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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.27 no.4 Lisboa dez. 2019

https://doi.org/10.32932/rpia.2020.01.022 

ARTIGO ORIGINAL

 

Prova de provocação na hipersensibilidade não imediata aos antibióticos betalactâmicos com dose diária recomendada em dia único – Eficácia diagnóstica

One-day-only drug provocation test in beta-lactam non‑immediate hypersensitivity reaction – Diagnostic efficacy

 

Filipa Semedo1,2, Cíntia Cruz1, Elza Tomaz1, Filipe Inácio1

1 Serviço de Imunoalergologia, Hospital de São Bernardo, Centro Hospitalar de Setúbal

2 CICS – Centro de Investigação em Ciências da Saúde, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior, Covilhã

 

Correspondência para:

 

RESUMO

Fundamentos: A prova de provocação oral (PPO) é considerada o gold standard no diagnóstico de hipersensibilidade aos betalactâmicos. Todavia, não existe ainda adequada uniformização entre os protocolos utilizados nos vários centros, surgindo a questão de se a administração de um curso terapêutico completo numa PPO alargada contribuiria para o aumento da sensibilidade diagnóstica da prova. Objetivos: Avaliação da eficácia diagnóstica da PPO de um dia com antibiótico betalactâmico num grupo de doentes com suspeita de reação de hipersensibilidade não imediata a este grupo terapêutico. Métodos: Dos 111 doentes consecutivos referenciados ao Serviço de Imunoalergologia do Centro Hospitalar de Setúbal por suspeita de hipersensibilidade aos antibióticos betalactâmicos, de Janeiro de 2012 a Janeiro de 2017, 56 apresentavam suspeita de reação não imediata. Após realização de PPO de um dia com o fármaco suspeito, 54 doentes não apresentaram sintomatologia, tendo a prova sido considerada negativa. Foram posteriormente avaliados telefonicamente com um questionário de efectividade sobre a realização de terapêutica com betalactâmicos após a exclusão do diagnóstico por PPO. Resultados: A análise do questionário mostrou que, do total de 54 doentes cuja hipersensibilidade aos betalactâmicos foi excluída pela PPO, 24 responderam que lhes tinha sido prescrita a terapêutica durante o período de follow-up abordado. Destes, 79,2% realizou a terapêutica e nenhum apresentou sintomatologia compatível com hipersensibilidade, sendo confirmada a exclusão do diagnóstico. Os restantes não cumpriram a prescrição por manterem receio de reação adversa. Conclusões: Na análise retrospetiva de um grupo de doentes com suspeita de hipersensibilidade não imediata aos betalactâmicos com PPO negativa, foi possível confirmar a posteriori que a utilização do protocolo recomendado de um dia apresentou total eficácia na exclusão do diagnóstico, questionando-se a necessidade de utilização de protocolos prolongados.

Palavras-chave: Betalactâmico, hipersensibilidade a fármacos, prova de provocação, reação não imediata.

 

ABSTRACT

Background: Drug provocation tests (DPT) are the gold standard in the diagnosis of beta-lactam hypersensitivity. However, no standardization exists concerning the protocols used between centers, raising the question if a full-course DPT would increase the effectiveness of the allergy workup. Objective: To evaluate the diagnostic efficacy of a 1-day-only DPT with beta-lactam antibiotic in a group of patients with suspected non-immediate hypersensitivity reaction to these drugs. Methods: From the 111 consecutive patients referred to the Allergy and Immunology Department of Centro Hospitalar de Setúbal for suspected beta-lactam hypersensitivity from January 2012 to January 2017, 56 had history of nonimmediate reactions. After completing a 1-day-only DPT with the culprit drug, 54 experienced no symptoms and the DPT were considered negative. Afterwards, an effectiveness questionnaire was administered to assess if patients had been prescribed and received beta-lactams after the negative DPT. Results: Of the total of 54 patients with excluded diagnosis of beta-lactam hypersensitivity with DPT, 24 answered that had been prescribed with beta-lactams during the considered follow-up period. Out of those, 79.2% affirmed that had received the antibiotic and hadn´t suffer from any symptoms of hypersensitivity, confirming the exclusion of drug allergy. The remaining patients did not get the therapy because the lack of confidence in the result. Conclusions: According with the retrospective analysis of our group of patients with suspected non-immediate hypersensitivity reaction to beta-lactams with a negative DPT, it was confirmed that 1-day-only DPT protocol  was totally effective in the diagnostic exclusion, which questions the utility of long course protocols.

Key-words: Beta-lactam, drug hypersensitivity, drug provocation test, non-immediate reaction.

 

INTRODUÇÃO

A amoxicilina é o antibiótico recomendado como primeira linha de tratamento na maioria das infecções bacterianas adquiridas na comunidade, pertencendo ao grupo farmacológico dos antibióticos betalactâmicos, o mais frequentemente prescrito sobretudo em idade pediátrica1.

Os antibióticos betalactâmicos, particularmente as penicilinas, podem ser responsáveis por reações de hipersensibilidade imediata ou não imediata, esta última no período após a primeira hora, mais frequentemente exantema maculopapular3.

Os mecanismos imunológicos envolvidos nas reacções de hipersensibilidade não imediata parecem ser heterogéneos.

Nos exantemas maculopapulares, células T CD4 citotóxicas e produtoras de IL-5 migram para o tecido cutâneo, provocando destruição de queratinócitos pela apresentação do fármaco às moléculas do complexo major de histocompatibilidade – classe II. A IL-8 é libertada por linfócitos T e queratinócitos, contribuindo para a neutrofilia encontrada na pustulose exantematosa aguda generalizada (AGEP). Nas reações com descolamento cutâneo, as células T CD8 específicas são expressas de forma exuberante, com capacidade citotóxica e de destruição de queratinócitos4.

A dificuldade no diagnóstico de reações não imediatas a fármacos prende-se com a frequente falta de especificidade da sintomatologia apresentada. Por vezes também a multiplicidade de fármacos a que o doente está exposto pode dificultar a identificação do grupo terapêutico implicado, pelo que a anamnese é fundamental na orientação diagnóstica5.

Apesar de poder apresentar controvérsia do ponto de vista ético, quando não contraindicada a prova de provocação com o fármaco é, atualmente, a melhor ferramenta para confirmação da relação causal entre a utilização de um fármaco e uma reação de hipersensibilidade.

Esta consiste na administração cuidada do agente suspeito, preferencialmente por via oral, quando os indivíduos mostraram ausência de reatividade na avaliação diagnóstica prévia, por testes cutâneos por picada, intradérmicos e epicutâneos de leitura tardia6. Sobretudo nas reações de hipersensibilidade não imediata, a PPO pode ser positiva mesmo após um resultado negativo prévio nos testes cutâneos com o fármaco, devido à baixa sensibilidade dos mesmos7.

Em idade pediátrica, a maioria das reações cutâneas não imediatas que se desenvolvem durante um curso de antibioterapia são consequência do processo infeccioso concomitante. Manifestam-se sobretudo como exantemas maculopapulares, ligeiros, com resolução espontânea, e podem decorrer da interação, em indivíduos suscetíveis, entre a ativação do sistema imune induzida por um vírus e a desencadeada pelo antibiótico. Nesse sentido, e considerando a baixa sensibilidade dos testes cutâneos, preconiza-se que no caso de reações não imediatas ligeiras, tipo exantema maculopapular em idade pediátrica, o estudo alergológico seja iniciado pela PPO com o fármaco8.

A PPO é, no entanto, contraindicada no caso de reacções imediatas ou não imediatas graves6.

Quando executada, a PPO deve ter lugar em centro especializado sob a observação de equipa técnica com experiência na realização do procedimento. O protocolo atualmente aconselhado para estudo da reação de hipersensibilidade aos betalactâmicos implica a administração em doses crescentes do fármaco suspeito, em intervalos de 30 minutos, até à dose cumulativa total equivalente ao valor diário recomendado para o doente.

O doente deve ainda ser mantido em observação nas duas horas seguintes ao procedimento e deve ser observado após as 48 horas seguintes, para identificação ou exclusão de sintomatologia não imediata9,10.

Devido aos riscos inerentes, a PPO deve apenas ser realizada após cuidada ponderação individual do risco-benefício. Todavia, a falta de estandardização nos protocolos aplicados, quanto às doses e aos intervalos de administração, sendo estes decididos de forma empírica e dependente do centro onde têm lugar, levanta várias questões quanto à metodologia mais eficaz e segura11. Está ainda sob debate se a administração de um curso terapêutico de vários dias, eventualmente até perfazer um curso completo (por exemplo, de 7 dias) como protocolo da PPO com betalactâmicos na suspeita de reacção de hipersensibilidade não imediata, trará benefício para a sensibilidade no diagnóstico, estando o doente sujeito ao fármaco por período mais prolongado e a uma dose cumulativa superior12.

O objetivo deste estudo prende-se com a avaliação da eficácia diagnóstica da PPO com toma da dose diária recomendada em dia único de um antibiótico betalactâmico num grupo de doentes com história clínica compatível com reação de hipersensibilidade não imediata a este grupo terapêutico.

MATERIAL E MÉTODOS

Doentes

Foram analisados os processos de 111 doentes acompanhados em consulta de Imunoalergologia por suspeita de hipersensibilidade a antibióticos betalactâmicos, de janeiro de 2012 a janeiro de 2017, que realizaram PPO com o fármaco para diagnóstico.

Foram registados os dados obtidos na anamnese realizada pelo médico assistente, nomeadamente sexo, idade, tempo decorrido entre o início da toma do fármaco e a reação, tipo de reação, fármacos suspeitos, assim como os dados obtidos da realização de exames complementares de diagnóstico, como testes cutâneos por picada, testes intradérmicos, testes epicutâneos e PPO.

Doentes com suspeita de reação imediata a betalactâmico, pela história clínica realizada, mesmo que com PPO com o fármaco suspeito negativa, foram excluídos.

Dos doentes com suspeita de reação não imediata a betalactâmico e cuja investigação por PPO foi positiva foram igualmente excluídos, sendo o questionário aplicado apenas a doentes com suspeita de reação não imediata excluída por PPO negativa.

Protocolo diagnóstico

A marcha diagnóstica realizada na consulta de Imunoalergologia é desenvolvida de acordo com as guidelines da European Network for Drug Allergy6. As reações de hipersensibilidade foram classificadas como imediatas se ocorreram no período de 1 hora após a toma de antibiótico, ou não imediatas se ocorreram mais de 1 hora após a toma e/ou 36 horas após o início da terapêutica antibiótica.

Os testes cutâneos e as PPO com fármacos foram realizados de acordo com o Manual de Boas Práticas de Imunoalergologia13.

Os testes cutâneos por picada e testes intradérmicos foram efetuados em concentrações não irritativas com os determinantes da penicilina (peniciloilpolisina – PPL e mistura de determinantes minor– MDM), benzilpenicilina, ampicilina e amoxicilina, controlados com solução salina e histamina. As leituras foram realizadas 20 minutos e 48 horas após a realização dos testes. Os testes cutâneos por picada foram considerados positivos se a correspondente pápula atingiu um diâmetro médio superior em 3 mm ao controlo negativo e apresentou eritema circundante.

Nos testes intradérmicos, o critério de positividade consistiu no aumento de 3 mm do diâmetro médio da pápula de inoculação, com eritema circundante.

No presente estudo, os testes epicutâneos com fármacos betalactâmicos não foram rotineiramente utilizados como recomendados14, mas apenas efetuados em alguns doentes, uma vez que a leitura tardia de testes intradérmicos parece apresentar maior sensibilidade do que os testes patch.

As PPO foram realizadas se os testes cutâneos previamente efetuados obtiveram resultados negativos ou em crianças com exantema maculopapular, que não realizam habitualmente testes cutâneos previamente. Todos os doentes ou seus responsáveis legais no caso de não maioridade, assinaram o consentimento informado autorizando a realização da prova. Foi aconselhada previamente a evicção de anti-histamínicos nos 5 dias e corticosteroides nos 7 dias anteriores à PPO. Nas PPO foi utilizado um protocolo aberto e foram consideradas positivas se desencadearam sinais e sintomas objectiváveis de acordo com a reação adversa em estudo. Foi administrado o fármaco a testar (amoxicilina ou betalactâmico suspeito), de acordo com o protocolo estabelecido no serviço com 4 a 6 doses progressivamente crescentes, intervaladas em 20 ou 30 minutos, até atingimento da dose cumulativa de 100% da dose diária recomendada (nas crianças, calculada de acordo com o peso). A PPO foi interrompida no caso de se ter verificado uma reação.

A vigilância após realização da PPO, em contexto de Hospital de Dia de Imunoalergologia, estendeu-se às 2 horas, sendo os doentes instruídos no sentido de contactar o médico assistente 48 horas após para informar sobre existência eventual de reação adversa.

Todos os doentes com PPO negativa na avaliação imediata (60 minutos) e na avaliação tardia (48 horas) receberam após 7 dias a informação de que não teria ocorrido reação alérgica ao antibiótico e, nesse sentido, poderiam efetuar medicação antibiótica com betalactâmicos se necessário, sendo o risco de desenvolvimento de reação alérgica igual ao risco na exposição de qualquer outro indivíduo saudável.

Questionário de efetividade

Foi utilizado um questionário proposto por Warrington et al15 para avaliação a posteriorida efetividade da investigação diagnóstica, realizado através de entrevista telefónica, levado a cabo por dois investigadores médicos com formação em Imunoalergologia, pelo menos 6 meses após a realização da PPO (Figura 1). O consentimento informado foi solicitado e obtido via telefone em todos os doentes incluídos.

O questionário realizado consistia nas seguintes questões: (1) “Foi prescrita terapêutica antibiótica com betalactâmicos desde que fez a PPO?” (2) “Se sim, cumpriu a terapêutica?” (2a) “Se cumpriu a terapêutica, desenvolveu alguma reação?” (2b) “Se não cumpriu a terapêutica, por que motivo?”.

Na realização da pergunta 1, o investigador utilizou estratégias facilitadoras para o doente ou o seu responsável identificar a antibioterapia em questão, nomeadamente questionou acerca de vários princípios terapêuticos e nomes comerciais referentes ao grupo das penicilinas.

Quando a resposta à pergunta 1 foi não, o investigador deu o questionário por terminado. Se as respostas à pergunta 1 e à pergunta 2 foram “sim”, o investigador realizou a pergunta 2a, desenvolvendo depois a resposta, caso o doente tenha descrito alguma reação à terapêutica.

Se a resposta à pergunta 1 foi “sim” e à pergunta 2 foi “não”, o investigador prosseguiu com a pergunta 2b explorando depois o motivo pelo qual não cumpriu a terapêutica prescrita. Para a análise estatística foi utilizado o programa SPSS Statistics, versão 21.

RESULTADOS

Do total de 111 doentes acompanhados em consulta de Imunoalergologia de janeiro de 2012 a janeiro de 2017 para estudo de reação de hipersensibilidade aos antibióticos betalactâmicos e que realizaram PPO com o fármaco suspeito, 56 apresentava história clínica compatível com reação não imediata.

Procedeu-se então à análise dos dados clínicos referentes a este grupo de doentes (Quadro 1). Relativamente à orientação para a consulta de Imunoalergologia, a maioria dos doentes terá sido encaminhada pelo médico de família (82,1%, 46 doentes), 7,2% (4 doentes) pela especialidade de Pediatria (consulta externa e serviço de urgência pediátrico) e 10,7% por outros serviços e especialidades, nomeadamente pelo serviço de urgência geral.

Quanto a comorbilidades alergológicas, doze (21,4%) doentes apresentavam asma e rinite, seis (10,7%) apenas rinite, um (1,8%) eczema e dois (3,6%) outra alergia medicamentosa, sendo não atópicos a maioria dos doentes (6,7%, 34 doentes).

A mediana de idades em que surgiu a reação suspeita de hipersensibilidade ao antibiótico foi de 6 ± 20,9 anos, a registar-se com um mínimo de 8 meses e um máximo de 69 anos, a maioria em idade pediátrica (73,2%).

A idade média de realização de PPO com betalactâmicos no grupo estudado foi de 25,4 ± 22,9 anos, 53,6% dos doentes com menos de 18 anos.

O tempo médio de intervalo entre a reação adversa farmacológica estudada e a investigação em contexto de consulta de Imunoalergologia foi de aproximadamente 3,2 ± 5,8 anos, moda de 1,0.

Relativamente à distribuição por género, 55,4% dos doentes eram do sexo feminino.

O fármaco suspeito de causar reação foi a amoxicilina-ácido clavulânico em 50,0% dos casos (28 doentes), amoxicilina em 30,4% (17) e penicilina benzatínica em 19,6% (11).

A reação de hipersensibilidade manifestou-se por exantema maculopapular em 82,1% (n=46) dos doentes, angioedema em 3,6% (n=2) e eritema fixo em 3,6% (n=2), sendo que em 10,7% dos casos (n=6) os doentes não se recordavam da manifestação clínica da reação.

O fármaco utilizado na PPO foi a amoxicilina-ácido clavulânico em 31 (55,4%) e a amoxicilina (44,6%) em 25 doentes. Dois doentes tiveram uma PPO positiva com reação tardia nas 48 horas seguintes ao dia da prova.

Posteriormente, os 54 doentes com PPO negativa com o fármaco foram submetidos ao questionário (Figura 1) via telefone, no período de pelo menos 6 meses após a PPO. O tempo médio de intervalo decorrido entre a PPO e a reavaliação telefónica foi de 18 meses (±9,7).

A informação detalhada sobre os 54 doentes a quem foi submetido o questionário encontra-se resumida no final do Quadro 1.

A análise do questionário mostrou que 30 doentes responderam “não” à pergunta 1 do questionário, dizendo que não lhes terá sido prescrito nenhum antibiótico da classe dos betalactâmicos entre a data da PPO e a data da entrevista telefónica.

Os restantes 24 doentes responderam “sim” à pergunta 1, afirmando que lhes tinha sido prescrita a terapêutica durante o período de follow-upabordado. Destes, 19 doentes responderam “sim” à pergunta 2, confirmando que realizaram a terapêutica prescrita e posteriormente todos responderam “não” à pergunta 2a, não tendo tido nenhuma reação adversa.

Os cinco doentes a quem foi prescrita terapêutica com betalactâmicos e que não a cumpriram referiram como resposta à pergunta 2b ter receio de tomar o antibiótico betalactâmico por não confiar no resultado da investigação efetuada. Destes, quatro eram indivíduos do sexo feminino em idade adulta.

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo sugerem que a PPO com duração de 1 dia até atingimento da dose cumulativa total apresentou eficácia diagnóstica em 100% dos doentes expostos.

Os linfócitos T (e B) de memória e efetores estão, por definição, presentes nos doentes alérgicos aos betalactâmicos, não havendo ainda evidência publicada que in vivo uma PPO prolongada seja mais eficaz na activação destes do que a PPO com 1 dia de duração. Chiriac AM et al11 referem que uma dose cumulativa suficiente para desencadear a reação imune será mais relevante do que o tempo de exposição apenas, uma vez que a PPO de 1 dia é suficiente para a estimulação das células imunes pelo menos 48 horas, tendo em conta o tempo de semivida e de metabolização do fármaco.

A necessidade de realização de PPO na suspeita de hipersensibilidade não imediata é claramente ilustrada pelos numerosos casos de falência diagnóstica dos testes cutâneos (por picada, intradérmicos e epicutâneos) neste tipo de reações16. Atualmente a PPO é a melhor ferramenta diagnóstica para confirmar uma relação causal entre a administração de um fármaco e uma reação adversa não imediata, tendo em atenção a sua contraindicação nas reações graves17. Todavia, os protocolos utilizados para a sua realização são dependentes da experiência, individual ou de cada serviço, não existindo uma uniformização quanto às doses, número de tomas e duração total da PPO. Os grupos de estudo na área da hipersensibilidade a fármacos aconselham a iniciar a PPO com uma dose “baixa”, atingindo no final a dose cumulativa correspondente à dose terapêutica diária do fármaco em questão6.

Quando a questão se coloca relativamente à eficácia diagnóstica da PPO surge o debate se o protocolo de 1 dia é sensível o suficiente (versus, por exemplo, protocolo de curso terapêutico completo de 7 dias) sobretudo em doentes com reações de hipersensibilidade não imediatas que se desenvolveram no dia 2 ou posterior no curso de tratamento18.

Segundo alguns estudos, a PPO prolongada parece diagnosticar aproximadamente mais 11,5 a 15% de doentes do que a PPO de 1 dia19,20. Todavia, a maioria destes reporta uma taxa de positividade que é sobreponível à incidência de hipersensibilidade a betalactâmicos na população em geral, de 5 a 8%21.

Os presentes resultados sugerem elevada eficácia diagnóstica do protocolo de provocação atualmente recomendado, com duração de 1 dia. Estudos com maior número de doentes utilizando um protocolo semelhante mostram também elevada eficácia, como publicado por Demoly P et al22, que calcula um valor preditivo negativo para a PPO com betalactâmicos de 94,1% (estudo multicêntrico que incluiu 457 doentes com suspeita de alergia a betalactâmicos, 81% de doentes com história de hipersensibilidade não imediata).

Chiriac AM et al11 analisaram retrospetivamente um grupo de 182 doentes com PPO com protocolo de 1 dia positiva para betalactâmicos e concluíram que 98,9% dos doentes teriam tido a reação durante o período de 48 horas seguinte à administração do fármaco na PPO. Tal parece ser consistente com a evidência empírica de que, no contexto de reexposição, a maioria das reações de hipersensibilidade a fármacos surge mais precocemente do que na reação adversa primária que suscitou a hipótese diagnóstica (frequentemente após 7 dias de terapêutica).

Ainda relativamente a possíveis desvantagens de um protocolo prolongado versus o protocolo de 1 dia de PPO com betalactâmicos, é de considerar a eventual contribuição para o aparecimento de sensibilizações em indivíduos testados e não alérgicos. Alem disso, a alteração da microbiota intestinal por exposição prolongada e desnecessária a antibioterapia pode levar ao desenvolvimento de resistências bacterianas. Adicionalmente, os estudos mostram que os doentes diagnosticados apenas quando a PPO era prolongada apresentavam reações cutâneas ligeiras, como sintomatologia da hipersensibilidade, não sendo provavelmente lícito implementar o protocolo de forma rotineira tendo em conta os riscos, em comparação com os benefícios do mesmo18.

Ratzon R et al23 aplicaram o mesmo questionário de efetividade num grupo de doentes com suspeita de hipersensibilidade não imediata a betalactâmicos excluída pela PPO negativa para o grupo terapêutico. Neste estudo, o período médio de follow-upfoi de 2,5 anos (mais 12 meses do que no presente estudo), tendo o questionário sido aplicado a 49 doentes. Destes, 69% já teriam utilizado beta-lactâmicos, contrastando com aproximadamente metade deste valor neste grupo de doentes, sendo esta diferença justificada possivelmente pelo curto período decorrido para reavaliação.

Segundo as respostas obtidas pelo questionário aplicado, a antibioterapia com betalactâmicos foi prescrita a 24 doentes no período de follow-upestudado, sendo que cinco optaram por não realizar a medicação, por receio de reação adversa. A não adesão à terapêutica revela falta de confiança no resultado da PPO em 20,8% dos casos, valor mais elevado do que no estudo de Ratzon E et al23, com uma percentagem de não adesão de 12,8%.

Este achado poderá sugerir a necessidade de uma abordagem mais cuidada no sentido de assegurar ao doente a exclusão do diagnóstico de alergia quando a PPO é negativa devido ao elevado valor preditivo negativo da mesma. Estratégias de esclarecimento e motivação podem ser implementadas para aumentar a percentagem de adesão à terapêutica, uma vez que a sua hipersensibilidade foi já excluída.

Quanto a limitações do estudo efetuado, há que referir que a resposta à necessidade de um protocolo de provocação prolongado para aumento da eficácia diagnóstica é obtida de forma indireta, uma vez não existir grupo de controlo que tenha efetuado esse mesmo protocolo.

Também o número de doentes estudado foi reduzido e o tempo de follow-upfoi relativamente curto, para além de a base de dados ser constituída por doentes de apenas um único centro.

CONCLUSÕES

Na análise retrospetiva foi possível verificar que a utilização do protocolo recomendado de 1 dia para a realização de PPO com betalactâmicos foi eficaz na exclusão do diagnóstico de hipersensibilidade no grupo estudado.

A informação prestada ao doente relativamente ao significado do resultado da PPO, quer verbalmente quer por escrito, é fundamental no sentido de assegurar que a recomendação é cumprida, seja no sentido da evicção se a PPO for positiva ou, se negativa, para cumprimento da terapêutica, se necessário a sua toma, em vez de uma alternativa desnecessária e menos eficaz.

 

REFERÊNCIAS

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Contacto:

Filipa Matos Semedo

pipa.semedo@gmail.com

 

Conflito de interesses

Os autores declaram que não existem conflitos de interesse.

 

Data de receção / Received in: 27/10/2018

Data de aceitação / Accepted for publication in: 08/01/2019

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