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Revista Portuguesa de Imunoalergologia
versão impressa ISSN 0871-9721
Rev Port Imunoalergologia vol.23 no.4 Lisboa dez. 2015
ARTIGO ORIGINAL
Imunoterapia sublingual com pêssego (Pru p 3) Eficácia e segurança
Sublingual immunotherapy with peach (Pru p 3) Efficacy and safety
Ana Célia Costa1, Fátima Duarte1, Elisa Pedro1, Alcinda Campos Melo2, Manuel Pereira‑Barbosa1,3, Maria Conceição Pereira Santos2,3
1 Serviço de Imunoalergologia, Hospital de Santa Maria, CHLN, Lisboa
2 Unidade de Imunologia Clínica, Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Lisboa
3 Clínica Universitária de Imunoalergologia, Faculdade de Medicina de Lisboa 2.º Premio SPAIC-Bial Aristegui 2014
RESUMO
Introdução: A alergia ao pêssego é prevalente, persistente e potencialmente grave, sendo o Pru p 3 (proteína de transferência lipídica, LTP) o principal alergénio envolvido. O elevado risco de reações graves e a possibilidade de a maioria dos doentes reagirem a outros alimentos (síndome LTP), torna esta alergia um alvo importante para imunoterapia específica (IT). Objetivo: Demonstrar a eficácia e segurança da IT sublingual (SLIT) com pêssego (Pru p 3) em doentes com reações sistémicas associadas à ingestão de pêssego, através da avaliação de parâmetros clínicos e imunológicos durante 12 meses. Métodos: Dez doentes (8F,2M;19‑41;26,2 anos) com história de alergia ao pêssego, confirmada por prova de provocação oral (PPO) ou anafilaxia, submetidos a SLIT‑Pru p 3. 100% doentes: reacções sistémicas (80%‑anafilaxia) associadas à ingestão de pêssego (60%‑sintomas com outros alimentos). Foram realizados TCP com aeroalergénios, pêssego pele e polpa, alimentos de acordo com os sintomas, Pru p 3 e Pho d 2. A SLIT‑Pru p 3 consiste: fase de indução (4 dias) e fase de manutenção (3 anos). Foram efetuados doseamento de IgE, IgA e IgG4 específicas (sIgE,sIgA,sIgG4) para pêssego, Pru p 3, Pru p 4, Teste de Activação de Basófilos (TAB) com Pru p 3 em 3 concentrações (0,05, 0,5 e 5ug/mL), antes (T0), 1 (T1), 6 (T6) e 12 meses (T12) após início da SLIT; PPO com polpa de pêssego em T12. Resultados: T0‑12: diminuição significativa do diâmetro médio da pápula no TCP com pêssego pele e polpa (p=0,0039) e Pru p 3 (p=0,0078) e de sIgE para pêssego (p=0,0046) e Pru p 3 (p=0,0089); aumento significativo de sIgG4 (p=0,0020); sIgA para os mesmos alergénios sem alterações; diminuição significativa da activação de basófilos entre os diferentes tempos e nas três concentrações; PPO com polpa de pêssego negativa em todos os doentes em T12. Durante um ano de SLIT observaram‑se apenas reações locais (prurido) durante a fase de indução em 60% dos doentes, de resolução espontânea. Conclusões: A SLIT‑Prup3 parece ser uma opção terapêutica promissora e segura em doentes com alergia grave ao pêssego.
Palavras‑chave: Alergia ao pêssego, IgE específica, IgG4 específica, imunoterapia sublingual, prova de provocação oral, proteínas de transferência lipídica, Pru p 3, síndrome LTP, teste de ativação dos basófilos.
ABSTRACT
Introduction: Peach allergy is prevalent, persistent, and potentially severe. The Pru p 3 (lipid transfer protein, LTP) is the main allergen involved. The high risk of severe reactions and the possibility of the majority of patients react to other foods containing LTPs (LTP syndrome), makes this type of allergy an important target for specific immunotherapy (IT). Aims: Demonstrate the efficacy and safety of sublingual IT(SLIT) with peach (Pru p 3) in patients with systemic reactions(SR) associated with peach ingestion, by evaluation of clinical and immunological parameters during 12 months. Methods: Ten patients (8F,2M;19‑41; 26.2 years) with a history of peach allergy, confirmed by Oral Food Challenge (OFC) or anaphylaxis symptoms, undergoing SLIT‑Prup3 during 1 year.100% patients had SR (80% anaphylaxis) associated with peach ingestion (60% symptoms with other foods containing LTPs). Patients underwent skin prick tests(SPT) with aeroallergens battery, peach extract peel and pulp, other foods according to symptoms, Pru p 3 and Pho d 2. The SLIT‑Prup3 had an induction phase (4days), followed by a maintenance phase (3 years). We performed SPT and quantified specific IgE, IgA, IgG4 for peach and Pru p 3 before (T0), 1 (T1), 6 (T6) and 12 months (T12) after SLIT initiation; Basophil Activation Test (BAT) with Pru p 3 extract in three concentrations (0.05, 0.5 and 5ug/mL) at the same times; OFC with peeled peach at T12. Results: T0‑T12: significant decrease of the mean wheal diameter of SPT with peel and pulp peach (p=0.0039), Pru p 3 (p=0.0078), sIgE to peach (p=0.0046) and Pru p 3 (p=0.0089); significant increase of sIgG4 (p=0.0020) and no changes of sIgA for the same allergens; significant decrease between time points and concentrations in BAT; negative OFC with peeled peach in all pts at T12. Local reactions (itching) occurred only during the induction phase in 60% of patients(spontaneous resolution), without other reactions along 12 months. Conclusions: These data suggests that SLIT‑Prup3 seems to be a promising and safe therapeutic option for patients with severe peach allergy.
Keywords: Peach allergy, specific IgE, specific IgG4, sublingual immunotherapy, oral food challenge, lipid transfer proteins, Pru p 3, LTP syndrome, basophil activation test.
INTRODUÇÃO
A alergia a alimentos de origem vegetal é o tipo de alergia alimentar mais comum em adolescentes e adultos1,2. Na região do Mediterrâneo, os frutos frescos (rosáceas e kiwi) e os frutos secos (avelã) são os alimentos mais frequentemente envolvidos em reações alérgicas alimentares, sendo a sua gravidade variável, mas potencialmente fatal1,2. A alergia a estes frutos é causada sobretudo por sensibilização a panalergénios como as proteínas transportadoras de lipídos (LTPs) ou as profilinas, em que os doentes podem apresentar monossensibilização ou cossensibilização a estes alergénios2,3.
As LTP são panalergénos, ubiquitárias em diversas espécies vegetais, clinicamente relevantes na alergia a frutos e vegetais, mas também têm sido descritas em pólenes2‑4.
As LTP partilham características estruturais, o que aumenta significativamente a probabilidade de reatividade cruzada clinicamente relevante. Por outro lado, as características moleculares das LTP diminuem a probabilidade de degradação térmica ou digestiva, aumentando assim a probabilidade de absorção sistémica e reações alérgicas graves2‑5.
Deste modo, a alergia alimentar múltipla a frutos e/ou vegetais pode ser causada por sensibilização a um mesmo panalergénio, como a LTP, sendo designada por síndrome de LTP2‑4.
Esta síndrome pode ter vários fenótipos de gravidade variável, podendo localizar‑se apenas à orofaringe (síndrome de alergia oral‑SAO), pele, sistema respiratório ou gastrointestinal, ou ser generalizada (anafilaxia)2‑6.
Dos frutos da família das rosáceas, o pêssego é responsável pela maioria das reações alérgicas, sendo a causa mais comum de alergia alimentar a frutos em Portugal, Espanha e Itália, principalmente devido à sensibilização primária à LTP do pêssego (Pru p 3)4‑6.
Atualmente, o tratamento da alergia alimentar limita‑se à dieta de evicção estrita, de modo a evitar a exposição ao alérgeno e terapêutica de emergência aquando da ocorrência de reações, incluindo a anafilaxia. No entanto, existem situações em que a prevenção se torna mais difícil. Alergénios não declarados em produtos transformados representam um grande problema de saúde para indivíduos sensibilizados.
A alergia ao pêssego é uma alergia alimentar predominante, persistente ao longo da vida e potencialmente grave, em que a evicção nem sempre é fácil, uma vez que a LTP (Pru p 3) está presente numa grande variedade de alimentos processados e os doentes podem sofrer reações acidentais graves. Além disso, a maioria destes doentes, para além do pêssego, são também alérgicos a outros frutos frescos, secos e/ou vegetais. Dada a sua gravidade, persistência e dificuldade na manutenção da dieta de exclusão com impacto económico, familiar e social, este tipo de alergia tem sido considerada um alvo importante para imunoterapia (IT)7,8.
Os autores pretendem demonstrar a eficácia e segurança da imunoterapia sublingual (SLIT) com pêssego (Pru p 3) em doentes com reações sistémicas associadas à ingestão de pêssego através da avaliação de parâmetros clínicos e imunológicos ao longo de 12 meses.
MATERIAL E MÉTODOS
Desenho do estudo
Trata‑se dum estudo clínico exploratório realizado num serviço de imunoalergologia em Portugal. Foram incluídos dez doentes com alergia ao pêssego, IgE‑mediada.
O tratamento ativo consiste em extrato alergénico de pêssego contendo Pru p 3 nativo na concentração de 50 μg/ml.
A eficácia clínica foi avaliada através da prova de provocação oral (PPO) com pêssego antes (T0) e 12 meses (T12) após o início da SLIT‑Pru p 3.
As alterações imunológicas foram avaliadas através da determinação da reatividade cutânea nos testes cutâneos por picada (TCP) e do doseamento sérico das imunoglobulinas IgE, IgA e IgG4 específicas para pêssego e Pru p 3 e avaliação, por citometria de fluxo, da expressão de CD63 nos basófilos ativados do doente após estimulação com Pru p 3 (teste de ativação dos basófilos, TAB). Estas avaliações foram efetuadas antes (T0), um mês (T1), seis (T6) e 12 (T12) meses após o início da imunoterapia.
A tolerância foi avaliada através de um criterioso registo de todas as reações adversas ocorridas durante o período reportado de tratamento.
Este estudo clinico foi aprovado pela Comissão de ética e foi realizado de acordo com a Declaração de Helsínquia, a boa prática clínica e os regulamentos locais.
Todos os doentes assinaram o consentimento informado.
População
Incluímos 10 doentes (8 do sexo feminino e 2 do sexo masculino, com uma média de idades de 26,2 anos; idades compreendidas entre 19 e 41 anos) com história de dois ou mais episódios sugestivos e reprodutíveis de reacções adversas imediatas após a ingestão de pêssego.
Todos os doentes tiveram reações sistémicas, dos quais 80% anafilaxia, associadas à ingestão de pêssego; 60% sintomas com outros alimentos com LTP, nomeadamente frutos secos, sementes e kiwi.
Os critérios de inclusão foram: idade compreendida entre 18 e 65 anos, reação imediata após ingestão de pêssego mediada por IgE, confirmada por positividade do TCP (> 3 mm) com extrato de pêssego (Bial‑Aristegui®, Bilbau, Espanha e ALK‑Abello, S.A Madrid, Espanha), da IgE específica (Phadia, Thermofisher, Upsala, Suécia) e da PPO com pêssego (que não foi realizada em doentes com história de anafilaxia e evidência de sensibilização ao pêssego por TCP e IgE específica). Os critérios de exclusão foram: história de alergia ao látex, imunoterapia com polénes nos 2 anos anteriores ao estudo e qualquer condição médica que seja contraindicação para imunoterapia de acordo com as recomendações da EAACI9. Os doentes incluídos no estudo cumpriram todos os critérios de inclusão e não apresentavam nenhum critério de exclusão. O estudo foi realizado com a aprovação da comissão de ética hospitalar e o consentimento informado dos doentes.
Avaliação clínica
A avaliação clínica incluiu um questionário padronizado (idade, sexo, tipo de reação com pêssego; alergia a outros alimentos ou látex; antecedentes pessoais e familiares) e uma história clínica completa para caracterização das reações relatadas induzidas por pêssego (síndrome de alergia oral, urticária generalizada e/ou angioedema, queixas respiratórias e gastrointestinais e anafilaxia).
A reatividade clínica ao pêssego foi avaliada por PPO, realizada de acordo com as orientações da EAACI10 em Hospital de Dia de Imunoalergologia, exceto naqueles doentes que tiveram TCP e IgE específica positivos para pêssego e uma história convincente de anafilaxia imediatamente após a ingestão de pêssego durante o ano anterior ao estudo.
A reatividade ou tolerância a outros alimentos do síndrome LTP foi cuidadosamente revisto na história clínica e, quando necessário, confirmada por provas de provocação oral.
Protocolo da imunoterapia (SLIT Pru p 3)
O tratamento foi administrado por via sublingual (técnica sublingual 2 minutos cospir) e inclui 4 concentrações 0,05, 0,5, 5 e 50 μg/ ml de Pru p 3 (Bioportugal®, ALK‑Abello, S.A Madrid, Espanha). A preparação da SLIT Pru p 3 fez‑se a partir do frasco 4 de concentração máxima (50 μg/ml de Pru p 3), de acordo com as instruções do fabricante.
O protocolo de dessensibilização da imunoterapia sublingual com extrato de pêssego (Pru p 3) é constituído por:
Fase de indução ou fase rápida, durante 4 dias, em Hospital de Dia de Imunoalergologia, com doses crescentes (Quadro 1);
Fase manutenção, a partir do 5.º dia durante 3 anos, em ambulatório, 5 gotas/dia do frasco 4 (10 μg/dia, 7x/semana).
Foram entregues aos doentes diários clínicos, diários, para registo de qualquer evento adverso. Durante a fase de manutenção, os doentes foram mensalmente ao serviço de imunoalergologia para devolver os diários clínicos e os frascos vazios da SLIT para monotorização da segurança e adesão à imunoterapia.
Testes cutâneos
Todos os doentes foram submetidos a TCP com extracto comercial (Bial‑Aristegui®, Bilbau, Espanha) de polpa e pele de pêssego, polpa e pele de maçã, pera, ameixa, cereja, alperce, damasco, morango, amêndoa, kiwi, banana, abacate, manga, laranja, amendoim, avelã, nozes, castanha, pinhão, aipo, melão, ervilha, cenoura, ananás, tomate, soja, látex, ácaros do pó doméstico (Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae, Euroglyphus maynei, Blomia tropicalis), ácaros de armazenamento (Lepidoglyphus destructor), Alternaria alternata, Aspergillus fumigatus e mistura de pólenes de gramíneas, phleum pratense, Parietaria judaica, Artemisia vulgaris, Olea europea, Plantago lanceolata, Betula verrucosa, Platanus acerifolia e Chenopodium album, LTP do pêssego (Pru p 3) e profilina de palmeira (Pho d 2).
Foram também realizados TCP com extrato de pele e polpa de pêssego e de SLIT‑Pru p 3 na concentração de 50 μg/ml (Alk‑Abelló, Madrid, Espanha) em T0, T1, T6 e T12.
Os testes foram efetuados de acordo com as recomendações da Academia Europeia da Alergologia e Imunologia Clínica11. Foi utilizado soro fisiológico como controlo negativo e fosfato de histamina (10 mg/ml) como controlo positivo. A leitura foi realizada após 15 minutos, sendo consideradas reações positivas as que tinham uma pápula com diâmetro médio superior a 3 mm em relação à reação do controlo negativo.
Prova de provocação oral com pêssego
A PPO com polpa de pêssego foi efetuada antes do início do estudo, exceto se história de anafilaxia (T0) e 12 meses (T12) após o início da SLIT‑Pru p 3, no Hospital de Dia de Imunoalergologia, fora da estação polínica e de acordo com as recomendações da EAACI10. Até sete doses, foram administradas com intervalos de 30 minutos e após a última dose o doente permaneceu em observação durante duas horas e meia. O protocolo de provocação consistiu na administração de doses crescentes de polpa de pêssego até uma dose cumulativa de 200 g (cerca de 1,5 pêssegos de tamanho médio), que corresponde a cerca de 3249 μg de Pru p 312. As provocações foram interrompidas aquando do aparecimento dos primeiros sintomas objetivos ou após três doses consecutivas com SAO. Este último critério foi incluído para segurança dos doentes, visto que os doentes alérgicos ao pêssego frequentemente apresentam SAO como única manifestação clínica, tentando‑se evitar uma reação sistémica (RS) potencialmente grave que pode aparecer com doses mais elevadas de pêssego. A reação foi classificada em local (RL, se os sintomas fossem restritos à pele ou mucosas após contacto direto com o alergénio, como a SAO, ou queixas digestivas isoladas) e sistemica‑RS (envolvendo órgãos distantes do local de contacto inicial com o alergénio, exigindo absorção e disseminação, ou seja, urticária e/ou angioedema, sintomas respiratórios, anafilaxia).
Parâmetros laboratoriais
Foi colhida uma amostra de sangue periférico a todos os doentes, em T0, T1, T6 e T12, para doseamento sérico de anticorpos IgE, IgA e IgG4 específicos para pessêgo e Pru p 3 e teste de ativação dos basófilos (TAB).
Doseamento sérico de anticorpos específicos IgE, IgA e IgG4
Antes do inicio da imunoterapia com pêssego SLIT‑Pru p 3 foram determinadas as concentrações séricas dos anticorpos específicos IgE para pêssego, rPru p1, rPru p3, rPru p4, em todos os doentes, e o doseamento sérico de IgE, IgA e IgG4 específicos para pessêgo e Pru p 3 em T0, T1, T6 e T12 por imunoensaio ImmunoCAP 100 (Phadia, Thermofisher, Upsala, Suécia), de acordo com as instruções do fabricante.
O teste foi considerado positivo para valores superiores a 0,10 kUA/L.
Teste de ativação dos basófilos (TAB)
A expressão de CD63, marcador de superfície dos basófilos ativados, foi quantificada por citometria de fluxo pelo método Flow2 CAST® (Bühlmann, Suíça), de acordo com as instruções do fabricante. Utiliza um controlo positivo, o FMLP, que consiste em pequenos péptidos que induzem a libertação de histamina pelos basófilos, e um controlo negativo (solução tampão). Os 100 μl de sangue total heparinizado foi incubado com o fator de estimulação IL‑3 e extrato estandardizado de alergénio Pru p 3 do pêssego em 3 concentrações: 0,05, 0,5 e 5 μg/ml, em T0, T1, T6 e T12. Efetuou‑se uma dupla marcação das células com os anticorpos monoclonais (anti‑IgE/CD63) marcados com fluorocromos.
A aquisição foi realizada num citómetro FACSCalibur (BD Biosciences, São José, EUA) nas duas horas após a preparação da amostra. Os resultados foram considerados positivos quando se verificou uma percentagem de activação superior a 5 % com índice de estimulação igual ou superior a dois.
Análise estatística
Para a análise estatística foi utilizado o software GraphPad Prism versão 5.00 (Graphpad Software Inc., San Diego, EUA).
Os dados foram testados para existência de distribuição gaussiana (com p>0,05 em todas as variáveis numéricas). Na comparação entre dois grupos foi usado o teste t de Student emparelhado ou não emparelhado, conforme a situação.
Para avaliar a presença de diferenças estatisticamente significativas entre três grupos foi utilizado o teste ANOVA.
Foram considerados como significativos valores de p<0,05.
RESULTADOS
População de estudo
Aquando da análise descrita, 10 doentes, 8 do sexo feminino e 2 do sexo masculino, com uma média de idades de 26,2 anos (idades compreendidas entre 19 e 41 anos) tinham completado pelo menos 12 meses de imunoterapia com SLIT‑Pru p 3. Seis (60%) apresentavam sintomas com outros alimentos relacionados com sindrome‑LTP, nomeadamente frutos secos, sementes e kiwi. Não havia história de alergia a alimentos de outros grupos.
Eficácia
Prova de provocação oral com polpa de pêssego
A prova de provocação oral com polpa de pêssego, em T12, foi negativa nos 10 doentes a fazerem SLIT‑Pru p 3 por um período de 12 meses.
Resposta ao extrato de pêssego pele e polpa e de Pru p 3 nos TCP (Figura 1)
Na população estudada, o diâmetro médio da pápula no TCP diminuiu significativamente (p=0,0039), de uma média de 8,1 (6‑12 mm) com pele e 5,2 mm (4‑8 mm) com polpa de pêssego em T0 para 4 mm (0‑8 mm) e 0,6 mm (0‑3 mm), respetivamente ao fim de 12 meses de SLIT‑Pru p 3. Nos TCP com Pru p 3 observou‑se, igualmente, uma diminuição significativa (p=0,0078) do diâmetro médio das pápulas, de 11,2 mm (7‑25 mm) em T0 para 7 mm (4-10 mm) em T12.
Quantificação de IgE específica para extrato de pêssego e Pru p 3 (Figura 2)
Na população estudada, ao fim de 12 meses de SLIT‑Pru p 3 foi verificada uma diminuição significativa de IgE específica para pêssego (p=0,0046) e Pru p 3 (p=0,0089) quando comparada com o valor de T0.
Quantificação de IgG4 específica para extrato de pêssego e Pru p 3 (Figura 3)
Na população estudada, ao longo dos 12 meses de imunoterapia com SLIT‑Pru p 3 foi observado um aumento significativo de IgG4 específica para pêssego (p=0,0020) e Pru p 3 (p=0,0020) quando comparado com o valor basal. Este aumento foi demonstrado de uma forma significativa logo a partir do primeiro mês (T1) de imunoterapia, quer para extrato de pêssego (p=0,0078), quer para Pru p 3 (p=0,0039), mantendo esta evolução crescente em T6 para pêssego (p=0,0020) e Pru p 3 (p=0,0020).
Quantificação de IgA específica para extrato de pêssego e Pru p 3
Na população estudada, não foram observadas alterações dos valores de IgA sérica específica para pêssego (pele e polpa) e Pru p 3 ao longo dos 12 meses de imunoterapia com pêssego.
Teste de ativação dos basófilos (Figura 4)
Na população estudada, ao longo dos 12 meses de, de imunoterapia com SLIT‑Pru p 3, foi observado uma diminuição significativa da expressão de CD63 nos basófilos ativados nas 3 concentrações de Pru p 3 (0,05, 0,5 e 5 μg/ml) e entre os diferentes tempos. Esta diminuição foi significativa desde o primeiro mês de imunoterapia, com maior impacto na concentração de 5 μg de Pru p 3 (p<0,001).
Segurança
Durante os 12 meses de SLIT‑Pru p 3, todos os doentes mostraram uma boa adesão à vacina, cumprindo integralmente o protocolo definido. Foram apenas registadas reações locais ligeiras (prurido orofaríngeo) em 60% dos doentes durante a fase de indução, de resolução espontânea. Não ocorreram reações sistémicas.
DISCUSSÃO
A alergia alimentar é a primeira causa de anafilaxia na comunidade, havendo um risco elevado de reações adversas graves (cerca de 15‑20% por ano) por alergénios ocultos, apesar das dietas de evição restritas1. Nos últimos anos, a alergia aos frutos frescos tem sido alvo de investigação crescente, dada a sua elevada prevalência, potencial gravidade e persistência. Na área mediterrânica, a alergia ao pêssego é uma boa expressão das alergias alimentares relacionadas com LTP, pela sua prevalência, persistência e potencial gravidade. A presença oculta de Pru p 3 em produtos alimentares manufacturados pode desencadear reações acidentais graves, incluindo anafilaxia e a sensibilização primária ao LTP do pêssego pode associar‑se a alergia a múltiplos alimentos (frutos frescos e secos e vegetais) que contêm LTP, tornando difícil a evição alimentar, com um importante impacto económico, familiar e social. Neste contexto, a alergia ao pêssego tem sido considerada como um alvo na procura de um tratamento eficaz 2‑6.
Este é o seguimento do primeiro estudo clínico de imunoterapia para alergia ao pêssego numa população de 10 doentes adultos publicado em Portugal. Neste estudo, os autores pretenderam avaliar se a dose e o esquema utilizados na imunoterapia com Pru p 3 administrada por via sublingual teria eficácia clínica, sem comprometer a segurança do tratamento. Foi estudada uma população de doentes portugueses com manifestações sistémicas, incluindo anafilaxia em 80% dos casos, de alergia ao pêssego.
Verificámos que todos os doentes tratados com a SLIT‑Pru p 3 durante 12 meses passaram a tolerar polpa de pêssego na dose cumulativa de 200 g, o que corresponde a 1,5 pêssegos de tamanho médio. Em paralelo com a eficácia clínica, observámos em todos os doentes alterações imunológicas subjacentes ao mecanismo de atuação da imunoterapia, nomeadamente diminuição da ativação dos mastócitos cutâneos, traduzida pela diminuição significativa da reatividade cutânea com os 3 extratos pele e polpa de pêssego e Pru p 3; aumento significativo de IgG4, observada desde o primeiro mês de imunoterapia; diminuição da ativação dos basófilos circulantes, traduzida pela diminuição significativa da expressão de CD63 também desde o primeiro mês de tratamento. A eficácia clínica acompanhou‑se duma elevada segurança, em que observámos apenas reações locais ligeiras de prurido orofaríngeo em 60% dos doentes, exclusivamente na fase de indução.
A imunoterapia a alergénios (ITA) ou vacina antialérgica (ou dessensibilização) é o único tratamento capaz de atuar sobre a causa e não apenas sobre os sintomas da alergia, modelando a resposta imunitária com capacidade de alterar a história natural da doença alérgica13. A ITA consiste na administração de doses pequenas de alérgeno até à dose de manutenção ao longo de um determinado período de tempo, de modo a induzir tolerância clínica e imunológica a esse alergénio, que se traduz pelo aumento de linfócitos T reguladores que suprimem os linfócitos Th2, mastócitos, basófilos, eosinófilos e a produção de IgE específica e induzem a produção de IgG4 específica de alergénio.
A utilização de imunoterapia nas doenças alérgicas mediadas por IgE foi reportada pela primeira vez em 1911 por Leonhard Noon e John Freeman, no tratamento da rinite polínica através da via subcutânea. Posteriormente, surgiram as vias sublinguais e epicutâneas.
Para além dos mecanismos referidos, a eficácia da SLIT resulta, primordialmente, da interação do alérgeno com as células de Langerhans na mucosa oral, cruciais na indução de tolerância aos antígenos, levando à diminuição da resposta alérgica13‑15. Os benefícios a longo prazo da SLIT, em doses ótimas, estão já bem demonstrados.
Mesmo após descontinuação, durante 1 e 2 anos, foi evidente a indução de remissão da doença, incluindo modificação do seu perfil, aspetos consistentes com a indução de tolerância específica ao alergénio13‑15. Além disso, os dados obtidos a partir de biópsias indicam claramente que a fisiopatologia da mucosa bucal desempenha um papel fundamental na indução de tolerância ao alérgeno administrado por via sublingual, em indivíduos tratados com SLIT em altas doses13‑15. Para o tratamento da asma e rinite alérgica, a SLIT tem demonstrado eficácia clínica e um perfil de segurança favorável14,16. Os primeiros relatos publicados de SLIT para alergia alimentar surgiram há mais de uma década, em 2003, quando um caso de sucesso de SLIT para alergia a kiwi foi descrito numa doente com uma história de múltiplas reacções anafiláticas ao fruto, mantendo‑se a eficácia da dessensibilização mesmo após suspensão da SLIT17,18. Seguiram‑se diversos protocolos sublinguais ou orais‑sublinguais não estandardizados na alergia ao leite, ovo e amendoim e um estudo duplo‑cego controlado com placebo de SLIT com avelã15,19‑>22.
Aquando da submissão deste trabalho, existiam na literatura apenas 4 artigos publicados (três séries do mesmo grupo de trabalho espanhol e 1 caso clínico português) sobre a SLIT com extrato de pêssego usando Pru p 3 nativo. Nesses estudos, os autores demonstraram eficácia clínica e imunológica com aumento da tolerância ao pêssego e num caso a outros alimentos da síndrome LTP, mas os trabalhos referem‑se a períodos curtos (6 meses) e, no máximo de 12 meses, no caso isolado português7,8,23,28.
Em Portugal, existe apenas um caso reportado, em 2010, por Pereira C et al7, que descreveu uma doente de 40 anos que desde os 36 tinha sintomas sistémicos com múltiplos frutos/vegetais, nomeadamente frutos frescos da família das rosáceas, frutos secos, legumes, cereais e especiarias.
Foi submetida a uma SLIT (BialAristegui®) com extracto nativo de Pru p 3 (40 μg/ml), cujo protocolo incluía uma fase rápida ao longo de 1 dia, iniciada por 1 gota até 5 gotas, e uma fase de manutenção que consistia em 5 gotas/dia, 5 dias/semana (dose cumulativa 200 μg Pru p 3/mês).
Os resultados descritos referem‑se a um período de 12 meses, sendo que 4 meses após o início do tratamento foi observada uma diminuição da reactividade cutânea, sem alterações relevantes nos valores séricos de IgE, IgG, IgG1 e IgG4 específicas para Pru p 3, embora com PPO para pêssego negativa, em que a doente já não tinha grandes restrições alimentares, com exceção de nozes e pimenta.
Três estudos randomizados, duplo‑cegos, controlados por placebo com SLIT de pêssego (Pru p 3) realizados conjuntamente em dois centros de alergologia em Espanha, foram publicados em 2009, 2010 e em 20148,23,28. Foram avaliados os pârametros segurança e eficácia clínica através de realização de PPO em dupla ocultação controlada por placebo, TCP, doseamento de IgE e IgG4 e no estudo mais recente também TAB. Em comparação com o grupo placebo, os doentes alérgicos ao pêssego submetidos a tratamento ativo com SLIT‑Pru p 3 durante 6 meses conseguiram tolerar uma quantidade de pêssego tripla da inicial, apenas com reações locais. Paralelamente, os autores verificaram uma diminuição da reatividade cutânea para pêssego e elevação significativa de sIgG4, mas sem alterações significativas da sIgE, incluindo para outros alérgenos purificados (rMal d 1, rMal d 4 e nArt v 3) e sem aparecimento de novas sensibilizações.
O presente estudo reporta um período superior ao descrito, nomeadamente 12 meses, onde foi possível documentar não só eficácia clínica e segurança mas, também, alterações imunológicas sustentadas, que podem, eventualmente, antever uma eficácia a longo prazo, mesmo após a descontinuação da imunoterapia. Ao fim de 12 meses de imunoterapia, em paralelo com a eficácia clínica demonstrada em PPO negativa com polpa de pêssego, observámos alterações imunológicas subjacentes à eficácia da ITA idênticas às descritas na literatura, nomeadamente diminuição significativa da reatividade cutânea, aumento significativo dos anticorpos específicos protectores da resposta alérgica IgG4 e diminuição significativa da resposta IgE específica, não só para Pru p 3 mas, também, para pêssego. Uma diminuição da ativação dos basófilos, específica de alergénio, tem sido demonstrada após imunoterapia subcutânea. No entanto, poucos estudos avaliaram como a SLIT com inalantes ou alimentos atua nos basófilos e/ou nos seus mediadores. Além disso, esses estudos são difíceis de comparar devido à sua heterogeneidade24‑>27.
Num trabalho publicado recentemente pelos autores referidos, com SLIT de pêssego (dose de manutenção de 10 μg Pru p 3, 3x/semana, ou seja, 30μg Pru p 3 / semana), houve uma maior percentagem de basófilos ativados após a estimulação com pêssego pele e polpa e, também, com rPru p 3 ao fim de 1 e 6 meses de SLIT28. No presente estudo, observámos uma diminuição significativa da percentagem de basófilos activados quantificada pela expressão de CD63 após estimulação com Pru p 3 nas três concentrações utilizadas (0,05, 0,5 e 5 ug/mL) logo a partir do primeiro mês de tratamento.
Este achado resulta provavelmente de uma maior dose de manutenção da vacina utilizada (70 μg/semana), em comparação com o estudo publicado.
Por outro lado, observámos reações adversas (apenas reações locais ligeiras e resolução espontânea em 60% dos doentes) numa percentagem inferior à dos outros estudos publicados (98,8%) e não ocorreu nenhuma reação sistémica, incluindo nos doentes com história de anafilaxia.
CONCLUSÕES
Neste estudo, a SLIT com Pru p 3 parece ser uma opção terapêutica promissora, segura e capaz de modi ficar a reatividade clínica, tendo sido bem tolerada em doentes com alergia grave ao pêssego.
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Ana Célia Costa
Serviço de Imunoalergologia, Hospital de Santa Maria,
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Av. Prof. Egas Moniz,
1649‑035 Lisboa
E‑mail anaceliacosta@sapo.pt
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Bioportugal® e à Themofisher Scientific® a ajuda financeira para a concretização deste trabalho.
Data de receção / Received in: 09/11/2014
Data de aceitação / Accepted for publication in: 22/12/2014