 71 |
utilizar as redes sociais (Facebook, Whatsapp, Twitter, Instagram, …) | 276 | 63 |
ouvir música | 218 | 50 |
colocar fotos, vídeos, sons on-line | 200 | 46 |
fazer download de aplicativos/apps | 192 | 44 |
utilizar aplicativos educacionais | 125 | 29 |
jogar | 115 | 26 |
reproduzir podcasts | 40 | 9 |
enviar/receber Tweets | 23 | 5 |
Outro | 23 | 5 |
5.2 A UTILIZAÇÃO DO TELEMÓVEL NA MELHORIA DA APRENDIZAGEM
No que concerne à utilização do telemóvel como recurso de apoio nos processos de ensino e de aprendizagem, foi pedido aos docentes que se manifestassem, numa escala de 5 pontos, na qual o 1 significava Discordo Totalmente (DT) e o 5 Concordo Totalmente (CT), a sua opinião relativamente a três itens (ver Tabela 3), em específico: (1) O telemóvel pode ajudar no processo de aprendizagem do aluno em contexto de sala de aula; (2) Concordo com a utilização do telemóvel, em contexto de sala de aula, para fins educativos; (3) Eu utilizaria um telemóvel, em contexto de sala de aula, para apoiar os alunos na sua aprendizagem. Os resultados revelaram que 65% concordam ou concordam totalmente que o telemóvel tem potencialidades para apoiar o processo de aprendizagem, respetivamente, 49% (C) e 16% (CT). No entanto, 18% discorda ou discorda totalmente destas potencialidades e 17% ainda estão indecisos. A média destas respostas situou-se nos 3.6 pontos com DP de 1.1. Curiosamente, quando questionados sobre a utilização do telemóvel em contexto de sala de aula para fins educativos, há 64% de docentes que concordam total ou parcialmente com a afirmação, mas a distribuição entre o concordo (C) e o concordo totalmente (CT) é distinta, havendo um maior número de docentes a concordarem totalmente (19%) com esta utilização. A percentagem aumenta, também, naqueles que discordam (13%) ou discordam totalmente (10%) com a utilização deste recurso em contexto de sala de aula e 13% têm uma opinião neutra nesta matéria. Neste item, apesar dos valores serem muito próximos, a média desceu ligeiramente (3.5), quando comparado com o item anterior, mas o desvio padrão é maior (1.2), revelando, portanto, uma maior dispersão de opinião nesta matéria. Colocando, agora, o ónus na pessoa do professor, “eu utilizaria o telemóvel na sala de aula para fins educativos”, registam-se alterações, comparando os itens 1 e 3, com o aumento de docentes nos dois extremos da escala, ou seja, nos que discordam totalmente com a afirmação (7%) e nos que concordam totalmente (19%).
Item | Total | DT | D | N | C | CT | |||||||||
n.º | M | Md | DP | n.º | % | n.º | % | n.º | % | n.º | % | n.º | % | ||
1 | 441 | 3.6 | 4 | 1.1 | 25 | 6 | 55 | 12 | 75 | 17 | 218 | 49 | 68 | 16 | |
2 | 438 | 3.5 | 4 | 1.2 | 43 | 10 | 55 | 13 | 56 | 13 | 199 | 45 | 85 | 19 | |
3 | 436 | 3.6 | 4 | 1.1 | 31 | 7 | 49 | 12 | 74 | 17 | 198 | 45 | 84 | 19 |
Nota. DT= Discordo Totalmente; D= Discordo; N= Nem discordo/Nem concordo; C= Concordo; CT= Concordo Totalmente
Os inquiridos foram questionados, também, sobre se existem momentos em sala de aula nos quais permitem a utilização do telemóvel por parte dos alunos. Houve 60% dos docentes que referiu não dar estas permissões. Aos docentes que permitem estas utilizações, foi-lhes pedido alguns exemplos que, após análise, foram divididos em duas categorias: (a) para aceder à Internet e (b) para a utilização de apps. Alguns dos exemplos apresentados pelos docentes foram justificados pelo facto de haver falta de recursos na escola, como uma rede wireless inexistente ou com várias fragilidades, ou ainda, pelo facto de ser um recurso sempre disponível. Da categoria (a) foram identificadas as pesquisas na Internet, seguir coreografias/exercícios, trabalhos de grupo, aceder ao moodle, utilização de sensores, ouvir música, utilização de programas (kahoot, socrative, padlet, mentimeter, clippers, UBBU) ou para aceder a dicionários. Na categoria (b) foi referida a utilização da calculadora, dos cronómetros, do relógio e do calendário.
5.3 POLÍTICAS EXISTENTES NAS ESCOLAS
Perante uma enorme diversidade de políticas existentes nas escolas do país, no que concerne à utilização dos telemóveis, os docentes foram colocados perante cinco cenários, dos quais teriam de escolher aquele que mais se adequava à instituição de ensino onde lecionava. Estas opções foram recolhidas por contacto direto com as equipas diretivas de algumas escolas da região norte de Portugal. Os resultados obtidos permitem afirmar que as políticas das escolas, nesta matéria, podem não ter uma regra definida de modo formal. No entanto, há entendimentos por parte dos docentes que lhes permitem afirmar que os telemóveis não são, de todo, permitidos (37%); que é permitida a sua utilização, mas apenas no exterior da sala de aula (31%); que os alunos podem ter os seus telemóveis, mas desligados (17%); que os telemóveis podem ser utilizados, mas apenas para fins educativos (10%); ou ainda, que os telemóveis podem ser utilizados antes da primeira aula e depois da última aula do dia (5%). Os 19 Educadores de Infância responderam, na sua totalidade, que os telemóveis não são permitidos nos estabelecimentos. Em outras opções de políticas existentes, houve a menção a três diferentes das mencionadas no questionário: (1) a “utilização apenas em momentos específicos” selecionada por quatro professores, (2) “os telemóveis estão na mesa do professor, desligados e só são devolvidos aos alunos na hora do almoço para sua eventual utilização”, escolhida por dois professores e (3) “até ao 9.º ano de escolaridade os telemóveis não são permitidos e, após este nível de escolaridade, só para fins educativos”, referida por cinco professores.
5.4 FUNÇÕES DO TELEMÓVEL ÚTEIS PARA A APRENDIZAGEM
Neste ponto, apresentar-se-ão os recursos disponíveis no telemóvel que os professores consideram úteis nos processos de ensino e de aprendizagem, em contexto de sala de aula. Assim, foi apresentada uma listagem de apps e de outras funcionalidades acessíveis nos telemóveis, para que os participantes neste estudo pudessem tecer uma avaliação, entre 1 (DT) e 5 (CT), sobre a sua utilidade nos processos referidos anteriormente (ver Tabela 4).
Item | Total | DT | D | N | C | CT | |||||||||
n.º | M | Md | DP | n.º | % | n.º | % | n.º | % | n.º | % | n.º | % | ||
Aceder à Internet | 425 | 3.7 | 4 | 1.1 | 33 | 8 | 27 | 6 | 39 | 9 | 252 | 59 | 74 | 18 | |
Usar o calendário ou a calculadora | 412 | 3.4 | 4 | 1.2 | 51 | 12 | 40 | 10 | 56 | 14 | 218 | 53 | 47 | 11 | |
Usar aplicativos educacionais | 419 | 4.0 | 4 | 1.0 | 21 | 5 | 16 | 4 | 40 | 10 | 204 | 48 | 138 | 33 | |
Tirar fotografias | 416 | 2.8 | 3 | 1.4 | 110 | 26 | 81 | 20 | 51 | 12 | 140 | 34 | 34 | 8 | |
Gravar vídeos e sons | 407 | 2.8 | 3 | 1.4 | 107 | 26 | 80 | 20 | 50 | 12 | 138 | 34 | 32 | 8 | |
Reproduzir música, podcasts | 388 | 2.8 | 3 | 1.3 | 89 | 23 | 74 | 19 | 75 | 19 | 132 | 34 | 18 | 5 | |
Usar o relógio, alarme, cronómetro | 410 | 3.1 | 3 | 1.3 | 74 | 18 | 54 | 13 | 80 | 20 | 169 | 41 | 33 | 8 | |
Enviar e receber sms | 403 | 1.9 | 2 | 1.1 | 189 | 47 | 127 | 31 | 36 | 9 | 40 | 10 | 11 | 3 | |
Enviar ou receber emails | 407 | 2.4 | 2 | 1.3 | 140 | 34 | 105 | 26 | 45 | 11 | 97 | 24 | 20 | 5 | |
Publicar foto, vídeo ou som (online) | 395 | 2.1 | 2 | 1.2 | 161 | 41 | 113 | 28 | 58 | 15 | 52 | 13 | 11 | 3 | |
Usar as redes sociais | 391 | 1.7 | 1 | 0.9 | 199 | 51 | 123 | 31 | 42 | 11 | 22 | 6 | 5 | 1 |
Nota. DT= Discordo Totalmente; D= Discordo; N= Nem discordo/Nem concordo; C= Concordo; CT= Concordo Totalmente
Conforme é possível analisar na Tabela 4, os dados recolhidos identificaram os aplicativos educacionais como os mais benéficos para os processos supramencionados (M=Md=4, DP=1), seguidos do acesso à Internet (M=3.7, Md=4, DP=1.1) e usar o calendário e a calculadora (M=3.4, Md=4, DP=1.2) sendo, esta última, referida várias vezes como uma alternativa à calculadora tradicional e, por último, a utilização do alarme, relógio e cronómetro (M=3.1, Md=3, DP=1.3). No outro extremo, identificaram-se as potencialidades que, na opinião dos docentes, têm um contributo pequeno ou inexistente nestes processos, como é o caso do acesso às redes sociais (M=1.7, Md=1, DP=0.9), enviar e receber sms (M=1.9, Md=2, DP=1.1), a publicação de fotografias, vídeos ou som (online) (M=2.1, Md=2, DP=1,2) e, ainda, enviar ou receber emails (M=2.4, Md=2, DP=1.3).
Na questão de resposta aberta com a solicitação para que enumerassem outras funções, recursos ou utilizações do telemóvel para a aprendizagem dos alunos, sete professores indicaram a realização de questionários online, o kahoot, por exemplo, ou outras aplicações tais como a app inventor, o mentimeter, simuladores da calculadora gráfica, o dicionário online, a Escola Virtual e a realidade aumentada.
5.5 BENEFÍCIOS DA UTILIZAÇÃO DOS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA
Numa questão de resposta aberta sobre outros benefícios da utilização dos telemóveis na sala de aula, obteve-se um total de 55 opiniões que foram ao encontro da questão efetuada e que foram organizadas em três categorias de análise: (A) os que acreditam que a sua utilização pode ser benéfica para a aprendizagem dos alunos, (B) os que não excluem potenciais benefícios, mas apresentam algum ceticismo ou problemáticas na sua utilização e (C) os que são categoricamente contra a sua utilização. Na categoria A, há 11 docentes que reforçam a sua “utilidade no processo de ensino e de aprendizagem”, nove que acreditam contribuir para a “motivação dos alunos”, três que consideram “haver necessidade de mudar o paradigma educacional” de forma a integrar estes equipamentos. Nesta categoria há ainda 11 docentes que apontam outras particularidades benéficas na utilização desta ferramenta, tais como: o de permitir um “acesso rápido à informação”; a “possibilidade de corrigir a performance física dos alunos”; usar a realidade aumentada; utilizar questionários online; aceder a aplicações para o ensino de Ciências; para a “promoção da autonomia e da responsabilidade dos alunos”; para colmatar falta de material ou os “tempos mortos”; ou ainda o facto de serem “benéficas em turmas problemáticas”. Esta última opinião, relacionada com o aspeto comportamental dos alunos, coloca dois docentes na categoria A, favoráveis à utilização deste recurso para melhoria das aprendizagens de alunos ou turmas com comportamentos difíceis e quatro na categoria C, mencionando que, dado o comportamento dos alunos, “a utilização deste recurso não é viável”. Na categoria B estão três docentes, dos quais dois têm dúvidas quanto aos seus benefícios e outro que aponta a criação de desigualdades, no caso de os alunos não terem todos este equipamento. Na categoria C, para além das quatro respostas já referidas e que destacaram essencialmente o comportamento dos alunos, há sete docentes que são categóricos ao afirmar que são “contra a utilização” deste recurso em contexto de aprendizagem.
5.6 BARREIRAS PARA A APRENDIZAGEM
No que concerne às barreiras para a aprendizagem na utilização deste recurso, estavam presentes no questionário três das hipóteses mais consideradas como barreiras na literatura consultada a par da possibilidade de os docentes referirem, eventualmente, outras que considerassem relevantes. Na Tabela 5, é possível verificar que a preocupação dos docentes se centra, efetivamente, no acesso a conteúdos inapropriados (428), apresentando uma média de 4.3, uma mediana de 4 e desvio padrão de 0.9. Com os mesmos valores nas medidas de tendência central e de dispersão, é apontada a perturbação da aula ou um meio para distração do utilizador (427) e, por fim, o copiar (416), com valor médio e mediano de 4 pontos e desvio padrão de 1 ponto.
Item | Total | DT | D | N | C | CT | ||||||||
n.º | M | Md | DP | n.º | % | n.º | % | n.º | % | n.º | % | n.º | % | |
Copiar | 416 | 4 | 4 | 1 | 13 | 3 | 25 | 6 | 56 | 14 | 181 | 43 | 141 | 34 |
Perturbar a aula, distrair | 427 | 4.3 | 4 | 0.9 | 13 | 3 | 10 | 2 | 21 | 5 | 181 | 42 | 202 | 48 |
Aceder a conteúdos inapropriados | 428 | 4.3 | 4 | 0.9 | 13 | 3 | 15 | 3 | 23 | 5 | 175 | 41 | 202 | 48 |
Outro | 7 | 4.9 | 5 | 0.4 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 14 | 6 | 86 |
Nota. DT= Discordo Totalmente; D= Discordo; N= Nem discordo/Nem concordo; C= Concordo; CT= Concordo Totalmente
Nas opiniões registadas pelos sete docentes que indicaram outras barreiras, destacam-se o cyberbullying, a captação de imagens das aulas dos professores, a dispersão pela quantidade de informação disponível online, o enviar e receber sms particulares, problemas técnicos com os aparelhos e o facto de, na opinião de um dos professores, a sua utilização estar “fora da esfera da educação”.
6. DISCUSSÃO
A tecnologia móvel que diariamente nos acompanha possui várias e diversificadas potencialidades para apoiar os processos de ensino e de aprendizagem. No entanto, a sua utilização em contextos de ensino formais não reúne consenso, havendo, portanto, escolas que os aceitam, outras que os proíbem, docentes recetivos, outros céticos e outros, ainda, resistentes à sua integração. Sendo o telemóvel um equipamento que acompanha quase a totalidade dos docentes, foi importante perceber que os docentes inquiridos executam no seu telemóvel várias funções, para além de receber e efetuar chamadas e receber e enviar mensagens. Cerca de 78% dos docentes utilizam-no para as comunicações via email e 44% fazem o download de apps. No entanto, quando se trata de utilizar o telemóvel para dar uso a aplicativos educacionais, esse número desce drasticamente para os 29%. Ou seja, percebe-se deste modo e, por outros mais pormenorizadamente apresentados nos resultados do artigo, que as ações executadas nestes dispositivos são destinadas a usos pessoais e não a um aproveitamento das suas potencialidades para o apoio à aprendizagem. Esta ideia vai ao encontro da relatada no estudo de Thomas et al. (2014), que aponta para uma dificuldade dos docentes terem ideias para a integração dos telemóveis a favor do ensino e da aprendizagem.
O estudo da opinião destes 443 docentes, de todos os níveis de ensino, desde a Educação Pré-Escolar até ao Ensino Secundário, permite perceber que estes, na sua maioria, estão recetivos a essa integração, mas apontam várias barreiras, quer a nível formal, através de regulamentos normativos de práticas das escolas, quer a nível mais pessoal que os inibe de uma perceção positiva para a aprendizagem dos alunos. Tal como é mencionado pela investigação sobre este assunto, e que apresentamos na parte da revisão da literatura (Lepp et al., 2014; O’Bannon & Thomas, 2015; Siebert, 2019; Thomas et al., 2014), também os docentes inquiridos receiam que a utilização dos telemóveis, em contexto de sala de aula, proporcione momentos de perturbação e de distração dos alunos (90%), bem como o acesso a conteúdos inapropriados (89%). Copiar, apesar de ser uma preocupação menor para os docentes, é apontada como barreira para 77% dos docentes em estudo. Para além das barreiras indicadas nos estudos consultados, todos os docentes concordaram em afirmar que havia outras barreiras que se enquadravam nas anteriores, como por exemplo, o cyberbullying, a existência de problemas técnicos, ou, na opinião de um professor, por “estar fora da esfera da educação”! Contudo, a maior parte dos docentes não apresentou outras barreiras que justificassem a não contemplação deste recurso como meritório da sua integração.
A utilização dos telemóveis em contexto de sala de aula para fins educativos é, para a maior parte dos docentes, uma ferramenta útil para a aprendizagem dos alunos (65%), concordando com esse recurso em contexto de sala de aula (64%) e que utilizariam para apoiar os seus alunos no processo de aprendizagem (64%). No entanto, e mesmo assim, no presente, 60% dos docentes não permitem a utilização desse recurso mesmo no apoio a este processo. Em síntese, os inquiridos aceitam e reconhecem os benefícios, mas veem mais barreiras a essa utilização que os inibe da sua integração. Obviamente que a integração destes equipamentos é uma dinâmica mais ousada do que a utilização dos computadores existentes nas salas de aula pelo que não é de desprezar que 26% dos docentes inquiridos se situem em níveis de proficiência digital mais elementares, ou seja, nível um ou nível dois numa escala de um a cinco. Percebe-se, também, que as barreiras colocadas pelas políticas de escola são, por vezes, inibidoras destas iniciativas e destas práticas, assim como os contextos sociais das escolas. Nestes casos, no entendimento de 36.7% dos docentes, os telemóveis não são permitidos no recinto escolar independentemente do fim a que se destinam. Há exemplos de escolas que, por norma, recolhem os telemóveis dos alunos no início de cada aula e os devolvem no final da mesma. Também, outra particularidade a registar, é que todos os educadores de infância e alguns docentes do 1.º CEB relataram que as crianças não possuem telemóvel, motivo pelo qual estão excluídas as dinâmicas com este recurso. Contudo, a utilização do telemóvel pode ser efetivamente feita, por parte do professor, na utilização de plataformas tecnológicas de apoio ao conhecimento, tão enriquecedoras para os alunos. Portanto, também aqui neste estudo, bem como no de Thomas et al. (2014), destaca-se uma visão reducionista das aplicações educativas que os smartphones podem trazer ao ensino, pelo facto de se apontarem mais barreiras do que benefícios e da dificuldade de dar exemplos desses benefícios e de aplicações possíveis.
Das funções disponíveis nos telemóveis, os docentes centraram-se, essencialmente, em três delas, que consideram poder ser relevantes no apoio à aprendizagem, como por exemplo, usar aplicativos educacionais ( 𝑥 =4), usar a Internet essencialmente para fazer pesquisas ( 𝑥 =3.7) e usar o calendário ou a calculadora ( 𝑥 =3.4). Assim, cruzando estes valores com os partilhados no início da apresentação dos resultados, constata-se que o enviar e receber email não é, na opinião de 60% dos docentes, útil ao processo de aprendizagem per si. É interessante perceber que estas ações são relatadas em outros estudos, tais como Cuban (2001), onde se dá conta de um conjunto de ações como sendo as mesmas velhas ferramentas, mais limitadas, que os docentes atribuem a possíveis funções úteis para os contextos formais de ensino. Na opinião de vários investigadores, esta situação resulta da falta de preparação dos docentes, do receio de mudar as estratégias mais convencionais, do contacto com novas realidades, dos ambientes educativos existentes nas escolas que inibem ações inovadoras, da existência de docentes que sejam um exemplo para os restantes colegas, do apoio das entidades formais, do incentivo em geral (Carrega, 2011; Kirkland & Sutch, 2009).
Em suma, considerando os prós e os contras apontados pelos participantes no estudo quanto à integração dos telemóveis em contextos formais de aprendizagem, parece consensual que a integração destes dispositivos em sala de aula contribui para a melhoria da qualidade do ensino e das aprendizagens. Resulta ainda consensual que tal integração requer uma mudança de paradigma educacional, mais voltado para as competências desejadas numa escola do século XXI, uma escola digital. Consequentemente, esta mudança de paradigma implica uma alteração do papel do professor, não visto como único detentor do conhecimento, mas antes como um mediador das aprendizagens (Fathurrohman et al., 2021). Cabe aos docentes apoiar os alunos no uso da tecnologia para fins da aprendizagem (Holmberg, 2014), pois os telemóveis são importantes na vida dos alunos e este facto não irá alterar-se num futuro próximo.