1. INTRODUÇÃO
A família enfrenta, ao longo do seu ciclo de vida, uma variedade de transições que exigem esforços adaptativos dos seus membros, sendo que a adolescência será a mais importante (Parra et al., 2013). Nesta fase, a família desempenha um papel fundamental e torna-se importante para os adolescentes alcançarem a sua independência mantendo a ligação com os seus pais (Jozefiak & Wallander, 2016). Da mesma forma, a funcionalidade familiar também se destaca, não apenas por cria condições no processo de desenvolvimento da personalidade como ainda por oferecer apoio ao desenvolvimento, à maturação dos adolescentes e à individuação, proporcionando um sentimento de pertença e união (Matejevic et al., 2014). Ao mesmo tempo, um bom funcionamento familiar pode, também, representar um fator protetor que promove a resiliência (Jozefiak & Wallander, 2016).
Deste modo, pretende-se: (a) investigar a associação entre os estilos educativos parentais e o funcionamento familiar dos adolescentes; (b) analisar as diferenças da perceção da qualidade dos estilos educativos parentais dos adolescentes em função do sexo e da idade dos pais; (c) explorar diferenças da perceção da qualidade dos estilos educativos parentais em função de variáveis sociodemográficas, tais como, o sexo e a idade dos adolescentes; e (d) analisar em que medida as dimensões dos estilos educativos parentais e o sexo exercem um efeito preditor no funcionamento familiar.
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
O funcionamento familiar refere-se a uma multiplicidade de fatores dentro da família, incluindo práticas parentais, dinâmicas familiares e coesão familiar (Murphy et al., 2017).
Uma família é funcional quando cria condições para o desenvolvimento dos seus membros e para que estes se tornem saudáveis e maduros. Os sistemas familiares funcionais são, geralmente, avaliados em termos de adaptabilidade e de coesão; são caracterizados pela tendência à estabilidade, mantendo o equilíbrio, mas também pela necessidade de se adaptar a certas circunstâncias de vida, levando em consideração as diferenças individuais que dão oportunidade para o desenvolvimento pessoal e para a realização da função parental da família (Matejevic et al., 2015).
Segundo o Modelo Circumplexo do Sistema Conjugal e Familiar (Circumplex Model of Marital and Family Systems), de Olson (2000), o funcionamento familiar agrega três dimensões significativas: a coesão, a adaptabilidade e a comunicação familiares.
A primeira dimensão, a coesão familiar, alude aos laços emocionais existentes entre os membros da família e, simultaneamente, à existência da autonomia individual de cada um (Olson, 2000).
Já a segunda, a adaptabilidade familiar, corresponde à capacidade de estabilidade e de mudança no seio familiar, considerando, para isso, estilos de liderança, negociações, regras e papéis relacionais (Olson, 2000). Assim, níveis equilibrados de adaptabilidade dizem respeito a um melhor funcionamento familiar, onde há maior capacidade de gerir a estabilidade e a mudança (Olson & Gorall, 2003).
Por último, a comunicação familiar abrange a interação entre todos os membros da família, indicando a qualidade dos relacionamentos (Olson, 2000). Focada na capacidade de escuta ativa, de empatia e de respeito entre todos os elementos, níveis positivos de comunicação familiar predispõem-na a uma maior adaptação e adequação e instigam melhores níveis de coesão e de adaptabilidade (Olson & Gorall, 2003).
Baumrind (1971) definiu o conceito de estilo educativo parental pela forma como os pais lidam com questões como a hierarquia, o poder e o apoio emocional e, ainda, na relação que estabelecem com os seus filhos, influenciando, de modo significativo, diferentes áreas do seu desenvolvimento psicossocial, nomeadamente o seu ajustamento social e o seu rendimento escolar. Além disso, as ações tomadas pelos pais durante o período em que a criança se socializa também se referem ao conceito de estilo educativo parental (Baumrind, 1991).
Darling e Steinberg (1993) distinguem estilo educativo parental de práticas parentais. Por um lado, o estilo educativo parental refere-se às interações entre pais e filhos, o que leva à criação de um clima emocional no qual os comportamentos dos pais são expressos numa grande variedade de situações, prevalecendo em diversos contextos de socialização.
Por outro lado, as práticas parentais constituem os comportamentos adotados pelos pais que expressam os seus deveres parentais. Estas resultam em diversos domínios do desenvolvimento dos seus filhos, tais como o académico, o social e o afetivo em determinados contextos e circunstâncias onde são expostos os deveres parentais.
Os estilos educativos parentais são denominados de autoritários, autoritativos, permissivos e negligentes (Baumrind, 1966; 1971; 1991). O estilo autoritário exerce um comportamento de punição e de controlo. Os pais autoritários demonstram pouco carinho pelos filhos, parecem distantes deles, estabelecem ordens, regras, esperando que estes não as quebrem, e elogiam ocasionalmente. Os filhos não têm liberdade suficiente e não são incentivados pelos pais a terem as suas próprias opiniões.
O estilo autoritativo caracteriza-se como moderado em termos de disciplina. Os pais autoritativos têm uma comunicação orientada para a solução com os filhos, apoiam e compartilham ideias. Estes pais são carinhosos, criam um ambiente familiar amoroso, incentivam os filhos a serem independentes, colocam algumas regras nas suas ações, no entanto, não são controladores, permitem liberdade aos seus filhos, fazendo com que eles tomem as suas próprias decisões, alcancem a maturidade e se sintam seguros.
Já o estilo permissivo caracteriza-se por pouca disciplina e fraca comunicação entre pais e filhos. Os pais permissivos não exigem muito dos filhos, evitam enfrentá-los e não recusam os pedidos que estes fazem.
Por último, o estilo negligente é caracterizado por pouca comunicação e interação entre pais e filhos. Os pais negligentes raramente fornecem apoio aos filhos, proporcionam níveis baixos de afeto, são pouco disponíveis para responder aos pedidos destes e não implementam regras (Baumrind, 1966; 1971; 1991).
Maccoby e Martin (1983) reorganizaram os estilos propostos por Baumrind (1966) através de duas dimensões básicas determinantes na definição do ambiente educativo no qual as crianças crescem. A dimensão da exigência/monitorização refere-se às atitudes dos pais que procuram controlar e supervisionar o comportamento dos filhos, impondo-lhes limites, disciplina e estabelecendo regras, de modo a serem cumpridas pelos filhos. Por seu lado, a dimensão da responsividade/aceitação insere-se no domínio afetivo-emocional, dizendo respeito às atitudes compreensivas, à expressão de apoio emocional e à comunicação entre pais e filhos, no sentido de favorecer a individualidade, a autorregulação e a autonomia dos filhos (Baumrind, 1971). Esta última dimensão está associada ao desenvolvimento do autoconceito, da autoconfiança e do bem-estar (Justo & Lipp, 2010).
Cada estilo educativo parental reflete equilíbrios distintos entre a responsividade e a exigência, sendo o estilo autoritário caracterizado por níveis baixos de responsividade e elevados de exigência, enquanto o estilo permissivo apresenta o oposto (níveis elevados de responsividade e baixos de exigência). Por outro lado, o estilo autoritativo caracteriza-se por níveis elevados nas duas dimensões, contrastando com o estilo negligente com níveis baixos em ambas (Baumrind, 1971; Maccoby & Martin, 1983).
Silva et al. (2012) efetuaram um estudo com o objetivo de aprofundarem a compreensão dos estilos educativos parentais junto de adolescentes portugueses. Os resultados sugerem que os adolescentes com um maior suporte social dos pares comparativamente ao suporte social da família percebem que os seus pais adotam um estilo educativo parental mais autoritário e permissivo. Além disso, os adolescentes do sexo feminino referem que os seus pais assumem um estilo educativo parental mais permissivo do que os do sexo masculino (Silva et al., 2012).
No período do início da adolescência, quando as relações familiares são reorganizadas e redefinidas, os conflitos entre os pais e os filhos atingem o ponto mais alto, porque as atitudes dos filhos diferem das dos pais (Matejevic et al., 2014). Baumrind (1968) afirma que, na adolescência, o poder dos pais não pode ser usado como um meio para justificar a autoridade deles. Os adolescentes são capazes de raciocinar logicamente, de serem críticos e de formar princípios de escolha - com base nos quais eles julgarão as suas próprias ações e as dos outros -, bem como a sua própria capacidade mental (Baumrind, 1968). Também, nesta fase, ocorrem inúmeras mudanças biológicas e sociais, entre as quais a transformação das relações familiares e a construção da identidade do adolescente. Verifica-se que os estilos parentais se apresentam como fator estruturante da identidade (Carvalho & Silva, 2014).
Sabe-se, ainda, que as dimensões do funcionamento familiar são refletidas nos estilos educativos parentais, uma vez que a ausência de proximidade e de comunicação no funcionamento familiar acontece nos estilos parentais autoritário, negligente e permissivo (Matejevic et al., 2015). Assim, esta investigação contribuiu para a identificação de estilos educativos parentais que possam influenciar o funcionamento familiar dos adolescentes, tentando perceber de que forma fatores como a idade e o sexo dos pais dos adolescentes e dos próprios adolescentes podem interferir e que papéis podem assumir nesta ligação.
3. MÉTODOS
3.1 Amostra
A presente investigação foi constituída por 365 adolescentes de ambos os sexos, em que 213 (58,4%) são do sexo feminino e 152 (41,6%) do sexo masculino, pertencentes a duas escolas públicas na região norte de Portugal, mais especificamente, uma no litoral e outra no interior, com idades compreendidas entre os 15 e os 20 anos, de ambos os sexos.
No que concerne à escolaridade dos adolescentes participantes, os mesmos frequentam entre o 10.º e o 12.º ano, sendo que 110 (30.1%) frequentam o 10.º ano de escolaridade, 152 (41.6%) estudam no 11.º ano, e por fim, 103 (28.2%) estão no 12º ano.
3.2 Instrumentos
O Questionário sociodemográfico foi um instrumento que permitiu recolher informação relativa ao participante quanto a variáveis como a idade, o sexo, a escolaridade, o número de irmãos, a escolaridade e a idade dos pais.
O Questionário de Estilos Educativos Parentais (QEEP), de (Lamborn et al., 1991) - traduzido e adaptado para a versão portuguesa por Barbosa-Ducharne et al. (2006) -, tem como objetivo avaliar as perceções que os adolescentes têm dos estilos educativos parentais e é composto por 19 itens em duas subescalas: a responsividade/afeto/envolvimento (dez itens) e a supervisão/exigência (nove itens). Nos cinco itens iniciais, o adolescente avalia o pai e, nos cinco seguintes, a mãe; nos restantes, avalia ambos. De acordo com a escala, em situações de ausência de pai e/ou mãe, os adolescentes devem responder considerando as figuras que desempenham o papel destes. As alternativas de resposta são constituídas por escalas de tipo Likert. Os primeiros cinco itens são de quatro pontos: 1 - discordo totalmente; 2 - não concordo; 3 - concordo; 4 - concordo em absoluto. Os itens 6 e 7 são de quatro pontos: 1 - nunca; 2 - às vezes; 3 - frequente; 4 - sempre. Nos itens 8 e 9, mantêm-se os quatro pontos: 1 - quase todos os dias; 2 - algumas vezes por semana; 3 - algumas vezes por mês; 4 - quase nunca. Do item 10 ao 19, são: 1 - nada; 2 - pouco; 3 - bastante; 4 - muito. A sua aplicação pode ser realizada a indivíduos dos 12 aos 21 anos de idade. Os coeficientes alfa de Cronbach, na escala portuguesa, apresentam valores bastante razoáveis. A subescala da responsividade apresenta .78 e a da exigência .85 (Barbosa-Ducharne et al., 2006). No presente estudo, a análise da consistência interna através do alfa de Cronbach revelou ser boa, na medida em que o seu valor para a escala total é de .82 e, relativamente às as subescalas, a da responsividade apresenta .71 e a da exigência .84.
A Systemic Clinical Outcome and Routine Evaluation (SCORE-15) avalia o funcionamento familiar, tendo sido desenvolvida por Stratton et al. (2010), em Inglaterra. A versão portuguesa, validada e traduzida por Sotero et al. (2010), é um questionário de autorresposta que avalia vários aspetos do funcionamento familiar e é composto por 15 itens, distribuídos por três dimensões da família: Recursos Familiares; Comunicação na Família; e Dificuldades Familiares. A primeira dimensão refere-se aos recursos e à capacidade de adaptação da família; a segunda avalia a comunicação no sistema familiar; a terceira remete para as dificuldades no sistema familiar. Os itens são apresentados numa escala de Likert com cinco níveis de resposta: 1 - muito bem; 2 - bem; 3 - em parte; 4 - mal; 5 - muito mal. Quanto mais elevadas forem as pontuações do SCORE-15, maiores dificuldades são vividas na família. O SCORE‑15 pode ser aplicado aos vários elementos da família com mais de 12 anos. De acordo com a análise da consistência interna, através do alfa de Cronbach da escala portuguesa, a escala total apresenta uma boa consistência interna, .84, tal como acontece com a dimensão dos Recursos Familiares (.85), com a dimensão da Comunicação na Família (.83) e com a dimensão das Dificuldades Familiares (.82) (Vilaça et al., 2014). No presente estudo, conforme a análise da consistência interna, através do alfa de Cronbach, a escala total apresentou valores bastante razoáveis, (.87), tal como acontece com a dimensão dos Recursos Familiares (.81), com a dimensão da Comunicação na Família (.70) e com a dimensão das Dificuldades Familiares (.68).
3.2.1 Procedimentos
Após a elaboração do protocolo, o mesmo foi submetido à Comissão de Ética da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) para obtenção de parecer. Depois deste passo, o parecer foi submetido à Direção-Geral da Educação (DGE) do Ministério da Educação e Ciência, tendo sido aprovado. Neste seguimento, foram contactadas duas escolas públicas do ensino secundário do Norte de Portugal, com a obtenção dos compromissos institucionais, oficializados através de um documento escrito. Os encarregados de educação dos adolescentes autorizaram a participação dos filhos na presente investigação e procedeu-se à aplicação dos questionários aos alunos.
A administração dos instrumentos decorreu em sala de aula, em turmas selecionadas aleatoriamente, escolhidas de acordo com a disponibilidade dos professores que pudessem facultar, aproximadamente, 20 minutos de aula para o preenchimento dos mesmos. As turmas eram compostas por, sensivelmente, 25 alunos, dispostos dois a dois na sala de aula. Apresentaram-se os objetivos gerais do estudo aos alunos, forneceram-se as instruções necessárias para o preenchimento dos questionários e informou-se a cada um da participação voluntária, bem como da confidencialidade e do anonimato dos dados obtidos.
3.2.2 Estratégias de análise de dados
Inicialmente, foi construída a base de dados para uma posterior análise estatística, com recurso ao software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) - versão (25.0) - para o sistema Windows.
Depois, foram realizadas análises de outliers. Mais concretamente, no presente estudo, foram apenas identificados outliers multivariados com base à distância de Mahalanobis. Esta estatística mede a distância de uma observação x à média de todas as observações, de todas as variáveis (Marôco, 2014). Seguidamente, realizou‑se a análise da consistência interna (alpha de Cronbach). No que respeita à análise dos dados, foram realizadas Correlações de Pearson, podendo as mesmas assumir um valor entre -1 e 1. Este coeficiente permite determinar a associação entre variáveis, assim como a força e a intensidade dessa mesma associação. Estas podem ser positivas ou negativas, podendo, ainda, apresentar um grau de associação baixo, moderado ou forte (Pallant, 2005). De acordo com Cohen (1988), a correlação é fraca quando r = .10 a .29 ou r = -.10 a -.29; média quando r =.30 a .49 ou r = -.30 a -.4.9; e forte quando r = .50 a 1.0 ou r = -.50 a -1.0. Recorreu‑se às análises de variância multivariada (MANOVAS), com nível de significância de 5% (p ≤ .05), e calculou-se o eta quadrado, uma vez que representa a proporção de variação da variável dependente que é explicada pela variável independente. De acordo com Cohen (1988), os valores para o eta quadrado podem variar de > 0 a <1, sendo que .01 é pequeno, .06 é moderado e .14 é grande. Por fim, procedeu-se à realização de uma regressão múltipla hierárquica, começando por criar uma variável dummy (em que 0 = feminino e 1 = masculino).
4. Resultados
4.1 Associação entre as dimensões dos estilos educativos parentais e do funcionamento familiar
Analisando a correlação entre os estilos educativos parentais e o funcionamento familiar (Tabela 1), verificou-se que a dimensão da responsividade se correlaciona de forma forte e negativa com os recursos familiares (r = -.507; p < .01) e de forma média e negativa com a comunicação na família (r = -.396; p < .01) e com as dificuldades familiares (r = -.408; p < .01) (Pallant, 2005). A dimensão da exigência apresenta uma correlação fraca e negativa com as dimensões recursos familiares (r = -.284; p < .01), com a comunicação na família (r = -.275; p < .01) e com as dificuldades familiares (r = -.165; p < .01) (Pallant, 2005).
4.2 Análise diferencial dos estilos educativos parentais em função da idade e sexo dos pais dos adolescentes
Foram realizadas análises de variância multivariada (MANOVA) das dimensões dos estilos educativos parentais com o intuito de verificar as diferenças entre elas em função da idade e do sexo dos pais (Tabela 2) e das mães (Tabela 3) dos adolescentes. De acordo com a amostra recolhida, os pais foram divididos em dois grupos de idade (dos 35 aos 50 anos e dos 51 aos 67 anos), tal como as mães (dos 32 aos 45 anos e dos 46 aos 60 anos). Esta repartição foi efetuada de acordo com a amostra recolhida, sendo que foi dividida de forma a inserir os pais mais novos num grupo e distingui-los dos mais velhos. Com o grupo das mães, procedeu-se da mesma forma. Através dos resultados obtidos, verifica-se que não existem diferenças significativas na perceção da qualidade dos estilos educativos parentais, em função da idade dos pais dos adolescentes [F(2.362) = .185, p = .831]. Já em função da idade das mães dos adolescentes, verifica-se que existem diferenças significativas [F(2.362) = 4.261; p = .015; ƞ² = .023], sendo que os adolescentes com mães cujas idades variam entre os 46 e os 60 anos percecionam-nas como mais responsivas (M = 44.66; DP = 5.46) comparativamente aos adolescentes de mães com idades entre os 32 e os 45 anos (M = 45.77; DP = 4.32).
Tabela 2: Análise Diferencial dos Estilos Educativos Parentais em Função da Idade dos Pais dos Adolescentes

Nota: QEEP = Questionário de Estilos Educativos Parentais; M = Média; DP = Desvio-Padrão; N.S. = Não Significativo.
4.3 Análise diferencial dos estilos educativos parentais em função da idade dos adolescentes
Foram realizadas análises de variância multivariada (MANOVA) das dimensões do questionário dos estilos educativos parentais com o intuito de verificar as diferenças entre elas em função da idade dos adolescentes (Tabela 4).
De acordo com os resultados obtidos, verifica-se que não existem diferenças significativas na perceção da qualidade dos estilos educativos parentais em função da idade dos adolescentes [F(2.362) = 1.613; p = .201].
4.4 Análise diferencial dos estilos educativos parentais em função do sexo dos adolescentes
A análise efetuada com as dimensões dos estilos educativos parentais em função da variável sexo (Tabela 5) demonstrou existirem diferenças significativas [F(2.362) = 4.743; p = .009; ƞ² = .026], nomeadamente na dimensão da exigência [F(1.363) = 9.493; p = .002; ƞ² = .025], sendo que os adolescentes do sexo feminino (M = 32.35; DP = 4.97) percecionam os seus pais como mais exigentes comparativamente com os do sexo masculino (M = 30.68; DP = 5.32).
4.5 Análises preditivas: Papel preditor do sexo e dos estilos educativos parentais no funcionamento familiar
Visando averiguar quais as variáveis independentes que melhor predizem o funcionamento familiar, realizaram-se análises de regressões múltiplas hierárquicas (Tabela 6), sendo que, para cada dimensão deste, foram inseridos dois blocos. O bloco 1 correspondeu à variável dummy (sexo) - considerando que 0 corresponde ao sexo feminino e 1 ao sexo masculino - e o bloco 2 às dimensões dos estilos educativos parentais.
No que concerne os recursos familiares, o sexo teve um contributo não significativo [F(4.3516) = .455; p = .500] e explica .1% da variância total (R² = .001), não havendo contribuição individual para o modelo (R² change = -.001). Os estilos educativos tiveram um contributo significativo [F(957.2563) = 44.937; p = .000] e explicam 27.2% da variância total (R² = .272), contribuindo individualmente com 26.6% da variância para o modelo (R² change = .266). Neste sentido, e analisando individualmente o contributo de cada uma das variáveis independentes dos blocos, constatam-se duas variáveis que apresentam uma contribuição significativa (p ≤ .05): a responsividade (β = -.464) e a exigência (β = -.130), ambas predizendo negativamente os recursos familiares.
Relativamente à comunicação na família, o sexo teve um contributo significativo [F(39.3013) = 4.807; p = .029] e explica 1.3% da variância total (R² = .013), contribuindo individualmente com 1% da variância para o modelo (R² change = .010). Os estilos educativos parentais tiveram um contributo significativo [F(563.2490) = 27.202; p = .000] e explicam 18.4% da variância total (R²=.184), contribuindo individualmente com 17.8% da variância para o modelo (R² change = .178). Desta forma, e analisando individualmente o contributo de cada uma das variáveis independentes dos blocos, constata-se que três variáveis apresentam uma contribuição significativa (p ≤ .05): a responsividade (β = -.342) e a exigência (β = -.148), ambas predizendo negativamente a comunicação na família, e o sexo masculino (β = .114), predizendo positivamente a comunicação na família.
No que diz respeito às dificuldades familiares, o sexo teve um contributo não significativo [F(12.3065) = 8.446; p = .234] e explica .4% da variância total (R² = .004), contribuindo .1% de forma individual para o modelo (R² change = .001). Os estilos educativos parentais tiveram um contributo significativo [F(517.2560) = 24.311; p = .000] e explicam 16.8% da variância total (R² = .168), contribuindo individualmente com 16.1% da variância para o modelo (R² change = .161). Analisando individualmente o contributo de cada uma das variáveis independentes dos blocos, constata-se que apenas uma variável apresenta uma contribuição significativa (p ≤ .05): a responsividade (β = -.397), enquanto variável preditora negativamente das dificuldades familiares.
5. Discussão
A presente investigação foi pensada e delineada com o objetivo global de explorar os estilos educativos parentais e o funcionamento familiar na perspetiva dos adolescentes.
Os resultados alcançados neste estudo apontam para uma correlação negativa entre os estilos educativos parentais e o funcionamento familiar. Isto significa que, à medida que aumenta a perceção da qualidade dos estilos educativos parentais, tendem a diminuir as dificuldades sentidas no funcionamento familiar e vice-versa. O funcionamento familiar engloba vários fatores, entre os quais, a dinâmica familiar, as práticas parentais, a comunicação e as estratégias de resolução de problemas dentro da própria família (Sheidow et al., 2014). Partindo desse pressuposto, as famílias salientam-se como um sistema social complexo e interdependente, cujas relações positivas entre pais e filhos proporcionam o bem-estar emocional e a socialização, potenciando, ainda, trajetórias ajustadas de desenvolvimento dos filhos (Bandura et al., 2011). O estilo educativo parental pode ser entendido como a variável pertencente ao seio familiar, no qual se vivem processos de interação significativos que decorrem das interações entre pais e filhos, assumindo um papel determinante para o desenvolvimento de cada elemento de forma a educá-los (Cruz et al., 2011). É possível observar que, se a qualidade das relações entre pais e filhos está comprometida, as consequências poderão ser negativas para o desenvolvimento do adolescente. Isto é, se, na relação que se estabelece entre os pais e os seus filhos, o afeto, a reciprocidade e o equilíbrio de poder não estão presentes, poderá ocorrer um prejuízo no desenvolvimento do adolescente, comprometendo as relações que ele virá a estabelecer com outras pessoas (Shek et al., 2015).
De acordo com os resultados obtidos relativamente às dimensões dos estilos educativos parentais em função da idade dos pais dos adolescentes, constata-se que não existem diferenças significativas. Já em função da idade das mães dos adolescentes, percebe-se que existem diferenças significativas. Assim sendo, os adolescentes com mães com idades entre os 46 e os 60 anos percecionam-nas como mais responsivas comparativamente aos adolescentes de mães com idades entre os 32 e os 45 anos. Apesar da escassa informação que existe sobre as diferenças de sexo em relação aos pais dos adolescentes no que concerne aos estilos educativos parentais, Cruz (2005) refere que mães e pais apresentam ideias diferentes em relação aos estilos educativos parentais, não só devido ao seu processo de socialização, mas também porque a experiência enquanto pais é diferente para ambos. A literatura indica que as figuras maternas tendem a exercer sobre os filhos um estilo educativo mais responsivo, enquanto as figuras paternas exercem um estilo educativo parental mais exigente, ou seja, autoritário (Russel et al., 2003). A mãe procura compensar os filhos das táticas mais punitivas e autoritárias características dos pais (Grigorenko & Sternberg, 2000), adotando uma atitude mais permissiva. Assim, cada progenitor apresenta um estilo próprio na interação com os seus filhos, pois as mães tendem a envolverem-se e a investirem mais nos filhos em comparação com os pais, que se mostram menos envolvidos (Lindsey & Mize, 2001).
O estudo de Kashahu et al. (2014) corrobora os nossos resultados, verificando que existem diferenças em relação à idade dos pais na perceção dos adolescentes sobre os estilos educativos parentais. Os pais mais jovens, isto é, abaixo dos 34 anos de idade, tendem a praticar um estilo educativo autoritário, embora com prevalência de negligência. Os pais com idades entre os 35 e 45 anos praticam um estilo autoritário, e, no grupo de pais com mais de 45 anos, um em cada dois ou três pais pratica um estilo autoritário. É, também, notório, neste estudo, que, com o aumento da idade dos pais, a percentagem de pais negligentes diminui (Kashahu et al., 2014).
Ainda de acordo com os resultados obtidos, verifica-se que não existem diferenças significativas na perceção da qualidade dos estilos parentais em função da idade dos adolescentes. Neste sentido, os resultados poderão estar associados ao facto de se tratar de uma amostra com adolescentes mais velhos, havendo, por isso, uma maior homogeneidade na forma como percecionam os estilos parentais. Não corroborando os nossos resultados, segundo Barbosa-Ducharne et al. (2006), constatou-se que os adolescentes mais velhos percecionam os seus pais como menos responsivos, o que se pode associar ao facto do grupo de pares assumir uma importância gradual, ao longo da adolescência (Vasconcelos-Raposo et al., 2015). O afastamento do seio familiar e a aproximação ao grupo de pares pode dever-se ao facto dos adolescentes sentirem necessidade da partilha de experiências e do estabelecimento de relações sociais, fora do contexto familiar. Assim, a necessidade de integração num grupo de pares leva a que estes se distanciem do controlo parental (Thompson, 2015). Porém, a educação praticada pelos pais na relação com os filhos tem um papel relevante na forma como estes vão interagir com os pares (Silva et al., 2012). Deste modo, são os pais o primeiro nível de socialização, e estes definem regras e limites, ao mesmo tempo que permitem a autonomia e a autoexpressão do jovem (conexão, regulação e autonomia), que o permitirá ter fatores protetores contra comportamentos de risco, resultantes das influências negativas provenientes da sociedade, nomeadamente do seu grupo de pares (Tomé et al., 2015).
Um estudo de Tomé et al. (2011) indicou que os adolescentes mais novos mantêm uma comunicação ainda muito próxima com os pais, enquanto os mais velhos, devido a uma maior autonomia, sofrem menos influência parental e têm uma comunicação mais alargada com o seu grupo de pares, vendo, neles, o principal foco de identificação e relacionamento.
Os nossos resultados em função da variável sexo expuseram diferenças significativas, nomeadamente na dimensão da exigência, sendo que os adolescentes do sexo feminino percecionam os seus pais como mais exigentes comparativamente aos adolescentes do sexo masculino. Corroborando os nossos resultados, estudos realizados por Costa et al. (2000) e por Weber et al. (2004) revelaram que o sexo feminino percecionava maiores níveis de exigência do que o sexo masculino. Uma hipótese explicativa face aos resultados aqui obtidos, poderá estar relacionada com uma maior exigência parental, devido à diferença de papéis sociais tradicionalmente atribuídos às mulheres (e.g., maiores responsabilidades na lida da casa, às tarefas de cuidados, etc). Neste sentido, parece que os adolescentes do sexo feminino se preocupam mais com os outros e com eles próprios, procurando relacionar-se mais com a família e com os amigos (Michek & Loudová, 2014). Segundo o estudo de Markus et al. (2003), os adolescentes do sexo feminino têm uma perceção de menor tentativa de controlo e de maior suporte emocional.
O presente estudo reconhece a responsividade e a exigência como estando associadas negativamente com os recursos familiares, o que significa que, com a presença de responsividade e exigência, as dificuldades familiares vão sendo menores. Os recursos familiares dizem respeito à capacidade de adaptação na família, que, por sua vez, se prende com a habilidade da família alterar a sua estrutura, os papéis e as regras, com o objetivo de dar resposta às necessidades desenvolvimentais (Gonçalves & Pereira, 2011).
Um estudo de Mupinga et al. (2002) avaliou a relação entre os estilos educativos parentais e a adaptação da família, assim como a coesão, em dois momentos do ciclo vital do desenvolvimento da família, sendo eles famílias com filhos na escola e famílias com filhos adultos. Concluiu-se que estas variáveis estão positivamente correlacionadas entre si. Os estilos educativos parentais são preditores do modo como os sujeitos percecionam o funcionamento familiar (Mupinga et al., 2002).
Relativamente às dificuldades na comunicação na família, verifica-se que está associada de forma negativa com a responsividade e com a exigência. Neste sentido, quanto menor a responsividade e a exigência, maiores serão as dificuldades de comunicação na família. Os pais atuam como agentes socializadores dos seus filhos, de acordo com as suas características pessoais. Este processo de socialização irá influenciar todo o processo de desenvolvimento do adolescente (Darling & Steinberg, 1993). A comunicação familiar é um dos agentes instrumentais mais importantes para o processo de socialização. O processo de comunicação entre pais e filhos - que inclui a abertura comunicacional, a satisfação com o sistema familiar, o cuidar do outro e a capacidade de resolução de conflitos - pode funcionar como um mecanismo mediador e protetor de comportamentos de risco dos adolescentes (Portugal & Alberto, 2013). Por outro lado, se a comunicação for fechada, caracteriza-se por excesso de autoridade e ordens por parte dos pais. Assim, não há espaço para os filhos manifestarem os seus sentimentos e dúvidas (Wagner et al., 2005). Posto isto, um bom funcionamento familiar é promotor do bem-estar no processo de desenvolvimento dos seus membros para que se tornem adultos autónomos. Aliás, a função da família é de igual importância para o bem-estar dos adolescentes, uma vez que os estudos apontam, como fatores protetores, a boa comunicação e a relação/ligação familiar (Prioste et al., 2010).
Num estudo de Michek e Loudová (2014) e corroborando o nosso, verificou-se que os adolescentes do sexo masculino apresentam maiores níveis de dificuldades de comunicação comparativamente com os do sexo feminino. Também o sexo masculino prediz maiores dificuldades ao nível da comunicação familiar.
Por fim, as dificuldades familiares são correlacionadas de forma negativa com a responsividade. Conforme Kitzman-Ulrich et al. (2010), o funcionamento familiar caracteriza-se pela interação entre os vários membros da família e encontra-se relacionado com os estilos educativos parentais. Assim, famílias com um bom funcionamento familiar são capazes de resolver os problemas que vão surgindo dentro deste de forma eficiente. Deste modo, quando as famílias não são capazes de lidar eficazmente com os problemas existentes dentro do funcionamento familiar, existe uma maior probabilidade de surgirem comportamentos menos adaptativos.
6. Implicações práticas, limitações e pistas para estudos futuros
O presente estudo teve como objetivo explorar a perceção dos adolescentes quanto aos estilos educativos parentais, bem como a relação existente entre os estilos educativos parentais e o funcionamento familiar. Importa referir que, até à data, não foi encontrado qualquer estudo, no contexto português, que aborde as mesmas temáticas em conjunto. Uma vez que os estilos educativos parentais estão refletidos no funcionamento familiar e vice-versa, torna-se importante considerar a criação e a implementação de programas de intervenção parental, visando o exercício da parentalidade e da disciplina, com o objetivo de aumentar a perceção dos pais relativamente às suas próprias necessidades (sociais, emocionais, psicológicas e físicas), bem como às dos seus filhos, para contribuir para o aumento da qualidade das relações entre ambos. Esses programas deverão favorecer o autoconhecimento, a autoestima e o bem-estar dos pais, assim como das famílias como um todo, desenvolvendo um trabalho que pode ser complementar a outros tipos de intervenção (e.g., a nível terapêutico) e que potencie um desenvolvimento saudável, bem como um melhor ajustamento psicológico.
Seria, também, importante envolver os pais nas intervenções psicoeducativas, como agentes ativos, de forma a assegurar o sucesso escolar dos seus filhos, dado que as expectativas dos pais desempenham um papel primordial na promoção da motivação e de um autoconceito mais positivo por parte dos adolescentes. Por conseguinte, as relações positivas entre pais-filhos e um funcionamento familiar mais equilibrado podem levar a que os adolescentes adquiram competências para desenvolver e estabelecer, com sucesso, boas relações com os pares e com outros membros, fora do contexto familiar.
Após a conclusão do presente estudo, importa referir algumas limitações. Pese embora o seu caráter inovador, devido à escassez de investigações que abordem a perceção da qualidade dos estilos educativos parentais em função das idades dos pais dos adolescentes, esta falta de informação dificultou a justificação dos nossos resultados. Neste sentido, a interpretação dos nossos resultados dificultou a compreensão e a justificação dos nossos resultados. Adicionalmente, realça-se o tamanho da amostra, que não é representativa da população portuguesa, uma vez que a informação foi recolhida apenas em duas escolas da região norte do país. Deste modo, esta amostra pode ter características sociais e culturais específicas ao meio em que se encontra inserida.
Para investigações a concretizar no futuro, sugeríamos a divisão dos diferentes estilos parentais, de modo a obter a perceção dos estilos educativos parentais pelos adolescentes, não apenas em torno das duas dimensões do questionário, analisadas neste estudo. Para uma replicação futura deste estudo, sugere-se estendê-lo a diferentes meios sociais e a amostras que reúnam características variadas. Relativamente ao tamanho da amostra, seria pertinente considerar uma mais rica e representativa da população, em geral.



















