1. INTRODUÇÃO
Na passagem do ensino secundário para o Ensino Superior (ES), são vários os desafios e experiências com que o jovem se depara. A entrada no ES confronta o jovem com novos espaços, ambientes, estabelecimento de novas relações e novas responsabilidades. É por isso que o primeiro ano da universidade é tido como um ano crítico para a maioria dos estudantes. É durante este período que o estudante mais sente a mudança em relação à experiência que viveu durante a adolescência. Esta descontinuidade é sentida não só do ponto de vista da experiência académica, mas também ao nível do desenvolvimento pessoal e psicossocial. A literatura sugere que há um conjunto de fatores que devem ser tidos em conta durante a transição e adaptação, nomeadamente o desempenho cognitivo, as competências de autonomia e autorregulação, o envolvimento académico, a participação em atividades extracurriculares, a vinculação à família e o estabelecimento de relações positivas com os pares e professores (Tomás et al., 2014).
1.1 - ‘Adultez’ emergente: desenvolvimento em contexto de transição
Para a maioria dos estudantes, o ingresso no ES obriga, muitas vezes, os estudantes a mudanças estruturais de vida; a saída de casa dos pais, a separação da família e amigos de longa data, o estabelecimento de novas amizades e relações interpessoais e as exigências de maior autonomia. Os efeitos destas mudanças, provocadas pelo ingresso no ES, ao mesmo tempo que as exigências académicas aumentam, podem dificultar a adaptação a este novo contexto e comprometer a continuidade dos estudos (Fernandes e Almeida, 2005; Teixeira et al., 2008; Tomás et al., 2014).
Todavia, a transição, período altamente desafiante, também surge como uma fase capaz de promover e de favorecer o desenvolvimento psicossocial, assim como a capacidade para lidar com situações distintas, o que por sua vez possibilita ao estudante a experimentação de novos papéis e o estabelecimento de novos relacionamentos. Paralelamente, o jovem estudante vive uma fase com características muito próprias e que, dadas as alterações que lhe estão associadas, é descrita na literatura como um novo período desenvolvimental; a ‘adultez’ emergente (Arnett, 2000). É durante o período da ‘adultez’ emergente, que coincide, na maioria das sociedades, com a entrada no ES, que é exigido aos jovens o desenvolvimento de novos padrões de comportamento, e uma resposta cognitiva e afetiva capaz de dar resposta às exigências da vida académica.
O processo de moratória psicológica (Erikson, 1968), associado à adolescência e entrada na vida adulta, caracteriza-se por uma forte procura da identidade e pelo questionamento em áreas tão diversas como a da carreira nas suas múltiplas vertentes pessoais, académicas e da empregabilidade. De igual modo, no plano da consciência de si e da identidade psicossexual, a revelação da orientação sexual e a vivência da intimidade nas relações românticas podem ser experiências de grande intensidade emocional com repercussão nos relacionamentos dentro e fora do ambiente familiar. Neste processo de exploração de diferentes possibilidades afetivas e vocacionais, não é estranho os jovens vivenciarem sentimentos ambivalentes face à escolha que exige autonomia ou à consciência da sua imputabilidade e agência pessoal (Arnett, 2000). Esta procura e exploração da identidade acontece numa etapa da vida em que habitualmente o controlo parental diminui e, simultaneamente, a autonomia do jovem é valorizada. As tomadas de decisão e a clarificação do seu próprio sistema de valores são expressões deste processo de autonomia, que, não sendo encorajado, pode gerar mal-estar psicológico e instabilidade emocional. Assim, alguns comportamentos até então supervisionados pelos adultos, em particular, os horários de estudo, a gestão dos horários das refeições, as amizades e relacionamentos amorosos, passam a ser assuntos do foro pessoal (Arnett, 2000). É ainda durante a ‘adultez’ emergente que o jovem adquire os conhecimentos, as habilidades e a compreensão pessoal que necessita para a vida adulta e, por isso, apesar do sentimento de in-between, o jovem sente que não é um adolescente, porém também não se vê como adulto (Andrade, 2016; Arnett, 2000; Arnett, 2006; Mendonça et al., 2009; Ferreira e Jorge, 2008; Monteiro et al., 2009).
É nesta fase que o jovem adulto tem uma vida social mais ativa, explora novos e diferentes locais e, acima de tudo, vive um crescimento intelectual e a afirmação da sua personalidade (Seco et al., 2007). Todas estas experiências permitem ajudar o jovem adulto na melhoria das competências intelectuais e habilidades cognitivas, desenvolver autonomia, adquirir maior independência emocional, consolidar um sentido de identidade e o estabelecimento de relações mais maduras (Chickering e Reisser, 1993; Seco et al., 2007). Na perspetiva do contextualismo evolutivo de Arnett (2000), todas estas vivências do jovem adulto acarretam consequências que podem condicionar a vida do estudante universitário. Se, ao longo do primeiro ano, as experiências forem vividas de forma positiva e construtiva, então esta fase poderá contribuir para o desenvolvimento psicossocial do indivíduo. No entanto, caso esta fase seja vivida e sentida de modo negativo, poderá potenciar sentimentos de desilusão e de inadaptação. Em qualquer caso, o conjunto de exigências que decorrem do período de adaptação ao contexto universitário torna imperativo promover as habilidades e competências necessárias para lidar de forma bem-sucedida com os desafios desenvolvimentais e académicos.
1.2. Um novo estar em família e novas expressões do apoio familiar
Longe da família e dos amigos, aos estudantes é exigido que se adapte à condição de jovem independente, que redimensione o seu grupo social, faça uma gestão equilibrada e adequada do seu tempo de estudo e de lazer, faça uma correta gestão do dinheiro e, a somar aos anteriores, responda aos inúmeros desafios académicos que surgem (Wintre e Yaffe, 2000; Tomás et al., 2014, Diniz e Almeida, 2006). Mas nem só os estudantes que saem de casa vivem estas alterações de forma acentuada.
Mesmo aqueles que continuam morando com as suas famílias, nas cidades onde estudaram até ao ensino médio, também sofrem com essa transição; os amigos de escola deixam de ser vistos todos os dias e os elos afetivos e sociais com os antigos companheiros podem enfraquecer (Teixeira et al., 2007, p. 212).
No seio da família também ocorrem alterações de atitude e novas conceções relativamente aos jovens adultos. Fundamentalmente, o ingresso no ES é percecionado pela família como uma tarefa de desenvolvimento que obriga o sistema familiar a reorganizar-se e, consequentemente, um momento durante o qual todos os elementos da família terão de enfrentar desafios e mudanças, de modo a facilitar o período de transição e a promoção do bem-estar dos seus elementos (Silva e Ferreira, 2009).
A separação da família que, no momento do ingresso, pode ser física, emocional ou simbólica, acarreta um conjunto de implicações na satisfação com a vida, quer a vida pessoal, quer a vida académica. Alguns autores (Araújo e Almeida, 2015; Teixeira et al., 2007; Diniz e Almeida, 2006; Tomás et al., 2014) referem que uma transição poderá ser mais positiva se houver lugar a uma convivência saudável entre os dois mundos: antes do ingresso no ES e depois do ingresso no ES. Designadamente, os relacionamentos dos estudantes, aquando da entrada na universidade, convertem-se em apoios sociais importantes, na medida em que favorecem a adaptação. Por sua vez, alguns estudos mostram, ainda, uma forte ligação entre o apoio social e o bem-estar dos estudantes (Awang et al., 2014; Cutrona et al., 1994; Pereira, 2016).
Por esse motivo, o apoio social percebido (Tomás et al., 2014), nomeadamente por parte da família, suscitou interesse nos estudos de adaptação. A respeito do apoio social, Tomás e colaboradores (2014) sugerem que o suporte social percebido tem poder preditivo durante a adaptação à universidade, no que ao ajustamento pessoal e relacional diz respeito. Observa-se que os indivíduos que mantêm redes sociais de apoio estão mais protegidos e sentem-se mais seguros em fases de transição (Seco et al., 2007; Holt et al., 2018; Vizzotto et al., 2017).
Saliente-se que o apoio social designa um conceito multidimensional. Porém, comummente as definições de apoio social referem a disponibilidade de ajuda da rede social e o valor que o indivíduo atribui a este recurso (Awang et al., 2014; Hupcey, 1998; Demaray et al., 2009; Malecki e Demaray, 2006; Carvalho et al., 2011). O apoio social percebido surge como fundamental para os indivíduos e é tido como um julgamento subjetivo da qualidade da assistência dada pelos familiares e amigos próximos e focado nas ações das pessoas (Awang et al., 2014; Cutrona et al., 1994; Tomás et al., 2014). Para além disso, o apoio percebido tem sido apontado por alguns autores (Awang et al., 2014, Demaray et al., 2009; Malecki e Demaray, 2006) como tendo mais valor do que o apoio recebido, pois a perceção que esse apoio existe empodera os estudantes a enfrentarem situações mais complexas e stressantes, como é o caso da adaptação à universidade.
Apesar de um número considerável de estudos sobre o apoio social, conhecem-se poucos sobre o apoio da família na dupla transição para a ‘adultez’ e na passagem para a universidade. A literatura sugere que o apoio dos pais, principalmente em situações stressantes, como pode ser considerada a fase de transição à universidade, influencia favoravelmente o desempenho académico dos estudantes, na medida em que estes revelam níveis de autoconfiança mais elevados para lidar com situações novas e desafiantes (Cutrona et al., 1994; Tomás et al., 2014). Também se verifica que o apoio parental pode predizer níveis reduzidos de ansiedade o que, por sua vez, poderá influenciar positivamente o desempenho académico dos estudantes e contribuir para o seu bem-estar (Malecki e Demaray, 2003; Cutrona et al., 1994; Malecki e Demary, 2002; Alves et al., 2020). Adicionalmente, uma ligação positiva à família é importante para o desenvolvimento e ajustamento psicológico dos jovens universitários. Uma relação positiva com a família pode, com efeito, fomentar o desenvolvimento de relações interpessoais positivas dos jovens universitários.
Além do mais, o apoio familiar é tido como um importante correlato da qualidade do relacionamento interpessoal e um fator de proteção para o ajustamento psicossocial do jovem universitário. No desenvolvimento da autonomia e da individuação é reconhecido o valor da ligação afetiva e do apoio familiar (Silva e Ferreira, 2009; Vizzotto et al., 2017; Preto, 2003). Apesar de este processo de individuação levar a que, com a entrada no ES, o jovem regule as suas escolhas pelo seu sistema de valores, isso não é sinónimo de rutura com o sistema de valores da sua família. Nem será invulgar que os jovens universitários encontrem na família o ambiente necessário ao correto desenvolvimento da sua autonomia. Atualmente, as famílias modernas encaram como desejável a mudança da relação vertical para uma relação horizontal entre pais e jovens adultos. Igualmente, as famílias, que oferecem aos jovens uma base sólida de apoio, permitem a exploração de novos ambientes e o desenvolvimento de competências intelectuais e sociais (Ferreira e Ferreira, 2001; Granja e Mota, 2018, Holt et al., 2018, Pinheiro e Ferreira, 2005; Preto, 2003; Tomás et al., 2014). Quando os jovens percebem a disponibilidade parental para apoiar a sua saída para a universidade, essa perceção está associada a comportamentos adaptativos na medida em que o jovem se sente mais seguro para experimentar novas situações e novos ambientes (Preto, 2003; Seco et al., 2007). O funcionamento familiar surge, assim, como protetor e facilitador da adaptação do jovem à universidade. Oriundos de um ambiente familiar capaz de manter vínculos securizantes e níveis e tipos de apoio que respondem às suas necessidades, os jovens poderão viver com maior naturalidade e enfrentar melhor os desafios que surgem com a entrada no ES (Silva e Ferreira, 2009). Em suma, os estudos evidenciam que a família, os laços afetivos e a qualidade do suporte parental favorecem a adaptação ao ensino superior.
A sistematização e a síntese do conhecimento produzido nos estudos dedicados ao apoio da família na adaptação dos jovens universitários ao ensino superior constituem o objetivo principal para a revisão de carácter integrativo, da qual se detalham as etapas no presente estudo. Nesta revisão procura-se assim elucidar melhor a influência do apoio familiar e as implicações deste apoio na adaptação ao contexto universitário. Na sequência desta análise procura-se ainda explorar as variáveis familiares que se assumem facilitadoras e protetoras do processo de adaptação. Pretende-se, por sua vez, contribuir para uma análise crítica da investigação sobre o apoio da família ao jovem universitário e a perceção deste na ‘adultez’ emergente. Neste artigo serão discutidos os fenómenos anteriores centrados na realidade do contexto universitário português.
2. METODOLOGIA
De modo a responder aos objetivos inicialmente propostos, foi levada a cabo uma revisão integrativa da literatura, um método estandardizado, que consiste numa extensão do protocolo PRISMA-ScR (Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews), na qual se adota uma abordagem sistematizada à revisão da literatura existente sobre um tópico de estudo com vista a identificar os principais conceitos, teorias, fontes e conhecimentos a aprofundar (Tricco et al., 2018). No caso particular deste estudo, o recurso à análise da produção científica permitiu identificar os estudos que refletem o apoio da família durante o período de adaptação à vida universitária. Desta pesquisa resultou uma análise compreensiva do material selecionado. Foram privilegiados os artigos publicados desde 2000 até à atualidade.
A pesquisa bibliográfica foi feita com recurso a bases de dados nacionais e internacionais: Google Scholar; Scientific Electronic Library Online (Scielo), Scopus, Dialnet e RCAAP. O levantamento dos artigos decorreu entre março e maio de 2021. Os artigos foram selecionados a partir de temas de referência da pesquisa e a combinação das palavras adaptação and ensino superior, estudantes do primeiro ano and adaptação universidade, apoio and estudantes do primeiro ano, família and estudantes universitários e família and estudantes universitários. A língua privilegiada para a pesquisa foi o português, uma vez que se pretendia que os estudos explorassem a realidade portuguesa. No entanto, dada a escassez de estudos, sentiu-se a necessidade de alargar o âmbito da pesquisa recorrendo-se à língua inglesa. Os artigos selecionados obedeceram aos seguintes critérios a) estar disponíveis em acesso aberto; b) estudos com amostras de estudantes universitários em Portugal; c) incluir estudos sobre a adaptação à universidade, expetativas e vivência académicas; d) contemplar dados sobre a perceção do suporte familiar durante o período de adaptação à universidade; e) incluir estudos sobre diferenças de género. Foram selecionados artigos em português e em inglês. Os critérios de exclusão utilizados foram a) estudos sobre populações estudantis não nacionais; b) estudos sobre diferentes tipos de apoio não relacionados com o apoio familiar e c) estudos noutras línguas para além do português e do inglês.
Numa primeira fase, após a leitura do título e do resumo, foram selecionados 88 artigos, dos quais foram, posteriormente, escolhidos 39. Após a leitura aprofundada e detalhada, foram selecionados 12 artigos, seguindo o critério de inclusão. A Figura 1 representa o fluxograma do processo, de acordo com o modelo PRISMA.
2.1 Resultados
Nesta secção, descrevem-se os aspetos salientados pela investigação sobre o apoio da família à adaptação dos estudantes ao ensino superior. O registo dos dados obtidos, nos estudos selecionados, foi feito numa tabela organizada para o efeito: (a) ano da publicação do artigo e os autores; (b) descrição dos principais objetivos do estudo; (c) indicadores do estudo e (d) principais resultados. Tendo por base a análise dos artigos selecionados, verifica-se que a maioria dos estudos, sobre a transição e adaptação ao ensino superior, não valorizam a questão da retaguarda familiar. Verificou-se que a maioria dos estudos tem por objetivo a avaliação da adaptação à universidade tendo por base variáveis como o bem-estar (Alves et al., 2020; Diniz e Almeida, 2006), as vivências académicas e as expetativas (Fernandes et al., 2013) e o desenvolvimento da autonomia (Preto, 2003) ou a perceção do suporte social (Pinheiro e Ferreira, 2005). Também a variável família foi considerada nestes estudos, porém não com a preponderância expectável.
Ao avaliar a perceção de bem-estar e saúde dos estudantes, Alves et al., (2020) concluíram que os estudantes que continuam a viver na residência familiar, durante o período de adaptação, revelam níveis de bem-estar superiores aos dos restantes alunos. Para além disso, é destacada a importância do apoio familiar durante o período da ‘adultez’ emergente, uma vez que este permitirá ao jovem viver esta fase na sua plenitude, livre de compromissos financeiros. Nesta linha de pensamento, Seco et al., (2007) constataram que os estudantes que permanecem em casa dos pais vivem a fase de transição e ajustamento mais positivamente do que aqueles que saem de casa dos pais. A presença da família e o apoio disponível suavizam alguma instabilidade que se sente com a entrada no ES. Vizotto e Martins (2017) validam esta ideia de que a saída de casa dos pais aquando do ingresso no ES pode gerar mais stress e ansiedade. Por outro lado, os estudantes que permanecem em casa da família têm melhores condições de vida e melhor qualidade de vida, o que por sua vez pode facilitar o processo de adaptação à universidade (Vizotto e Martins, 2017).
Um outro estudo, sobre as variáveis de adaptação à universidade (Diniz e Almeida, 2006), mostra que a perceção do apoio por parte dos estudantes os deixa mais fortes e mais capazes de lidar com situações adversas. Embora este estudo não se centre, exclusivamente, no suporte social da família, verifica-se que a ideia de que há disponibilidade de apoio, quer por parte da família, quer por parte da instituição de ensino superior e professores, deixa os estudantes numa posição mais tranquila. Os estudantes ficam, assim, com mais disponibilidade para lidar com as incertezas da fase de adaptação. Do mesmo modo, Fernandes et al. (2013) analisaram as vivências dos estudantes do primeiro ano. Embora seja destacada a importância do ambiente universitário para um desenvolvimento saudável do estudante, durante o ajustamento ao ES, a família surge como elemento preponderante neste processo. Em particular, assinala-se a adequação do apoio por parte da família, ou seja, o apoio familiar deve ir ao encontro da fase desenvolvimental em que o jovem se encontra. A família deve permitir que o jovem, gradualmente, assuma papéis da vida adulta, ainda que se possa continuar a assistir a uma proteção por parte da família (Fernandes et al., 2013, p. 38). Nesta linha de ideias, este estudo destaca a importância do contacto próximo da família para o bem-estar do estudante e como elemento-chave para lidar com situações menos positivas (Fernandes et al., 2013, p. 47).
De acordo com Ferraz e Pereira (2002), durante o processo de transição, o jovem adulto deve desenvolver competências para lidar com as exigências próprias da situação. Sendo o processo de adaptação ao contexto universitário algo complexo e desafiante, a ausência de competências para enfrentar situações menos positivas pode levar ao desenvolvimento do homesickness (saudades de casa) durante este período. Segundo os mesmos autores, os estudantes que tiveram de deixar a casa da família para estudar desenvolvem mais saudades de casa do que aqueles que permaneceram em casa. De destacar que as raparigas são as que revelam comportamentos mais saudosistas.
De forma semelhante, Ferreira e Ferreira (2001) referem que o desenvolvimento assenta em duas condições: o desafio e o apoio. Segundo estes autores, a capacidade para lidar com os desafios será tanto melhor quanto melhor for o apoio disponível para esse efeito. Apesar desta fase de transição propiciar um certo afastamento da família, segundo os autores, esta continua a ser a base de suporte e confiança mais importante para o jovem. Porém, a família deve ajustar-se à nova condição do jovem adulto e dar espaço para que este consiga desenvolver ferramentas ou estratégias que permitam lidar com esta nova fase.
Outros aspetos observados são os contributos do contexto familiar. Silva e Ferreira (2009), no estudo sobre características familiares, concluíram que determinados traços familiares facilitam os processos adaptativos. O suporte familiar, os laços afetivos, a coesão familiar podem favorecer o desenvolvimento saudável do jovem e permitir processos de adaptação positivos ao longo da vida.
Tomás et al. (2014) analisaram de que modo variáveis psicológicas, como personalidade e suporte social, podem estar relacionados com a adaptação pessoal ao contexto académico. Neste estudo participaram estudantes da Universidade de Coimbra a frequentar o primeiro ano. Destaca-se a rede de apoio e a satisfação sentida com esse apoio como fundamentais na explicação dos níveis de adaptação pessoal e emocional (Tomás et al., 2014, p. 102). O estudo destaca, além disso, uma relação positiva entre estudantes mais autónomos, mais responsáveis e cumpridores como aqueles que sentem maior satisfação com a vida e se adaptam com mais facilidade.
Em síntese, os estudos apontam para a relevância da retaguarda familiar na adaptação dos estudantes ao ensino superior. Do mesmo modo, dada a fase desenvolvimental em que o jovem se encontra, justifica-se uma adequação do ambiente familiar e um alinhamento da relação família - jovem adulto (Tabela 1).
2.2. DISCUSSÃO
A entrada no ensino superior confronta o jovem estudante com mudanças e exigências, tanto na esfera pessoal, como interpessoal e académica. Daí a necessidade de compreender mais e melhor este período de ajustamento. Porém, os estudos continuam a evocar, essencialmente, fatores pessoais, desenvolvimentais e, em menor proporção, fatores contextuais, onde se evidencia a ausência do estudo dos fatores familiares. De facto, a complexidade do processo de adaptação ao ES, as exigências e os desafios com que o jovem se depara implicam uma diversidade de fatores, quer ao nível pessoal, quer de natureza contextual (Silva e Ferreira, 2009). Dentro dos inúmeros fatores contextuais implicados neste processo, este artigo procurou investigar o contributo do contexto familiar durante o período de adaptação ao ensino superior. Invoca-se a pertinência desta variável, dada a importância do contexto familiar ao longo da vida e, em particular, nos períodos vitais associados a transições desenvolvimentais. Além disso, os estudos sobre o apoio social apontam para a necessidade de uma rede de suporte, destacando-se a família como uma das mais importantes no processo de adaptação do jovem universitário ao ES.
Da análise dos estudos, destacam-se aqueles que apontam as diferenças na adaptação à universidade entre os estudantes que permanecem e os que saem de casa dos pais. Em ambas as condições, para além da permanência ou separação, o apoio social da família salda-se em diferentes formas de apoio, desde o encorajamento às decisões do estudante, a disponibilidade para ajudar financeiramente, a disponibilidade para ouvir e partilhar experiências, todas podem facilitar o ajustamento dos jovens. De um modo geral, e para o adulto emergente em particular, o suporte parental, os laços afetivos, o estímulo ao desenvolvimento da autonomia, a união nos primeiros momentos de separação da família são variáveis preditoras da adaptação e de menos períodos de stresse e ansiedade.
A análise dos estudos sobre a família, o apoio familiar e a adaptação ao ensino superior permitem identificar algumas variáveis que se assumem como facilitadoras ao processo de adaptação ao novo contexto de vida. Porém, é imperioso a realização de mais estudos, principalmente aqueles que permitam aprofundar as características do apoio familiar e parental na adaptação ao contexto académico.
Destacam-se ainda algumas limitações desta revisão da literatura. Não obstante se terem identificado estudos sobre o apoio parental ou familiar no processo de adaptação ao ES, é notória a escassez deste tema de estudo no conjunto de bases de dados no domínio das Ciências da Educação. Contudo, esta conclusão é condicionada ao facto de a revisão respeitar à realidade portuguesa. Uma amostra mais alargada de estudos poderia potenciar resultados mais robustos. Apesar das limitações, os resultados obtidos são interessantes, uma vez que apontam para a relevância do contexto familiar no ajustamento ao ensino superior. Constatou-se que os comportamentos de apoio ou a perceção da disponibilidade do apoio por parte dos pais ou da família poderá ter um impacto altamente positivo no processo de adaptação dos jovens universitários ao contexto do ES.
Neste artigo apresentaram-se dados e perspetivas provenientes de estudos sobre a influência da família na adaptação ao contexto universitário. Em relação a aspetos metodológicos houve predominância pela realidade do contexto universitário português, com jovens a frequentar o ES pela primeira vez. Finalmente, é possível identificar um forte interesse pelas questões do apoio, nomeadamente o apoio familiar durante a adaptação à universidade, porém, os estudos publicados não referem as dimensões familiares tão importantes nesta fase, como o aconselhamento, a qualidade das relações, a segurança emocional e a satisfação familiar. Os resultados obtidos mostram ser proveitosos e elucidativos para uma melhor compreensão do alcance da retaguarda familiar durante o período de adaptação.