INTRODUÇÃO
Define-se rinite como um grupo de patologias inflamatórias da mucosa nasal que podem cursar com rinorreia anterior e/ou posterior, congestão/obstrução nasal, crises esternutatórias, prurido nasal e hiposmia1. Trata-se de um grupo de patologias muito frequentes em todos os grupos etários, cuja etiologia é multifatorial, podendo ser classificadas em diferentes fenótipos1,2. A rinite crónica pode afetar fortemente o estado físico e emocional do doente, tendo um impacto importante na sua saúde e qualidade de vida3, podendo contribuir para o desenvolvimento, ou agravamento, de patologias como a asma brônquica, rinossinusite, otite média, entre outras2.
A rinite não alérgica é um dos fenótipos “tradicionais” da rinite, sendo caracterizada por sintomas de rinite associados à ausência de um mecanismo alérgico subjacente (identificado, por exemplo, pela presença de IgE sérica, testes cutâneos ou prova de provocação nasal com alergénio positiva)1. A rinite alérgica local é um diagnóstico diferencial relevante da rinite não alérgica e deve ser considerado em indivíduos não atópicos com sintomatologia nasal sugestiva de etiologia alérgica4. A rinite não alérgica inclui um grupo heterogéneo de subfenótipos, nem sempre suportados por evidência adequada, incluindo por exemplo a rinite vasomotora, senil, induzida por fármacos, hormonal, gustativa e atrófica1.
Os diferentes subfenótipos de rinite não alérgica tendem a apresentar-se maioritariamente na idade adulta, ao contrário do que acontece com a rinite alérgica, cuja apresentação clínica ocorre habitualmente antes dos 20 anos e frequentemente durante a infância5.
Esta revisão pretende sistematizar o estado da arte dos diferentes fenótipos de rinite não alérgica no que diz respeito à sua epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e abordagem terapêutica, usando casos clínicos como ponto de partida para o desenvolvimento dos temas.
Serão abordados 6 subfenótipos de rinite não alérgica, tendo por base a classificação proposta por Papadopoulos et al: rinite senil, rinite induzida por fármacos, rinite vasomotora (ou idiopática), rinite hormonal, rinite gustativa e rinite atrófica6. A rinite ocupacional, apesar de habitualmente incluída nos subfenótipos de rinite não alérgica, não foi incluída nesta revisão, sendo abordada individualmente noutro trabalho7.
RINITE VASOMOTORA
Caso clínico: Mulher de 64 anos com antecedentes de esclerose tuberosa e doença renal terminal, atualmente sem medicação regular. Foi referenciada por quadro sugestivo de rinite com cerca de 12 anos de evolução, com queixas perenes, desencadeados por transições térmicas e odores intensos que interferiam com a sua qualidade de vida.
Tinha testes cutâneos e IgE especif icas negativas para aeroalergénios.
O termo rinite vasomotora, ou reativa, descreve situações em que se verifica a presença de uma hiperreatividade nasal a estímulos físicos, ou químicos, e em que, após estudo, não é possível definir etiologia1.
A sua prevalência não está bem estabelecida, ainda que se reconheça que representa a maioria dos casos de rinite não alérgica8.
A fisiopatologia ainda é alvo de extenso debate. Pode resultar de disfunção autonómica. Daqui pode resultar vasodilatação, consequente edema local e diminuição da patência nasal1. Outra corrente baseia-se na sobreativação dos canais iónicos de potencial transitório, como os recetores vaniloides de potencial transitório (TRPV-1)9.
Daqui resulta um reflexo antidrómico decorrente da ativação de fibras C e mediado por neuropéptidos, como a substância P, ou o péptido relacionado com o gene da calcitonina (CGRP), o que induz vasodilatação e emissão de rinorreia9. Ainda que persistam dúvidas face ao mecanismo exato, é consensual o papel dos estímulos físicos (como o frio, as diferenças de temperatura, no grau de humidade, ou na pressão atmosférica) ou químicos (como os odores intensos, provenientes por exemplo de perfumes sintéticos, plantas, ou alimentos, ou os gases poluentes)10. É de salientar que a hiperreatividade nasal aos referidos estímulos também pode estar presente na rinite alérgica e em outros fenótipos de rinite não alérgica11.
Habitualmente manifesta-se por crises esternutatórias, rinorreia e congestão nasal que podem ser intermitentes ou persistentes1. De salientar que a presença de prurido nasal deve suscitar a suspeita de rinite alérgica associada, uma vez que não é frequente neste fenótipo de rinite. Ainda que seja uma entidade frequente, não existem estratégias terapêuticas definidas como gold standard para o seu tratamento. Dentro dos fármacos mais utilizados, em Portugal dispomos apenas da azelastina e de corticoides tópicos nasais. Curiosamente, a ação da azelastina na rinite vasomotora parece ser independente do antagonismo H1, decorrendo da dessensibilização dos TRPV-1 e da redução da libertação de substância P12,13. Os corticoides de aplicação nasal podem ser eficazes na rinite vasomotora associada a estímulos físicos14. A eficácia do brometo de ipratrópio decorre maioritariamente do antagonismo M3 e restringe-se à redução da rinorreia, apresentando pouco efeito sobre esternutação e congestão nasal15. A utilização da capsaicina para fins terapêuticos pode levar à dessensibilização e redução da expressão dos TRPV-1, podendo ser altamente eficaz na rinite vasomotora16. Porém, até à data não existem protocolos terapêuticos consensuais e de fácil implementação.
Conclusão: Este caso clínico descreve uma doente com sintomatologia compatível com rinite vasomotora. Os fatores que foram identificados como desencadeantes dos sintomas foram as variações de temperatura e exposição a odores intensos, não havendo outros fatores identificados como relevantes (nomeadamente exposição a alergénios específicos ou tratamento com fármacos potencialmente causadores de rinite induzida por fármacos). Verificou-se melhoria clínica significativa após terapêutica com associação fixa de corticoide e anti-histamínico H1 nasal.
RINITE SENIL
Caso clínico: Mulher de 80 anos, sem antecedentes pessoais relevantes ou medicação habitual. Referenciada em 2011 por quadro sugestivo de rinite, com predomínio de queixas de rinorreia aquosa bilateral, sendo os sintomas perenes, diários e com interferência na sua qualidade de vida. Os testes cutâneos por picada e IgE específicas para aeroalergénios foram negativos. Foi medicada entre 2011 e 2014 com corticoide nasal, diversos anti-histamínicos H1 orais e anti-histamínico nasal, sem melhoria.
A rinite senil é definida como rinite que ocorre em indivíduos com idade superior a 65 anos, constituindo uma condição subdiagnosticada que afeta até 29,8% da população idosa em Portugal17,18.
A regulação neuronal da via aérea superior é complexa, envolvendo a interação de nervos sensitivos, parassimpáticos e simpáticos, que regulam o epitélio, os vasos sanguíneos, e as glândulas da mucosa nasal19. A rinite senil parece resultar de um mecanismo de desregulação neurogénica que perturba o balanço da inervação entre os sistemas simpático e parassimpático, com uma hiperatividade do último. A relevância deste mecanismo é suportada pela eficácia do tratamento com brometo de ipratrópio, um anticolinérgico que reduz a gravidade e a duração da rinorreia nestes doentes17,20,21.
A principal manifestação clínica de rinite senil consiste na denominada rinorreia senil, uma secreção nasal aquosa bilateral, de início tardio, na ausência de outros sintomas nasais e de alterações anatómicas ou da mucosa nasal17,20,22,23. A rinorreia senil pode ser bastante abundante, sendo por isso muito incomodativa e levando os doentes a procurar aconselhamento médico17,24. Além disso, uma proporção importante de doentes com rinite senil pode apresentar concomitantemente rinite alérgica com a sintomatologia típica associada (forma de rinite mista).
O diagnóstico de rinite senil baseia-se na história clínica e exclusão de outras causas de rinite não alérgica, sendo exclusivo de doentes com mais de 65 anos de idade. A sintomatologia pode ser persistente, intermitente, sazonal e/ou desencadeado por certos fatores (ar frio, alterações climáticas, cheiros intensos, poluentes, químicos, exercício físico, etc.)25.
Importa referir que, na idade geriátrica, a utilidade de alguns testes diagnósticos pode ser reduzida, uma vez que a demonstração da sensibilização alérgica pode ser afetada pelo processo de envelhecimento. Assim sendo, embora o diagnóstico de rinite senil implique ausência de atopia, com testes cutâneos por picada (TCP) e/ou IgE séricas negativas, é necessário ter em conta que algumas alterações cutâneas relacionadas com o envelhecimento podem suprimir a resposta aos TCP e, como tal, ambos os exames devem ser realizados3,20. É essencial excluir e diagnosticar certas comorbilidades que poderão causar ou contribuir para esta patologia.
O diagnóstico diferencial engloba diversas patologias, nomeadamente doenças granulomatosas (como a granulomatose com poliangeíte e sarcoidose), hipotiroidismo ou fístula de líquido cefalorraquidiano (LCR). Além disso, é importante excluir, em primeiro lugar, rinite induzida por fármacos, uma vez que muitos dos fármacos utilizados nesta população poderão estar envolvidos no desenvolvimento de sintomatologia de rinite (anti-hipertensores, psicotrópicos, antagonistas alfa-adrenérgicos e inibidores da fosfodiesterase-5)20,25.
A maior parte da literatura refere o brometo de ipratrópio intranasal como tratamento de primeira linha na rinite senil. No entanto, este fármaco deve ser utilizado com precaução em doentes com glaucoma ou hipertrofia prostática17,20. De acordo com um estudo realizado em 1995, não se verificam quaisquer efeitos anticolinérgicos sistémicos com este fármaco. No entanto, são necessários mais estudos que confirmem estes resultados26. Além disso, importa destacar que, em Portugal, não são comercializados dispositivos apropriados para aplicação intranasal de brometo de ipratrópio em monoterapia (existindo apenas em associação com xilometazolina).
Assim sendo, o tratamento desta patologia passa pela utilização de anti-histamínicos tópicos e/ou sistémicos em conjunto com corticoides intranasais25. Tanto os anti-histamínicos tópicos como os corticoides nasais mostraram-se eficazes no tratamento da rinite senil. No que diz respeito aos anti-histamínicos sistémicos, os de primeira geração revelaram alguma melhoria da sintomatologia, dada a sua ação anticolinérgica, enquanto os de segunda geração mostraram uma resposta clínica reduzida no tratamento desta patologia25.
Conclusão: Este caso clínico descreve uma doente com sintomatologia compatível com rinite senil persistente, moderada a grave. Considerando a ausência de melhoria com corticoides intranasais e anti-histamínicos (orais e intranasais), optou-se por iniciar tratamento com brometo de ipratrópio intranasal, o tratamento de primeira linha deste fenótipo de rinite não alérgica, com melhoria franca dos sintomas.
RINITE INDUZIDA POR FÁRMACOS
Caso clínico: Mulher de 34 anos, sem antecedentes de relevo, sem medicação habitual. Referenciada por quadro sugestivo de rinite, com queixas nasais perenes, incluindo obstrução nasal significativa, agravadas em época polínica e que interferiam com a sua qualidade de vida. Nos últimos meses estava a utilizar diariamente descongestionantes nasais, tendo dificuldade em evitar o uso destes fármacos por noção de agravamento marcado da congestão nasal sempre que tentava suspender o tratamento. Tinha testes cutâneos positivos p0ara ácaros e pólenes.
A rinite induzida por fármacos (RIF) resulta de efeitos adversos provocados por diferentes grupos farmacológicos, podendo ser categorizada como decorrente de inflamação local, efeitos neurogénicos, ou mecanismos desconhecidos (idiopática)1. No tipo inflamatório salienta-se a RIF associada à inibição da cicloxigenase (COX)-1, por AINE, e consequente libertação de leucotrienos a nível local27. A RIF de tipo neurogénico pode resultar da diminuição do tónus simpático pela ação dos antagonistas alfa e beta-adrenérgicos, ou de efeitos vasodilatadores diretos provocados pelos inibidores da fosfodiesterase 5, entre outros. Alguns fármacos anti-hipertensores (e.g. bloqueadores beta, inibidores da enzima de conversão da angiotensina), hormonas (e.g. contracetivos orais), psicotrópicos (e.g. risperidona) e anticonvulsivantes (e.g. gabapentina) podem provocar RIF por mecanismos ainda desconhecidos27.
A rinite medicamentosa decorre da utilização prolongada, ou seja, durante mais de 5 dias, de fármacos com ação vasoconstritora nasal, sendo a forma mais prevalente de rinite induzida por fármacos1. Ainda que, habitualmente, resulte da utilização de descongestionantes nasais alfa-adrenérgicos, também pode estar associada ao consumo de cocaína, um anestésico local com ação vasoconstritora intensa27.
A utilização tópica nasal prolongada de fármacos alfa- adrenérgicos induz taquifilaxia, perda da função nasociliar, hipersecreção de muco, metaplasia pavimentosa, edema local e infiltração por linfócitos, fibroblastos e plasmócitos28.
Manifesta-se, habitualmente, por edema e rubor muito intenso da mucosa, por vezes com pontuado hemorrágico associado, resultante da friabilidade da mucosa29.
O tratamento requer uma evicção estrita de vasoconstritores nasais, algo que pode ser difícil de alcançar, uma vez que a sua resolução é lenta - por vezes é alcançada apenas ao fim de 1 ano30. Os corticoides de aplicação nasal podem ter alguma ação sobre o edema, aliviando a sintomatologia ao ponto de reduzir a tentação de recorrer novamente ao descongestionante31. Em situações mais graves, pode ser prescrito um ciclo curto de corticoides sistémicos.
Conclusão: Este caso clínico descreve uma doente com sintomatologia compatível com rinite mista (rinite alérgica e rinite medicamentosa). Foi-lhe dada indicação para suspender descongestionantes nasais e iniciar tratamento com corticoide nasal diário, com melhoria significativa ao fim de cerca de 6 meses. Apesar de os sintomas terem persistido durante vários meses, nesta doente foi possível evitar o reinício da aplicação de descongestionantes nasais, o que frequentemente é o maior desafio do ponto de vista terapêutico.
RINITE HORMONAL
Caso clínico: Mulher de 32 anos, grávida de 24 semanas, sem história conhecida de doença alérgica ou sintomas sugestivos de rinite prévios à gravidez. Foi referenciada por quadro sugestivo de rinite, com rinorreia e congestão nasal persistentes, com início pelas 16 semanas de gravidez. Estes sintomas eram incomodativos, com interferência no sono e atividades diárias. Não tinha tido sintomas sugestivos de causa infeciosa e não havia fatores desencadeantes evidentes, nomeadamente relação com exposição alergénica ou com variações de temperatura ou irritantes inespecíficos. Fez doseamento de Phadiatop® inalante que foi negativo.
As alterações hormonais durante o ciclo menstrual, puberdade, gravidez e a menopausa têm vindo a ser descritas como possíveis causas de rinite não alérgica32,33. Apesar de classicamente estar descrita a associação entre algumas patologias endócrinas, como o hipotiroidismo e a acromegalia, e este subfenótipo de rinite, a evidência a favor desta causalidade é ainda limitada34.
A fisiopatologia da rinite hormonal não se encontra completamente esclarecida, no entanto são conhecidos alguns dos mecanismos pelos quais as diferentes hormonas atuam. Os estrogénios, através da inibição da atividade da acetilcolinesterase, levam ao aumento a produção de acetilcolina pelo sistema parassimpático, que contribui para o ingurgitamento vascular e que se traduz em obstrução nasal e/ou rinorreia; o betaestradiol e a progesterona, além de induzirem o aumento da expressão dos recetores H1 da histamina no epitélio nasal e nas células do endotélio microvascular, ainda desempenham um papel na migração e/ou desgranulação dos eosinófilos35,36. Contrariamente, a testosterona diminui a ativação e sobrevida dos eosinófilos37.
A relação entre as alterações hormonais e a doença alérgica também tem vindo a ser descrita, sendo que a menarca tardia e a utilização de contracetivos hormonais têm sido apontados como potenciais fatores protetores38.
O tipo de rinite hormonal mais frequentemente descrito é a “rinite gravídica” ou “rinite vasomotora da grávida”, que se define pela presença de rinite sem identificação de causa alérgica, infeciosa ou medicamentosa, e que cursa sobretudo com rinorreia aquosa e congestão nasal. Os sintomas habitualmente persistem durante 6 ou mais semanas durante a gravidez e resolvem completamente até 2 semanas após o parto39.
O diagnóstico desta forma de rinite é fundamentalmente clínico, sendo que a investigação etiológica poderá ser protelada, na maioria dos casos, para o período pós-parto.
A “rinite gravídica”, nas suas formas mais ligeiras, pode responder a medidas não farmacológicas, como o exercício físico, a elevação da cabeceira do leito e irrigação nasal com solução salina, no entanto, nos casos moderados/graves, a utilização de ciclos de corticoides nasais, ou a aplicação de descongestionantes nasais por curtos períodos pode ser necessária40.
Conclusão: Este caso clínico descreve uma doente com sintomatologia compatível com rinite gravídica, com queixas nasais iniciadas durante a gravidez, sem que haja desencadeantes evidentes ou características que sugiram outro fenótipo de rinite. Pelo impacto dos sintomas na qualidade de vida, optou-se por iniciar tratamento com corticoide nasal, com melhoria significativa. O tratamento foi mantido até ao final da gravidez. Após o parto, a terapêutica foi interrompida sem que houvesse reaparecimento de sintomas nasais.
RINITE GUSTATIVA
Caso clínico: Homem de 61 anos, com diagnóstico de asma, seguido habitualmente no médico de família; sem outros antecedentes patológicos relevantes e sem tratamento regular além de uma associação de corticoide inalado com broncodilatador de longa duração de ação. Referenciado para consulta de Imunoalergologia por queixas de rinorreia aquosa anterior logo após o início da ingestão de refeições, principalmente refeições quentes. Estes sintomas iniciaram há cerca de 25 anos e agravaram de forma marcada nos meses anteriores à referenciação, tendo, na altura da observação inicial, grande impacto na qualidade de vida. Não refere outros sintomas nasais, oculares ou outros associados à ingestão de alimentos. Não refere outros fatores desencadeantes, ocorrendo os sintomas exclusivamente em contexto de ingestão alimentar (cessam poucos minutos após terminar a refeição). Fez testes cutâneos por picada com aeroalergénios, que foram negativos. Nos períodos de agravamento, toma anti-histamínico H1 (desloratadina), com melhoria parcial. Já fez tratamento com corticoide nasal durante 1 ano, sem melhoria significativa.
A rinite gustativa caracteriza-se por um início agudo de rinorreia aquosa ou, por vezes, mucosa, imediatamente após a ingestão de certos alimentos, frequentemente quentes e picantes, mas podendo acontecer com qualquer alimento41,42. Apesar de a sua prevalência ser desconhecida, parece atingir mais frequentemente idosos20.
Estudos recentes sugerem que a rinite gustativa se desencadeia devido a uma hiperestimulação do sistema parassimpático42. De acordo com a etiologia, ela pode ser categorizada em 4 classes: pós-traumática, geralmente como complicação de trauma da base do crânio; pós-cirúrgica, geralmente pós-parotidectomia radical; associada a neuropatia dos nervos cranianos; e idiopática41,42.
O diagnóstico da rinite gustativa é baseado na história clínica e na exclusão de outros tipos de rinite crónica. É importante a realização dos testes cutâneos por picada de forma a excluir possível reação alérgica. O teste de provocação poderá ser útil para confirmar o diagnóstico41.
Os principais diagnósticos diferenciais são alergia alimentar, rinite induzida por fármacos, rinite senil e a síndrome do nervo auriculotemporal41.
O tratamento inicial deverá passar pela evicção dos alimentos que desencadeiam sintomas. No caso desta abordagem se demonstrar insuficiente, a primeira opção terapêutica é o brometo de ipratrópio intranasal usado profilaticamente antes da ingestão alimentar41. A associação do brometo de ipratrópio com um corticoide intranasal demonstrou ser mais eficaz que qualquer um dos fármacos em monoterapia14. A atropina e o brometo de oxitrópio intranasais também são eficazes no alívio de sintomas, no entanto com mais efeitos adversos, pelo que não são recomendados por rotina14; estes fármacos não têm formulações para aplicação intranasal disponíveis em Portugal. Outros tratamentos que se têm mostrado promissores são a capsaicina tópica, a toxina botulínica tipo A e a ressecção do nervo nasal posterior41.
Conclusão: Este caso clínico descreve um doente com sintomatologia compatível com rinite gustativa, com rinorreia que ocorre exclusivamente durante a ingestão alimentar (sem que haja desencadeantes evidentes ou características que sugiram outro fenótipo de rinite). Considerando a ausência de melhoria significativa com os tratamentos feitos anteriormente optou-se por iniciar tratamento com brometo de ipratrópio intranasal antes das refeições, com melhoria franca dos sintomas.
RINITE ATRÓFICA
Caso clínico: Mulher de 45 anos, com antecedentes de rinossinusite crónica, submetida a septoplastia e turbinectomia.
Cerca de 4 anos após a segunda cirurgia iniciou quadro de congestão nasal persistente, com hiposmia, sensação de pressão malar e crostas nasais persistentes com odor fétido. Estes sintomas eram persistentes, sem fatores desencadeantes claros e sem melhoria significativa com tratamento com corticoide nasal. A observação por rinoscopia anterior mostrou crostas abundantes aderentes à mucosa nasal e corneto inferior aparentemente ausente. Foi feita tomografia computorizada dos seios perinasais, que mostrou alargamento das cavidades nasais, cornetos inferior e médio muito reduzidos (consequente a turbinectomia prévia ou a destruição óssea) e espessamento da mucosa dos seios perinasais.
A rinite atrófica caracteriza-se pela perda progressiva de epitélio da via área superior e pela presença de crostas nasais, destruição óssea, atrofia da mucosa e congestão nasal paradoxal43,44.
Apesar de ter sido caracterizada pela primeira vez em 1876 pela tríade de odor fétido, atrofia e formação de crostas da mucosa nasal, os critérios diagnósticos não estão bem estabelecidos, sendo uma patologia subdiagnosticada e frequentemente confundida com outras entidades clínicas45.
Etiologicamente distinguem-se na literatura uma forma primária e uma forma secundária43. A forma primária, com maior prevalência nos países em desenvolvimento, ocorre em indivíduos previamente saudáveis e caracteriza-se pela presença de odor fétido, estando classicamente descrita a colonização por Klebsiella ozaenae44,46. Fatores genéticos, endócrinos, anatómicos, nutricionais, autonómicos e imunitários surgem também implicados na etiologia da forma primária47. A sua forma secundária, mais prevalente nos países desenvolvidos, surge associada a cirurgia extensa dos cornetos nasais (principal causa de rinite atrófica secundária), radioterapia, terapêutica antiangiogénica e a doenças granulomatosas, como tuberculose, sífilis, sarcoidose e granulomatose com poliangeíte44.
Na sua fisiopatologia destacam-se alterações histológicas com metaplasia do epitélio colunar pseudoestratificado em epitélio escamoso, alterações vasculares, perda de cílios, células caliciformes e de células produtoras de muco, resultando em estase e numa barreira mucociliar deficitária, com frequente colonização por organismos patológicos43,44.
Manifesta-se clinicamente com obstrução nasal, rinorreia posterior purulenta, crostas, epistaxis, anosmia e pressão facial, sendo comum associar-se a sinusite44.
Identificam-se clinicamente duas apresentações distintas, a forma seca (dry), presente nos quadros de longa evolução, tipicamente com secura nasal e mucosa nasal pálida e atrófica, com adesão de crostas. Contrariamente à forma húmida (wet), presente na inflamação ativa, com rinorreia mucopurulenta44. É comum estas duas formas coexistirem na mucosa nasal, ainda que tendencialmente exista evolução para a forma seca44. A apresentação na rinoscopia é variável de acordo com o tempo de evolução da doença e existência de um processo inflamatório ou infecioso ativo44. Imagiologicamente documenta-se espessamento dos seios perinasais, perda de definição do complexo ostiomeatal, hipoplasia do seio maxilar, aumento das cavidades nasais e destruição dos cornetos inferior e médio43.
O diagnóstico é baseado em critérios clínicos, nomeadamente pela presença de 2 de 6 dos seguintes: epistaxis, anosmia, rinorreia purulenta, crostas nasais, doença inflamatória crónica das vias respiratórias e duas ou mais cirurgias nasais, durante pelo menos 6 meses44. Poderá ser confirmado por biópsia da mucosa nasal e imagiologicamente43,48.
Apesar da sua eficácia não estar estabelecida, o tratamento da rinite atrófica tem como principal objetivo o controlo sintomático e baseia-se na higiene nasal regular através de irrigação com soluções salinas e hidratação nasal45,46. Antibioterapia tópica ou sistémica deve ser considerada perante a purulência das secreções e de acordo com os resultados microbiológicos43,48. Em doentes selecionados com fraca resposta à terapêutica médica poderá ser ponderada terapêutica cirúrgica.
Conclusão: Este caso clínico é sugestivo de uma rinite atrófica secundária a trauma cirúrgico. Pela importância da observação adequada da mucosa nasal (idealmente com endoscopia nasal), foi pedida colaboração de Otorrinolaringologia que apoiou o diagnóstico de rinite atrófica e sugeriu tratamento com antibioterapia (ciprofloxacina), lavagens nasais de grande volume (duche nasal) e hidratação regular da mucosa nasal. Houve melhoria clínica significativa com o tratamento, não estando atualmente a ser equacionada a possibilidade de nova intervenção cirúrgica.
CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES FINAIS
A rinite não alérgica apresenta-se como um desafio diagnóstico, ora por habitualmente se tratar de um diagnóstico de exclusão, ora pela pluralidade de subfenótipos que engloba. Os vários subfenótipos distinguem-se pelos diferentes mecanismos fisiopatológicos subjacentes, pela diversidade de apresentações clínicas e também pela variabilidade na resposta aos diferentes tratamentos (Tabela 1).
Apesar de considerada uma entidade relativamente comum e com impacto significativo na qualidade de vida dos doentes, existem ainda várias lacunas na sua abordagem e que passam pela escassez de estudos epidemiológicos, limitando os dados disponíveis sobre a prevalência da rinite não alérgica, bem como dos seus subfenótipos; o conhecimento limitado dos mecanismos fisiopatológicos inerentes a cada subfenótipo, nomeadamente no que concerne à importância da hiperreatividade nasal; a inexistência de consenso relativamente aos meios complementares de diagnóstico mais apropriados; e, por fim, sobre qual a estratégia terapêutica (médica e/ou cirúrgica) mais adequada a cada subfenótipo. Os avanços nestes domínios levarão a melhores estratégias na abordagem desta condição.