INTRODUÇÃO
O coco (Cocos nucifera) é uma fruta que pertence à família das Aracaceae (palmeiras). O termo é derivado do português do século XVI e da palavra espanhola “coco”, que significa “cabeça” ou “caveira”. O óleo e o leite derivados do coco são comummente usados na culinária, bem como na produção de sabonetes, cosméticos e outros produtos de higiene pessoal. São raros os casos descritos na literatura de alergia ao coco mediada por IgE 1,2,3,4. No entanto, apesar da baixa prevalência de alergia ao coco, estão descritas reações anafiláticas e não anafiláticas, sendo as segundas mais prevalentes 1,2,3,4,5,6. Os autores apresentam o caso clínico de um doente com alergia alimentar ao coco, com início de sintomas em idade adulta.
CASO CLÍNICO
Doente do género masculino com 35 anos, enviado à consulta de Imunoalergologia em 2017 por episódios reprodutíveis de prurido orofaríngeo com ingestão de alimentos com coco ralado, sem outros sintomas associados, nomeadamente sintomas sistémicos, desde 2016. Até então ingeria coco ralado sem sintomas. Não ingeria coco fresco ou água de coco. Negava ainda conhecer utilização de produtos cutâneos com coco. Sem sintomas associados à ingestão de outros frutos frescos ou de frutos de casca rija. Apresentava ainda diagnóstico de rinite alérgica a ácaros, fâneras de animais, pólen de gramíneas desde há 20 anos, controlado com aplicação de corticoide tópico nasal bidiário.
Do estudo realizado efetuou inicialmente testes cutâneos por picada para extrato comercial Leti® de coco, ameixa, ananás, banana, cereja, figo, quivi, laranja, maçã, melancia, morango, pêssego, uva, amêndoa, castanha, noz, pinhão, pistáchio, avelã e amendoim, que foram positivos para coco com pápula de 10mm, histamina 6 mm e negativos para os restantes. Posteriormente, realizou estudo analítico com doseamento de IgE total de 539 kU/L e doseamento de IgE específica usando o ImmunoCAP FEIA System® (Thermo Fisher Scientific, Uppsala, Sweden): coco 7,47 kUA/l.
Foi ainda efetuado estudo da massa molecular de proteínas capazes de reagir com a IgE específica, através do método de SDS-PAGE immunoblotting em duas condições de eletroforese (não redutoras, sem 2-mercaptoetanol, e redutoras, com 2-mercaptoetanol) segundo o método de Laemmli 7. Usado extrato de polpa de coco e extrato de água de coco (extratos proteicos de polpa e água de coco, mediante homogeneização em tampão fosfato-salino (15% W/V) (50 mM phosphate buffer, 100 mM NaCl, pH 7.5), destilação com água destilada e liofilização), com perfis de ligação da IgE muito semelhantes em ambos os extratos (Tabela 1 e Figura 1). Por último foi submetido a prova de provocação oral com coco ralado, que foi positiva para uma dose cumulativa de 4 g de coco. Após a ingestão, de forma imediata apresentou rinorreia serosa, prurido ocular e lacrimejo, prurido na orofaringe, pieira e tosse seca. Ao exame objetivo observou-se hipertrofia moderada bilateral dos cornetos inferiores, hiperemia do palato mole, hiperemia ocular, eritema da face e do pescoço e, à auscultação pulmonar, sibilância bilateral.
A reação foi tratada com sucesso e, por se tratar de uma anafilaxia, reação sistémica e potencialmente fatal, realizou-se terapêutica de primeira linha com a administração intramuscular de 0,5 mg de adrenalina, e adicionalmente toma oral de 10 mg de cetirizina e de 32 mg de metilprednisolona.
O doente foi notificado como alérgico ao coco e cumpre evicção alimentar de coco desde o diagnóstico, sem ingestão acidental até à data. É portador de caneta autoinjetora de adrenalina e do plano de emergência escrito.
DISCUSSÃO
Apesar de mais frequentemente descrito em idade pediátrica, existem também casos de alergia ao coco descritos com início apenas em idade adulta, sendo este caso um deles.
A manifestação clínica referida pelo doente era apenas prurido orofaríngeo, mas a prova de provocação desencadeou uma reação anafilática, o que poderá ser explicado pela quantidade de coco ingerida. Na prova de provocação oral foi ingerido o total cumulativo de 4 g de coco e o doente apresentava previamente sintomas associados à ingestão de pequenas quantidades de coco.
Foram já identificados como alergénios do coco a Coc n 2 (uma globulina 7S) e a Coc n 4 (uma globulina 11S) 8. Está ainda identificado a Coc n 1 (alergénio do pólen de Cocos nucifera). A identidade das proteínas do coco fixadoras de IgE detetadas neste estudo não foi determinada; no entanto, dada a similaridade da massa molecular das bandas detetadas e da massa molecular das proteínas que foram descritas para a globulina 7S (aproximadamente 24 kDa, 22 kDa e 16 kDa); e para a globulina 11S (aproximadamente 55 kDa; 34 kDa e 24 kDa) 9, as proteínas identificadas podem tratar-se das Coc n 2 e Coc n 4.
Desta forma, os cuidados a ter perante os resultados obtidos devem ser os mesmos recomendados nos doente com alergia por sensibilização a proteínas de armazenamento, que são habitualmente resistentes à desnaturação térmica, química e proteolítica, tendo em conta a possibilidade de provocarem reações sistémicas graves e serem responsáveis por reatividade cruzada com significado clínico. Está descrita a reatividade cruzada entre o coco e macadâmia, amêndoa, noz, avelã, lentilhas e o látex, quando envolvidas as globulinas 7S e 11S 10.
CONCLUSÃO
A alergia ao coco é rara, sendo o conhecimento sobre esta alergia ainda limitado. Os autores apresentam um caso de alergia alimentar ao coco com início em idade adulta. O doente descrito neste caso clínico apresentou IgE específicas que reagiram com proteínas do coco e a prova de provocação oral foi positiva, o que confirmou o diagnóstico de alergia ao coco. Em relação às proteínas identificadas, dada a sua similaridade com as globulinas 7S e 11S, pode assumir-se a possibilidade de se tratar de proteínas de armazenamento. Dado o uso crescente de produtos de coco comercialmente disponíveis, é importante conhecer o seu potencial alergénico, podendo a identificação dos alergénios moleculares ter um papel no correto diagnóstico destes doentes e potencialmente evitar reações sistémicas graves, nomeadamente anafilaxia.