INTRODUÇÃO
A Síndrome de Rubinstein-Taybi é uma doença genética autossômica dominante extremamente rara com uma prevalência estimada de 1 caso para 125.000 nascidos vivos. A síndrome é caracterizada por aspectos faciais típicos, microcefalia, hálux e polegares largos, deficiência intelectual e retardo do crescimento pós-natal. No entanto, nenhum critério diagnóstico padronizado é viável para a síndrome de Rubinstein-Taybi1. O desenvolvimento da síndrome é frequentemente complicado por infecções respiratórias recorrentes. Em muitos desses casos é provável ser o resultado de microaspiração ou refluxo gastroesofágico, mas em outros casos, uma deficiência de anticorpos subjacente é um fator para a suscetibilidade maior a diversas infecções2.
Objetivamos com esse relato mostrar o caso de um jovem de 25 anos com a síndrome de Rubinstein-Taybi que procura assistência visando unicamente avaliar alergia alimentar através de testes de contato. Constata-se uma significativa esofagite eosinofílica, confirmada por exames específicos.
Além disso, foi observado pela história um erro inato da imunidade que foi confirmado pelos exames apropriados.
RELATO DE CASO
Paciente de 25 anos, masculino, encaminhado ao serviço de Alergologia após diagnóstico de esofagite eosinofílica dado pela endoscopia digestiva alta (terço proximal com estrias longitudinais, redução da luz do órgão e traqueização) e confirmado por biópsia (40 eosinófilos / campo de grande aumento), realizados devido relato de disfagia de longa data e impactação de bolo alimentar, sem melhora com tratamento. É portador de síndrome de Rubinstein-Taybi. Pais relatam que paciente apresentou episódios de infecções graves de repetição com necessidade
de internações hospitalares e em terapia intensiva pediátrica frequentes, se destacando na infância pelo menos 2 sepses, além de grave pielonefrite associado a refluxo vesicoureteral. Relatam ainda otites e sinusites de repetição, fazendo uso de diversos cursos de antibioticoterapia prolongada. Aos 23 anos, admitido novamente em terapia intensiva devido a nova septicemia. Ao exame físico, apresenta fácies sindrômica típica, microcefalia, com défice cognitivo, polegares e hálux alargados (Figura 1), cifose e baixa estatura. Evidencia ainda diminuição da acuidade visual e auditiva, todas essas características compatíveis com a síndrome de base. História familiar não apresenta casos similares na família, mas mãe teve dois abortos idiopáticos.
Avaliação de alergia alimentar através da dosagem de IgE específica para diversos alimentos foi totalmente negativa apesar de apresentar nível de IgE total normal. Teste de contato para alimentos foi negativo na avaliação de 48 e 72 horas. Exames imunológicos evidenciaram níveis de IgG abaixo do referencial para idade, bem como de IgG1, IgG2 e IgG4. Havia ainda comprometimento na formação de anticorpos específicos, especialmente para pneumococos, apesar da vacinação não conjugada específica realizada (Tabela 1).
DISCUSSÃO
A síndrome de Rubinstein-Taybi é caracterizada por características faciais dismórficas, primeiros dedos das mãos e pés amplos e angulados, baixa estatura e desabilidade intelectual de moderada a severa3. Essas características chamam a atenção também em nosso paciente logo de início. É importante pontuar que muitos órgãos e sistemas podem ser afetados, mas nenhum sinal ou sintoma pode ser considerado patognomônico1. A obesidade pode se desenvolver na infância ou adolescência3.
O paciente tem 1,51m e apresenta um índice de massa corporal de 30,7, caracterizando a obesidade. O quociente intelectual (QI) nessa população é baixo. Entretanto, o desenvolvimento cognitivo varia consideravelmente3.
Observamos no paciente uma nítida redução do QI, mas com uma capacidade de memória bastante aguçada, porém não realizamos testes específicos.
A procura por atendimento numa clínica alergológica se dá para se avaliar a possibilidade de alergias alimentares.
O paciente apresenta sintomas dispépticos de longa data, se destacando a sensação de impactação do bolo alimentar, apesar do uso continuado de inibidor de bomba de prótons há muitos anos em dose plena (esomeprazol 40 mg, 2 vezes ao dia). Problemas alimentares e constipação são comuns3. Refluxo gastroesofágico é constatado em 68% desses pacientes1. Não encontramos trabalhos científicos de esofagite eosinofílica em portadores de Rubinstein-Taybi.
Endoscopia realizada constatou uma significativa eosinofilia em biópsias esofágicas. Isso caracteriza uma esofagite eosinofílica, que por definição é uma doença crônica, imunológica e/ou antígeno-mediada, caracterizada clinicamente por sintomas relacionados à disfunção esofágica e histologicamente por inflamação predominante de eosinófilos. Justamente sintomas clínicos, tais como impactação alimentar e a disfagia, são descritos em pacientes com o quadro e são consequência direta do remodelamento da mucosa esofágica e fibrose. Essa clínica associada a biópsias de mucosas evidenciando pelo menos 15 eosinófilos por campo de grande aumento confirmam o diagnóstico4. A partir daí introduziu-se corticosteroide em forma de gel (budesonida 1 mg, 2 vezes ao dia) por 16 semanas, apresentando nítida melhora clínica. Porém, nova endoscopia digestiva alta manteve taxas de eosinofilia que mantinham o quadro histológico precedente. Então realizou-se exaustiva procura por alergia alimentar através de dosagens de IgE específicas e depois através de testes de contato com alimentos, exame conhecido como atopic patch test, sendo todos absolutamente negativos. A principal vantagem das dietas guiadas por testes é a possibilidade de ser menos restritiva e, como consequência, determinar menor impacto sobre a qualidade de vida, assim como de seus familiares5. Na parte de adultos com esofagite eosinofílica, em recente trabalho, o teste de contato alérgico foi positivo para mariscos (34%), trigo (3%), ovo (5%) e soja (5%), dentre outros6.
Infecções recorrentes, incluindo otite média e pneumonia, têm sido relatados numa fração relevante desses casos. Estudos prévios sugerem que suscetibilidade a infecções afeta 75% dos pacientes com a síndrome. É provável que eles sejam expostos a infecções respiratórias devido a microaspiração e refluxo gastroesofágico, mas disfunção da reposta imune pode também contribuir2.
Chamou nossa atenção o paciente ter apresentado quadros de sepses graves, o que poderia sugerir algo primariamente imunológico7. Em coorte recentemente publicado, constatou-se infecção grave necessitando de hospitalização em 22,1% dos pacientes. Nesse trabalho, ao contrário do nosso caso, encontrou somente 12,7% de níveis reduzidos de IgG. Já os níveis de IgA e IgM estavam reduzidos em 19,6% e 18,2% dos pacientes8. Também não encontramos alterações nessas imunoglobulinas em nosso paciente. Aspecto relevante encontrado foi a reposta reduzida a produção de anticorpos a polissacarídeos pneumocócicos, o que se correlaciona com os 71,4% encontrado na literatura8.
Está claro na literatura que há pacientes mostrando variáveis níveis de defeitos na imunidade humoral9. Portanto, sua imunodeficiência não afetaria o teste de contato atópico (imunidade celular). E o comprometimento do referido paciente afeta a produção de IgG, com as outras imunoglobulinas normais, então as dosagens de IgE específica não seriam afetados. Assim, o quadro imunológico é de uma hipogamaglobulinemia, às custas de IgG, associada a deficiência moderada de anticorpos específicos10. Reforça-se que a contagem total de células B não estava diminuída. Imunodeficiências sindrómicas são síndromes genéticas com anormalidades em outros sistemas orgânicos além dos defeitos imunológicos, que pode não ser o problema clínico primário. Nessas condições, as anormalidades imunológicas podem ser achadas em somente uma fração dos pacientes, como no caso em questão8. Não encontramos linfopenia e a imunofenotipagem foi normal para CD3+, CD4+, CD8+, CD19+ e células NK.
CONCLUSÃO
Em suma, com esse caso clínico quisemos reportar a rara síndrome de Rubinstein-Taybi. Além disso, ressaltamos para a comunidade médica a importância de se avaliar imunodeficiências primárias em pacientes com síndromes genéticas, bem como quadros digestivos ímpares como a esofagite eosinofílica, notadamente nessa síndrome.