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Revista Portuguesa de Imunoalergologia
versão impressa ISSN 0871-9721
Rev Port Imunoalergologia vol.24 no.1 Lisboa mar. 2016
CASO CLÍNICO
Importância da biópsia cutânea Um caso clínico
The importance of skin biopsy A case report
Ana Moreira, Isabel Rosmaninho, José Pedro Moreira da Silva
Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho
RESUMO
Introdução: As dermatoses constituem um desafio diagnóstico, abrangendo uma variedade de patologias que, frequentemente, têm apresentação clínica semelhante. A biópsia cutânea é um procedimento simples e rápido que permite realizar o exame histopatológico. Caso clinico: Doente do sexo feminino de 54 anos, com antecedentes de hipertensão arterial e dislipidemia, observada em consulta de Imunoalergologia por erupção cutânea, com 4 anos de evolução eritematosa, pruriginosa e persistente, com envolvimento de 2/3 da superfície corporal e sem melhoria após tratamento com metotrexato e corticoides. A biópsia cutânea prévia era compatível com Eczema crónico. Realizou‑se estudo analítico (hemograma, bioquímica e estudo imunológico) e testes epicutâneos sem alterações, bem como nova biópsia cutânea, compatível com micose fungoide. Após estadiamento neoplásico, iniciou fototerapia PUVA com melhoria clínica. Conclusões: O caso descrito evidencia a elevada importância da biópsia cutânea como exame complementar, na medida em que, com frequência, permite o esclarecimento e confirmação do diagnóstico.
Palavras‑chave: Biópsia cutânea, micose fungoide.
ABSTRACT
Introduction: Dermatosis is a diagnostic challenge and include several pathologies which often have similar clinical presentations. The skin biopsy is a simple and quick procedure that allows the histopathological evaluation of a skin sample. Case report: A 54 years old female, with hypertension and dyslipidemia, was admitted to an Immunoallergology appointment for an erythematous, itchy and persistent skin lesion with 4 years of evolution reaching 2/3 of the body surface and without improvement after treatment with methotrexate and corticosteroids. Prior skin biopsy was compatible with chronic eczema. We performed laboratory tests (CBC, biochemistry, immunologic study) and patch tests which were normal and another skin biopsy compatible with mycosis fungoides. After neoplastic staging the patient started phtototherapy PUVA with clinical improvement. Conclusion: This case report underlines the high importance of the skin biopsy as a complementary test because it often allows the clarification and confirmation of the diagnosis.
Keywords: Mycosis fungoides, skin biopsy.
INTRODUÇÃO
As dermatoses constituem um desafio diagnóstico, abrangendo no seu diagnóstico diferencial uma variedade de patologias, que frequentemente têm apresentação clínica semelhante. O diagnóstico diferencial deve basear‑se na história clínica, exame objectivo e, com frequência, em exames laboratoriais específicos1.
A biópsia cutânea é um procedimento simples e rápido que permite realizar o exame histopatológico de uma amostra cutânea. A sua realização está indicada em qualquer situação de dúvida, quer seja diagnóstica ou terapêutica2.
A terminologia de linfoma cutâneo primário refere‑se aos linfomas cutâneos de células T e B que se manifestam primariamente com atingimento cutâneo, sem evidência de doença extracutânea à data de diagnóstico3.
Constituem o segundo tipo mais frequente de linfomas não Hodgkin extranodais, com uma incidência de aproximadamente 1 por 100 000 habitantes/ano4.
Durante várias décadas a classificação destes linfomas foi inconsistente, até ter‑se alcançado acordo em 2005, na classificação de WHO/EORTC (World Health Organization/European Organization of Research and Treatment of Cancer), a qual divide estes linfomas com base em critérios clínicos, histológicos, imunológicos e de prognóstico3.
A micose fungoide é um linfoma cutâneo de células T que se carateriza pela proliferação de linfócitos T com núcleo cerebriforme3. É o tipo de linfoma cutâneo mais frequente e constitui quase 50% de todos os linfomas cutâneos primários3, sendo o seu diagnóstico por vezes difícil devido à sua apresentação clínica atípica e ocorrência de alterações histopatológicas inespecíficas nas fases iniciais. Constitui uma patologia rara, cuja incidência na Europa é de aproximadamente 6 casos por milhão de pessoas/ano5 e tipicamente afeta adultos (idade mediana de diagnóstico 55‑60 anos), com predileção pelo sexo masculino (masculino/feminino: 1,6‑2/1)3.
De forma característica, apresenta um curso clínico indolente, podendo os sintomas evoluir um longo períodode tempo, de 2 a 10 anos, antes da confirmação diagnóstica e manifestando‑se como lesões cutâneas de crescimento progressivo6, que evoluem de máculas para placas mais infiltradas e, finalmente, lesões tumorais3. Deste modo, na fase inicial as lesões podem apresentar um aspeto inespecífico, assemelhando‑se a dermatoses inflamatórias, como eczema crónico7.
Na análise histopatológica há um envolvimento preferencial da epiderme (epidermotropismo), sendo a presença de microabcessos de Pautrier patognomónica, mas ocorrendo em apenas 25% dos casos.8 Na imunofenotipagem as células neoplásicas tipicamente expressam um fenótipo de células T CD3+, CD4+, CD45RO+ e CD8, sendo que em raros casos se pode verificar um padrão CD4‑ e CD8+3.
Neste contexto, os autores descrevem um caso clínico de micose fungoide.
CASO CLÍNICO
Doente de 54 anos, com antecedentes de hipertensão arterial e dislipidemia. Em 2009 refere aparecimento de lesão eritematosa não pruriginosa na coxa esquerda, persistente, sem melhoria após tratamento com metotrexato e ciclos de corticoterapia tópica e sistémica. Em 2010, foi realizada biópsia cutânea, cujo resultado anatomopatológico foi compatível com eczema crónico. Após quatro anos de evolução, foi encaminhada para observação na Consulta de Imunoalergologia por agravamento da situação clínica, com extensão das lesões a 2/3 da superfície corporal e associação a intenso prurido. Referia agravamento clínico no verão e não apresentava fatores de alívio. A doente negava também início de novos fármacos em associação com aparecimento das lesões ou existência de sintomas acompanhantes, nomeadamente febre, astenia, queixas álgicas, sintomas gastrointestinais, respiratórios ou outros. Ao exame objetivo apresentava lesões cutâneas eritematosas dispersas pelo corpo, poupando apenas o dorso, que não desapareciam à digitopressão (Figura 1), com sinais de Auspitz e Darier negativos.
Não havia linfadenopatias palpáveis ou outras alterações de relevo ao exame objetivo. Foi realizado estudo analítico (hemograma, bioquímica e estudo imunológico), que foi normal, e realizaram‑se testes epicutâneos (Bateria Standard, Bial Aristegui®, Bilbau, Spain), os quais foram negativos. Os testes cutâneos por picada a aeroalergénios foram negativos, incluindo os fungos Aspergillus fumigatus, Cladosporium e Alternária. Procedeu‑se à execução de nova biópsia cutânea, cujo resultado foi compatível com o diagnóstico de micose fungoide (Figura 2), tendo sido o exame imuno‑histoquimico positivo para os anticorpos CD2, CD3, CD4, CD5 e CD43 e negativo para os CD7, CD8, CD20, CD56 e CD30. A tomografia toracoabdominopélvica revelou ausência de adenopatias ou organomegalias identificáveis. O estudo imunofenotípico dos linfócitos de sangue periférico não mostrou alterações sugestivas de doença linfoproliferativa T nem detetou células de Sézary. Também a biopsia da medula óssea não mostrou alterações.
A doente foi referenciada à Consulta de Dermatologia e iniciou tratamento com PUVAterapia (combinação de medicamentos que aumentam a sensibilidade da pele à luz, os psoralenos (P), com a luz ultravioleta A (UVA)), tendo apresentado resolução completa das lesões, mantendo atualmente vigilância clínica.
DISCUSSÃO
O caso clínico descrito refere‑se a uma situação de micose fungoide, uma neoplasia rara. Em concordância com o descrito na literatura para esta patologia, a doente apresentou um curso clínico insidioso, que se caracterizou pelo aparecimento de lesões cutâneas eritematosas de crescimento progressivo, sem outros sintomas acompanhantes.
Perante os sintomas apresentados pela doente, impoe‑se a consideração de diagnósticos diferenciais, nomeadamente dermatite atópica, dermatite de contacto sistémica, psoríase, toxicodermia ou outras neoplasias com manifestação cutânea.
A dermatite atópica, em certos casos, pode apresentar‑se com lesões cutâneas generalizadas; contudo, mais frequentemente, verifica‑se um envolvimento preferencial das pregas depois de um ano de idade. Também apresenta uma evolução clínica típica, com períodos de agudização e remissão.
O diagnóstico de dermatite de contacto deve ser considerado em qualquer doente que apresente lesões cutâneas pruriginosas tipo eczema, ou seja, com pápulas, eritema, vesículas, exsudado, crostas ou liquenificação9.
A dermatite de contato sistémica ocorre quando indivíduos previamente sensibilizados são re‑expostos de forma sistémica ao mesmo alergénio, podendo a via de exposição ser percutânea, oral, intravenosa, intramuscular ou inalatória10. Os alergénios mais implicados nesta dermatite têm sido níquel, aminoglicosídeos, corticoides, bálsamo de perú e plantas das famílias Anacardiacae e Compositae10 e a apresentação clínica mais frequente é o síndrome de babuíno, que se caracteriza por lesões eritematosas localizadas nas axilas, região intertriginosa e pregas9. Sendo assim, esta também seria uma patologia a considerar na doente estudada. A ausência de exposição conhecida aos alergénios mais frequentemente implicados, os resultados negativos dos testes epicutâneos e os achados encontrados na biópsia cutânea permitiram excluir o diagnóstico.
A psoríase caracteristicamente manifesta‑se sob a forma de placas de coloração branco‑prateado, descamativas e com sinal de Auspitz positivo9, pelo que também se apresenta como um diagnóstico menos provável, tal como a toxicodermia, por não haver um início recente de novos fármacos por parte da doente.
Em relação a outras neoplasias com possível manifestação cutânea, há a considerar os linfomas cutâneos de células T/NK e células B. No primeiro grupo destacam‑se como principais diagnósticos deferenciais a síndrome de Sézary, o linfoma/leucemia de células T do adulto e o linfoma subcutâneo de células T tipo paniculite.
A síndrome de Sézary define‑se pela tríade de eritrodermia, linfadenopatia e presença de células T neoplásicas (células de Sézary) na pele, gânglios linfáticos e sangue3, sendo que geralmente os sintomas iniciam‑se num curto período de tempo8, ao contrário da micose fungoide. No caso descrito, a biópsia da pele e a imunofenotipagem de sangue periférico não demonstraram presença de células de Sézary e, para além disso, a doente não apresentava linfadenopatia, pelo que se exclui a síndrome de Sézary como diagnóstico.
O linfoma/leucemia de células T do adulto é uma neoplasia etiologicamente associada à infeção pelo vírus T linfotrópico tipo 1 (HTLV‑1), sendo mais frequente em zonas endémicas, como no Japão, Caraíbas, Américas do Sul e Central3. Em aproximadamente 50% dos casos os doentes têm lesões cutâneas que se podem assemelhar às da micose fungoide3,5, contudo é muito mais provável a apresentação como doença extracutânea disseminada com envolvimento hepático, linfático, ósseo e do sistema nervoso central5. Um fator importante no diagnóstico diferencial é a identificação do vírus HTLV‑1 nas células malignas, que não foi possível na doente estudada por impossibilidade de meios complementares. O linfoma subcutâneo de células T tipo paniculite é um linfoma de células T raro que geralmente se manifesta como nódulos subcutâneos dolorosos ou placas circunscritas, que se assemelham a paniculite5 e que afetam principalmente os membros inferiores3. Contrariamente à micose fungoide, geralmente há um envolvimento predominante do tecido subcutâneo e expressão de células CD4‑ e CD8+5.
Relativamente aos linfomas cutâneos de células B, clinicamente não podem ser diferenciados da micose fungoide, sendo para tal necessário a análise histopatológica das lesões cutâneas, bem como o estudo imunofenotípico, que no caso da micose fungoide se destingue pela expressão de marcadores de células T, como CD2, CD3 e CD55.
CONCLUSÕES
Pelo exposto, o caso clínico descrito pretende evidenciar a elevada importância da biópsia cutânea como exame complementar de diagnóstico, na medida em que esta permite com frequência o esclarecimento e confirmação do diagnóstico nos casos de dermatoses inespecíficas.
Para além disso, é ainda de realçar a relevância na realização de biópsias cutâneas seriadas no tempo que permitem detetar alterações presentes em fases específicas da história natural de várias doenças, podendo em certos casos possibilitar um diagnóstico de patologias neoplásicas em estádios mais precoces da sua evolução e, como tal, proporcionar um melhor prognóstico ao doente.
Na doente apresentada, após tratamento dirigido verificou‑se uma boa evolução clínica. Atualmente a doença encontra‑se em estádio IA (T1bN0M0B0), que apresenta um prognóstico favorável, com uma sobrevida mediana de 20 anos6.
REFERÊNCIAS
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Ana Sofia Cordeiro Moreira
Serviço de Imunoalergologia
Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia e Espinho
R. Dr. Francisco Sá Carneiro
4400‑129 Vila Nova de Gaia
Telef. 227865100
Financiamento: Sem apoios financeiros a declarar.
Data de receção/ Received in: 06/11/2015
Data de aceitação / Accepted for publication in: 03/02/2016