1. INTRODUÇÃO
No esforço de problematizar a docência em tempos de metamorfose da educação, António Nóvoa (2019) propõe que a formação de professores seja entendida a partir da interação entre três esferas, unidas como os vértices de um triângulo, a saber: as universidades, as escolas e a profissão docente. Nessa última reside a novidade apresentada pelo autor, no sentido de extrapolar os discursos focados no hiato entre teoria (cujo locus por excelência seria a universidade) e prática (na escola), para reconhecer o potencial formador da própria profissão docente. Nóvoa realça a urgência de serem constituídas novas institucionalidades que concretizem esse processo de formação de professores, em um contexto que demanda a refundação do modelo organizacional da escola, bem como do contrato social e político que estabelece as responsabilidades pela formação integral das crianças e jovens.
No Brasil, uma experiência de abrangência nacional nas políticas de formação inicial de professoras e professores que dialoga diretamente com o “triângulo da formação docente” projetado por Nóvoa (2019) começou a ser implementada a partir de 2008, nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. De forma inédita no país e, talvez, em âmbito internacional, os Institutos Federais, formados por mais de 600 campi distribuídos pelo território nacional, mantêm um corpo docente que forma professores nos cursos superiores (denominados licenciaturas) e que também leciona no ensino secundário, ou seja, no mesmo ambiente institucional e espaço físico há a interação entre a esfera profissional, universitária e escolar. Nomeada como “verticalização”, essa proposta pedagógica foi objeto de reflexão em estudos que problematizaram seu impacto no trabalho docente (Bomfim & Rôças, 2018; Fernandes, 2013; Paniago, 2021, 2023; D. C. Silva, 2017), seu lugar no projeto político pedagógico da instituição (Pacheco, 2015) ou os desafios para sua operacionalização (Paniago, 2021; Quevedo, 2018), mas sem se debruçarem sobre a inédita relação entre verticalização e formação de professores.
É justamente a essa experiência que o presente artigo se refere. Em um estudo qualitativo de enfoque descritivo, apoiado em pesquisa documental, acena para a potencialidade de os Institutos Federais constituírem ambientes de inovação das políticas públicas de formação de professores. Para tanto, situa alguns aspectos dos debates sobre a formação de professores e das reformas educacionais deles decorrentes, abordando, na continuidade, quatro aspectos: a) os antecedentes da política pública (em um cenário de escassez de professores diagnosticado pelo Ministério da Educação); b) a fundação dos Institutos Federais e suas potenciais contribuições para equalizar oferta e demanda por vagas nos cursos de formação de professores e para elevar a qualidade da educação; c) a inovação institucional propiciada pelo modelo de verticalização das novas unidades, sinalizando para a superação da fratura entre a formação teórica e a prática dos futuros professores; e d) as dificuldades para o fortalecimento da proposta.
2. A TRÍADE DA FORMAÇÃO DOCENTE: UNIVERSIDADE, ESCOLA E PROFISSÃO
Desde o início dos anos 1990, a formação de professores passou por transformações estruturantes, aceleradas com a difusão de políticas de cunho neoliberal (Castelao-Huerta, 2021) que afetaram múltiplos direitos sociais. Se, por um lado, desenrolava-se todo um debate sobre a profissionalização docente, alçando o ensino a uma atividade altamente especializada (Tardif et al., 1998), por outro, assistia-se à proliferação de cursos de licenciatura a distância com viés mercadológico (Rivas-Flores, 2014) e a toda sorte de cursos de atualização profissional também difundidos por instituições privadas.
Um dos diagnósticos correntes naqueles debates dizia respeito às concepções curriculares hegemônicas que segmentavam os cursos de formação inicial de professores em dois polos: o espaço que supervalorizava a teoria, na universidade, e outro onde a prática se desenrolava, nas escolas de educação básica (Ministério da Educação do Brasil, 2002). Embora não sejam excludentes, esses dois ambientes comumente orientam-se por questões distintas que afetam os fazeres, os tempos de reflexão e, portanto, as maneiras de pensar o ensino. O ambiente acadêmico, via de regra responsável pela formação inicial para o magistério por professores pesquisadores, costuma valorizar os constructos teóricos, a dimensão discursiva, os modelos de ensino, a pesquisa, muito embora com limitada “[...] capacidade de crítica e de criação” (Nóvoa, 2019, p. 7), dado o seu distanciamento da escola. Já o ambiente escolar, imerso em problemas concretos e imediatos que exigem a constante tomada de decisão (Chartier, 2007; Perrenoud, 2001; Tardif, 2014), por vezes, padece da incapacidade de inovação e mesmo de proposição de alternativas para a formação continuada dos professores (Nóvoa, 2019). Cabe ainda citar as dificuldades em consolidar parcerias entre universidade e escola na construção, na implementação e no monitoramento dos currículos acadêmicos (Tardif, 2014), em cenários marcados, especialmente em países da periferia do capitalismo, por condições precárias de trabalho do professorado na escola (Pimenta & Ghedin, 2006).
As transformações no formato, na modalidade e na duração dos estágios foram alguns dos desdobramentos daqueles debates que convergiram, de certa forma, no reconhecimento da escola como locus da formação inicial de professores. Também resultaram em uma multiplicidade de modelos para aproximar a universidade da escola nos cursos de formação de professores (Borges & Tardif, 2001). Em outros termos, apesar das dificuldades e das contradições, uma série de iniciativas voltadas para a formação de professores, envolvendo a integração das instituições formadoras e das escolas, foi sendo implementada em diferentes níveis institucionais. Entre elas estavam aquelas que problematizavam a participação de estudantes de licenciatura na escola. Como viabilizar que conhecessem a estrutura e o funcionamento de seu futuro e principal local de atuação enquanto estivessem sendo formados na universidade? Como entender a escola não apenas em seus aspectos legais ou normativos, mas também a partir de sua vida orgânica, com seus movimentos, suas motivações, contradições, limitações e possibilidades? (Moreira, 2021).
Nóvoa (2019) propõe que, para além daquela oposição “improdutiva” entre universidade e escola, um terceiro termo seja reconhecido por seu potencial formador: a profissão. Se articulada com a escola e a universidade, a profissão comporia o triângulo que completa a formação para a docência, construindo programas coerentes e valorizando o magistério (Figura 1). Em consonância com profissões como a Medicina, nas quais o período da residência sedimentou-se como fundamental para o exercício profissional, a ligação entre formação e profissão seria decisiva para a formação docente (Nóvoa, 2019). Ela se concretizaria em diferentes etapas, perpassando a formação inicial, o período intermediário entre graduação e atuação profissional até a formação continuada, elemento decisivo para a valorização social e profissional do magistério (Paniago, 2021) e da própria identidade docente (Pimenta & Lima, 2011).
Para Nóvoa (2019), na formação inicial, caberia reunir os conhecimentos dos conteúdos científicos, os conhecimentos científicos da Educação e o conhecimento profissional docente da educação básica em uma “casa comum”, um ambiente universitário concatenado com a profissão, com a cidade e a sociedade. Já no período de indução profissional, a ponte entre a formação e a profissão seria construída na “[...] passagem da universidade para as escolas, e na forma como os professores mais experientes acolhem os mais jovens” (Nóvoa, 2019, p. 9). Em vez de os novos professores serem abandonados à própria sorte nas escolas, “[...] com pouco ou nenhum apoio, lutando sozinhos pela sua sobrevivência” (Nóvoa, 2019, p. 9), caberia estabelecer regras de corresponsabilização pela integração:
Este acolhimento e acompanhamento implica mudanças mais profundas do que parecem à primeira vista na organização das escolas e da profissão docente. Implica que sejamos capazes de valorizar os melhores professores e de lhes dar esta missão, que é a mais prestigiante que podem desempenhar. Implica que abandonemos uma visão individualista da profissão e que sejamos capazes de instaurar processos coletivos de trabalho.
Esta possibilidade é ainda mais urgente hoje do que no passado. Ninguém se integra numa profissão sozinho, isoladamente. Ninguém constrói novas práticas pedagógicas sem se apoiar numa reflexão com os colegas. Ninguém, sozinho, domina completamente a profissão. (Nóvoa, 2019, p. 10)
Por fim, na formação continuada, a dimensão coletiva do professorado se concretizaria, em particular, no que diz respeito às experiências e culturas profissionais. Sem negar a necessidade de diálogo com agentes externos e de formação complementar, a essência da formação continuada diria respeito, antes de tudo, à “[...] participação das comunidades profissionais docentes” (Nóvoa, 2019, p. 11) em busca de alternativas para os dilemas dos professores.
Vale assinalar que, também no Brasil, uma série de reformas foram sendo orquestradas para redefinir a formação de professores (Silva, 2004), problema crônico na história educacional do país (Gatti, 2010). De antemão, algumas iniciativas pioneiras merecem ser assinaladas, a começar pela decisão de transferir, em 2007, para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), uma entidade de pós-graduação e pesquisa vinculada ao Ministério da Educação, a missão de planejar e fomentar a formação inicial e continuada no país, “caso único no mundo”, nas palavras de Nóvoa (2019, p. 12). Ainda em 2007, a CAPES criou o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [CAPES], 2012; Paniago et al., 2018, Paniago et al., 2017) e, em 2018, o Programa de Residência Pedagógica (CAPES, 2018). Nas instituições de ensino superior, também a partir de 2007, foi instituído o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), cujo principal objetivo era ampliar o acesso e a permanência na educação superior, com atenção especial aos cursos voltados para a formação de professores. A fundação, em 2008, dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e a reserva de pelo menos 20% de suas vagas para os cursos de formação inicial de professores também fez parte desse movimento, como será analisado nas próximas seções.
3. ANTECEDENTES: UM DIAGNÓSTICO SOBRE A ESCASSEZ DE PROFESSORES E A (IN)ADEQUAÇÃO DA FORMAÇÃO DOCENTE
Naquele mesmo ano em que transferia para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior a responsabilidade pelo planejamento e indução da formação de professores e delineava a arquitetura dos Institutos Federais, o Ministério da Educação do Brasil também publicou o estudo Escassez de professores no ensino médio: propostas estruturais e emergenciais. Entre outros tópicos esmiuçados adiante, condizentes diretamente ao problema que dá título ao documento, o estudo problematizava o hiato entre universidade e escola na formação de professores. Pautava, por exemplo, a criação de espaços permanentes de convívio e trocas de experiências entre os dois ambientes, possibilitando o fomento a eventos acadêmicos de socialização de reflexões, investigações e boas práticas, o desenvolvimento de “[...] estágios de professores de ensino médio em laboratórios de universidades; realização conjunta (docentes universitários e de ensino médio) de pesquisas e estudos” (Ministério da Educação, 2007, p. 22). Anos antes, o Conselho Nacional de Educação já questionava a noção de que o estágio é o espaço reservado à prática enquanto a academia se responsabiliza pela teoria:
Outro problema refere-se à organização do tempo dos estágios, geralmente curtos e pontuais: é muito diferente observar um dia de aula numa classe uma vez por semana, por exemplo, e poder acompanhar a rotina do trabalho pedagógico durante um período contínuo em que se pode ver o desenvolvimento das propostas, a dinâmica do grupo e da própria escola e outros aspectos não observáveis em estágios pontuais. Além disso, é completamente inadequado que a ida dos professores às escolas aconteça somente na etapa final de sua formação, pois isso não possibilita que haja tempo suficiente para abordar as diferentes dimensões do trabalho de professor, nem permite um processo progressivo de aprendizado. A ideia a ser superada, enfim, é a de que o estágio é o espaço reservado à prática, enquanto, na sala de aula se dá conta da teoria (Ministério da Educação do Brasil, 2001, p. 23).
Em relação ao diagnóstico sobre a escassez de professores no país, o Ministério da Educação (2007) estimava, à época, a carência de 710.893 professores em componentes curriculares como Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Matemática, Biologia, Física, Química, Educação Física, Arte, História e Geografia. Note-se que, entre 1990 e 2005, o Brasil havia formado aproximadamente 930 mil professores daqueles dez componentes curriculares (Tabela 1). Mantendo o mesmo ritmo, precisaria de pelo menos uma década para suprir a demanda por mais 710 mil profissionais para atuar no segundo ciclo do ensino fundamental e no ensino médio. Para corroborar a gravidade da situação, o Ministério da Educação mencionava o caso da maior e mais prestigiada universidade brasileira, a Universidade de São Paulo, que em 2001 havia formado apenas 42 professores de Biologia, 52 de Física, 68 de Matemática e 10 de Química.
Componente curricular | Pessoas licenciadas entre 1990-2005 | Demanda por professores em 2007 |
Física | 13.504 | 55.231 |
Química | 23.925 | 55.231 |
Arte | 43.629 | 35.545 |
Geografia | 88.549 | 71.089 |
Biologia | 95.856 | 55.231 |
Matemática | 103.225 | 106.634 |
História | 120.488 | 71.089 |
Educação Física | 130.801 | 59.333 |
Língua Estrangeira | 133.883 | 59.333 |
Língua Portuguesa | 177.845 | 142.179 |
Total | 931.705 | 710.893 |
Fonte dos dados: Ministério da Educação (2007).
Não raro, as redes de ensino suprem a carência de professores com a contratação de profissionais temporários ou sem a formação adequada (Abrucio et al., 2020). Disso resulta que, nos dez componentes curriculares analisados, apenas Biologia, Língua Portuguesa e Educação Física possuíam metade ou mais de seus professores com a formação adequada1, ainda que apresentando índices baixos que não alcançavam 60% (Ministério da Educação, 2007). Havia situações como as dos professores que lecionavam Física e Química, por exemplo, em que apenas 9% e 13%, respectivamente, possuíam formação inicial específica na área (Gráfico 1).
Diante do diagnóstico da demanda por professores (Tabela 1), o Ministério da Educação (2007) apresentou soluções e proposições que destacavam a necessidade do protagonismo das instituições de educação superior. Segundo o texto, as universidades precisariam ser estimuladas a priorizar a formação inicial e continuada, cabendo a elas “a tarefa de viabilizar, do ponto de vista metodológico, com base científica e senso prático, uma efetiva rede nacional de centros de formação inicial e continuada e de aperfeiçoamento de professores” (Ministério da Educação, 2007, p. 19). Também sugeria a instituição de uma política nacional de formação de professores que integrasse o Sistema Nacional de Educação e estabelecesse redes de cooperação entre os entes federativos. A concretização se daria, mais uma vez, pela “criação de centros de formação inicial e continuada em todos os estados, regiões metropolitanas e outras consideradas de importância estratégica, com estabelecimento de metas a serem cumpridas” (Ministério da Educação, 2007, p. 18).
Entre os desdobramentos desse diagnóstico, o governo federal implementou o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, que, entre 2007 e 2013, foi responsável por um crescimento médio de 89,3% das vagas das universidades federais: em 2014, havia 321 campi de universidades federais frente aos 148 existentes em 2003, alargando a presença dessas instituições para 272 cidades (Paula & Almeida, 2020). Naquele mesmo período, o governo federal criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, direcionando uma cota de vagas à formação de professores.
4. UMA NOVA INSTITUCIONALIDADE: OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Instituídos como parte da recém-criada Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Presidência da República do Brasil, 2008), durante o segundo mandato (2007 a 2010) de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), à frente da presidência da República, tendo tido continuidade com a sua sucessora Dilma Rousseff (PT), entre o2011 e 2016, os 38 Institutos Federais chegaram ao ano de 2020 com 600 campi (Plataforma Nilo Peçanha, 2021), presentes em cerca de 10% das 5.668 cidades do país (Faveri et al., 2021).
Apesar de o marco legal de criação dos Institutos Federais remeter ao ano de 2008, a instituição está conectada a uma história de longa data, visto que incorporou organizações pré-existentes, algumas das quais com uma trajetória centenária (Cunha, 2005; Pozzer & Neuhold, 2019; Santos, 2016) e que acabaram se tornando suas reitorias2 (Frigotto, 2018; Pozzer & Neuhold, 2024). Não à toa, todo um embate político acerca das concepções de desenvolvimento e, portanto, de sociedade orbitou em torno da decisão a respeito do modelo de educação profissional e, consequentemente, dos cursos a serem ofertados. A hegemonia das políticas de cunho neoliberal (Oliveira & Duarte, 2005), que apartou a educação profissional do ensino médio (Frigotto et al., 2005), marcou o período anterior à promulgação da lei de criação dessa nova institucionalidade durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira). A lei nº 11.892, de dezembro de 2008 (Presidência da República do Brasil, 2008), que deu origem aos Institutos Federais, desvinculou-se do modelo que atrelava, majoritariamente, a educação profissional aos interesses empresariais e priorizou a oferta de cursos profissionais integrados ao ensino médio e associados ao compromisso com o desenvolvimento regional (Pozzer & Neuhold, 2024). Dito de outra forma, a educação profissional federal deixou de ser uma política educacional focalizada no aumento da escolarização e na formação de mão-de-obra e passou a se constituir como estratégia de enfrentamento de desigualdades sociais e regionais, possibilitando ao estudante, filho da classe trabalhadora, uma formação integral (tendo acesso aos conteúdos do ensino secundário, além dos saberes profissionais). A partir do trabalho como princípio educativo e, portanto, sem abandonar o diálogo com o mundo do trabalho, o Instituto Federal atuaria no desenvolvimento de outras potencialidades humanas e, em alguma medida, no rompimento com a histórica subalternidade social associada à educação profissional no país (Costa, 2016; Frigotto et al, 2005).
A decisão pela formação integral dos estudantes dos cursos profissionais possibilitava o enfrentamento de outros problemas da educação pública brasileira que também estavam na agenda política daquele momento, tal como a demanda pela formação inicial e continuada de professores. Nesse aspecto, os Institutos Federais traziam inovações inscritas em sua lei de criação, entre as quais a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e ao ensino superior; a criação de cursos de licenciatura, correspondendo a 20% das vagas de cada campus; a oferta de programas especiais de formação pedagógica, focados na formação de professores para a educação básica; a constituição de centros de referência no apoio à oferta do ensino de ciências e de ciências sociais aplicadas nas instituições públicas de ensino (Presidência da República do Brasil, 2008).
Em suma, foi no contexto em que se reuniam dados sobre a escassez de professores da educação básica que, na criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, as licenciaturas foram incluídas entre os objetivos e finalidades dessa nova institucionalidade.
4.1 AS LICENCIATURAS NOS INSTITUTOS FEDERAIS: PANORAMA DA OFERTA DE VAGAS E DA CAPILARIDADE NO TERRITÓRIO
A lei nº 11.892/2008 (Presidência da República do Brasil, 2008) buscou dar resposta às demandas relativas à formação inicial e continuada de professores, explicitada no já citado documento Escassez de professores no ensino médio (Ministério da Educação, 2007). Se a equalização dos problemas educacionais passaria efetivamente pela constituição de uma rede nacional (em todos os estados, distribuída nas regiões metropolitanas e cidades polo, consideradas de importância regional estratégica) de centros de formação inicial e continuada e de aperfeiçoamento de professores, que atuariam em cooperação com as redes de ensino dos demais entes federados (estados e municípios), os Institutos Federais viriam a atender tais demandas.
Nesse sentido, os incisos V e VI, do artigo 6º da referida legislação, delegaram aos Institutos Federais o protagonismo perante tal inovação política, na medida em que definiram que cada um dos campi se constituiria como “centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino”. Além disso, também deveria tornar-se “centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica” (Presidência da República do Brasil, 2008).
Em 2020, das 758,4 mil matrículas3 nos cursos regulares dos Institutos Federais, 96,8 mil concentravam-se em 836 cursos de licenciaturas, abrindo, anualmente, cerca de 22,4 mil vagas (Plataforma Nilo Peçanha, 2021). A maior parte dessas licenciaturas centra-se na área de Ciências da Natureza (45,2% do total) e de Matemática (17,1%), (Tabela 2).
A essas vagas poderiam ser acrescentados três programas de doutorado e 90 de mestrado na área de desenvolvimento educacional e social, além de pelos menos 300 cursos de pós-graduação lato sensu (especializações com duração, em média, de um ano) vigentes no Instituto Federal em 2020 (Plataforma Nilo Peçanha, 2021). Em 2022, eram nove cursos de doutorado, 102 de mestrado e quase 400 especializações na área da educação (Plataforma Nilo Peçanha, 2023)4.
Cabe assinalar, ainda, a capilaridade da instituição pelo território brasileiro, atendendo não apenas regiões metropolitanas, mas também microrregiões com pequenos e médios municípios, inclusive nos extremos do país, conforme ilustrado na Figura 2.
Dez anos depois de fundados, os Institutos Federais respondiam por 8,9% das matrículas nas licenciaturas na modalidade de ensino presencial no país, número que alcançou 11,7% em 2020 (Tabela 3), apesar do sistemático corte de verbas imposto à educação pública federal a partir de 2016 com o impeachment de Dilma Rousseff, chegando em 2020 ao menor nível desde 2010 (Neuhold & Pozzer, 2023).
Quando considerados os cursos na modalidade de ensino a distância, essa participação dos Institutos Federais cai sensivelmente. Os cursos a distância respondem por nada menos do que 59,3% das matrículas nas licenciaturas (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2021) e são, predominantemente, ofertados pela iniciativa privada. Ainda assim, no que diz respeito aos Institutos Federais, interessa frisar que, somando os cursos presenciais e aqueles a distância, respondiam, em 2021, por 5,8% das matrículas do país (Tabela 3).
4.2 A VERTICALIZAÇÃO COMO FUNDAMENTO DA PROPOSTA POLÍTICO-PEDAGÓGICA
A criação dos Institutos Federais envolveu a fusão, em uma mesma instituição, de cursos da educação básica e do ensino superior que convivem no mesmo espaço físico. Isso porque se ao menos 20% de suas vagas estão reservadas para os cursos de licenciatura, outros 50% devem atender cursos técnicos, preferencialmente integrados ao ensino médio. As demais matrículas distribuem-se entre outros cursos, a depender da demanda da região atendida pelo campus. Por seu turno, os docentes, com remuneração equiparada aos professores das universidades federais, atuam em todos os níveis de ensino, além de se dedicarem à pesquisa e à extensão. Em resumo, os mesmos docentes que estão formando os professores nos cursos de licenciatura e da pós-graduação, também ministram aulas no ensino médio, diferentemente do que ocorre nas demais instituições formadoras de professores.
Apresentada como um dos fundamentos da proposta político-pedagógica dos Institutos Federais (Pacheco, 2015), essa estrutura pedagógica foi denominada “verticalização do ensino” (Figura 3). De forma geral, remonta a uma organização curricular por eixos tecnológicos que abarca múltiplas formações profissionais e tecnológicas (da qualificação profissional, especialmente integrada ao ensino médio, à graduação e à pós-graduação), concatenadas com os arranjos produtivos, culturais e sociais locais (Presidência da República do Brasil, 2008; Bonfante & Schenkel, 2020; Paniago, 2021; Pozzer & Neuhold, 2024). Em sua base, dois elementos se destacam: os itinerários formativos (possibilitando o fluxo do estudante entre diferentes níveis de ensino ao longo de sua trajetória acadêmica, podendo concluir o ensino médio e seguir para o ensino superior ou realizar outros cursos técnicos sem a necessidade de migrar para os grandes centros urbanos para se qualificar) e o trabalho didático e pedagógico (com professores que atuam, na mesma instituição, em diferentes níveis de ensino) (Presidência da República do Brasil, 2008; Bonfante & Schenkel, 2020). Se a verticalização possibilita o estabelecimento de nexos internos e a promoção da inter-relação de saberes, facilitando o tratamento mais adequado da ciência (Pacheco, 2015), também cabe sublinhar o seu papel na formação inicial de professores, ao permitir um estreito diálogo entre a teoria e a prática, entre o ambiente acadêmico e o cotidiano escolar (Figura 3).
As primeiras experiências de verticalização se deram a partir de 1978, com a promulgação da lei nº 6.545, que transformou as Escolas Técnicas Federais do Rio de Janeiro, do Paraná e de Minas Gerais em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET), integrados, em 2008, à Rede Federal. Os CEFETs ofertavam, além do ensino técnico, cursos em nível superior tecnológicos, engenharias e, também, licenciaturas dirigidas à formação de professores para atuarem especificamente no ensino técnico e tecnológico (Câmara dos Deputados do Brasil, 1978). O decreto nº 3.462, de 17 de maio de 2000 (Câmara dos Deputados do Brasil, 2000), assegurou autonomia aos CEFETs para a implantação de cursos de formação de professores para as disciplinas científicas e tecnológicas do ensino médio e da educação profissional. Entretanto, aquele processo não se constituiu enquanto uma política, restringindo-se a casos dispersos até 2004, quando foi retomado e estruturado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva por meio do decreto nº 5.224 (Presidência da República do Brasil, 2004).
A lei nº 11.892/2008, em seu artigo 6º (Presidência da República do Brasil, 2008), consolidou a verticalização ao definir no inciso III que os Institutos Federais teriam como característica e finalidade “promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão”.
Silva e Pacheco (2022) observam que o modelo de verticalização pressupõe a existência de uma divisão em níveis. Na educação brasileira, estruturada entre educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e superior (graduação e pós-graduação), a última historicamente gozou de maior prestígio e status do que a primeira, fator que teria tido centralidade na decisão de elevar também as novas instituições ao patamar das universidades, em termos salariais e de plano de carreira, algo inédito nas políticas públicas educacionais contemporâneas no país.
Os docentes dos Institutos Federais, assim como os das universidades públicas federais, são, majoritariamente, servidores públicos com um regime de trabalho de dedicação exclusiva, considerando 40 horas semanais. Dos mais de 41,8 mil professores que atuavam em todos os cursos dos Institutos Federais (não apenas nas licenciaturas) em 2021, aproximadamente 36,6 mil (87,6%) eram servidores públicos com dedicação exclusiva aos Institutos Federais (INEP, 2021), lotados em um único campus.
Com o objetivo de criar condições para que o corpo docente dedique parcela de sua jornada de trabalho à pesquisa e à extensão, esses servidores são, no geral, pós-graduados: em 2021, 15,1 mil (36% do total) eram doutores e 21,1 mil (50,2%) mestres, ou seja, 86,2% possuíam mestrado ou doutorado. O Instituto Federal também mantém uma política permanente de qualificação de seus quadros, com editais anuais para que professores se afastem integralmente de suas atividades profissionais sem perder a remuneração, por até quatro anos, para cursar o mestrado, doutorado ou pós-doutorado.
Além disso, as normativas do Ministério da Educação definem que, na distribuição das 40 horas de trabalho, o corpo docente dedique no mínimo 10 horas e, no máximo, 20 horas semanais ao ensino, reservando as demais à pesquisa e à extensão (Ministério da Educação do Brasil, 2016). Dessa maneira, os professores, em tese, desenvolvem, além das atividades de ensino, projetos e programas de pesquisa e de extensão, o que pode incluir a capacitação técnica e a atualização pedagógica de docentes das redes públicas de ensino.
De forma global, a verticalização impacta as atividades de ensino, pesquisa e extensão sem segmentá-las, aproxima métodos e técnicas de ensino e aprendizagem e percursos escolares e acadêmicos:
Em relação à organização pedagógica verticalizada, da educação básica à educação superior, acreditamos que deve ser pensada de forma a possibilitar a atuação docente nas dimensões do ensino, da pesquisa e da extensão em qualquer dos níveis educacionais. Para os discentes, deve se materializar no compartilhamento de espaços de aprendizagem, no intercâmbio de conhecimentos e na ampliação das oportunidades educativas, permitindo a constituição de trajetórias educacionais consistentes (Silva & Pacheco, 2022, p. 21).
O modelo de verticalização implementado nos Institutos Federais, aliado à oferta de cursos de licenciatura, acabou por estruturar o que Nóvoa (2019) nomeou como uma “casa comum”, potencialmente suscetível de superar a dicotomia entre teoria e prática. Os campi que possuem cursos de licenciatura e cursos de ensino médio integrado ao técnico conformam um lugar onde professores que se dedicam à formação docente em nível superior e professores da educação básica coexistem, por serem os mesmos professores ou, pelo menos, por atuarem com colegas que também lecionam na educação básica. Com isso, mantém-se uma estreita ligação à profissão, conformando um locus de articulação entre a universidade, a escola e os professores. Ou seja, os campi dos Institutos Federais podem cumprir, como atrás dito, a função da “casa comum” de Nóvoa (2019), na medida em que promovem a formação de professores ao mesmo tempo em que abrigam e valorizam a profissão docente.
De forma mais específica, a verticalização abre caminhos para o compartilhamento de saberes e para o estreitamento de parcerias e conexões entre o ambiente escolar, universitário e a profissão docente, estabelecendo uma ligação orgânica aos professores e à escola, constituindo-se como um escape à fragmentação atual das licenciaturas (Nóvoa, 2019). Isso quer dizer que os estudantes dos cursos de licenciatura dos Institutos Federais podem vivenciar, durante a sua graduação (e não apenas no estágio), os fazeres da profissão docente, os diversos ciclos do ensino e da aprendizagem, os dilemas envoltos nos conselhos de classe, as reuniões com as famílias, as estratégias na inclusão de estudantes com necessidades educacionais específicas, os conflitos políticos, pedagógicos e, até mesmo, interpessoais do corpo docente, bem como aspectos da gestão escolar, dentre outras tantas experiências. Além disso, compartilham as mesmas salas de aula, laboratórios, bibliotecas, auditórios etc., participam de atividades acadêmicas em comum (na forma de seminários, simpósios, mostras científicas etc.) e podem integrar os mesmos projetos de pesquisa e extensão. Processo semelhante envolve o corpo docente do Instituto Federal que, diante da vivência profissional e simultânea no ensino médio, dialoga com os graduandos ou pós-graduandos, experimenta e reelabora metodologias, reflete sobre os desafios do magistério, produz pesquisa e coordena projetos de extensão direcionados para a comunidade escolar.
Em suma, trata-se de uma arquitetura física e institucional porosa à diluição das barreiras entre o ambiente acadêmico, o cotidiano escolar e a profissão de professor. Todavia, o repetido uso do verbo poder neste texto, com a acepção de “ter a possibilidade de”, “estar sujeito a”, “ter a capacidade de” já antecipa os seus desafios.
4.3 DESAFIOS E LIMITAÇÕES
A implementação dos Institutos Federais, assim como o processo de expansão das universidades públicas durante os governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, foi alvo de resistência. Por um lado, as críticas eram direcionadas à expansão dos gastos públicos e propunham uma abordagem estatal mais alinhada a uma agenda liberalizante (Chernavsky et al., 2020). De outro lado, prevalecia a desconfiança de que tais processos estivessem submetidos aos interesses do capital, buscando atender legislações confeccionadas sob a hegemonia neoliberal e, portanto, subjugadas à lógica gerencial de se “fazer mais com menos” (Oliveira & Cruz, 2017). Otimizaria, assim, os recursos a custo do trabalho de professores polivalentes, multifuncionais, aumentando a sua produtividade. Em outros termos, os professores enfrentariam, em uma nova carreira, as situações e os problemas do magistério superior e da docência na educação básica (Oliveira & Cruz, 2017). Tal desconfiança foi explicitada na audiência pública de 15 de outubro de 2008, durante o debate sobre o projeto de lei de criação dos Institutos Federais no parlamento. A representante do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) ressaltou a preocupação com o propósito dos Institutos Federais, na perspectiva de assegurar uma concepção emancipatória de ensino em vez de subordiná-los aos interesses do mercado (Costa & Marinho, 2018).
Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao fato de a verticalização demandar a criação de uma nova cultura acadêmica em uma instituição que se ergueu sobre uma estrutura quase centenária (Pozzer & Neuhold, 2024). Dentre os docentes que atuam nos cursos de licenciatura, para além de transitarem em cursos de diferentes níveis e modalidades, também se colocou o desafio de construírem a legitimidade dos cursos de formação de professores em uma instituição historicamente associada à formação para o trabalho, às ciências exatas e agrárias e ao ensino profissionalizante de nível médio (Paniago, 2021).
Nesse sentido, é necessário um olhar específico para a formação dos docentes dos Institutos Federais enquanto elemento decisivo para a construção da identidade profissional (Paniago, 2021) e para a própria compreensão da política pública. Pelo ineditismo da verticalização, os docentes dos Institutos Federais são posicionados em zona fronteiriça entre a educação básica e o ensino superior5, o que não invalida a tão necessária formação continuada, demandada pelos próprios professores (C. S. D. Silva, 2017). Caberia a essa formação continuada, além dos inúmeros desafios condizentes ao magistério na educação básica e superior, abarcar a dinâmica dos Institutos Federais, suas características, finalidades e objetivos bem como as peculiaridades regionais nas quais cada campus está inscrito, visto que o Brasil é um país de dimensão continental, com realidades diversas.
A ausência de um processo orgânico de formação dos servidores, em geral, e dos professores, mais especificamente, acabou por compor um quadro de profissionais que não se apropriou da proposta dos Institutos Federais (Silva Cruz & Vital, 2014). Nesse aspecto, há uma convergência entre alguns autores que investigam a verticalização a partir da experiência docente dos Institutos Federais (Bomfim & Rôças, 2018; Fernandes, 2013; Paniago, 2021; D.C. Silva, 2017) referente à necessidade de fornecer processos de formação para que os docentes atuem em uma instituição nova, com um arranjo complexo e que passou por uma expansão em larga escala em curto espaço de tempo (Rôças & Bomfim, 2017). Antes disso, porém, caberia às próprias equipes gestoras e ao segmento técnico, administrativo e pedagógico da instituição se apropriar da função social dessa nova institucionalidade.
Por fim, por mais que haja a previsão de os docentes lecionarem nos diferentes níveis de ensino, é comum que o próprio Instituto Federal seja bipartido, enfraquecendo as potencialidades de um diálogo orgânico entre universidade, escola e profissão na formação inicial e continuada de professores. Assim, mantém duas culturas organizacionais distintas dentro de um mesmo campus, geralmente aquela que funciona durante o dia para os adolescentes e a outra, à noite, para os adultos. No mesmo sentido, os estudantes da educação básica e do ensino superior compartilham o mesmo espaço físico sem que haja integração de ações (Bonfim & Rôças, 2018). Internamente também se reproduz a polarização que a política pública poderia superar: de um lado, docentes que se identificam com a dinâmica escolar (dos cursos ofertados para o ensino médio); de outro, docentes que se reconhecem como pesquisadores e com a dinâmica universitária (dos cursos superiores). Não raro, os próprios professores dividem entre si as aulas, concentrando-se em um ou outro nível de ensino de sua preferência. O mesmo poderia ser dito, ainda na forma de hipótese, sobre a realização dos estágios: possivelmente, os licenciandos cumpram-nos integralmente fora dos Institutos Federais e de modo desarticulado. Nesse sentido, diversas oportunidades são perdidas: a de os Institutos Federais reconhecerem-se como centros de referência na formação de professores, de constituírem-se como espaços para o estágio dos futuros licenciandos, de produzirem conhecimento sobre a formação inicial e continuada de professores em uma estrutura única nas políticas públicas educacionais e de construírem pontes entre essa nova institucionalidade e as escolas de educação básica. Assim, desvia-se da chance de efetivar a “casa comum” de Nóvoa (2019), na qual a formação inicial de professores encadeia-se com a profissão e com as escolas, formando “um campo estimulante, que escape à fragmentação atual das licenciaturas e que mobilize o conhecimento pertinente para formar os professores do futuro” (Nóvoa, 2019, p. 8).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, uma experiência de abrangência nacional e inédita no que diz respeito às políticas de formação inicial e continuada de professores começou a ser implementada nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia a partir de 2008. Ao se constituírem como instituições públicas e gratuitas que têm a verticalização do ensino como um dos fundamentos da proposta político-pedagógica, os Institutos Federais passaram a ofertar cursos técnicos profissionalizantes (predominantemente integrados ao ensino médio), superiores (incluindo a formação para o magistério na forma de licenciaturas) e de pós-graduação (com cursos de especialização, mestrado e doutorado). O corpo docente, por seu turno, também leciona nos diferentes níveis de ensino, atuando como professor pesquisador e formador de professores. Isso quer dizer que o professor da licenciatura leciona para estudantes do ensino médio, na mesma instituição. Já os licenciandos podem vivenciar a educação básica no local em que são formados. Dessa maneira, os Institutos Federais podem se constituir como a casa comum, idealizada por Nóvoa (2019), conferindo a institucionalidade necessária para implementar, de maneira exitosa, o triângulo da formação docente: universidade, escola e profissão reunidas no mesmo espaço físico e institucional para formar novos professores.
A arquitetura dos Institutos Federais foi estruturada com vistas a erigir uma instituição que oferecesse respostas políticas e sociais a demandas educacionais proeminentes. Contudo, como toda organização nova, vivencia incertezas e dificuldades. Assim, por um lado, os Institutos Federais acenam com soluções inovadoras, como a viabilidade de se configurarem como um ambiente único de convívio e troca de experiências entre a educação superior e a educação básica. Isso se deve a uma série de fatores: o modelo de verticalização; a possibilidade de se constituírem como centros de formação inicial e continuada de professores das redes públicas locais, dada a capilaridade no território nacional, bem como espaços de experimentação, de reflexão e de difusão de boas práticas; as condições de trabalho de seu corpo docente (que conta com salários e planos de carreiras equiparados aos dos professores das universidades públicas brasileiras) e planos de trabalho que permitem a realização de atividades de ensino, de pesquisa e de extensão. Por outro lado, embora o número de matrículas nos cursos de licenciatura esteja crescendo em termos absolutos e proporcionalmente, constata-se uma presença ainda tímida, no cenário nacional, sobretudo se levado em consideração o crescimento exponencial dos cursos de licenciatura a distância capitaneado por instituições privadas. Ademais, convém destacar as dificuldades em se implementar as inovações em potencial, possivelmente, reforçadas pelo perfil de docentes que carecem de formação para se apropriarem do projeto e compreenderem o seu papel no desenvolvimento regional. Antes disso, porém, a própria instituição, o que inclui gestores e corpo técnico-administrativo, precisaria entender o ineditismo e as potencialidades do Instituto Federal no âmbito da formação de professores e criar condições técnicas e pedagógicas para a efetivação do projeto.