INTRODUÇÃO
A pandemia da doença provocada pelo coronavírus 2019 (COVID-19) registou até hoje mais de 579 milhões de infeções por severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) e 6,4 milhões de mortes em todo o mundo, constituindo um intenso desafio social e económico, a par de um importante estímulo para a investigação científica 1. A patogénese da infeção desencadeada por SARS-CoV-2 levanta questões imunológicas que inquietam a comunidade científica à escala global. A infeção por SARS-CoV-2 confrontou a população mundial com novos antigénios, constituindo um teste à capacidade de produção de respostas específicas de novo 2.
A gravidade da apresentação clínica da infeção por SARS-CoV-2 é muito variável. Pode manifestar-se por doença ligeira ou mesmo assintomática, ou, pelo contrário, evoluir para doença respiratória grave até 15% dos casos, ou falência multiorgânica, com necessidade de cuidados de medicina intensiva e ventilação invasiva até 5% dos casos 3,4. Vários trabalhos identificaram fatores de risco para gravidade de infeção por SARS-CoV-2, nomeadamente o género masculino, idade avançada, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares e pulmonares, hipertensão arterial, obesidade, tabagismo ativo, doença oncológica e imunossupressão 3-5.
A gravidade da apresentação clínica da infeção por COVID-19 decorre, sobretudo, da eficácia e magnitude da resposta da imunidade inata e adquirida (humoral e celular) desenvolvida pelos indivíduos infetados 6. Apesar dos muitos avanços no conhecimento acerca dos alvos e mecanismos da resposta imunitária à infeção por SARS-CoV-2 7-9, estes não estão ainda cabalmente esclarecidos.
É expectável que os defeitos intrínsecos do sistema imunitário se possam associar a suscetibilidade aumentada à infeção por SARS-CoV-2 ou a risco acrescido de doença grave/prolongada. Os doentes com defeitos intrínsecos do sistema imunitário constituem modelos de estudo muito interessantes, uma vez que permitem estimar o contributo de diferentes vias do sistema imune para a resposta ao vírus SARS-CoV-2 e respetivo impacto clínico. Desconhece-se ainda a suscetibilidade de muitos destes doentes à infeção por SARS-CoV-2, a qualidade da resposta imediata da imunidade inata e/ou adquirida desenvolvida para controlo da infeção, incluindo respostas T e B específicas. Também não é ainda conhecido o impacto da inflamação, que contribui largamente para a gravidade das manifestações clínicas da doença COVID-19, e a longevidade das respostas específicas desenvolvidas, implicadas na capacidade de eliminação e controlo da infeção.
Estima-se que, em todo o mundo, 1 em cada 10000 a 50000 pessoas sejam afetadas por defeitos intrínsecos do sistema imunitário, totalizando mais de 6 milhões de pessoas, das quais permanecerão ainda 70 a 90% sem diagnóstico 10,11. As imunodeficiências primárias constituem um grupo heterogéneo que engloba mais de 430 entidades diferentes causadas por defeitos genéticos em um ou mais componentes da imunidade inata e/ou adaptativa 11. As manifestações clínicas das crianças e adultos afetados têm gravidade muito variável e incluem, maioritariamente, suscetibilidade aumentada a infeções, mas também maior risco de autoinflamação/autoimunidade, proliferação linfoide, alergia e doença maligna, condicionando no seu conjunto elevada morbilidade e mortalidade 11.
A agamaglobulinemia ligada ao X, ou agamaglobulinemia de Bruton, foi a primeira imunodeficiência primária descrita, no ano de 1952 11. Esta doença é causada por mutações no gene Bruton tirosina cinase (BTK), localizado no cromossoma X (Xq21.3-Xq22) 12, crucial para o desenvolvimento das células B. Doentes com mutação no gene BTK apresentam diminuição marcada da frequência de células B (<1% dos linfócitos circulantes), ausência de plasmócitos e, consequentemente, defeitos major na produção de imunoglobulinas 12. Este defeito grave de imunidade humoral associa-se necessariamente a aumento do número e gravidade de infeções, sendo a doença pulmonar e sépsis as principais causas de mortalidade nestes doentes 12. A terapêutica de substituição com imunoglobulina G polivalente é fundamental e constitui o principal modo de prevenção de infeções (12). Os doentes com agamaglobulinemia apresentam também defeitos de linfócitos T, que não são corrigidos pela terapêutica substitutiva com imunoglobulina G polivalente 13.
Seria expectável que os doentes com agamaglobulinemia ligada ao X apresentassem maior suscetibilidade relativamente à infeção por SARS-CoV-2. Apesar de limitados em número e dimensão das amostras, os resultados de diferentes estudos têm sido no entanto discordantes, relativamente não só ao putativo aumento do risco de infeção, como à gravidade da doença COVID-19 nesta população 14,15.
Com este trabalho pretendeu-se investigar a suscetibilidade de adultos com agamaglobulinemia ligada ao X à infeção por SARS-CoV-2 e reportar o espetro de manifestações clínicas e sua gravidade.
MATERIAL E MÉTODOS
Desenho do estudo
Neste estudo foram investigados doentes com agamaglobulinemia ligada ao X seguidos na consulta de Imunodeficiências Primárias do Adulto do serviço de imunoalergologia de um hospital terciário, identificando-se aqueles que apresentaram infeção por SARS-CoV-2 entre março 2020 e julho 2022.
Foram analisadas as seguintes variáveis demográficas e clínicas: idade (atual, aquando do início da sintomatologia e do diagnóstico), género, estudo genético, valor de IgG sérica pré-terapêutica substitutiva, via de administração de imunoglobulina G polivalente atual e complicações associadas à agamaglobulinemia (todas as registadas nos processos clínicos dos doentes). No que se refere à infeção por SARS-CoV-2 foram ainda analisados: data de infeção, esquema de vacinação cumprido até ao momento da infeção, valor de IgG sérica pré-infeção, sintomas associados (todos os registados/reportados), imunossupressão durante ou pré-infeção, fatores de risco para doença COVID-19 grave (diabetes mellitus; hipertensão, patologia cardíaca, pulmonar crónica, cerebrovascular, renal, cancro, tabagismo, obesidade, imunossupressão), gravidade da infeção (ambulatório assintomática, ambulatório doença ligeira, hospitalização), presença de sobreinfeção (bacteriana, fúngica, vírica), duração do internamento (se aplicável), tratamento específico (antivírico e/ou anti-inflamatório), duração de positividade de teste de RT-PCR em zaragatoa nasofaríngea e resolução (recuperação sem sequelas, recuperação com sequelas, morte).
Todos os dados apresentados foram obtidos por consulta dos registos efetuados no processo clínico (eletrónico e/ou físico) até 31 de julho de 2022. A informação relativa à infeção por SARS-CoV-2 em doentes tratados em ambulatório foi, adicionalmente, confirmada com os próprios, por via telefónica ou presencialmente, em doentes com necessidade de deslocação ao hospital.
Os procedimentos realizados neste estudo estão em conformidade com os regulamentos estabelecidos pelas recomendações da Comissão de Ética e da Associação Médica Mundial (Declaração de Helsínquia revista em 2013).
Análise estatística
A análise estatística foi realizada utilizando o programa SPSS (IBM® SPSS, Chicago, IL, EUA), versão 25. As variáveis contínuas foram apresentadas em média ou mediana, e respetivas medidas de dispersão, consoante a apresentação ou não de distribuição normal, tendo sido utilizado o teste Shapiro-Wilk para verificação.
RESULTADOS
Num total de 13 doentes em seguimento por agamaglobulinemia ligada ao X foi reportada infeção por SARS‑CoV-2 em 9 doentes entre março 2020 e julho 2022, identificando-se 2 doentes com uma segunda infeção durante este período. A caracterização epidemiológica e clínica destes 9 doentes está sumarizada na Tabela 1.
Os 9 doentes em análise tinham, à data do estudo, idades compreendidas entre os 22 e os 42 anos (média 32 ± 6,1 anos) e pertenciam a 8 famílias (2 irmãos), 7 da região de Lisboa e 2 de Caldas da Rainha, estando o seu diagnóstico confirmado por estudo genético, que evidenciou 8 variantes diferentes no gene BTK.
Como habitual na agamaglobulinemia primária, o diagnóstico de imunodeficiência e início de terapêutica substitutiva ocorreu precocemente em 8 doentes entre os 3 meses e os 3 anos. Curiosamente, apesar de não corresponder à idade de apresentação clínica mais típica, um doente apenas foi diagnosticado aos 15 anos de idade.
Os 9 doentes encontram-se atualmente sob terapêutica substitutiva com IgG polivalente, por via endovenosa (n=5) ou subcutânea (n=4) (Tabela 1). Ao longo da sua evolução, estes doentes têm apresentado complicações clínicas associadas à agamaglobulinemia semelhantes às descritas em outros coortes, nomeadamente por ordem de maior frequência, rinossinusite (n=8), diarreia crónica (n=6), bronquiectasias (n=5), conjuntivites recorrentes (n=3), hepatomegalia (n=3), esplenomegalia (n=2), gastrite (n=2) e artrite seronegativa (n=1) (Tabela 1). Relativamente às bronquiectasias, estas eram ligeiras na maioria dos doentes (n=5), sendo mais evidentes em 1 ou 2 lobos pulmonares em apenas 1 doente. De igual forma, apenas um doente apresentava alteração da espirometria e pletismografia antes da infeção por SARS-CoV-2, classificada como obstrução brônquica grave, sem reversibilidade, de acordo com os critérios European Respiratory Society/American Thoracic Society 2019.
Previamente à infeção por SARS-CoV-2 os doentes apresentavam nível médio de IgG sérica de 9,8 ± 1,5 g/L, sendo que apenas 1 doente apresentava nível sérico de IgG inferior a 7 g/L. Um doente encontrava-se sob terapêutica imunossupressora com prednisolona, em dose diária superior a 7,5mg, por rinossinusite crónica com polipose nasal. Sete doentes apresentavam fatores de risco para doença COVID-19 grave, nomeadamente bronquiectasias (n=5), diabetes mellitus insulinodependente (n=1), tabagismo ativo (n=1), obesidade (n=1) ou doença cerebrovascular (n=1).
Relativamente à distribuição por gravidade da doença COVID-19, no conjunto das 11 infeções reportadas nos 9 doentes incluídos neste estudo destaca-se a baixa gravidade da larga maioria dos episódios (infeção assintomática n=1, sintomas ligeiros n=9), sendo o sistema respiratório o mais afetado, tanto nas vias áreas superiores (n=6) como inferiores (n=5). Os sintomas reportados pelos doentes encontram-se detalhados na Figura 1, sendo a febre (n=7) e a obstrução nasal (n=6) as manifestações mais frequentes. Apenas 1 doente apresentou uma forma mais grave e prolongada de doença, com necessidade de internamento hospitalar. Trata-se de um doente de 35 anos, com diabetes mellitus tipo 1 não controlada (HbA1 11%), tabagismo ativo, obesidade (IMC 29Kg/m2) e bronquiectasias, infetado em setembro 2020, antes da disponibilização das vacinas anti-SARS-CoV-2 16. A infeção por SARS-CoV-2 manifestou-se neste doente por odinofagia, tosse, cefaleias, febre, astenia, mialgias e cursou com um total de 69 dias de internamento hospitalar distribuídos por vários períodos, com necessidade periódica de aporte suplementar de oxigénio. Apesar de terapêutica com remdesivir, manteve positividade por teste de RT-PCR para SARS-CoV-2 em zaragatoa nasofaríngea durante 270 dias. A negativação da viremia seguiu-se à terapêutica com plasma de convalescentes de COVID-19 aos dias 213 e 214 de infeção, verificando-se rápida melhoria clínica e imagiológica 17,18.
Para além do caso descrito, não foi necessário internamento em nenhum outro. De igual forma, nenhum outro doente realizou terapêuticas específicas, nomeadamente antiviral, ou apresentou doença prolongada.
Registou-se sobreinfeção bacteriana em 4 doentes, com necessidade de antibioterapia. Além do doente referido, os restantes doentes foram tratados em regime de ambulatório. Através da análise individual dos diferentes episódios (Tabela 2), verifica-se que, à data da infeção, 7 doentes apresentavam pelo menos 2 doses de vacina anti-SARS-CoV-2, 3 dos quais com esquema de vacinação completo.
O doente 8 (Tabela 2), que apresentou maior gravidade de doença, inclui-se no grupo de 3 não vacinados à data da infeção e com maior número de comorbilidades. Adicionalmente, observa-se que este doente apresentava o nível mais baixo de IgG sérica pré-infeção (6,7 g/L), tendo sido o primeiro do grupo a ser diagnosticado com infeção por SARS-CoV-2 no final do primeiro semestre do período em estudo (setembro 2020).
a Fatores de risco para gravidade da infeção SARS-CoV-2 : 1) bronquiectasias; 2) diabetes; 3) obesidade; 4) tabagismo; 5) doença cerebrovascular; 6) terapêutica imunossupressora
b Gravidade de infeção: 1) ambulatório, assintomática; 2) ambulatório, sintomas ligeiros; 3) hospitalização, enfermaria; 4) hospitalização, unidade cuidados intensivos
c Sobreinfeção: 0) não ou 1) sim
d Resolução: 0) morte; 1) recuperação, sem sequelas; 2) recuperação, com sequelas
DISCUSSÃO
O presente estudo revela uma elevada prevalência de infeção por SARS-CoV-2 no grupo de adultos com agamaglobulinemia ligada ao X sob terapêutica substitutiva com imunoglobulina G entre março 2020 e julho 2022 e evidencia a baixa gravidade da doença COVID-19 na grande maioria dos doentes avaliados. Apesar de ser sugerido que, globalmente, os defeitos de imunidade adaptativa poderão contribuir para uma evolução mais ligeira da doença, por reduzirem as complicações imunomediadas da COVID-19 14, têm sido publicados dados contraditórios relativamente ao risco acrescido de infeção grave por SARS-CoV-2 nos doentes com défice de produção de anticorpos, quando comparados com o resto da população 14,15,19,20. Ao contrário da resposta imunitária celular, que se encontra diminuída nos doentes com doença grave, a resposta humoral a esta infeção e sua correlação com a gravidade da doença são heterogéneas, existindo evidência de que títulos elevados de anticorpos poderão estar associados a doença mais grave 2,21.
Na fase inicial da pandemia, um estudo internacional multicêntrico reportou 94 casos de infeção por SARS-CoV-2 entre março e junho 2020 em crianças e adultos com defeitos primários do sistema imunitário (1/3 e 2/3 da amostra, respetivamente) 20 . A maioria destes doentes apresentava defeito de produção de anticorpos (56%), incluindo 6 doentes com agamaglobulinemia ligada ao X e 29 com imunodeficiência comum variável, caracterizada por defeito major de produção de anticorpos e defeito variável de células T. Cerca de 37% dos doentes apresentaram doença ligeira ou mantiveram-se assintomáticos e, no extremo oposto, 20% necessitaram de cuidados por Medicina Intensiva, com uma mortalidade global de 10%, incluindo 9 óbitos em doentes com defeitos primários de produção de anticorpos (20). Relativamente aos 6 doentes com agamaglobulinemia ligada ao X, metade necessitou de cuidados hospitalares, uma realidade muito diferente da apresentada no presente trabalho. Neste estudo, a comparação com dados disponíveis relativamente à população em geral revelou ainda um aumento de mortalidade e morbilidade por COVID-19 nos doentes mais jovens e em associação com os fatores de risco para doença grave já referidos 20.
Numa revisão multicêntrica de dezembro de 2021 da infeção por SARS-CoV-2, em 649 doentes com imunodeficiências primárias, Bucciol et al. verificaram que, de 59 doentes com agamaglobulinemia ligada ao X incluídos, 14% foram admitidos em unidades de cuidados intensivos, resultando em 8% de mortalidade 14. No mesmo sentido, a análise multicêntrica de 121 doentes com imunodeficiência primária, de maio de 2021, revelou a existência de uma associação entre a necessidade de terapêutica substitutiva com imunoglobulina G e a maior gravidade de doença COVID-19, o que, segundo os autores, poderá estar relacionado com a maior prevalência de bronquiectasias nos doentes com defeitos de produção de anticorpos 19.
A baixa gravidade dos casos incluídos no presente estudo, ainda que numa amostra com número limitado, reportando a quase totalidade das infeções com sintomas ligeiros, mesmo antes do esquema de vacinação completo, contrasta com outros dados apresentados que documentam inclusivamente mortalidade associada à infeção por SARS-CoV-2 em doentes com agamagobulinemia ligada ao X 19. Esta diferença poderá estar relacionada com o bom controlo clínico dos doentes, o facto de apresentarem bronquiectasias ligeiras e pela ausência de fatores de risco e comorbilidades graves na maioria dos casos.
Durante a pandemia foi facilitado o contacto, presencial e não presencial, com o médico assistente, permitindo a rápida otimização de medidas não farmacológicas e da terapêutica inalatória após diagnóstico de infeção por SARS-CoV2, o que poderá ter contribuído para a evolução mais favorável destes doentes. Adicionalmente realça‑se que a maioria das infeções reportadas ocorreu após 2 anos de pandemia, sob cobertura vacinal otimizada e possivelmente face a variantes virais mais transmissíveis, mas com menor gravidade.
Têm sido reportados casos de persistência de positividade para SARS-CoV-2 em viremia ou por RT-PCR em zaragatoa nasofaríngea em doentes com agamaglobulinemia ligada ao X 22. Estes casos levantam preocupação de cariz de saúde pública, já que podem facilitar a evolução viral e emergência de novas variantes. Salientamos que no presente estudo a quase totalidade das infeções apresenta duração de positividade inferior a 30 dias.
No entanto, distingue-se um caso pela maior gravidade e duração da infeção (270 dias), que cursou com internamento hospitalar e necessidade transitória de aporte de oxigénio. Neste caso, a negativação da viremia SARS‑CoV2 ocorreu após administração de plasma de convalescentes, um dado a favor do uso desta terapêutica, à semelhança de casos idênticos reportados na literatura 18. Um estudo multicêntrico, publicado em 2021, que reportou a evolução da doença COVID-19 em 121 doentes com imunodeficiências primárias, documentou 6 mortes, 2 das quais em doentes com agamaglobulinemia ligada ao X 19. Estes 2 doentes tinham como comorbilidade obesidade e um deles, também, bronquiectasias.
Estes fatores de risco, em associação com diabetes mellitus, eram também apresentados pelo doente com infeção de maior gravidade e duração mais prolongada da nossa população, enfatizando a influência das comorbilidades na evolução da doença.
Em sentido oposto, será importante salientar o contributo das células T na resposta à infeção natural por SARS-CoV-2 ou após estimulação vacinal, o qual parece ser preponderante na mitigação da gravidade desta infeção 23-26.
Durante o decorrer da pandemia, tornou-se ainda evidente o benefício da utilização de terapêuticas monoclonais anti-SARS-CoV-2 nos doentes com defeito de produção de anticorpos, traduzido através da redução do número de hospitalizações e mortalidade (23). Pelo risco de progressão para doença grave alguns centros internacionais delinearam ainda critérios para a utilização de terapêutica antiviral e de anticorpos monoclonais em doentes com imunodeficiências com infeção por SARS-CoV-2, em regime de internamento e de ambulatório27. No entanto, nenhum dos doentes deste estudo foi submetido a estas terapêuticas. Adicionalmente, o racional para a sua utilização atual é questionável, atendendo aos títulos crescentes de IgG anti-SARS-CoV-2 presente nas formulações correntemente em uso na terapêutica de substituição com imunoglobulina IgG.
A avaliação da infeção por SARS-CoV-2 em cada um dos doentes da presente amostra encontra-se limitada pela ausência de dados relativos às variantes e respetiva carga viral, assim como à duração exata de positividade através de teste RT-PCR. Por fim, a dimensão da amostra não nos permite inferir os fatores de risco para doença causada por SARS-CoV-2; no entanto, será interessante referir que os 4 doentes seguidos no mesmo centro por agamaglobulinemia ligada X que não tiveram diagnóstico de infeção por SARS-CoV-2 durante o período do estudo apresentam idades e condição clínica semelhantes ao grupo de doentes com história de infeção.
CONCLUSÃO
Os doentes com agamaglobulinemia ligada ao X apresentam defeito major da imunidade humoral. No presente estudo relatamos a baixa gravidade da infeção por SARS-CoV-2 na maioria dos adultos em seguimento com aquele diagnóstico. A análise detalhada de um caso de maior gravidade e duração sugere a possível relação com comorbilidades e com a ausência de exposição prévia a vacina anti-SARS-CoV-2. A evolução favorável deste caso com a utilização de plasma de convalescentes acrescenta dados a favor da segurança e eficácia deste tratamento, nos casos de infeção por SARS-CoV-2 persistente / moderada a grave, em doentes com deficiência major de produção de anticorpos.